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Exame andrológico em touros: qualidade dos indicadores da aptidão reprodutiva em distintos grupos raciais

Andrologycal examination in bulls: quality of breedng soundness criteria in different genetic groups

Resumos

Os padrões recomendados para os componentes do exame andrológico são únicos para todas as raças e sistemas de produção, resultando em perdas económicas pela eliminação de reprodutores em alguns conjuntos raciais. O presente estudo apresenta uma análise retrospectiva sobre dois conjuntos de dados de campo, comparando grupos contemporâneos de touros de raças puras taurinas e derivadas de cruzamento com zebuínos. Os resultados indicam que o uso de padrões mais flexíveis resultam em um comportamento semelhante dos distintos grupos raciais, quanto à condição reprodutiva, em contraste com os critérios atuais que classificam de maneira diferente animais de distintos genótipos taurinos puros e seu cruzamento com zebuínos. É enfatizada a importância de estudos sobre os critérios recomendados para a classificação reprodutiva de touros, no sentido de reduzir perdas impostas aos sistemas de produção em decorrência de peculiaridades inerentes a grupos genéticos diferenciados.

exame andrológico; touros; raças; critérios


There is a single set of standard for breeding soundness evaluation in bulls for ali breeds and production systems, resulting in economical losses due to high frequencies of culling in bulls of some genotypes. This study presents an analysis on two sets of field data, comparing contemporary groups of bulls from taurine pure-breds and zebu crossbreeds. The results were indicative that more flexible standards could be useful, avoiding injustified culling of bulls. This fact may be justified by the absence of interaction between breed and reproductive condition. It will be importam to continue the studies on procedures and standards for breeding soundness evaluation in bulls, to reduce losses in the production systems due to peculiarities inherent to the genetic groups.

breeding soundness evaluation; bulls; breeds; critéria


EXAME ANDROLÓGICO EM TOUROS: QUALIDADE DOS INDICADORES DA APTIDÃO REPRODUTIVA EM DISTINTOS GRUPOS RACIAIS

ANDROLOGYCAL EXAMINATION IN BULLS: QUALITY OF BREEDNG SOUNDNESS CRITERIA IN DIFFERENT GENETIC GROUPS

José Carlos Ferrugem Moraes1 1 Médico Veterinário, Embrapa, Centro de Pesquisa de Pecuária dos Campos Sulbrasileiros, CP 242, 96400-970, Bagé, RS, Brasil. Autor para correspondência, e-mail: ferrugem@cppsul.embrapa.br. Marilise Mesquita Horn2 1 Médico Veterinário, Embrapa, Centro de Pesquisa de Pecuária dos Campos Sulbrasileiros, CP 242, 96400-970, Bagé, RS, Brasil. Autor para correspondência, e-mail: ferrugem@cppsul.embrapa.br. Adriano Garcia Rosado Jr.3 1 Médico Veterinário, Embrapa, Centro de Pesquisa de Pecuária dos Campos Sulbrasileiros, CP 242, 96400-970, Bagé, RS, Brasil. Autor para correspondência, e-mail: ferrugem@cppsul.embrapa.br.

RESUMO

Os padrões recomendados para os componentes do exame andrológico são únicos para todas as raças e sistemas de produção, resultando em perdas económicas pela eliminação de reprodutores em alguns conjuntos raciais. O presente estudo apresenta uma análise retrospectiva sobre dois conjuntos de dados de campo, comparando grupos contemporâneos de touros de raças puras taurinas e derivadas de cruzamento com zebuínos. Os resultados indicam que o uso de padrões mais flexíveis resultam em um comportamento semelhante dos distintos grupos raciais, quanto à condição reprodutiva, em contraste com os critérios atuais que classificam de maneira diferente animais de distintos genótipos taurinos puros e seu cruzamento com zebuínos. É enfatizada a importância de estudos sobre os critérios recomendados para a classificação reprodutiva de touros, no sentido de reduzir perdas impostas aos sistemas de produção em decorrência de peculiaridades inerentes a grupos genéticos diferenciados.

Palavras-chave: exame andrológico, touros, raças, critérios.

SUMMARY

There is a single set of standard for breeding soundness evaluation in bulls for ali breeds and production systems, resulting in economical losses due to high frequencies of culling in bulls of some genotypes. This study presents an analysis on two sets of field data, comparing contemporary groups of bulls from taurine pure-breds and zebu crossbreeds. The results were indicative that more flexible standards could be useful, avoiding injustified culling of bulls. This fact may be justified by the absence of interaction between breed and reproductive condition. It will be importam to continue the studies on procedures and standards for breeding soundness evaluation in bulls, to reduce losses in the production systems due to peculiarities inherent to the genetic groups.

Key words: breeding soundness evaluation, bulls, breeds, critéria.

INTRODUÇÃO

A utilidade do exame andrológico nos sistemas de produção foi demonstrada por WILTBANK & PARISH (1986), através do incremento de 5% na fertilidade de rebanhos de vacas Santa Gertrudis acasaladas com touros selecionados pela qualidade do sêmen. Esta pequena diferença reflete a dificuldade na predição da fertilidade de touros, indicando que não se trata de simplesmente proceder a uma boa avaliação clinica da genitália dos animais, coletar uma amostra de sêmen e aplicar alguns padrões estabelecidos, que o sucesso estará garantido. HAMMERSTEDT (1996) ilustrou muito claramente esta problemática, referindo-se às análi- ses de sêmen: identificar animais subférteis é possível; reiterar uma boa fertilidade em animais com histórico de boa fertilidade é uma possibilidade razoável; predizer a fertilidade dos machos é impossível. Essas conclusões são corroboradas pela expressiva freqüência de animais com alterações na genitália e/ou no sêmen em levantamentos populacionais (CARROL et al., 1963; SILVA et al, 1981; VALE FILHO et al., 1986) e pela dificuldade na predição da fertilidade de touros e/ou de amostras de sêmen (LINFORD et al., 1976; AMMAN, 1995).

A constatação de diferenças nos indicadores da fertilidade potencial entre raças é um fato previsível, reportado na maioria dos estudos, notadamente, em associação com outros efeitos como idade, peso corporal e sistema de criação (ver, por exemplo, CHENOWETH et al., 1996).

A hipótese considerada neste estudo é de que touros de raças taurinas puras e oriundas de cruzamentos com zebuínos apresentam diferenças nos indicadores para a avaliação da fertilidade potencial inerentes a cada grupo racial. Assim, estas diferenças "de per se" poderiam justificar a adoção de critérios diferenciados para cada raça (pura taurina ou cruzamentos entre taurinos e zebuínos). Na falta de dados de fertilidade "a posteriori", este estudo inclui uma triagem retrospectiva de dados do exame andrológico, em grupos contemporâneos de touros avaliados para comercialização em duas propriedades. O objetivo geral é de verificar se os critérios utilizados para a eleição de touros aptos para a reprodução são semelhantes dentro de sistemas genéticos, envolvendo raças taurinas puras e cruzamentos com zebuínos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Conjunto de dados l. Exame andrológico em touros Aberdeen Angus e Brangus-Ibagé.

Foram incluídas informações do exame andrológico de 182 touros com três anos de idade, criados no Centro de Pesquisa de Pecuária dos Campos Sulbrasileiros, da Embrapa em Bagé, RS, sendo 32 Aberdeen Angus e 150 da raça Brangus-Ibagé (5/8 Aberdeen Angus + 3/8 Nelore). Os exames foram realizados previamente à comercialização na primavera dos anos de 1991 a 1996, sempre pela mesma equipe. Os touros de seis grupos contemporâneos foram criados de maneira semelhante ao longo dos anos, recebendo suplementação concentrada durante os meses de inverno.

O exame de aptidão reprodutiva incluiu uma avaliação minuciosa da genitália externa e interna dos touros, sendo anotadas todas as variações, desde pequenas rotações testiculares, consideradas sem significado patológico; até alterações grosseiras como malformações gonadais e lesões inflamatórias. A integridade da genitália foi classificada subjetivamente, de acordo com essa avaliação clinica de 5 ("ideal", sem alterações aparentes) até l ("com alteração", que comprometeria a aptidão reprodutiva dos indivíduos). Em seqüência, o perímetro escrotal era aferido em centímetros na porção do maior diâmetro dos testículos. A coleta de amostras de sêmen sempre foi procedida por eletroejaculação. As variáveis empregadas como indicadores da qualidade do sêmen foram a motilidade, o vigor e o percentual de espermatozóides normais. Os animais considerados como aptos não apresentavam lesões clinicas na genitália e, se as apresentavam eram leves cicatrizes ou dermatites escrotais, sem comprometimento da qualidade do sêmen. O tamanho dos testículos não foi considerado como fator de descarte, sempre que se apresentavam simétricos e os indicadores da função testicular dentro dos seguintes limites: motilidade espermática acima de 50%, com vigor superior a 2 (numa escala entre 1-5) e coerentes com a percentagem de espermatozóides normais, de pelo menos 60%. Os indivíduos que não se enquadravam dentro destes padrões eram reavaliados, sendo considerados inaptos temporariamente. Após, pelo menos, duas reavaliações, com intervalos de 15 dias, era possível formular um diagnóstico mais preciso de recuperação ou não do indivíduo e sua classificação final, como apto ou inapto para a comercialização.

As variáveis medidas clin (avaliação subjetiva do exame clínico, de l a 5), per (perímetro escrotal em cm), mot (motilidade espermática, expressa em percentual e estimada entre lâmina e lamínula aquecidas em torno de 37°C), vig (intensidade do movimento espermático expresso subjetivamente entre 1-5) e normes (percentagem de espermatozóides normais em esfregaços corados com orceína acética) foram submetidas à transformação em "ranks" quando havia necessidade de normalização e analisadas, empregando o programa estatístico NCSS 6.0.2 por análise de variância, de acordo com o seguinte modelo:

Yijkl= µ + ai + bj + ck + (ab)ij + (ac)ik + (bc)kj+ eijkl

onde: a significa o efeito fixo da i-ésima raça (Aberdeen Angus e Brangus-Ibagé); b significa o efeito fixo das k-ésimas condições reprodutivas (aptos e inaptos); c significa o efeito ao acaso de distintos anos (91...96) e ab, ac e bc, os efeitos da interação de primeira ordem entre raça, condição reprodutiva e ano. As comparações entre freqüências das condições reprodutivas foram executadas por quiquadrado simples.

Conjunto de dados 2. Exame andrológico em touros Hereford e Braford.

Foram incluídas informações do exame andrológico de 751 touros com dois anos de idade, criados em uma propriedade particular, localizada no município de Dom Pedrito, RS, sendo 559 Hereford e 192 da raça Braford. A maior parte dos animais da raça sintética eram 5/8 Hereford + 3/8 Nelore, no entanto, havia cerca de 20% dos animais ¾Hereford e ½Hereford. A proporção de mistura racial não foi considerada nesta avaliação. Os exames foram realizados previamente à comercialização dos animais nos anos de 1992 a 1994. Os touros foram criados de maneira semelhante ao longo dos anos, sob condições de pastagem cultivada e suplementação alimentar, nos períodos de baixa disponibilidade de forragem.

O exame de aptidão reprodutiva foi conduzido sempre com antecedência suficiente, para que fosse possível reavaliações nos animais que não apresentassem os padrões recomendados pelo Colégio Brasileiro de Reprodução Animal. Esses critérios incluem um exame clínico do sistema genital e medição do perímetro escrotal, considerando insatisfatórios animais com valor inferior a 30cm, e um exame no sêmen imediatamente após a coleta, avaliando volume, aspecto, concentração, motilidade e vigor espermático, seguido de um espermiograma em lâmina corada pelo corante de William´s e em preparações úmidas para contraste de fase. Os parâmetros mínimos requeridos para considerar satisfatória a qualidade do sêmen são: motilidade superior a 50%, vigor no mínimo 3 e percentual de defeitos esper- máticos no máximo de 30%, não excedendo 20% de defeitos maiores (FONSECA et al., 1992).

Os resultados das fichas de campo foram tratados de maneira semelhante ao descrito para o conjunto de dados l, para que fosse possível uma interpretação comparativa entre os dois conjuntos de dados, tendo sido desconsiderada a classificação de defeitos maiores e menores. Foram utilizadas as mesmas variáveis, exceto clin, já que as informações disponíveis sobre a avaliação clinica não foram colhidas da mesma maneira. As variáveis foram submetidas as mesmas análises descritas para o conjunto de dados l.

RESULTADOS

Conjunto de dados l.

O critério empregado para a avaliação andrológica permitiu evidenciar que 21% dos animais não deveriam ser comercializados, naquele momento, por não apresentarem indicativos de integridade e/ou funcionalidade reprodutiva. Os dois conjuntos raciais apresentaram freqüências semelhantes (c2 = 0,22; l GL; P>0,50) de animais inaptos para a reprodução, sendo 19% para a raça Aberdeen Angus e 21% para a Brangus-Ibagé. Ainda quanto à freqüência geral das duas condições reprodutivas, deve ser salientado que possíveis diferenças casuais nas proporções não foram detectadas ao longo dos anos. No modelo de análise considerado, as raças Aberdeen Angus e Brangus-Ibagé não apresentaram valores distintos para nenhum dos indicadores de aptidão reprodutiva. Em contraste, para todas as variáveis, exceto per, foram constatados valores médios significativamente diferentes nas duas condições reprodutivas (Tabela l), indicando a utilidade dessas variáveis na classificação dos animais.

No que diz respeito ao perímetro escrotal, constatou-se uma interação significativa entre a raça e a condição reprodutiva. As médias foram de 35,04±0,24 e 36,46±0,46 para os Brangus-Ibagé e de 37,07±0,50 e 34,83±1,05 para os Aberdeen Angus, respectivamente para touros aptos e inaptos, reiterando que esta variável não foi importante para a classificação dos touros.

O efeito aleatório de ano apenas apresentou diferenças quanto a per, mot e normes. Nenhuma das interações avaliadas entre raça e condição reprodutiva foram importantes.

Conjunto de dados 2.

No que diz respeito aos dados do exame andrológico colhidos de touros das raças Hereford e Braford, constatou-se uma freqüência geral de 75% de touros aptos para a reprodução. O percentual de touros inaptos foi de 18% e 47%, respectivamente para as raças Hereford e Braford, diferença expressiva entre conjuntos raciais (c2 = 68,90; l GL; P<0,001), caracterizando o problema abordado neste estudo. Adicionalmente, foram observadas freqüências distintas entre anos quanto à aptidão reprodutiva nas raças Hereford e Braford. Na raça Hereford, ao longo dos anos, o percentual de inaptos oscilou de 27% a 9% e nos touros da raça Braford de 36% a 52%.

Nenhum dos indicadores utilizados para avaliar a condição reprodutiva dos touros revelou diferença exclusiva nas médias em função das raças. A condição reprodutiva apenas foi diferenciada quanto à motilidade e ao vigor. As médias foram respectivamente de 67,17±1,44% e 3,94±0,01 para motilidade e vigor no grupo dos aptos e de 41,00±2,69% e 2,88±0,01 nos inaptos. Já o per e normes foram semelhantes nos touros aptos e inaptos. O per oscilou entre 35 e 36cm e normes entre 80 e 90%. A constatação de que os touros das raças Hereford e Braford se comportaram de maneira distinta nas duas condições reprodutivas quanto à motilidade, vigor espermático e % de células normais reflete que o critério adotado deve estar classificando de forma diferente animais de distintos grupos genéticos, mesmo oriundos de um mesmo conjunto gênico base. Foram observados valores médios significativamente menores para todas as variáveis medidas na raça Braford em animais da classe inaptos (Tabela 2). Neste sentido, cabe reiterar que, para a variável normes, a despeito da diferença significativa entre as médias, 75% de espermatozóides normais não devem estar refletindo uma condição de espermatogênese alterada. Este valor pode ser devido ao menor número de espermiogramas efetivados em animais inaptos da raça Braford, que devem ter se concentrado em animais com alterações em outros indicadores da fertilidade potencial.

O critério adotado para classificação dos animais inclui o per. No entanto, o perímetro escrotal apenas foi afetado pelo efeito considerado aleatório do ano em que foram tomadas as medidas nas duas raças. Apenas foi observada variação significativa na raça Braford entre 33 e 35cm. Os touros da raça Hereford apresentam perímetro escrotal em torno de 37cm nos três anos.

As médias de mot variaram entre 66% e 72% nos touros aptos e de 33% a 46% nos inaptos; os percentuais de normes variaram de 88% a 92% nos aptos e de 81% a 79% nos inaptos. Não há total coerência entre os dados de motilidade e percentual de células normais, ou seja, quando aumenta mot se detecta pequena redução nos touros inaptos.

DISCUSSÃO

Em ambos conjuntos de dados, as avaliações reprodutivas foram procedidas dentro de grupos contemporâneos, visando a qualificar os animais previamente à comercialização. Cerca de 20% dos animais foram classificados como inaptos para a reprodução, atendendo aos requisitos formais de proteção aos compradores. O que fica evidenciado, neste estudo, não é uma elevada freqüência de recomendação de descarte de touros, mas sim, freqüências distintas em função da raça e do ano de observação, no caso específico do conjunto 2.

O uso de um padrão menos exigente, como o empregado no conjunto de dados l, resultou em freqüências semelhantes de touros nas duas condições reprodutivas e ausência de significância na interação entre raça e condição reprodutiva para as variáveis clin, mot, vig e normes. Apenas o tamanho testicular apresentou um comportamento diferencial entre raças, no que diz respeito à condição reprodutiva. Estes resultados são coerentes com o critério empregado neste sistema racial, já que o perímetro escrotal não foi considerado como um fator de descarte de um reprodutor, que apresentasse boa qualidade dos indicadores da qualidade seminal.

No conjunto de dados 2, também se observa comportamento diferencial das raças com respeito à condição reprodutiva (interação significativa entre raça e condição reprodutiva). Os valores de mot e vig, apresentados na Tabela 2, possivelmente indiquem cautela por parte do produtor com a qualidade do sêmen de seus animais para a comercialização. Cabe ressaltar, novamente, que os valores de normes estão prejudicados pelo número de observações. Ou seja, sempre que a motilidade não era alta e a uma simples inspeção era constatada alta patologia espermática, os touros foram classificados sem a quantificação de normes.

Este ensaio alerta para a necessidade de mudanças nos critérios atuais recomendados através da análise de situações comuns, visando a proporcionar melhores informações aos sistemas de produção, atualmente praticados, no sentido de redução de perdas e de evitar que sejam descartados animais zootecnicamente importantes, porém não qualificados reprodutivamente por critérios mais exigentes. Já que, embora, os indicadores empregados sejam correlacionados com a fertilidade, não são eficientes na sua predição (AMMAN, 1995). A diferença entre raças, quanto à classificação da potencialidade reprodutiva, pode ser um indicativo de que os critérios deveriam ser modificados para os genótipos cruzas, nos quais seriam permitidas maiores diferenças, já que há maior variabilidade. No presente estudo, esta possibilidade é reiterada pela semelhança no sistema Aberdeen Angus, onde os critérios são menos rígidos e as avaliações procedidas em animais que já atingiram a maturidade sexual. De certa forma, este tem sido o procedimento adotado pela Sociedade Americana de Theriogenologia, considerando a subjetividade de alguns dos indicadores empregados nas avaliações e a intenção de apenas preconizar uma regra geral para orientação dos veterinários (CHENOWETH et al., 1994).

Distintas fontes de variação estão incluídas no efeito aleatório de ano, entre estas destacam-se: os animais selecionados como reprodutores, as condições de criação e os técnicos que efetuam os exames andrológicos. Os resultados foram discrepantes entre os conjuntos de dados. No conjunto de dados l, as interações com raça e condição reprodutiva não foram significantes, tendo sido apenas constatados efeitos aleatórios simples de ano para o perímetro escrotal e motilidade espermática. Em contraste, para o conjunto de dados 2, o ano foi importante para todas as variáveis medidas e houve interações significativas com raça e condição reprodutiva.

A identificação de diferenças nos indicadores da qualidade do sêmen pode refletir mecanismos distintos de seleção gamética nos genótipos puros e "híbridos". Algumas explicações possíveis seriam: efeito fundador, relativo aos indivíduos responsáveis pela formação do grupo racial; a maior variabilidade e/ou problemas de fertilidade de origem citológica nos genótipos híbridos (BASRUR, 1969, HALNANJ989); as próprias raças envolvidas nos cruzamentos; idade diferencial para atingir a puberdade e maturidade sexual e efeitos de sistemas de criação distintos ao longo do tempo (BARBOSA et al., 1991a).

A despeito do fato de que entre Bos taurus e Bos indicus não existe barreira reprodutiva, caracterizada por esterilidade dos híbridos, no sexo masculino (heterogamético) podem ser observados problemas reprodutivos com maior freqüência (BASRUR, 1969). A este respeito, HALNAN (1989) discutiu amplamente duas hipóteses explicativas para as mais baixas taxas de fertilidade constatadas na segunda geração de cruzamentos entre zebuínos e taurinos na Austrália: uma no nível gênico, com um modo de herança multifatorial, e outra no nível cromossômico, em decorrência de pequenas deleções ou efeitos de posição na região de sinápse entre os cromossomos sexuais. Neste contexto, os presentes resultados também apresentam alguma evidência que poderia estar relacionada a maiores diferenças no grupo genético Braford, caso, este, à semelhança de outros cruzamentos, apresente apenas o Y acrocêntrico, oriundo do genótipo Bos indicus. A raça Brangus-Ibagé, de maneira distinta dos demais cruzamentos entre taurinos e zebuínos, apresenta ambos os tipos de cromossomo Y, em função dos sistemas de formação da raça sintética (PINHEIRO et al., 1980) e os touros com Y´s de distinta morfologia apresentam semelhança na biometria da genitália e nos indicadores seminais (PINHEIRO et al., 1979).

Um outro fator importante, que deve ser considerado nas comparações procedidas entre conjuntos raciais é a idade à puberdade e conseqüente maturidade sexual, já que os genótipos zebuínos manifestam puberdade completa, com indicadores seminais adequados, mais tardiamente que taurinos (CHENOWETH et al., 1996). Existem evidências claras da importância da adaptabilidade dos distintos genótipos ao ambiente. No Brasil, em condições tropicais, os genótipos taurinos, em diferentes cruzamentos, apresentam com maior freqüência alterações seminais (VALE FILHO, et al., 1986), em contraste, nas regiões Sudeste e Sul, observa-se semelhança nos indicadores do exame andrológico entre touros de origem zebuína e europeia (SILVA et al., 1981, BARBOSA et al., 1991b).

CONCLUSÃO

Os critérios utilizados para a classificação de touros para a reprodução apresentam comportamento diferencial entre grupos raciais, envolvendo raças taurinas puras e seus cruzamentos com zebuínos, mesmo dentro de grupos contemporâneos. Assim, é possível inferir que também esta peculiaridade deve ser considerada quando na utilização do exame andrológico como instrumento para incremento da fertilidade e produtividade dos sistemas de produção de bovinos de corte.

2 Médlco Veterinário, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

3 MédicoVeterinário Autónomo, Dom Pedrito, RS, Brasil.

Recebido para publicação em 12.11.97. Aprovado em 13.05.98

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    Médico Veterinário, Embrapa, Centro de Pesquisa de Pecuária dos Campos Sulbrasileiros, CP 242, 96400-970, Bagé, RS, Brasil. Autor para correspondência, e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 1998

    Histórico

    • Recebido
      12 Nov 1997
    • Aceito
      13 Maio 1998
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