Mastite bovina causada por Prototheca zopfii: relato de um caso

Clinical bovine mastitis caused by Prototheca zopfii: a case study

MASTITE BOVINA CAUSADA POR Prototheca zopfii: RELATO DE UM CASO

CLINICAL BOVINE MASTITIS CAUSED BY Prototheca zopfii: A CASE STUDY

Maria Aparecida Vasconcelos Paiva Brito¹ Vânia Maria Oliveira Veiga²

- RELATO DE CASO -

RESUMO

Um caso de mastite clínica causada por Prototheca zopfii em uma vaca de um rebanho leiteiro localizado na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais foi estudado. O animal apresentou sinais clínicos nos quartos mamárias anteriores e queda acentuada na produção de leite. Após o diagnóstico inicial, o animal foi observado durante onze meses, do início da manifestação da doença até 12 dias após o parto. Exames microbiológicos do leite foram realizadas aos 7, 30, 39, 49, 65, 326 e 331 dias após o isolamento inicial, sendo os dois últimos exames realizados 7 e 12 dias após o parto. As amostras de P. zopfii isoladas apresentaram resistência in vitro a: ampicilina, canamicina, cefatoridina, enrofloxacina, estreptomicina, gentamicina, neomicina, oxacilina, penicilina, sulfonamidas e trimetoprim x sulfametoxazol. Foi avaliada a susceptibilidade in vitro das amostras de P. zopfii a um produto natural constituído de extrato de sementes de frutas cítricas, obtido comercialmente. A menor concentração que inibiu totalmente a alga foi 1:500. Recomendou-se um tratamento com a diluição a 1:200 do extrato em solução fisiológica estéril contendo timerosal a 1:30.000 como conservante, em doses diárias de 20ml, por via intramamária. O tratamento foi realizado inicialmente durante sete dias. Após este período houve redução, mas não a completa eliminação dos organismos do leite. Foi, então, recomendado mais um período de 15 dias de tratamento, de modo semelhante ao primeiro. Trinta e nove dias após o diagnóstico inicial não foi mais isolado P. zopfii do leite dos quartos afetados e a produção retornou a níveis semelhantes de antes da infecção. Amostras de leite naturalmente infectadas foram congelados a -20°C. Células viáveis de P. zopfii foram recuperadas de amostras mantidas até 38 dias nestas condições.

Palavras-chave: mastite bovina, Prototheca zopfii, terapia, extrato de frutas cítricas.

SUMMARY

A clinical case of mastitis caused by Prototheca zopfii in a cow from a dairy herd located in the region of Zona da Mata, Minas Gerais State, was studied. The cow showed clinical signs of mastitis in both front mammary quarters and marked reduction on milk production. Following the diagnosis the animal was accompanied for 11 months. Milk samples collected at days l, 7, 30, 39, 49, 65, 326 and 331 were cultured. The last two exams were conducted at 7 and 12 days after calving. The P. zopfii strains were resistant in vitro to: ampicillin, kanamycin, cephalothin, enrofloxacin, streptomycin, gentamycin, neomycin, oxacillin, penicillin G, sulfonamides and trimethoprim/sulfamethoxazole. The strains showed sensitivity in vitro to a natural extract made of citrous seed, commercially available. The smallest concentration that completely inhibited the growth of the organisms was 1:500. The infected glands were treated intrammamary, with an extract preparation of a 1:200 dilution in 0.85%(p/v) NaCl containing 1:30,000 thimerosal as preservative. Doses of 20ml were applied daily, during seven days. After this period, P. zopfii was still isolated from milk samples, although in smaller numbers. The treatment was resumed for a period of 15 days. At day 39 after diagnosis the infected quarters were cultured negative and microbiological exams carried out from day 39 onward resulted negative. The milk production returned to levels as before infection. Naturally infected milk samples were kept frozen (-20°C) and viable P. zopfii were recovered until 38 days under this condition.

Key words: bovine mastitis, Prototheca zopfii, therapy, citrous seed extract.

INTRODUÇÃO

Prototheca sp. é uma alga unicelular, incolor e aclorofilada que causa infecções intramamárias em vacas, infecções sistêmicas em diversas espécies animais e infecções cutâneas no homem (SUDMAN, 1974). Pode ser isolada de diversos locais no ambiente da fazenda, principalmente daqueles com umidade elevada e presença de matéria orgânica (ANDERSON & WALKER, 1988).

Casos de mastite por Prototheca sp. têm sido descritos nos Estados Unidos (FRANK et al., 1969, McDONALD et al., 1984b, GONZÁLEZ, 1996), Dinamarca (BODENHOFF & MADSEN, 1978), Canadá (DION, 1979, DION, 1982), Reino Unido (SPALTON, 1985) e no Brasil (COSTA et al., 1992, LANGONI et al, 1995).

Os relatos mostram a ocorrência de casos esporádicos e de surtos mais graves, geralmente crônicos, em que os animais não respondem à terapia antibiótica de rotina e a produção de leite é seriamente afetada (BODENHOFF & MADSEN, 1978; McDO-NALD et al., 1984b; SPALTON, 1985). Há eliminação de um número elevado de microorganimos no leite (FRANK et al, 1969; McDONALD et al., 1984b) e o padrão de eliminação dos organismos tem sido constante durante a lactação, podendo desaparecer duranteo período seco e retornar na lactação seguinte (DION, 1982).

RELATO DO CASO

Este trabalho relata a ocorrência e acompanhamento de um caso de mastite clínica por Prototheca zopffii em dois quartos mamários de uma vaca pertencente a um rebanho localizado na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais. O animal foi acompanhado por um período de 11 meses, desde o início da manifestação da doença até a segunda semana após o parto. Foram feitos exames clínicos e coletou-se leite para exame microbiológico nos dias 7, 30, 39, 49, 65 e na primeira (dia 326) e segunda (dia 331) semanas após o parto.

Foi avaliada a susceptibilidade das amostras isoladas a diferentes antimicrobianos e ao extrato de frutas cítricas e recomendado um tratamento dos quartos mamários infectados.

Em razão da recomendação do congelamento das amostras de leite como processo de conservação, quando o laboratório se localiza distante do local da ordenha e não há condições de enviá-las no mesmo dia (HARMON et al., 1990), foi testada a resistência das amostras de P. zopfii ao congelamento a -20°C. Amostras de leite positivas ao exame bacteriológico foram mantidas congeladas e subcultivadas em ágar Sabouraud, durante 38 dias. Foram recuperados organismos viáveis em subcultivos semanais realizados dentro deste período.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O rebanho era constituído de 16 vacas mestiças (Gir x Holandês) em lactação e uma vaca Holandesa PO, recém adquirida. A vaca Holandesa PO apresentava mastite clínica severa nos dois quartos mamários anteriores, com redução da produção de leite de aproximadamente 20kg para 10kg diários, e ausência de resposta à terapia antimicrobiana. Foi realizado o exame microbiológico do leite dos quartos afetados (HARMON et al., 1990) e isolou-se P. zopfii em cultura pura e com número acima de 10³ células/ml de ambos os quartos.

As colônias de P. zopfii foram evidenciadas nos meios de ágar sangue, MacConkey e Sabouraud, após 48 horas de incubação, e se apresentaram com 1 a 2mm de diâmetro e coloração levemente acinzentada. Em cultivo em ágar milho, a morfologia e tamanho foram semelhantes. Após passagens nestes meios, as colônias apresentaram crescimento ligeiramente visível, após 24 horas de incubação. Com incubação de 72 a 96 horas, as colônias aumentaram de tamanho e apresentaram bordas irregularmente onduladas com elevação central (Figura l). Esfregaços das colônias permitiram a observação de organismos relativamente grandes, ovóides ou globosos e Gram-positivos. Em esfregaços observados a fresco e corados pelo azul de metileno ou cristal violeta as células se apresentaram hialinas, ovóides e globosas. Esporângios característicos com presença de endosporos em números variados no interior foram facilmente identificados (Figura 2). A espécie P. zopfii foi identificada de acordo com os resultados de utilização dos carboidratos: positivo para glicose, glicerol e etanol e negativo para sacarose, trealose e lactose (ARNOLD & AHEARN, 1972; PADHYE et al., 1979).

Os demais animais em lactação foram avaliados clinicamente e o leite foi examinado pelo Califórnia Mastitis Test (CMT). Foi detectado um outro caso clínico e cinco casos subclínicos. Do outro caso clínico isolou-se Klebsiella sp. Os quadros subclínicos eram em um quarto mamário (quatro vacas) e em dois quartos (uma vaca). Destes, isolaram-se Staphylococcus sp. coagulase negativos (três amostras), Streptococcus sp. (uma amostra) e uma amostra foi negativa.

Foi testada a susceptibilidade in vitro das amostras de P. zopfii para: ampicilina, canamicina, cefaloridina, enrofioxacina, estreptomicina, gentamicina, neomicina, oxacilina, penicilina, sulfonamidas e trimetoprim x sulfametoxazolim pregnados em disco de papel de filtro (WOODS & WASHINGTON, 1995). As duas amostras foram resistentes a todos os antibacterianos testados, não sendo observado nenhum halo de inibição.

A resistência de Prototheca sp. de mastite bovina à terapia antibacteriana de rotina, tem sido relatada na literatura científica. McDONALD et al. (1984a) testaram a susceptibilidade in vitro de 48 amostras de P. zopfii a 27 antimicrobianos. Todas as amostras foram sensíveis à mixina e nistatina e algumas amostras foram sensíveis a anfotericina B, polimixina e gentamicina. BODENHOFF & MADSEN (1978) encontravam sensibilidade moderada in vitro para estreptomicina, polimixina e gentamicina

A partir de relatos da ação antifúngica do extrato de sementes de frutas cítricas disponível comercialmente (Kilol) (FIORENTIN & BARIONI JR, 1991), testou-se a susceptibilidade in vitro das amostras isoladas ao extrato (WOODS & WASHINGTON, 1995). Foram avaliadas as diluições 1:50, 1:100, 1:200, 1:400, 1:500, 1:600, 1:800, 1:1.000, 1:1.200, 1:1.600 e l: 2.000 do extrato em caldo Sabouraud. Um tubo da cultura contendo somente caldo Sabouraud, inoculado e incubado de modo semelhante aos demais, foi deixado como controle. Após 48 horas de incubação, todos os tubos foram semeados em placas de ágar Sabouraud. Os resultados mostraram que até a diluição l :500 houve inibição total do crescimento das amostras. Nas diluições 1:600 a 1:1.600 não foi observado crescimento nos tubos do teste, mas foram recuperadas colônias viáveis quando se subcultivou o conteúdo das culturas em placas de ágar Sabouraud, sugerindo uma ação semelhante à bacteriostática até a diluição l: l .600. Na diluição l :2.000 o crescimento foi visível e comparável ao tubo controle.

A partir desses resultados, foi recomendado o tratamento da infecção com uma solução a l :200 do extrato de frutas cítricas em 0,85% (p/v) de NaCl estéril contendo tintura de thimerosal a l :30.000 como conservante, durante sete dias. O tratamento iniciou-se 15 dias após o isolamento inicial de P. zopfii do leite. Uma semana após o tratamento, no dia 30 após o isolamento inicial, foi feita a cultura do leite dos quartos mamários afetados e constatou-se uma diminuição do número dos organismos no leite, sem a completa eliminação do agente (Tabela 1). Foi, então, recomendado mais um período de 15 dias de tratamento, de modo semelhante ao primeiro. Como pode ser observado dos resultados dos exames microbiológicos, não mais se isolaram P. zopfii dos quartos afetados após o tratamento prolongado (culturas realizadas apartir do dia 49 após o diagnóstico inicial).

Uma vez que os outros animais do rebanho não adquiriram infecção por P. zopfii, e que o animal infectado tinha sido introduzido recentemente no rebanho, considerou-se que a vaca foi, possivelmente, adquirida com a infecção. Isto sugere a possibilidade da introdução do agente em rebanhos por animais de reposição.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a colaboração de J. R. F, Brito e M. T. Ribeiro nas diversas etapas do trabalho de laboratório e de campo, bem como pela revisão do manuscrito do presente artigo.

² Médico Veterinário, MSc, Pesquisadora EMBRAPA-CNPGL.

Recebido para publicação em 12.03.97. Aprovdo em 16.04.97

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Maio 2008
• Data do Fascículo
  Dez 1997

Histórico

• Recebido
  12 Mar 1997
• Aceito
  16 Abr 1997