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Nanismo hipofisário em um canino: achados clínicos e laboratoriais

Pituitary dwarfism in a canine: clinical and laboratorial findings

Resumos

Relata-se um caso de nanismo hipofisário em um canino da raça Pastor Alemão, fêmea, com 14 meses de idade. Descreve-se sinais clínicos e dosagem das concentrações plasmáticas de hormônio do crescimento (GH) antes e após a estimulação α-adrenιrgica com cloridrato de xilazina. O nível máximo de GH plasmático pós-estímulo foi 1ng/dl.

Hipossomatotrofismo; nanismo; hipófise; canino


This case report is about dwarfism in a German Shepherd dog, female, 14 months old. Clinical signals are described. The endocrinologic investigation was realized by dosages of plasma levels of growth hormone, pré and post xilazine estimulation. The maximal level of GH post-estimulation was 1ng/dl.

Hyposomatotropism; dwarfism; pituitary; canine


NANISMO HIPOFISÁRIO EM UM CANINO: ACHADOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS

PITUITARY DWARFISM IN A CANINE: CLINICAL AND LABORATORIAL FINDINGS

Luiz Fernando Jantzen Gaspar1 1 Médico Veterinário, Professor Assistente, Departamento de Clínicas, Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Pelotas, Campus Universitário s/n2 CEP 96100-000. Pós-graduando em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Autor para correspondência. Anne Santos do Amaral2 1 Médico Veterinário, Professor Assistente, Departamento de Clínicas, Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Pelotas, Campus Universitário s/n2 CEP 96100-000. Pós-graduando em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Autor para correspondência.

- RELATO DE CASO -

RESUMO

Relata-se um caso de nanismo hipofisário em um canino da raça Pastor Alemão, fêmea, com 14 meses de idade. Descreve-se sinais clínicos e dosagem das concentrações plasmáticas de hormônio do crescimento (GH) antes e após a estimulação α-adrenérgica com cloridrato de xilazina. O nível máximo de GH plasmático pós-estímulo foi 1ng/dl.

Palavras-chave: Hipossomatotrofismo, nanismo, hipófise, canino.

SUMMARY

This case report is about dwarfism in a German Shepherd dog, female, 14 months old. Clinical signals are described. The endocrinologic investigation was realized by dosages of plasma levels of growth hormone, pré and post xilazine estimulation. The maximal level of GH post-estimulation was 1ng/dl.

Key words: Hyposomatotropism, dwarfism, pituitary, canine

INTRODUÇÃO

Etiologia: o nanismo é uma condição caracterizada pela baixa estatura. Este fato pode ser hereditário ou consequente a processos patológicos ocorridos durante a vida intra-uterina e pós-natal, os quais impedem o completo desenvolvimento do potencial de crescimento geneticamente determinado. Apenas a última condição é verdadeiramente denominada de nanismo (EIGENMANN, 1992).

De acordo com FELDMAN & NELSON (1987), o nanismo hipofisário em caninos está freqüentemente associado com uma distensão cística congênita ou com a persistência da porção intra-selar do ducto craniofaringeal ou bolsa de Rathke.

Segundo Rao & Bhat apud FELDMAN & NELSON (1987), embora o nanismo seja raro, os cistos são relativamente comuns em cães. A teoria de que a distensão do cisto tenha como causa primária a destruição da adeno-hipófise não está ainda esclarecida. Como hipótese alternativa, é proposta uma insuficiência primária na diferenciação das células da adeno-hipófise em células secretoras de hormônio trófico (Eigenmann apud FELDMAN & NELSON, 1987). RANDOLPH & PETERSON (1994) descreveram que não é exato se a expansão do cisto pituitário destrói o tecido adjacente da adeno-hipófise ou se a capacidade secretória das células da adeno-hipófise é que origina o cisto. A análise do fluido cístico obtido de ratos mostrou que o material proteináceo osmoticamente ativo pode atrair água e contribuir para o crescimento do cisto (Benjamin apud FELDMAN & NELSON, 1987). O nanismo hipofisário pode desenvolver-se devido à perda de ação periférica do GH, resultante de uma anormalidade estrutural do hormônio (Kovarski et al. e Valenta et al. apud FELDMAN & NELSON, 1987); por incapacidade do GH em aumentar as concentrações de somatomedina (Laron et al. e Merimee et al. apud FELDMAN & NELSON, 1987) ou à perda de resposta do tecido alvo à somatomedina (Lanes et al. apud FELDMAN & NELSON, 1987), devido a um defeito nos receptores de membrana.

Várias raças caninas são mais suscetíveis ao desenvolvimento de nanismo hipofisário. Nas raças Pastor Alemão e Carelian bear-dog o hipossomatotrofismo é transmitido hereditariamente por um gene autossômico recessivo, o qual está associado com a distensão do dueto craniofaringeal (bolsa de Rathke). Apesar de existir predisposição racial, não há evidências de predileção por sexo (MULLER et al., 1985; RANDOLPH & PETERSON, 1994).

Exame Físico: Os animais afetados são frequentemente de tamanho normal durante os primeiros dois meses de vida, após os quais apresentam um ritmo de crescimento mais lento que o dos seus irmãos de ninhada. Com três a quatro meses de idade, o animal afetado é visivelmente o menor da ninhada e certamente nunca atingirá as dimensões de um adulto (MULLER et al., 1985; COLES, 1986; Walker apud FELDMAN & NELSON, 1987). Anormalidades ósseas mandibulares, como o prognatismo, podem ser evidencidas durante o exame clínico (CHASTAIN, 1993). A erupção dos dentes permanentes apresenta-se retardada, mas a dentição é normal (COLES, 1986; FELDMAN & NELSON, 1987).

O sinal dermatológico mais notável é a retenção da "lanugem" ou pelagem secundária com a concorrente perda da pelagem primária (CHASTAIN, 1993). Os pêlos secundários são facilmente retirados, e a alopecia simétrica bilateral desenvolve-se gradualmente. A perda de pêlos está confinada a áreas de contato com roupas, coleiras e regiões de atrito no decúbito. Eventualmente o tronco inteiro e extremidade proximal dos membros tornam-se alopécicos, com a pelagem primária permanecendo somente na face e extremidade distal dos membros. A pele inicialmente é normal, mas com o tempo toma-se progressivamente hiperpigmentada, delgada, hipotônica e escamosa (MULLER et al., 1985; FELDMAN & NELSON, 1987; EIGENMANN, 1992; RANDOLPH & PETERSON, 1994). Os comedos, pápulas e piodermite secundária frequentemente aparecem no anão adulto. O desenvolvimento secundário de hipotireoidismo e hipoadrenocorticismo depende da severidade do dano causado à glândula pituitária.

Avaliação endocrinológica: Os níveis plasmáticos basais do GH em cães normais apresentam uma variação de 1,5 ± l,2ng/ml a 4,3 ± 1,1ng/ml (MULLER et al., 1985; Eigemann apud FELDMAN & NELSON, 1987). Como os níveis basais do GH em anões pituitários e cães hipofisectomizados podem aproximar-se destes valores (Eigenmann, Scott et al., Parker & Scott, Eigenmann & Patterson apud FELDMAN & NELSON, 1987), recomenda-se, para fins diagnósticos, avaliar a capacidade secretória do GH após o estímulo da hipófise.

A estimulação com substâncias α-adrenérgicas é utilizada para avaliar a capacidade secretória de GH. As amostras são obtidas nos tempos 0, 15, 30, 45, 60 e 90 minutos. De acordo com HAMPSHIRE & ALTSZULER (1981) a administração de xilazina (100-300µg/kg) ou de clonidina (3 - 30µg/kg), via endovenosa, estimula a secreção de GH, atingindo um limiar máximo de concentração plasmática em torno de 15 a 30 minutos após o início do teste. Para CHASTAIN (1993), a deficiência de GH está caracterizada quando os resultados dos níveis plasmáticos pós-estimulação forem inferiores a 2ng/ml.

RELATO DO CASO

Um cão da raça Pastor Alemão, fêmea, com 14 meses de idade e 6kg de peso corporal, foi atendido no Hospital de Clínicas Veterinárias da UFSM, com a queixa de interrupção do crescimento observado a partir do 4° mês de vida. O animal apresentava estatura inferior aos irmãos de ninhada, pêlos macios e lanudos (Figura 1). O proprietário informou que o cão descendia de animais com estatura normal e portadores de registro genealógico.


Sinais clínicos: ao exame clínico verificou-se tamanho e peso inferiores à idade cronológica; permanência de pelagem secundária (lanugem), notavelmente presente em toda superfície corporal; desenvolvimento de alopecia simétrica bilateral nas regiões isquiáticas; pele adelgaçada, hipotônica, escamosa e com hiperpigmentação nas regiões peitoral e abdominal; presença de comedos próximos às articulações fêmur-tíbio-rotulianas; presença de prognatismo superior, persistência dos dentes caninos decíduos e vocalização de filhote.

Determinação do hormônio de crescimento (G H): colheu-se uma amostra de 4ml de sangue da jugular, para obtenção de plasma e determinação do GH basal. Após, administrou-se cloridrato de xilazinaa(300µg/kg) por via endovenosa, realizando-se novas colheitas de sangue aos 15, 30, 45, 60 e 90 minutos, para a quantificação do GH pós-estímulo. A concentração basal de GH plasmático foi 0,3ng/ml e, no pós-estímulo, 1ng/ml aos 15 minutos, 0,5ng/ml aos 30 e 45 minutos, 0,4ng/ml aos 60 minutos e 0,5ng/ml aos 90 minutos. Para a aferição do GH plasmático foi adotada a técnica de radioimunoensaio (base sólida) desenvolvida em laboratório autônomob. Os resultados obtidos foram comparados graficamente às respostas ao teste de estimulação com xilazina em cães normais segundo HAMPSHIRE & ALTSZULER (1981) e apresentados na Figura 2.


DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Esta descrição apresenta um caso de nanismo hipofisário em um cão da raça Pastor Alemão. MULLER et al. (1985) e RANDOLPH & PETERSON (1994), referiram-se à raça Pastor Alemão como uma das mais incidentes.

Manifestações clínicas como ritmo de crescimento lento a partir do 4° mês de vida, caracterizado pela estatura inferior aos irmãos de ninhada foram descritas por MULLER et al. (1985), COLES (1986) e Walker apud FELDMAN & NELSON (1987).

O prognatismo, observado neste caso, foi citado por CHASTAIN (1993) como uma anormalidade óssea mandibular evidente no exame clínico. A permanência de pêlos secundários e a concorrente perda da pelagem primária foram também relatados por CHASTAIN (1993), o qual referiu-se a este sinal clínico como a alteração dermatológica mais notável. Outras alterações dermatológicas encontradas, tais como: alopecia, comedos, pele adelgaçada, hipotônica, escamosa e hiperpigmentação nas regiões peitoral e abdominal estão de acordo com a descrição de MULLER et al. (1985), FELDMAN & NELSON (1987), EIGEMANN (1992) e RANDOLPH & PETERSON (1994).

A permanência dos caninos decíduos aos 14 meses sugere um retardo na erupção dos dentes conforme afirmaram COLES (1986) e FELDMAN & NELSON (1987).

O nível basal de GH plasmático verificado no presente relato foi inferior aos valores normais propostos por MULLER et al. (1985) e Eigemann apud FELDMAN & NELSON (1987). Os níveis de GH pós-estímulo foram inferiores a 2ng/ml, condição que caracteriza a deficiência de GH segundo CHASTAIN (1993).

FONTES DE AQUISIÇÃO

a - Rompun: Bayer do Brasil, São Paulo, SP.

b - Imuno Pesquisas Clínicas Ltda.: Vicente Fontoura, 2352. Porto Alegre, RS.

2Médico Veterinário, pós-graduando em Medicina Veterinária, UFSM.

Recebido para publicação em 05.04.95. Aprovado em 02.08.95.

  • CHASTAIN, C. B. Sistemas endócrino e metabólico. In: HOSKINS, J. D. Pediatria veterinária São Paulo: Manole, 1993. Cap. 9, p. 271-293.
  • COLES, E. H. Veterinary clinical pathology Philadelphia: Saunders, 1986. Cap. 11: Adrenal and pituitary function: p. 217-225.
  • EIGENMANN, J. E. Moléstias hipotalâmico-pituitárias. In: ETTINGER, S J. Tratado de medicina interna Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1992. V. 3, Cap. 93, p. 1661-1682.
  • FELDMAN, E. C., NELSON, R. W. Canino and feline endocrinology and reproduction Philadelphia: Saunders, 1987. Cap. 2: Growth hormone: p. 29-54.
  • HAMPSHIRE, J., ALTSZULER, N. Clonidine or xylazine as provocative tests for growth hormone secretion in the dog. American Journal of Veterinary Research, v. 42, n. 6, p. 1073-1076, june 1981.
  • MULLER, G. H., KIRK, R. W., SCOTT, D. W. Dermatologia dos pequenos animais 3.ed. São Paulo: Manole, 1985. Cap. 10: Endocrinologia cutânea: p. 517-588.
  • RANDOLPH, J. F., PETERSON, M. E. Hypotalamus and pituitary gland. In: BIRCHARD, S. J., SHERDING, R. G. Sauuders manual of small animal practice Philadelphia: Saunders, 1994. Section 4, cap. 6, p. 263-271.
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    Médico Veterinário, Professor Assistente, Departamento de Clínicas, Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Pelotas, Campus Universitário s/n2 CEP 96100-000. Pós-graduando em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2009
    • Data do Fascículo
      1995

    Histórico

    • Recebido
      05 Abr 1995
    • Aceito
      02 Ago 1995
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