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Métodos de fixação de fraturas mandibulares em cães: resistência mecânica à compressão

Strength to compression of fractured mandible fixed with different methods in dogs

Resumos

Foi testada a resistência mecânica à compressão em 30 hemimandíbulas coletadas de cadáveres caninos. Dez. hemimandíbulas foram mantidas íntegras (grupo 1 = controle). As outras 20 foram submetidas inicialmente a fraturas oblíquas simples, entre o segundo e terceiro pré-molares e, posteriormente, imobilizadas por meio do emprego de resina acrílica aplicada diretamente sobre as superfícies dentárias em conjunto com o fio metálico interdental (grupo 2) ou interfragmentar (grupo 3). A análise estatística mostrou diferença significativa entre os grupos (Gl>G2>G3). Foi possível concluir que o método empregado no grupo 2, além de ser menos invasivo e não ter o perigo de danificar as raízes dentárias, é mecanicamente mais resistente do que o utilizado no grupo 3.

hemimandíbula; resistência; fratura; cão


Strength to compression of 30 hemimandibles obtained from canine cadavers was tested. Ten intact hemimandibles were used as controls (group 1). The other twenty hemimandibles were submitted to simple oblique fractures between the second and third premolars. The hemimandibles were fixed with acrylic resin applied to the tooth crown surface combined with interdental wire (group 2) or interfragmentary wire (group 3). The method used in hemimandibles of group 2 was more resistam than that used in the group 3. Besides that it was less invasive and did not damage the tooth roots.

hemimandible; strength; fracture; canine


MÉTODOS DE FIXAÇÃO DE FRATURAS MANDIBULARES EM CÃES: RESISTÊNCIA MECÂNICA À COMPRESSÃO

STRENGTH TO COMPRESSION OF FRACTURED MANDIBLE FIXED WITH DIFFERENT METHODS IN DOGS

Sheila Canevese Rahal1 1 Médico Veterinário, Professor Assistente, Doutor, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (UNESP), Campus de Botucatu. Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinárias, Rubião Júnior s/n, 18618000, Botucatu, SP. Email: fmvzunesp@laser.com.br. Autor para correspondência. Paulo Afonso Franciscone2 1 Médico Veterinário, Professor Assistente, Doutor, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (UNESP), Campus de Botucatu. Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinárias, Rubião Júnior s/n, 18618000, Botucatu, SP. Email: fmvzunesp@laser.com.br. Autor para correspondência. Simone Iwabe3 1 Médico Veterinário, Professor Assistente, Doutor, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (UNESP), Campus de Botucatu. Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinárias, Rubião Júnior s/n, 18618000, Botucatu, SP. Email: fmvzunesp@laser.com.br. Autor para correspondência. Flávia de Paula Soares3 1 Médico Veterinário, Professor Assistente, Doutor, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (UNESP), Campus de Botucatu. Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinárias, Rubião Júnior s/n, 18618000, Botucatu, SP. Email: fmvzunesp@laser.com.br. Autor para correspondência.

RESUMO

Foi testada a resistência mecânica à compressão em 30 hemimandíbulas coletadas de cadáveres caninos. Dez. hemimandíbulas foram mantidas íntegras (grupo 1 = controle). As outras 20 foram submetidas inicialmente a fraturas oblíquas simples, entre o segundo e terceiro pré-molares e, posteriormente, imobilizadas por meio do emprego de resina acrílica aplicada diretamente sobre as superfícies dentárias em conjunto com o fio metálico interdental (grupo 2) ou interfragmentar (grupo 3). A análise estatística mostrou diferença significativa entre os grupos (Gl>G2>G3). Foi possível concluir que o método empregado no grupo 2, além de ser menos invasivo e não ter o perigo de danificar as raízes dentárias, é mecanicamente mais resistente do que o utilizado no grupo 3.

Palavras-chave: hemimandíbula, resistência, fratura, cão.

SUMMARY

Strength to compression of 30 hemimandibles obtained from canine cadavers was tested. Ten intact hemimandibles were used as controls (group 1). The other twenty hemimandibles were submitted to simple oblique fractures between the second and third premolars. The hemimandibles were fixed with acrylic resin applied to the tooth crown surface combined with interdental wire (group 2) or interfragmentary wire (group 3). The method used in hemimandibles of group 2 was more resistam than that used in the group 3. Besides that it was less invasive and did not damage the tooth roots.

Key words: hemimandible, strength, fracture, canine.

INTRODUÇÃO

As fraturas mandibulares são comuns (NUNAMAKER, 1985; TAYLOR, 1990), representando em dois estudos 3% de todas as fraturas em cães e 15% das que ocorrem em gatos (PIERMATTEI & FLO, 1997).

O tratamento cirúrgico varia consideravelmente (PIERMATTEI & FLO, 1997). O ideal é o estabelecimento funcional com perfeita oclusão dental (NUNAMAKER, 1985; TAYLOR, 1990; DAVIDSON, 1993). Entre os métodos para fixação de fraturas do corpo mandibular estão o uso de pinos intramedulares, fixadores externos, placas, fios metálicos e acrílico (DULISCH, 1985; TAYLOR, 1990; DAVIDSON, 1993; EGGER, 1993; PIERMATTEI & FLO, 1997).

Os pinos intramedulares podem ser utilizados para a fixação de fraturas oblíquas ou transversas entre o 2° pré-molar e o 1° molar, porém têm como desvantagem a possibilidade de danificarem as raízes dos dentes ou as estruturas neurovasculares do canal medular (DAVIDSON, 1993), bem como promover a má oclusão (TAYLOR, 1990).

Os fixadores externos são úteis para estabilizar fraturas não unidas, múltiplas, bilaterais e instáveis, sendo geralmente bem tolerados (PIERMATTEI & FLO, 1997). Requerem mínima dissecação e há pouca interrupção do fluxo sanguíneo local, proporcionando um ambiente que estimula a cicatrização (DAVIDSON, 1993). As placas são ideais para fraturas mais complexas e nas bilaterais, proporcionando boa rigidez (EGGER, 1993; PIERMATTEI & ELO, 1997). Conseguem manter a redução anatómica perfeita e a estabilidade do local de fratura com oclusão normal; entretanto, requerem equipamento especial e seu custo é elevado (NUNAMAKER, 1985).

O fio de aço interdental pode ser empregado como único método de fixação em fraturas simples, não deslocadas ou como técnica auxiliar, funcionado melhor quando houver um dente firme em cada linha de fratura (DULISCH, 1985; DAVIDSON, 1993). O fio de aço interfragmentar pode ser usado para estabilizar fraturas transversas simples ou oblíquas curtas, mas se há fragmentação ou perda óssea, a redução adequada é difícil e leva a má oclusão (EGGER, 1993). Devem ser aplicados tão próximos quanto possível da borda alveolar, que é o local de tensão da mandíbula (EGGER, 1993; DAVIDSON, 1993). Em fraturas oblíquas, o emprego de dois fios perpendiculares um ao outro e cruzando a linha de fratura ajuda a prevenir o deslizamento dos fragmentos (DULISCH, 1985).

A tala de acrílico intra-oral serve para estabilizar fraturas mandibulares anteriores ao quarto pré-molar. Primeiro é feito um molde e depois a tala de acrílico a partir dele, sendo fixada no local com fios (DULISCH, 1985). Os resultados não têm sido encorajadores, com o acúmulo de partículas de comida e complicações pós-operatórias (EGGER, 1993; PIERMATTEI & ELO, 1997).

De acordo com DAVIDSON (1993), o acrílico é útil para tratar as fraturas rostrais aos primeiros molares e como incorpora os dentes rostrais e caudais, eles precisam estar estáveis. Por outro lado, se falta um dente, pode-se fazer uma ponte. Para construir um aparelho, deposita-se uma pequena quantidade de pó sobre os dentes, previamente atacados por ácido fosfórico, e logo satura-se o pó com líquido. Aplica-se pequenas quantidades de pó e líquido, altemadamente, até obter-se uma grossura de 1.5 a 2 mm. Para reforçar o acrílico, podem ser incorporados fios de aço, especialmente em áreas sem dentes. Quando a fratura consolidar, o aparelho de acrílico é removido e os dentes devem ser limpos e polidos.

KERN et al. (1993), determinando a resistência à inclinação em cinco formas de fixação interdental (barra de Erlich, alça de Stout, acrílico, alça de Stout com acrílico, barra de Erlich com acrílico), concluíram que a barra de Erlich com acrílico apresentou a maior resistência. Não observaram diferenças entre a barra de Erlich sem acrílico e a alça de Stout sem acrílico. O acrílico sozinho ou a alça de Stout e barra de Erlich sem acrílico foram menos fortes e menos rígidos do que a alça de Stout e barra de Erlich combinadas com acrílico.

O propósito do trabalho foi comparar a resistência mecânica de fraturas mandibulares oblíquas, entre o 2° e 3° pré-molares, imobilizadas por meio do emprego de acrílico, aplicado diretamente sobre a superfície dentária, em conjunto com o fio metálico interdental ou interfragmentar.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram colhidas 20 mandíbulas, sem alterações patológicas, de cães sem raça definida, com idade variando entre 1,5 e 3 anos e peso entre 8 e 17kg, sacrificados após as aulas práticas de Técnica Cirúrgica, na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - UNESP Botucatu.

Os tecidos moles foram removidos, preservando-se a mucosa gengival. As mandíbulas foram envoltas em gazes umedecidas com solução fisiológica 0,9%, acondicionadas em sacos plásticos individuais e estocadas em freezer. Na época do teste, foram descongeladas e mantidas à temperatura ambiente, sendo periodicamente umedecidas com solução salina. Cada mandíbula foi dividida na sínfise, obtendo-se duas hemimandíbulas. A hemimandíbula esquerda foi mantida íntegra, ao passo que a direita foi submetida a uma fratura oblíqua (ângulo de 30°) no eixo longitudinal, entre o 2° e 3° pré-molares, por meio do emprego de serra óssea. Posteriormente, foram constituídos, de forma aleatória, um grupo controle (1) sem fratura (hemimandíbula esquerda) e dois grupos de hemimandíbulas com fraturas (2 e 3), cada um formado por dez unidades.

No grupo 2, a fratura foi imobilizada com o emprego de fio de aço (n° 0) interdentário, no método da figura em 8, e resina acrílica. O fio passou do 4° pré-molar até o canino através de orifícios feitos na gengiva adjacente ao colo de cada dente, retornando em direção oposta. Com a fratura reduzida, as duas extremidades do fio foram retorcidas, até atingir a estabilidade. Foi aplicado ácido fosfórico (gel 40%)ª por l minuto sobre a superfície dentária, desde o 4° pré-molar até o canino, sendo então removido por lavagem com água destilada. O local foi seco com jato de ar e a resina acrílicab foi colocada, por meio de seringa, durante o estágio pastoso da polimerização, em toda a superfície desses dentes, incorporando o metal e evitando cobrir a área gengival.

No grupo 3, a fratura foi estabilizada com dois fios interfragmentares, sendo um aplicado próximo à borda alveolar e o outro perpendicular à linha de fratura. Foram feitos orifícios com broca e os fios passados por eles, a fratura foi reduzida e os fios retorcidos até ficarem tensos. Em seguida, a resina foi aplicada da mesma maneira que no grupo 2.

A resistência das hemimandíbulas à compressão foi avaliada com o emprego de uma máquina de Ensaio Universal, modelo Kratus, na Faculdade de Odontologia da USP - Campus de Bauru. Foi confeccionada uma base de apoio de aço, por meio da qual as hemimandíbulas foram fixadas na transição entre o ramo e o corpo da mandíbula. A força de compressão à ruptura foi aplicada entre o canino e o primeiro pré-molar, com uma velocidade de 0,5 mm/min., com célula de carga n° l (Figura l). Os valores obtidos foram submetidos à análise de variância (ANOVA), em blocos inteiramente casualizados e teste de Tukey, considerando-se significativo p<0,05.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apesar da existência de diversos métodos cirúrgicos de fixação de fraturas mandibulares, com suas vantagens e desvantagens (DULISCH, 1985; TAYLOR, 1993; DAVIDSON, 1993; EGGER, 1993; PIERMATTEI & ELO, 1997), obviamente não há uma técnica única aplicável a todos os tipos de fraturas. Os métodos testados no presente experimento são de fácil aplicação e não requerem instrumentação específica. No entanto, a sua utilização é limitada especialmente a fraturas simples, não sendo indicado para fraturas complexas, que requerem fixadores externos ou placas metálicas (NUNAMAKER, 1985; EGGER, 1993; PIERMATTEI & ELO, 1997).

Os resultados da análise de variância e teste Tukey, tabelas l e 2 respectivamente, mostraram diferença significativa entre os grupos (G1>G2>G3) p<0,001. A técnica de fio interdentário com resina (grupo 2), além de ter sido mais resistente que a do grupo de fio interfragmentar com resina (grupo 3), apresentou como vantagens o fato de ser menos invasiva e ter menores riscos de danificar a raiz dentária. A combinação da resina com o implante metálico tornou-a mais resistente, fato também verificado por KERN et al. (1993) ao testarem o acrílico sozinho, a barra de Erlich e a alça de Stout com e sem acrílico. Um fato a ser considerado, é que a resistência mecânica dos grupos 2 e 3 foi inferior ao do grupo l (mandíbula íntegra), indicando a necessidade de cuidados pós-operatórios alimentares, com o objetivo de diminuir a força mecânica na área operada.

Um dos inconvenientes dos métodos utilizados tanto no grupo 2 como no 3, é a necessidade de dentes íntegros, além da possibilidade de acúmulo de restos alimentares, junto ao acrílico, predispor à gengivite. Também deve ser considerado que o tipo de acrílico empregado no experimento apresenta uma reação exotérmica na fase de polimerização, podendo lesar os tecidos. A aplicação do mesmo, após a descalcificação do esmalte, pode ser feita saturando gradativamente o pó e líquido, como citado por DAVIDSON (1993), ou na forma pastosa, como foi aplicado, o que permitiu melhor controle da quantidade de resina aplicada.

Foi possível concluir que a imobilização de fraturas mandibulares oblíquas simples, entre o 2° e 3° pré-molares, utilizando-se resina acrílica e fio metálico interdental, oferece maior resistência mecânica à compressão do que a fixação com resina acrílica e fio metálico interfragmentar.

FONTES DE AQUISIÇÃO

a - Dentsplay Condicionador Dental Gel - Dentsplay Ind. e Com. Ltda - Petrópolis, RJ.

b - Jet Acrílico - Artigos Odontológicos Clássico Ltda. - São Paulo, SP.

2 Cirurgião-Dentista, Professor Assistente, Doutor, Faculdade de Odontologia de Bauru, USP. Departamento de Materiais Dentários, Bauru, SP.

3 Médico Veterinário, Autônomo.

Recebido para publicação em 07.08.97. Aprovado em 04.03.98

  • DAVIDSON, J.R. Tratamiento de las fracturas mandibulares y maxilares en el perro y el gato. Waltham Internacional Focus,v.3,n.3,p.9-16, 1993.
  • DULISCH, M.L. Skull and mandibular fractures. In: SLATTER, D. Textbook of small animal surgery Philadelphia: Saunders, 1985. v. 2, cap. 162, p. 2286-2295.
  • EGGER, E.L. Skull and mandibular fractures. In: SLATTER, D. Textbook of small animal surgery 2. ed. Philadelphia: Saunders, 1993, v. 2, cap. 142, p. 1910-1920.
  • KERN, D.A., SMITH, M.M., GRANT, J.W., et al Evaluation of bending strength of five interdental fixation apparatuses applied to canine mandibles. Am J Vet Res, v. 54, n. 7, p. 1177-1182, 1993.
  • NUNAMAKER, D.M. Fractures and dislocations of the mandible. In: NEWTON, C.D., NUNAMAKER, D.M. Textbook of small animal orthopaedics Philadelphia: Lippincott, 1985. cap. 18, p. 297-305.
  • PIERMATTEI, D.L., FLO, G.L. Brinker, Piermattei, and Flo's Handbook of Small Animal Orthopedics and Fracture Repair 3. ed. Philadelphia: Saunders, 1997. Cap. 20: Fractures and luxations of the mandible and maxilia: p. 659- 675.
  • TAYLOR, R.A. Mandibular fractures. In: BOJRAB, MJ., BIRCHARD, S.J., TOMLINSON, J.L. Current techniques in small animal surgery Philadelphia: Lea & Febiger, 1990, p. 890-894.
  • 1
    Médico Veterinário, Professor Assistente, Doutor, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (UNESP), Campus de Botucatu. Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinárias, Rubião Júnior s/n, 18618000, Botucatu, SP. Email:
    fmvzunesp@laser.com.br. Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 1998

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 1997
    • Aceito
      04 Mar 1998
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