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Variação do movimento da água do solo devido à atividade de minhocas: simulação numérica

Chance of soil-water movement due to eartworms activity: numerical simulation

Resumos

Este trabalho teve o objetivo de avaliar a influência das minhocas sobre o movimento da água no solo. O fluxo da água unidimensional, vertical e não saturada foi expresso com base na equação de Picharas, que foi resolvida pelo método de diferenças finitas. As propriedades hidráulicas dos solos com e sem minhocas, que foram medidas no campo, foram utilizadas e expressas com as equações de VAN GENUCHTEN (1980). Os resultados mostram que a atividade das minhocas aumenta o pico do hidrograma no solo onde a água subsuperficial é dominante no processo chuva-vazão. Entretanto, o fenômeno do aumento do pico depende da relação entre os aumentos da condutividade hidráulica saturada (Ks) e da umidade saturada (tetas). Se as minhocas provocarem um pequeno aumento em Ks ou um elevado aumento em tetas, haverá uma redução do pico. Caso ocorra contrário, um elevado aumento em Ks ou um pequeno aumento em tetas, este pico aumenta.

minhoca; hidrograma; simulação numérica


The objective of this study was to evaluate, with a numerical method, the influence of earth worms on the soil-water movement. The one-dimensional, vertical, saturated and unsaturated water flow was expressed by the Richards equation. The generated equations were solved with a fïnite difference method. The hydraulic properties of soils with and without earthworms, which were measured on field, were utilized and expressed with VAN GENUCHTEN (1980) equations. The results demonstrated that the eathworms activity increased a peak of hydrograph of soil where the subsurface flow is dominant in the rainfall-runoff process. However, the phenomenon of this increase depenas on the relation between the increases of the saturated hydraulic conductivity (Ks) and the saturated water content (thetas). When the earthworms provide a small increase of Ks and a large increase of thetas, the peak would decrease. In the contrary case where Ks increases a lot and thetas increases a little, the peak would increase.

earthworm; hydrograph; numerical simulation


VARIAÇÃO DO MOVIMENTO DA ÁGUA DO SOLO DEVIDO À ATIVIDADE DE MINHOCAS: SIMULAÇÃO NUMÉRICA

CHANCE OF SOIL-WATER MOVEMENT DUE TO EARTHWORMS ACTIVITY: NUMERICAL SIMULATION

Masato Kobiyama1 1 Doutor, Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Trindade, Caixa Postal, 476, 88070-910 Florianópolis, SC. Bolsista do CNPq.

RESUMO

Este trabalho teve o objetivo de avaliar a influência das minhocas sobre o movimento da água no solo. O fluxo da água unidimensional, vertical e não saturada foi expresso com base na equação de Picharas, que foi resolvida pelo método de diferenças finitas. As propriedades hidráulicas dos solos com e sem minhocas, que foram medidas no campo, foram utilizadas e expressas com as equações de VAN GENUCHTEN (1980). Os resultados mostram que a atividade das minhocas aumenta o pico do hidrograma no solo onde a água subsuperficial é dominante no processo chuva-vazão. Entretanto, o fenômeno do aumento do pico depende da relação entre os aumentos da condutividade hidráulica saturada (Ks) e da umidade saturada (qs). Se as minhocas provocarem um pequeno aumento em Ks ou um elevado aumento em qs, haverá uma redução do pico. Caso ocorra contrário, um elevado aumento em Ks ou um pequeno aumento em qs, este pico aumenta.

Palavras-chave:minhoca, hidrograma, simulação numérica.

SUMMARY

The objective of this study was to evaluate, with a numerical method, the influence of earth worms on the soil-water movement. The one-dimensional, vertical, saturated and unsaturated water flow was expressed by the Richards equation. The generated equations were solved with a fïnite difference method. The hydraulic properties of soils with and without earthworms, which were measured on field, were utilized and expressed with VAN GENUCHTEN (1980) equations. The results demonstrated that the eathworms activity increased a peak of hydrograph of soil where the subsurface flow is dominant in the rainfall-runoff process. However, the phenomenon of this increase depenas on the relation between the increases of the saturated hydraulic conductivity (Ks) and the saturated water content (qs). When the earthworms provide a small increase of Ks and a large increase of qs, the peak would decrease. In the contrary case where Ks increases a lot and qs increases a little, the peak would increase.

Key words: earthworm, hydrograph, numerical simulation.

INTRODUÇÃO

Recentemente, a recuperação de áreas degradadas, tem sido um grande interesse dos cientistas para melhorar o padrão da vida, prática esta indispensável para conservação dos recursos hídricos. KOBIYAMA et al. (1993) classificaram a recuperação de áreas degradadas em quatro categorias e sugeriram o uso de minhoca para a recuperação de solos degradados.

Há muito tempo, as minhocas têm sido pesquisadas, especialmente na área agronômica, e sua influência nas propriedades físicas, químicas e biológicas do solo têm sido analisadas. EDWARDS et al. (1990 e 1992) notaram a importância de galerias das minhocas na hidrologia, em um campo sem cultivo. Ainda assim, são carentes os estudos sobre sua influência hidrológica, e incerta a função das minhocas na hidrologia do solo.

As simulações numéricas podem tratar do fluxo unidimensional, bidimensional e tridimensional usando métodos como o de diferenças finitas (FREEZE, 1969 e 1971) e o de elementos finitos (NEUMAN, 1973), entre outros.

Apesar das simulações que usam o fluxo vertical unidimensional não representarem adequadamente situações reais do campo, o modelo unidimensional é a primeira fase para, quantitativamente, testar os comportamentos do fluxo (NISHIGAKI, 1983).

Além disso, a análise unidimensional tem desempenhado um importante papel no exame das propriedades hidráulicas do solo, além de permitir uma verficação básica ao fim de uma simulação, usando a análise multidimensional.

OHTA et al. (1983) demonstraram que hidrogramas observados a campo podem ser explicados por um modelo que considerou o processo de infiltração como um fluxo unidimensional. Com uma análise numérica, TANI (1985) também mostrou que as propriedades da vazão de uma coluna concordaram aproximadamente com as do escoamento de uma microbacia hidrográfica montanhosa.

Tais fatos demontram a grande importância da aplicação do método unidimensional e, por isto, no presente trabalho, foi utilizado um modelo de fluxo unidimensional, vertical, transiente, e saturado e não saturado.

Este trabalho teve o objetivo de avaliar a influência das minhocas sobre o movimento da água no solo, utilizando os dados de KOBIYAMA (1994) que observou a ação das minhocas nas propriedades hidráulicas do solo.

MATERIAIS E MÉTODOS

Propriedades hidráulicas do solo

Neste estudo, foram utilizadas as equações de VAN GENUCHTEN (1980) para expressar as propriedades hidráulicas do solo. A equação para retenção de água é: onde q é a umidade do solo. qs é a umidade saturada, qr é a umidade residual, y é a carga de pressão, a, m e n são parâmetros (m = 1-1/n). A equação para condutividade hidráulica é: onde K(y) é a condutividade hidráulica e Ks é a condutividade hidráulica saturada.

O método de diferenças finitas para movimento unidimensional vertical da água no solo

No caso do fluxo unidimensional vertical, a equação de RICHARDS (1931) é expressa como: onde z é a profundidade (local) orientada positivamente para baixo, t é o tempo e C(y) é a capacidade específica, representada pela derivada dq/dy.

No domínio considerado, cada parte entre dois nós é chamada elemento (Figura 1). Assume-se que os desconhecidos, y e q, existem somente nos nós e que as funções de K(y) e C(q) são homogêneas.


dentro de cada elemento. O subscrito "i" indica o nó I e o elemento I, ou seja, y é o valor de y no nó I e Ki é o valor de K dentro do elemento I. Li é o comprimento do elemento, ou seja o intervalo de distância. O intervalo (diferença) de tempo entre o tempo j e o tempo j+1 é designado como Dt. A forma discretizada da Eq. (3) com o método de CRANK & NICOLSON (1947) é: onde: e, l é o fator de ponderação. Se os valores de são agora conhecidos, então o valor de yj+1 pode ser estimado para cada nó. As equações para todos os nós formam o matriz tridiagonal que foi resolvido com o método de algoritimo de Thomas (FARLOW, 1982).

Condições de contorno e inicial e dados para entrada

A condição de contorno adulada no extremo superior é que houve precipitação mas não evapotranspiração. A mesma, no extremo inferior, é que a carga de pressão é constante e igual a zero.

A condição inicial é que a distribuição vertical das cargas de pressão cria um estado estático da água do solo, ou seja, o gradiente hidráulico é zero em todas as partes da coluna de solo.

Para executar a simulação numérica, os intervalos de tempo e de distância foram 10 segundos e um cm, respectivamente. Neste estudo, foram executados nove casos (Tabela 1). O tempo calculado para cada caso foi de 40 horas. Considerou-se que a coluna do solo, que possui um comprimento de 100 cm, é constituída por duas camadas. A camada superior e a camada inferior podem ser diferenciadas, por sofrerem ou não a influência das minhocas, como camada com e sem a influência, respectivamente.

Os parâmetros das propriedades hidráulicas do solo, mostrados na Tabela 1, foram determinados baseados nos dados de KOBIYAMA (1994). Os parâmentros das camadas inferior e superior resultaram dos valores médios aproximados dos dados do solo até 25cm de profundidade sem e com influência da minhoca, respectivamente.

O Caso 1 consiste numa camada (Camada Inferior) e o Caso 5 em outra camada (Camada Superior). Naquele caso, a coluna de solo não recebeu influência das minhocas, enquanto neste, a influência atingiu a coluna inteira. Os Casos l a 5 possuem os mesmos valores dos parâmetros exceto a espessura das camadas. Nestes casos, a espessura da camada superior aumenta. Os Casos 3,6 e 7 possuem os mesmo valores dos parâmetros exceto qs da camada superior. Os valores de qs são 0,70, 0,75 e 0,80 nos Casos 3, 6 e 7, respectivamente. Os Casos 3, 8 e 9 possuem os mesmos valores dos parâmetros exceto Ks da camada superior. Os valores de Ks são 3 x 10-2, 2 x 10-2 e 1 x 10-2 cm/s nos Casos 3, 8 e 9, respectivamente.

A condição pluviométrica, que foi a mesma para todos os casos (Tabela 2), corresponde a uma máxima intensidade de 20 mm/h e precipitação total de 110 mm.

Neste estudo, o modelo considerou que o solo possui uma taxa de infiltração suficiente para não haver o escoamento superficial. No modelo, a água é drenada pela parte inferior da coluna de solo sem modificar o lençol freático na mesma, isto gera um fluxo de água formando o throughflow saturado, ou seja o escoamento subsuperfícial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O tempo e a descarga no pico do hidrograma calculado, em cada caso, são relacionados graficamente (Figura 2), mostrando que, quando a ocorrência do pico do hidrograma é demorada, o valor do pico (descarga máxima) se reduz. Este fenômeno é comumente observado no campo em bacias hidrográficas, podendo-se dizer que o atraso do pico indica menor possibilidade de enchente em tais bacias.


A Figura 3(a) mostra uma comparação dos hidrogramas dos Casos 1, 2, 3, 4 e 5. No Caso 1 usou-se um regolito com uma camada, sem influência de minhocas, aumentando a espessura desta camada gradativamente em cada caso até o Caso 5, constituindo somenyte pela camada que recebeu tal influência.




Claramente, observa-se que as minhocas alteram a forma do hidrograma, sendo que o pico aumentou e o tempo para se atingir o pico diminuiu. Sob o ponto de vista hidrológico, as minhocas pioram os comportamentos do escoamento no caso em que o escoamento subsuperficial domina o processo chuvavazão e não ocorre o escoamento superficial.

Na Figura 3(b), os Casos 3, 6 e 7 têm as mesmas características do solo, exceto quanto ao valor de qs que é de 0,70, 0,75 e 0,80, respectivamente. Valores maiores de qs reduzem o pico e atrasam o tempo para este ser atingido, devido ao aumento da capacidade de armazenamento de água no solo.

Na Figura 3(c), os Casos 3, 8 e 9 têm as mesmas características do solo, exceto o valor de Ks que é de 3 x 10-2, 2 x 10-2 e 1 x 10-2 cm/s, respectivamente. Valores menores de Ks, de maneira semelhante a qs, reduzem o pico e atrasam o tempo para este ser atingido.

Portanto, a forma do hidrograma depende da relação entre as mudança de Ks e qs, ou seja, se as minhocas provocarem um pequeno aumento em Ks ou um elevado aumento em qs, haverá um baixo pico do hidrograma. Caso ocorra o contrário, um elevado aumento em Ks ou um pequeno aumento em qs, este pico aumenta.

Esta discussão acima mencionada, diz respeito as condições assumidas na simulação numérica. Tais condições são usualmente aplicadas em estudos semelhantes, principalmente de caráter preliminar, que usam a simulação numérica com modelo unidimensional, sendo as mesmas: a condição hídrica inicial do solo considerada como constante para todos os casos, mantendo um estado estático da água do solo.

KOBIYAMA (1994) mostrou que as minhocas aumentaram a biomassa das folhas da bracatinga. Segundo TSUKAMOTO & OHTA (1984), quanto maior a biomassa presente, maior será a evapotranspiração da floresta. Portanto, a presença de planta em solos com minhocas aumentará a evapotranspiração. Isto causa a perda de água, tomando o solo mais seco. As minhocas, desta forma, mantendo o solo mais seco, aumentarão a capacidade de armazenamento da água deste solo, possibilitando a redução do pico do hidrograma.

CONCLUSÕES

Os resultados da simulação, realizada com o método de diferenças finitas considerando o fluxo de água unidimensional e vertical, determinam uma interessante associação da atividade das minhocas com o movimento da água no solo.

A atividade das minhocas gera um aumento no pico do hidrograma, obtido por simulação numérica, onde água subsuperficial é dominante no processo chuva-vazão. Este aumento normalmente não é favorável para manejo de bacias hidrográficas. Entretanto, o fenômeno do aumento do pico depende da relação de aumento da condutividade hidráulica saturada (Ks) e a umidade saturada (qs).

Se as minhocas provocarem um pequeno aumento em Ks ou um elevado aumento em qs, há uma redução do pico. Caso ocorra o contrário, um elevado aumento em Ks ou um pequeno aumento em qs, este pico aumenta.

Recebido para publicação em 04.07.95. Aprovado em 13.12.95.

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  • 1
    Doutor, Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Trindade, Caixa Postal, 476, 88070-910 Florianópolis, SC. Bolsista do CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 1996

    Histórico

    • Aceito
      13 Dez 1995
    • Recebido
      04 Jul 1995
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