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Evolução do teor de arginina e de uréia na fermentação alcoólica do mosto da cv Gewürztraminer com diferentes níveis de adubação nitrogenada

Arginine and urea evolution during musts fermentation of cv Gewürztraminer from different nitrogen fertilizer levels in the soil

Resumos

O experimento foi realizado com a cv. Gewürztraminer proveniente de Santana do Livramento. As videiras desta cultivar foram submetidas a diferentes tratamentos nitrogenados realizados durante o período vegetativo de 1992 a 1993. Após a colheita e esmagamento da uva, o mosto obtido foi dividido em quatro lotes e microvinificado com diferentes leveduras. Durante a fermentação ocorreu uma diminuição na concentração de arginina e um aumento na concentração de uréia, porém da metade para o fim da fermentação as leveduras reabsorveram parte da uréia excretada.

arginina; uréia; levedura; nitrogênio


The experiment was done with the grape variety Gewürztraminer from Santana do Livramento, RS. The vineyard was treated with different nitrogen treatments during the 1992-1993 season. After harvest and crush, the must from each treatment was divided into four lots, and in each one was added a different yeast. During fermentation arginine decreased and urea increased. However, near the end of the fermentation process the available N urea started to be absorbed by the yeast.

arginine; urea; yeast; nitrogen


EVOLUÇÃO DO TEOR DE ARGININA E DE URÉIA NA FERMENTAÇÃO ALCOÓLICA DO MOSTO DA CV GEWÜRZTRAMINER COM DIFERENTES NÍVEIS DE ADUBAÇÃO NITROGENADA

ARGININE AND UREA EVOLUTION DURING MUSTS FERMENTATION OF CV GEWÜRZTRAMINER FROM DIFFERENT NITROGEN FERTILIZER LEVELS IN THE SOIL

Lúcia Schuch Boeira1 1 Farmacêutico-Bioquímico, mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97119-900 - Santa Maria, RS. Cristina Nogueira Pereira1 1 Farmacêutico-Bioquímico, mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97119-900 - Santa Maria, RS. Carlos Eugênio Daudt2 1 Farmacêutico-Bioquímico, mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97119-900 - Santa Maria, RS.

RESUMO

O experimento foi realizado com a cv. Gewürztraminer proveniente de Santana do Livramento. As videiras desta cultivar foram submetidas a diferentes tratamentos nitrogenados realizados durante o período vegetativo de 1992 a 1993. Após a colheita e esmagamento da uva, o mosto obtido foi dividido em quatro lotes e microvinificado com diferentes leveduras. Durante a fermentação ocorreu uma diminuição na concentração de arginina e um aumento na concentração de uréia, porém da metade para o fim da fermentação as leveduras reabsorveram parte da uréia excretada.

Palavras-chave: arginina, uréia, levedura, nitrogênio.

SUMMARY

The experiment was done with the grape variety Gewürztraminer from Santana do Livramento, RS. The vineyard was treated with different nitrogen treatments during the 1992-1993 season. After harvest and crush, the must from each treatment was divided into four lots, and in each one was added a different yeast. During fermentation arginine decreased and urea increased. However, near the end of the fermentation process the available N urea started to be absorbed by the yeast.

Key words: arginine, urea, yeast, nitrogen.

INTRODUÇÃO

A concentração de nitrogênio total bem como dos diferentes aminoácidos, é altamente variável nas uvas. Vários fatores interferem no teor dos compostos nitrogenados presentes nos mostos, entre os quais podemos citar a região de cultivo - destacando as condições climáticas e características do solo - as práticas culturais, a cultivar utilizada e a fertilização nitrogenada (BISSON, 1991).

Embora as concentrações de aminoácidos na uva madura dependam de vários fatores, nas cultivares Vitis vinifera, a prolina e a arginina são os aminoácidos predominantes (ANGELARES, 1991).

De acordo com JUHÁSZ et al. (1984) a concentração de arginina no mosto poderia indicar o estado nutricional do vinhedo em relação ao nitrogênio, já que a arginina é o aminoácido que mais aumenta com a fertilização nitrogenada.

No mosto, durante a fermentação as leveduras metabolizam a arginina com formação de omitina e uréia (OUGH et al., 1988). BERTRAND et al. (1991) encontraram uma correlação elevada entre a arginina do suco e a concentração de uréia no vinho. A uréia formada durante a fermentação vem requerendo grande atenção por parte dos pesquisadores, pelo fato da uréia reagir com etanol para formar etil carbamato (INGLEDEW et al., 1987), uma substância carcinogênica (MIRVISH, 1968). STEVENS & OUGH (1993) demonstraram que a concentração de uréia é um fator importante para controlar a formação de etil carbamato em vinhos.

O objetivo do trabalho foi determinar a evolução da arginina e uréia durante a fermentação do mosto da cv. Gewürztraminer com diferentes leveduras.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a realização deste experimento foi escolhida a cultivar Vitis vinifera Gewürztraminer cultivada em Santana do Livramento nos parreirais da Seagram do Brasil S.A. (Almadén). As videiras desta cultivar receberam diferentes concentrações de nitrogênio, na forma de uréia, durante o ciclo vegetativo de 1992 a 1993.

As videiras foram adubadas com dois níveis de uréia, denominadas de tratamento Zero e Normal. No tratamento Zero não foi adicionado nitrogênio no solo mas foi adicionado 45kg uréia/ha via foliar através de várias aplicações com solução de uréia a 0,5%, uma vez por semana, a partir de setembro até a época da colheita. No tratamento Normal foi adicionado 45kg uréia/ha via foliar mais 157kg uréia/ha adicionada através de duas aplicações: 30% na brotação e 70% na floração. Para a realização da adubação nitrogenada, as videiras foram divididas em duas parcelas, contendo vinte plantas em cada uma, sendo que cada parcela correspondeu a um tratamento nitrogenado. No campo, não foram realizadas repetições dos tratamentos nitrogenados e a concentração de uréia adicionada correspondeu à dosagem normalmente empregada, pela indústria, no vinhedo desta região.

Após a colheita e esmagamento da uva, o mosto obtido de cada um dos tratamentos nitrogenados realizados foi dividido em quatro lotes e fermentados com diferentes leveduras: Saccharomyces cerevisiae Montrachet, uma mistura de Saccharomyces cerevisiae Montrachet + Saccharomyces bayanus chamada comercialmente Zymasil e Saccharomyces bayanus conhecida como R2. Um dos lotes foi sempre fermentado sem adição de pé-de-cuba, utilizando a flora natural ou levedura selvagem. O açúcar dos mostos foi corrigido para cerca de 22°Brix.

As amostras foram coletadas em intervalos de cerca de 3°Brix. A temperatura média das fermentações foi de 24°C. As determinações de arginina foram realizadas pela reação de Sakaguchi, modificada por GILBOE & WILLIAMS (1956).

As análises de uréia foram realizadas segundo o método de ALMY & OUGH (1989), com algumas modificações (PEREIRA & DAUDT, 1993).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A concentração de arginina encontrada no tratamento Zero foi de 266,4mg/l e no tratamento Normal foi de 579,8mg/l (Tabela 1). Com a fertilização nitrogenada realizada na videira ocorreu um aumento na concentração de arginina no mosto, sendo que no tratamento Normal foi encontrada praticamente o dobro da concentração encontrada no tratamento Zero. Esses resultados concordam com BERTRAND et al. (1991). Segundo JUHÁSZ et al. (1984) a arginina é o aminoácido que mais aumenta em função da fertilização nitrogenada, sendo portanto útil para indicar o estado de nitrogênio da videira. A concentração de uréia no mosto do tratamento Zero foi de 0,5mg/l e no tratamento Normal foi de 1,2mg/l (Tabela 2) aumentando, portanto, com a fertilização nitrogenada. ANGELAKIS (1991) encontrou arginase ativa em frutos de Vitis vinifera Gewürztraminer, explicando assim a maior concentração de uréia no mosto do tratamento Normal.

Na Tabela 1 estão representadas as concentrações de arginina e na Tabela 2 as concentrações de uréia durante a fermentação do mosto da c v. Gewürztraminer com as quatro diferentes leveduras.

Na Tabela 1 são apresentadas as mudanças na concentração de arginina durante a fermentação com a levedura Selvagem. No tratamento Zero, quando a fermentação atingiu 17°Brix, e no tratamento Normal, quando a fermentação atingiu 10°Brix a levedura Selvagem havia consumido grande parte da arginina presente no mosto; no final do processo fermentativo, ocorreu uma pequena liberação de arginina pela levedura para o meio. Para a uréia (Tabela 2), observa-se um aumento no decorrer da fermentação, com uma diminuição no final da fermentação, evidenciando uma reabsorção de uréia pela levedura Selvagem.

As mudanças de arginina durante a fermentação com a levedura Montrachet são apresentadas na Tabela 1. Observa-se que tanto para o tratamento Zero como tratamento Normal, quando a fermentação atingiu em tomo de 15°Brix a levedura Montrachet havia consumido praticamente toda arginina presente no mosto. A levedura Montrachet apresentou maior consumo de arginina no tratamento Normal, que registrou também maior concentração de arginina no mosto, mostrando assim uma grande habilidade em absorver a arginina presente no meio. No início da fermentação ocorreu um aumento na concentração de uréia (Tabela 2), que diminuiu no final da fermentação mostrando novamente a reabsorção de uréia pela levedura.

Para a levedura Zymasil (Tabela 1), quando a fermentação atingiu 15°Brix, tanto para o tratamento Zero como tratamento Normal, a levedura havia consumido grande parte da arginina presente no mosto (78%). Quanto à evolução do teor de uréia durante a fermentação (Tabela 2), observou-se o mesmo padrão, ou seja, um aumento na concentração no decorrer da fermentação, e reabsorção pela levedura no final.

As mudanças na concentração de arginina durante a fermentação com a levedura R2 podem ser observadas na Tabela 1. No tratamento Zero, quando a fermentação atingiu 18°Brix, e no tratamento Normal, quando a fermentação atingiu 11°Brix, a levedura R2 havia consumido praticamente toda arginina presente no mosto, mantendo-se depois estável com uma pequena liberação de arginina da levedura para o meio. Uréia (Tabela 2) foi produzida até o meio da fermentação, ocorrendo uma diminuição daí em diante em virtude da reabsorção por parte da levedura.

Em geral, comparando as mudanças na concentração de arginina durante a evolução da fermentação com as diferentes leveduras (Tabela 1), quando a concentração de arginina foi menor, no tratamento Zero, as leveduras Selvagem e R2 consumiram grande parte da arginina até aproximadamente 17°Brix e as leveduras Montrachet e Zymasil até l5°Brix. No tratamento Normal, o grande consumo de arginina ocorreu até ao redor de 10°Brix. Portanto, quanto menor a concentração de arginina no mosto, mais rápido o consumo pela levedura.

Comparando as mudanças na concentração de uréia (Tabela 2) durante a fermentação com diferentes leveduras, observou-se um comportamento similar, ou seja, maior excreção de uréia no início até a metade da fermentação - quando o consumo de arginina foi maior - e uma tendência em reabsorver parte da uréia excretada na fase final do processo fermentativo.

Segundo MONTEIRO & BISSON (1992) as condições durante a fermentação, podem alterar a quantidade excretada ou o momento da excreção e a reabsorção de uréia pela levedura. As condições em que foram realizadas as fermentações neste trabalho, isto é, temperatura média de 24°C e a aeração provocada em função da coleta das amostras em intervalos de 3°Brix, podem ter interferido nos resultados apresentados.

A assimilação de arginina pelas leveduras durante a fermentação variou de 96,6 a 99% da arginina presente no mosto, mostrando, portanto a arginina como uma ótima fonte de nitrogênio para as leveduras. Esses resultados concordam com BISSON (1991) que encontrou um valor de 98,3 % para o consumo de arginina durante a fermentação da cv. Sauvignon Blanc pela levedura Montrachet.

Analisando os resultados mostrados nas Tabelas 1 e 2, observou-se que com a fertilização nitrogenada ocorreu um aumento de arginina no mosto e um aumento no consumo de arginina durante a fermentação pelas diferentes leveduras; assim onde o consumo de arginina pelas leveduras foi maior ocorreu uma maior concentração de uréia nos vinhos. A exceção foi o vinho fermentado pela levedura Montrachet, reconhecida como produtora de uréia.

CONCLUSÕES

- Diferentes leveduras mostraram diferenças no consumo de arginina durante a fermentação; os mostos que apresentaram maior concentração de arginina, apresentaram maior concentração de uréia nos vinhos.

- As leveduras mostraram uma grande tendência em reabsorver a uréia excretada durante a fermentação.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq e à Seagram do Brasil S.A., pelo financiamento parcial deste trabalho.

2Engenheiro Agrônomo, PhD, Professor Titular, Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos, CCR, UFSM. Autor para correspondência.

Recebido para publicação em 04.10.94. Aprovado em 15.05.95

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  • 1
    Farmacêutico-Bioquímico, mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97119-900 - Santa Maria, RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2009
    • Data do Fascículo
      1995

    Histórico

    • Aceito
      15 Maio 1995
    • Recebido
      04 Out 1994
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