Acessibilidade / Reportar erro

O USO DO MÚSCULO ESTERNOMASTÓIDEO COMO " FLAP " NA RECONSTRUÇÃO PARCIAL DA PAREDE ESOFÁGICA CERVICAL EM BOVINOS

THE USE OF STERNOMASTOID MUSCLE FLAP IN THE PARTIAL RECONSTRUCTION OF BOVINE CERVICAL ESOPHAGEAL WALL

Resumos

Com o objetivo de testar a eficiência do músculo esternomastóideo em forma de flap muscular como alternativa para a correção de defeitos na parede esofágica cervical, foram utilizados 20 bovinos, divididos em dois grupos (A e B) e quatro subgrupos (A1, A2, B1, B2). Esses animais foram submetidos à ressecção de segmento esofágico, que foi corrigido com a fixação do músculo esternomastóideo. Nos animais do grupo A foi removido segmento de 3 x 6cm e nos do grupo B, segmento de 3 x 3cm. O acompanhamento pós-cirúrgico foi feito clinicamente com exames laboratoriais (leucograma, fibrinogênio e proteínas plasmáticas) e radiológicos contrastados com sulfato de bário, por um período de trinta dias (subgrupos A1 e B1) e quarenta e cinco dias (subgrupos A2 e B2). Ao final desses períodos, os animais foram sacrificados, necropsiados e os esôfagos examinados macro e microscopicamente. Foi observado que o flap muscular é eficiente na vedação de feridas esofágicas oferecendo leito adequado para regeneração epitelial.

flap; muscular; esôfago e cirurgia em bovinos


The efficiency of sternomastoid muscular flap as alternative to lesion correction in esophageal wall was tested. Twenty bovines divided in two groups (A and B) and four subgroups (A1, A2, B1, B2) were utilized. These animals were submitted at esophageal segment excision. In the bovines of the group A, were removed a 3 x 6cm esophageal segment and in the group B, 3 x 3cm esophageal segment, that was corrected with sternomastoid muscle fixation. The pos-operative clinical attendance was done with laboratorial tests (leukogram, fibrinogen and plasma protein) and contrasted esophagram during a period of thirty days (subgroup A1 and B1) and forty five days (subgroup A2 and B2). At the end of these periods, the animals were sacrificed, necropsed and the esophagus were evaluated by gross and microscopic examination. It was observed that muscular flap is efficient in the enclosure of esophageal wound, offering adequate surface to epitelial regeneration.

muscular flap; esophagus and bovines surgery


O USO DO MÚSCULO ESTERNOMASTÓIDEO COMO " FLAP " NA RECONSTRUÇÃO PARCIAL DA PAREDE ESOFÁGICA CERVICAL EM BOVINOS

THE USE OF STERNOMASTOID MUSCLE FLAP IN THE PARTIAL RECONSTRUCTION OF BOVINE CERVICAL ESOPHAGEAL WALL

Emerson Antonio Contesini1 1 Médico Veterinário. Aluno do Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 97119-900 - Santa Maria. RS. Ney Luiz Pippi2 1 Médico Veterinário. Aluno do Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 97119-900 - Santa Maria. RS. Heitor José Cervo1 1 Médico Veterinário. Aluno do Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 97119-900 - Santa Maria. RS. Iandara Silva Silveira1 1 Médico Veterinário. Aluno do Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 97119-900 - Santa Maria. RS.

RESUMO

Com o objetivo de testar a eficiência do músculo esternomastóideo em forma de flap muscular como alternativa para a correção de defeitos na parede esofágica cervical, foram utilizados 20 bovinos, divididos em dois grupos (A e B) e quatro subgrupos (A1, A2, B1, B2). Esses animais foram submetidos à ressecção de segmento esofágico, que foi corrigido com a fixação do músculo esternomastóideo. Nos animais do grupo A foi removido segmento de 3 x 6cm e nos do grupo B, segmento de 3 x 3cm. O acompanhamento pós-cirúrgico foi feito clinicamente com exames laboratoriais (leucograma, fibrinogênio e proteínas plasmáticas) e radiológicos contrastados com sulfato de bário, por um período de trinta dias (subgrupos A1 e B1) e quarenta e cinco dias (subgrupos A2 e B2). Ao final desses períodos, os animais foram sacrificados, necropsiados e os esôfagos examinados macro e microscopicamente. Foi observado que o flap muscular é eficiente na vedação de feridas esofágicas oferecendo leito adequado para regeneração epitelial.

Palavras-chave: flap, muscular, esôfago e cirurgia em bovinos.

SUMMARY

The efficiency of sternomastoid muscular flap as alternative to lesion correction in esophageal wall was tested. Twenty bovines divided in two groups (A and B) and four subgroups (A1, A2, B1, B2) were utilized. These animals were submitted at esophageal segment excision. In the bovines of the group A, were removed a 3 x 6cm esophageal segment and in the group B, 3 x 3cm esophageal segment, that was corrected with sternomastoid muscle fixation. The pos-operative clinical attendance was done with laboratorial tests (leukogram, fibrinogen and plasma protein) and contrasted esophagram during a period of thirty days (subgroup A1 and B1) and forty five days (subgroup A2 and B2). At the end of these periods, the animals were sacrificed, necropsed and the esophagus were evaluated by gross and microscopic examination. It was observed that muscular flap is efficient in the enclosure of esophageal wound, offering adequate surface to epitelial regeneration.

Key words: muscular flap, esophagus and bovines surgery.

INTRODUÇÃO

A pouca seletividade na apreensão de alimentos, o manejo, além da própria localização anatômica, predispõem os bovinos a uma série de lesões esofágicas que podem interferir na alimentação, produtividade e mesmo na sobrevivência dos mesmos.

PEACOCK & VAN WINKLE (1976) descreveram o esôfago como sendo um órgão tubular, cuja mais importante função, a deglutição, é dependente da qualidade física específica e da função fisiológica, tanto na distenção como na coordenação uniforme de contração e relaxamento.

Segundo ZILBERSTEIN et al (1987), são utilizadas várias opções na substituição de tecido esofágico lesado, como estruturas biológicas e materiais sintéticos. O tecido muscular tem apresentado resultados satisfatórios como substituto onde haja perda tecidual e que apenas uma simples sutura não seja o suficiente para reconstituir o trânsito esofágico. O flap muscular apresentou resultados satisfatórios na substituição de segmento esofágico lesado em eqüinos (HOFFER et al, 1977), em caninos (HOFFER, 1985; PARKER & CAYWOOD, 1987; STRAW et al, 1987 e CONTESINI & PIPPI, 1991) e em humanos (CHEN et al, 1987; FRIEDMAN et al, 1988).

O aumento do aporte sanguíneo para a área lesada, promovido pelo flap muscular interfere diretamente na qualidade e no tempo de cicatrização da ferida (BRYANT & EISEMAN, 1965; CHEN et al, 1987 e FRIEDMAN et al, 1988).

A resistência da mucosa esofágica constituída por um epitélio estratificado escamoso, foi considerado por CALIGIURI et al (1989) como argumento suficiente à inclusão dessa camada na sutura da parede esofágica em cães. Gorodiche & Jourdan apud QUESSADA et al (1986) alegaram que a camada mais resistente da parede esofágica é a submucosa e que a inclusão da mucosa na sutura é inútil.

Diversas opções de material de sutura em diferentes espécies foram encontradas na literatura pesquisada (BRYANT & EISEMAN, 1965; SINGH & TYAGI, 1972; HOFFER, 1985; QUESSADA et al, 1986; PARKER & CAYWOOD, 1987 e CONTESINI & PIPPI, 1991), sendo o nylon o mais indicado. O emprego de síntese interrompida nas anastomoses esofágicas foi proposto por PEACOCK & VAN WINKLE (1976) em humanos, DERKSEN & STICK (1983) em eqüinos e PARKER & CAYWOOD (1987) em caninos. Estes argumentaram que a sutura contínua, embora ostente maior capacidade de vedação apresenta maior comprometimento do afluxo sangüíneo local.

O conteúdo que porventura extravase do lume esofágico pode ser removido do campo cirúrgico com lavagem abundante e sob pressão com povidine diluído a 0,1% em solução isotônica de cloreto de sódio, após o selamento do lume com o flap muscular (HOFFER et al, 1977; WILMOT et al, 1989 e CALIGIURI et al, 1989).

DERKSEN & STICK (1983), STRAW et al (1987) e PARKER et al (1989) sugeriram a inclusão de exames radiológicos com sulfato de bário por via oral no acompanhamento da cicatrização durante o período pós-operatório. FREEMAN (1982) descreveu a presença de linhas longitudinais, estriações radioluscentes separadas por filetes de sulfato de bário ao longo da mucosa esofágica, como sendo a imagem tradutora de um processo cicatricial adequado para os eqüinos.

O valor para a proteína plasmática em bovinos adultos saudáveis é 7,0 a 8,5g/100ml e do fibrinogênio plasmático de 300 a 700mg/100ml. O aumento de fibrinogênio ocorre geralmente em resposta a qualquer desordem nos bovinos, e a elevação maior é prevista em reações inflamatórias agudas e crônicas. A contagem de leucócitos nos bovinos com doenças inflamatórias podem ser enganosas, pois a leucopenia pode estar presente em estágios iniciais da doença e posteriormente o valor mais elevado pode não ultrapassar aos normais de 4000 a 12000/mm3 de sangue (SCHALM, 1976).

Diversos fatores podem influenciar no desenvolvimento dos resultados da cirurgia esofágica. Alguns deles independem da qualidade do ato cirúrgico, pois são inerentes à própria constituição anátomo-fisiológica do órgão. São eles: ausência da camada serosa (PEACOCK & VAN WINKLE, 1976 e PARKER et al, 1989); suprimento sanguíneo deficiente em humanos (PEACOCK & VAN WINKLE, 1976) ou segmentado nos caninos (PAVLETIC, 1981); constante movimentação esofágica (CHEN et al, 1987), contrariando os princípios básicos da cicatrização (HOFFER, 1985); incapacidade do músculo esofágico de suportar sutura (FREEMAN, 1982); pouca tolerância do esôfago à tensão e distensão longitudinal (HOFFER, 1985); ausência de omento (PARKER et al, 1989); posição anatômica do esôfago (PEACOCK & VAN WINKLE, 1976) e debilidade do paciente (HOFFER, 1985). Estas são algumas causas dos resultados indesejáveis nas cirurgias esofágicas.

Em casos de deiscência de sutura com extravasamento de conteúdo, a morte do animal pode ser decorrente da contaminação tecidual provocando disseminação até o mediastino e pleura com mediastinite, abscessos mediastínicos e pleuris, respectivamente. Piotórax e septicemia também foram descritas como conseqüências de extravasamento de conteúdo esofágico por FRE-EMAN (1982) e PARKER et al (1989).

A excelente regeneração do epitélio esofágico é feita basicamente por migração epitelial, segundo PEACOCK & VAN WINKLE (1976). A camada muscular do esôfago apresenta capacidade cicatricial limitada e consiste na formação de tecido cicatricial fibroso (PEACOCK & VAN WINKLE, 1976 e FREEMAN, 1982).

Este experimento teve como objetivo testar a eficiência do músculo estenomastóideo em forma de flap muscular como alternativa para correção de defeitos na parede esofágica cervical em bovinos. É testada a hipótese desse músculo proporcionar um leito para a proliferação epitelial e regeneração da mucosa.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 20 bovinos, sem raça definida, machos e fêmeas, com peso variando entre 116 e 293kg, com idade de 10 a 30 meses, considerados clinicamente sadios. Divididos em dois grupos (A e B) e quatro subgrupos (A1, A2, B1, B2). os animais foram submetidos à ressecção de um segmento esofágico de tamanho variável.

Nos animais do grupo A foi removido um segmento de 3 x 6cm e nos do grupo B um segmento de 3 x 3cm, os quais foram substituídos por flap muscular, constituído pelo músculo esternomastóideo. Esses animais foram observados clinicamente com acompanha-mento laboratorial e radiológico por um período de trinta dias (subgrupos A1 e B1) e quarenta e cinco dias (subgrupos A2 e B2).

O subgrupo A1 foi formado por quatro animais, os subgrupos B1 e B2 por cinco cada, e o subgrupo A2 por seis.

Os bovinos foram everminados com albendazole na dosagem de 10mg/kg per os, sendo repetida a aplicação sessenta dias após com cloridrato de levamisol a 7,5%, na dosagem de 3,75mg/kg por via subcutânea.

O período pós-operatório foi constituído por jejum de 24 horas, pesagem do animal, colheita de sangue venoso imediatamente antes da cirurgia (tempo zero) e aplicação da primeira dosagem de uma associação de penicilinas na dose de 20.000UI/kg com estreptomicinaa 10mg/kg por via intramuscular. A tranqüilização foi feita com acetilpromazinab na dosagem de 0,1 mg/kg por via venosa, quando o animal foi contido e acomodado na mesa cirúrgica em decúbito lateral direito. O pescoço permanecia distendido e a cabeça num plano inferior ao do restante do corpo. A tricotomia foi feita de maneira ampla na região cervico-lateral esquerda.

A antissepsia foi constituída por álcool-iodo-álcool e a anestesia por aplicação subcutânea e profunda de cloridrato de lidocaína a 2% no terço médio da região cervical, dorsalmente ao sulco jugular esquerdo.

A incisão cutânea foi linear, de aproximadamente 25cm de comprimento. Em seguida foi incidido o músculo braquiocefálico e feita divulsão romba da tela subcutânea, liberando o músculo esternomastóideo em 15cm do seu leito conjuntivo. Seguindo a divulsão tecidual no plano subjacente ao músculo, foi localizado o esôfago em posição dorso-lateral esquerda à traquéia.

O esôfago foi liberado de seu leito com dissecação romba numa extensão aproximada de 15cm. Imediatamente após, o órgão foi exteriorizado e o campo cirúrgico protegido por compressas de gaze, umedecidas com solução isotônica de Cloreto de Sódio, sob o segmento esofágico exposto. Duas pinças intestinais de Doyen foram fixadas, dispostas uma em cada extremidade do segmento esofágico na intenção de prevenir o refluxo de conteúdo digestivo (saliva e suco ruminai) para o campo operatório (Figura 1).


Após ter sido demarcada a área a ser incisada com auxílio de uma régua plástica foram efetuados quatro pontos de reparo na parede do esôfago, dispostos num formato quadrangular. A ressecção foi feita com auxílio de tesoura Metzembaum. Em toda a extensão das bordas da ferida foram distribuídos pontos de Wolff (Figura 1).

O músculo esternomastóideo dissecado foi levemente desviado em sentido ventral sendo sobreposto ao defeito esofágico e os fios distribuídos nas bordas da ferida do esôfago, transpassados individualmente, obedecendo a mesma distribuição efetuada nas bordas daquele órgão (Figura 2). Foram feitos os nós finalizando os pontos de Wolff, promovendo coaptação entre o músculo e o esôfago, procurando assim obter completa vedação do lume. As pinças intestinais de Doyen foram removidas e observada a deglutição salivar para confirmação da ausência de extravasamento de conteúdo no campo operatório. Posteriormente as gazes que protegiam as estruturas locais foram removidas e o campo cirúrgico lavado abundantemente com solução isotônica de cloreto de sódio e polivinilpirrolidona (PVP-I) c a 0,1%. A fascia muscular foi suturada com pontos de Reverdin, a tela subcutânea com pontos do tipo Gelly e a pele com pontos simples separados. Em todos os planos de sutura foi utilizado fio monofilamento de poliamida 0,40d não cirúrgico.


Durante o ato cirúrgico o animal foi medicado com escinato de sódioe na dosagem de 0,1 mg/kg, por via venosa, sendo repetida a aplicação a cada vinte e quatro horas, num total de três aplicações. Também a antibioticoterapia foi repetida durante o pós-operatório a cada quarenta e oito horas, perfazendo um total de quatro aplicações. Associado aos medicamentos injetáveis foi utilizado spray repelente tópico e os pontos de sutura cutânea foram removidos no décimo dia após a cirurgia.

Os bovinos foram mantidos em jejum sólido por mais três dias a partir da cirurgia, tendo acesso a água ad libitum após o retorno completo da tranqüilização. No quarto dia de pós-operatório receberam alimentação constituída por pastagem verde, tenra, cortada, em pequena quantidade, sendo aumentada gradativamente até a completa readaptação à alimentação. Após readaptados, foram soltos nos potreiros, onde tinham pastagem à vontade, além de alfafa em forma de feno.

O acompanhamento laboratorial foi constituído por três colheitas de sangue venoso: T0, imediatamente antes da cirurgia; T1, três dias após e T2 quinze dias depois da realização da cirurgia. Nessas amostras foram realizados leucograma e avaliação de fibrinogênio e proteínas plasmáticas. O controle radiológico foi quinzenal, com esofagograma contrastado, utilizando 150ml de sulfato de bário a 100% f por via oral.

Os animais foram observados diariamente e avaliada a capacidade de deglutição e ruminação.

No final de cada período de observação os animais foram sacrificados, necropsiados, os esôfagos colhidos, examinados macroscopicamente e conservados em solução de formalina a 10%, sendo enviados ao Departamento de Patologia para processamento e avaliação por microscopia óptica. A coloração utilizada na confecção das lâminas foi a Hematoxilina e Eosina (HE).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A opção pelo tecido muscular para corrigir defeitos esofágicos foi feito basicamente pela sua abundante vascularização, facilitando significativamente a cicatrização da ferida (BRYANT et al, 1965; CHEN et al, 1987 e FRIEDMAN et al, 1988), além de favorecer o transporte de medicamentos, o que facilitou o controle de infecções.

A inclusão da camada mucosa na sutura esofágica foi sugerida por CALIGIURI et al (1989) baseados na existência de um epitélio resistente. Essa sugestão contribuiu para o êxito desse experimento, uma vez que foi desejada maior resistência no local da vedação da ferida.

CARACHI et al em 1984, relatou a possibilidade de contaminação da cirurgia com a penetração do fio de sutura pela mucosa Essa hipótese foi atenuada com a utilização de fio poliamida monofilamento, pois conforme sugestão feita por SINGH & TYAGI (1972), HOFFER (1985), QUESSADA et al (1986), ZILBERSTEIN et al (1987), PARKER & CAYWOOD (1987) e CONTESINI & PIPPI (1991), o nylon por ser monofilamentado determina menor reação inflamatória e diminui sensivelmente a possibilidade de contaminação.

A síntese do tipo interrompida na vedação do defeito esofágico parece não ter interferido no processo cicatricial, pois conforme PEACOCK & VAN WINKLE (1976), DERKSEN & STICK (1983) e PARKER & CAY-WOOD (1987), a escolha da síntese deve ser baseada no comprometimento mínimo do afluxo sanguíneo local. O recobrimento dos pontos de sutura pela mucosa demonstrou que esses não comprometeram a proliferação do epitélio.

A lavagem abundante e sob pressão de todo o campo operatório com povidine diluído a 0,1% em solução isotônica de cloreto de sódio preveniu a infecção. Esse procedimento foi sugerido por HOFFER et al (1977), WILMOT et al (1989) e CALIGIURI et al (1989) que alegaram ter diminuído substancialmente a contaminação local. Nesse experimento esse esquema foi associado à antibioticoterapia profilática

Nos exames físicos foram observados: presença de apetite, manifestada por interesse no alimento de animais alojados em baias vizinhas imediatamente após a cirurgia; ruminação e deglutição do conteúdo ruminal que foram mantidos durante todo o período imediato à cirurgia, embora com freqüência inferior à fisiológica nos três primeiros dias de pós-operatório. A partir do quarto dia, quando os animais começaram a receber gradativamente alimentos, foram observados alguns casos de regurgitação. Esse fato deveu-se a sensibilidade dolorosa no local da ressecção nos primeiros dias de cicatrização. A observação de tosse não produtiva eventual nos primeiros dez dias, provavelmente tenha sido em decorrência à irritação compressiva à traquéia pêlos tecidos edemaciados.

O período de jejum pós-operatório foi estabelecido no intuito de amenizar as conseqüências do atrito mecânico entre o bolo alimentar e a ferida cirúrgica A completa supressão desse atrito não foi possível pela continuidade da deglutição de saliva e da ruminação. Em animais com patologia esofágica que tenha indicação cirúrgica, esse jejum não deve ser prescrito, devendo ser substituído por alimentação parental.

Quatro bovinos não sobreviveram ao período de observação pré-determinado. Dois deles apresentaram deiscência em todos os planos de sutura sendo reoperados imediatamente após o diagnóstico, não sobrevivendo ao trauma. Esses dois animais foram submetidos a manejo inadequado no pós-operatório imediato, predispostos aos mais diversos traumas. Na necropsia foram observadas mediastinite, pleuris fibrinosa local, além de trajeto fistuloso recoberto por fibrina na região cervical. Esses achados são compatíveis com as descrições feitas por FREEMAN (1982) e PARKER et al (1989). Os outros dois animais foram a óbito por razões específicas desconhecidas, tendo sido observado enterite hemorrágica em um e edema perirenal em outro.

Os outros dezesseis animais apresentaram o esofagograma contrastado com sulfato de bário, realizado de acordo com as sugestões feitas por DERKSEN & STICK (1983), STRAW et al (1987) e PARKER et al (1989), imagem radiológica compatível com o processo cicatricial descrita por FREEMAN (1982), demonstrando linhas longitudinais com estriações radioluscentes separadas por filete de sulfato de bário.

Os valores médios do leucograma, fibrinogênio e proteínas plasmáticas, permaneceram dentro dos parâmetros fisiológicos no pós-operatório. Apenas o valor médio do fibrinogênio ultrapassou esses parâmetros no terceiro dia após a cirurgia Essa elevação é compatível com a evolução do processo inflamatório presente nos primeiros dias após a cirurgia, retornando aos valores normais após ter cessado a inflamação. Esse fato acompanha a descrição feita por SCHALM em 1976.

Dos animais sacrificados ao final do período pré-estipulado, em oito a mucosa apresentou uma área circular, com diâmetro variável entre 2 e 10mm, de coloração opaca (Figura 3). Isso demonstrou que para esses bovinos os períodos de observação não foram suficientes para a concretização do processo cicatricial, permanecendo uma pequena área da musculatura desprovida de revestimento epitelial. Nos oito animais restantes a cicatrização estava completa, com o epitélio recobrindo toda a área do defeito provocado na parede esofágica (Figura 4). Houve amostras de todos os subgrupos nas duas situações de cicatrização.



Histologicamente foi observada regeneração total do epitélio esofágico em dois animais do subgrupo A1 e dois do A2; em um animal do subgrupo B1 e três do B2. O aspecto histológico nesses casos, não variou de um período para outro e mostrou epitélio baixo com aspecto semelhante ao normal. O tecido conjuntivo da submucosa mostrava-se proliferado em alguns e o tecido muscular exibia discretos sinais degenerativos com fibroplasia e alguns granulomas tipo corpo estranho frente a restos de fio de sutura.

No esôfago dos animais que não tiveram a completa regeneração do epitélio recobrindo a ferida cirúrgica (dois do subgrupo A1 e dois do A2; três do subgrupo B1 e um do B2), o aspecto histológico também foi semelhante ao dos dois períodos. Foi observado tecido de granulação recente rico em vasos e fibroblastos ou mais antigo com menor quantidade de vasos e mais colágeno interposto entre o epitélio. O infiltrado inflamatório constou de macrófagos, plasmócitos e polimorfonucleares neutrófilos. O epitélio mostrava nas bordas desse tecido, sinais regenerativos, caracterizados por espessamento, projeções papilares profundas e células grandes de núcleos bem corados. Em alguns casos o epitélio já recobria parcialmente o tecido de granulação e, em um, havia proliferação epitelial revestindo trajeto fistuloso. O tecido muscular subjacente, em todos os casos, mostrava sinais degenerativos com proliferação fibrosa em maior ou menor extensão e focos granulomatosos, alguns com células gigantes, envolvendo restos de fios de sutura.

A migração foi sugerida como o principal mecanismo de regeneração do epitélio esofágico por PEACOCK & VAN WINKLE em 1976, e a substituição do tecido muscular lesado por tecido conjuntivo fibroso como forma de cicatrização muscular por PEACOCK & VAN WINKLE (1976) e FREEMAN (1982). Os dois processos foram observados na cicatrização dos animais desse experimento.

CONCLUSÕES

Mediante os resultados obtidos nas condições desse experimento é possível concluir que:

1- o músculo esternomastóideo é uma alternativa indicada para reconstruir a parede esofágica com feridas de até 3 x 6cm de diâmetro, por oferecer vedação adequada, leito para proliferação epitelial e regeneração de mucosa;

2- recomenda-se dieta alimentar no pós-operatório imediato de cirurgias esofágicas em bovinos, onde haja necessidade de substituição tecidual.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Alceu Gaspar Raiser, pelas valiosas sugestões e ao Professor Murilo Nogueira dos Santos pela avaliação histológica.

FONTES DE AQUISIÇÃO

a - Pentabiótico Veterinário: Indústrias Farmacêuticas Fontoura Eyeth Ltda. Divisão Agropecuária - Rodovia Anchieta, Km 14 - São Bernardo do Campo - SP.

b - Acepran 1%: UNIVET S.A. - Indústria Veterinária - Rua Clímaco Barbosa n° 700 - São Paulo - SP.

c - Povidine: Ceras Johnson Ltda - Rodovia 8, n° 505 - Jacarepaguá -Rio de Janeiro - RJ.

d - Fio de Nylon Poliamida 100% - n° 0,40 (não cirúrgico) - Manap - Man. Nac. de Plásticos S.A. - Rua Angelo Piva, n° 100 - Osasco -SP.

e - Reparil (injetável): BYK Química e Farmacêutica Ltda. - Avenida Casa Grande, n° 2121 - Diadema - SP.

f - Bariogel: Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda - Rodovia Itapira - Lindóia. Km 14 - Itapira - SP.

2Médico Veterinário. Doutor. Professor Titular do Departamento de Cínica de Pequenos Animais da UFSM.

Recebido para publicação em 11.05.92. Aprovado para publicação em 10.06.92.

  • BRYANT, L. O., EISEMAN, B. Experimental evaluation of intercostal pedicle grafts in esophageal repair. Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, v. 50, n. 5, p. 626-631, 1965.
  • CALIGIURI, R., BELLAH, J.R., COLLINS, B.R., et al. Medical and surgical management of esophageal foreign body in a ferret. Journal of the American Veterinary Medical Association, v 195. n. 7, p. 969-971, 1989.
  • CARACHI, R., STOKES, K. B., BROWN, T. C. K, et al. Esophageal anastomosis - an experimental model to study the anastomotic lumen and the influence of a transanastomotic tube. Journal of Pediatric Surgery, v. 19, n. 1, p. 90-93, 1984.
  • CHEN, H., TANG, Y., NOORDHOFF, M.S. Patch esophagoplasty with musculocutaneous flaps as treatment of complications after esophageal reconstruction. Annals of Plastic Surgery, v. 19, n. 5, p. 448-453, 1987.
  • CONTESINI, E.A., PIPPI, N. L Avaliação do flap muscular na reconstrução parcial da parede esofágica cervical em caninos. In: SALÃO DE INICIAÇÃO CIENTIFICA, 1991, Porto Alegre, RS. Resumos.. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1991, 180 p. p. 33.
  • DERKSEN, F.J., STICK. J.A. Resection and anastomosis of esophageal stricture in a foal. Equine Practice, v 5, n. 4, p. 17-20, 1983.
  • FREEMAN, D. E. The alimentar system. In: MANSMANN, R.A., McALLISTER, E.S. Equine medicine and surgery 2. ed. Santa Barbara: American Veterinary Publications, 1982. v 1, cap. 13, p. 437-644.
  • FRIEDMAN, M., TORIUMI, D.M., CHILIS, T., et al. The sternocleidomastoid myoperiostal flap for esophagopharyngeal reconstruction and fistula repair: clinical and experimental study. Laryngoscope, v 98, p. 1084-1091, 1988.
  • HOFFER, R.E., BARBER, S.M., KALLFELS, F.A., et al. Esophageal patch grafting as a treatment for esophageal stricture in a horse. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 171, n. 4, p. 350-354, 1977.
  • HOFFER, R.E. Esophagus: surgical diseases. In: SLATTER, D. H. Textbook of small animal surgery Philadelphia: Saunders Company, 1985. v. 1, cap. 48, p. 654-679.
  • PARKER, N. R., CAYWOOD, D. D. Surgical diseases of the esophagus. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 17, n. 2, p. 333-358, 1987.
  • PARKER, N. R., WALTER, P.A., GAY, J. Diagnosis and surgical managment of esophageal perforation... Journal of the American Animal Hospital Association, V. 25, p. 587-594, 1989.
  • PAVLETIC, M. M. Reconstructive esophageal surgery in the dog: a literature and case report. Journal of the American Animal Hospital Association, v. 17, p. 435-444, 1981.
  • PEACOCK, E. E., VAN WINKLE, E. Wound repair 2. ed. Philadelphia: Sounders Company, 1976. cap. 2.: Healing and repair of viscera: p. 609-681.
  • QUESSADA, A.M., SANTOS, R.S., BERNIS, W.O., et al. Esofagotomia cervical no cão - observações sobre a sutura em plano único. Revista Brasileira de Medicina Veterinária, v. 8, n. 4, p. 117-120, 1986.
  • SCHALM, O.W. Hemograms in inflammatory diseases of cattle. Modern Veterinary Practice, v. 5, n. 3, p. 825-827, 1976.
  • SINGH, J., TYAGI, R. P. S. Experimental studies on the oesophageal anastomosis with special reference to transplantation in buffalo calves. The Indian Veterinary Journal, v. 49, n. 8, p. 815-821, 1972.
  • STRAW, R.C., TOMLINSON, J.L., CONSTANTINESCU, G., et al. Use of a vascular skeletal muscle graft for canine esophageal reconstruction. Veterinary Surgery, v. 16, n. 2, p. 155-163, 1987.
  • WILMOT, L., SAINTJEAN, G., HOFFSIS, G. F. Surgical treatment of an esophageal laceration in a calf. The Canadian Veterinary Journal, v. 30, p. 175-177, 1989.
  • ZILBERSTEIN, B., NASI, A., PINHEIRO, E. A., et al. Auto-transplante de intestino delgado em substituição ao esôfago cervical - indicação, técnica e experiência clínica. Revista do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, v. 42, n. 1, p. 21-25, 1987.
  • 1
    Médico Veterinário. Aluno do Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 97119-900 - Santa Maria. RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 1992

    Histórico

    • Recebido
      11 Maio 1992
    • Aceito
      10 Jun 1992
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br