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Pesquisa de Yersinia enterocolitica em lingüiças frescas de porco em Porto Alegre, RS

Investigation of Yersinia enterocolitica in fresh pork sausages in Porto Alegre, RS, Brazil

Resumos

Foram analisadas 96 amostras de lingüiça fresca preparadas unicamente com carne suína adquiridas no comércio de Porto Alegre, com o objetivo de determinar a presença de Yersinia enterocolitica. A metodologia empregada baseou-se na incubação em salina fosfatada tamponada a 4°C como enriquecimento e isolamento em ágar seletivo para yersinias (ágar cefsulodina-irgasan-novobiocina). Em nenhuma das amostras de lingüiça analisadas no presente estudo, foi encontrada a Y. enterocolitica. A mesma metodologia foi testada em ensaios de recuperação de Y. enterocolitica de amostras de lingüiça contaminadas artificialmente com diferentes inóculos da bactéria. O método apresentou boa sensibilidade, mas baixa reprodutibilidade nos ensaios de recuperação, onde apenas inóculos de 6,3x10(4)UFC/ml puderam ser sempre recuperados. A partir destes resultados, conclui-se que novas etapas de enriquecimento e seleção devem ser adicionadas à metodologia testada para garantir uma maior reprodutibilidade, principalmente em níveis de contaminação mais baixos.

lingüiça; suíno; Yersinia enterocolitica


In this study 96 samples of fresh sausage containing only pork and sold in Porto Alegre were investigated for the presence of Yersinia enterocolitica. Each sample was incubated in phosphate buffer saline at 4°C for cold-enrichment and plated onto yersinia selective agar (cefsulodin-irgasan-novobiocin agar). Y. enterocolitica could not be isolated from any of the sausage samples used in this study. Furthermore, the effectiveness of the method was tested by recoverying of Y. enterocolitica from fresh pork sausage that were artificially contaminated with different levels of inoculum. The method showed a good sensitivity but a low reproductibility in the recovery asssays. Only samples containing at least 6,3x10(4)CFU/ml resulted in good recovery patterns. Other enrichment and selective steps must be added to the method to provide a better yersinia isolation from low contaminated pork sausage.

sausage; pork; Yersinia enterocolitica


PESQUISA DE Yersinia enterocolitica EM LINGÜIÇAS FRESCAS DE PORCO EM PORTO ALEGRE, RS

INVESTIGATION OF Yersinia enterocolitica IN FRESH PORK SAUSAGES IN PORTO ALEGRE, RS, BRAZIL

Maria do Céu Borralho e Albuquerque1 1 Biólogo, MSc., Laboratório Central da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, Secretaria de Saúde e do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Rua Domingos Crescêncio, 132, 90650-090 Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: ceu@pro.via-RS.com.br. Autor para correspondência. Marisa Cardoso2 1 Biólogo, MSc., Laboratório Central da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, Secretaria de Saúde e do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Rua Domingos Crescêncio, 132, 90650-090 Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: ceu@pro.via-RS.com.br. Autor para correspondência.

- NOTA -

RESUMO

Foram analisadas 96 amostras de lingüiça fresca preparadas unicamente com carne suína adquiridas no comércio de Porto Alegre, com o objetivo de determinar a presença de Yersinia enterocolitica. A metodologia empregada baseou-se na incubação em salina fosfatada tamponada a 4°C como enriquecimento e isolamento em ágar seletivo para yersinias (ágar cefsulodina-irgasan-novobiocina). Em nenhuma das amostras de lingüiça analisadas no presente estudo, foi encontrada a Y. enterocolitica. A mesma metodologia foi testada em ensaios de recuperação de Y. enterocolitica de amostras de lingüiça contaminadas artificialmente com diferentes inóculos da bactéria. O método apresentou boa sensibilidade, mas baixa reprodutibilidade nos ensaios de recuperação, onde apenas inóculos de 6,3x104UFC/ml puderam ser sempre recuperados. A partir destes resultados, conclui-se que novas etapas de enriquecimento e seleção devem ser adicionadas à metodologia testada para garantir uma maior reprodutibilidade, principalmente em níveis de contaminação mais baixos.

Palavras-chave: lingüiça, suíno, Yersinia enterocolitica.

SUMMARY

In this study 96 samples of fresh sausage containing only pork and sold in Porto Alegre were investigated for the presence of Yersinia enterocolitica. Each sample was incubated in phosphate buffer saline at 4°C for cold-enrichment and plated onto yersinia selective agar (cefsulodin-irgasan-novobiocin agar). Y. enterocolitica could not be isolated from any of the sausage samples used in this study. Furthermore, the effectiveness of the method was tested by recoverying of Y. enterocolitica from fresh pork sausage that were artificially contaminated with different levels of inoculum. The method showed a good sensitivity but a low reproductibility in the recovery asssays. Only samples containing at least 6,3x104CFU/ml resulted in good recovery patterns. Other enrichment and selective steps must be added to the method to provide a better yersinia isolation from low contaminated pork sausage.

Key words : sausage, pork, Yersinia enterocolitica.

INTRODUÇÃO

A Y. enterocolitica é um microrganismo patogênico que tem sua presença associada a alimentos e água contaminados. A capacidade deste microrganismo de multiplicação a temperaturas de refrigeração (4-7°C) faz com que sua presença em alimentos represente risco potencial para a saúde pública. (BHADURI et al., 1995). A manifestação clínica da infecção é distinta nas diferentes faixas etárias, predominando a enterocolite com diarréia (MURRAY et al., 1994). Segundo JAY (1992), os sorotipos de Y. enterocolitica que se apresentam mais freqüentemente nas infecções humanas são: O:3, O:5,27, O:8 e O:9.

MOLLARET (1971) sugeriu o suíno como principal reservatório das cepas patogênicas para o homem. Posteriormente, TSUBOKURA et al. (1973), examinando o conteúdo cecal de 299 suínos aparentemente sadios em um matadouro no Japão, isolaram 13 cepas de Y. enterocolitica, pertencentes aos grupos O:3, O:5, O:10 e O:12. A correlação entre a ocorrência de yersiniose e o consumo de carne e embutidos de suíno mal cozidos pôde ser estatisticamente assegurada por OSTROFF et al. (1994), em estudo comparativo entre um grupo de pacientes doentes e um grupo controle.

No Brasil, existem relatos de isolamento da Y. enterocolitica de amostras de alimentos diversos, coletados, principalmente, no centro do país. A prevalência encontrada varia bastante nos diferentes alimentos e metodologias empregadas, alcançando em alguns estudos índices acima de 40% (EIROA et al., 1984,1986; TIBANA et al., 1987; LANDGRAF & FALCÃO, 1987; FALCÃO, 1991; TASSINARI et al., 1994). A inexistência de dados sobre a ocorrência da Y. enterocolitica em nosso estado, e com o objetivo de testar metodologia recomendada que fosse simples e economicamente viável para implantação nos laboratórios da rede pública de saúde, motivaram o presente estudo.

Durante o período de maio de 1996 à fevereiro de 1997, foram coletadas em casas comerciais de Porto Alegre 96 amostras de lingüiça fresca, contendo unicamente carne suína, fabricadas industrialmente e apresentando registro do Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura. As amostras adquiridas pesavam aproximadamente 100g e foram obtidas dentro do procedimento normal de pesagem utilizado pelo vendedor em cada estabelecimento. As amostras (25g) foram pesadas assepticamente em sacos plásticos estéreis para Stomacher e homogeneizadas por 2min com 225ml de solução salina fosfatada tamponada (PBS) pH 7,6. Os homogeneizados foram incubados a 4°C por até 21 dias com o objetivo de promover um pré-enriquecimento e conseqüente recuperação de células lesadas ( SCHIEMANN, 1982). A partir do meio de enriquecimento foram semeadas alíqüotas em ágar CIN (Cefsulodin-Irgasan-Novobiocina Ágar, Difco) nos dias 7,14 e 21 do enriquecimento. Após incubação a 32°C por até 48h, as colônias típicas foram selecionadas e repicadas em ágar KIA (Klieger Iron Agar, Difco) e LIA (Lisine Iron Agar, Difco) e, posteriormente, submetidas a testes bioquímicos complementares de identificação.

Das amostras analisadas foram selecionadas entre uma e oito colônias suspeitas (pequena, redonda, com centro vermelho e halo esbranquiçado) no ágar CIN de cada um dos repiques realizados a partir do enriquecimento a 4°C. Foram isoladas no total 865 colônias. Destas, 60 apresentaram reações compatíveis com Y. enterocolitica no meio de KIA e LIA, mas não foram confirmadas nas provas bioquímicas complementares, indicando a ausência de Y. enterocolitica nas 96 amostras analisadas. O ágar CIN utilizado no presente estudo demonstrou ser bastante seletivo frente à microbiota interferente, mas ainda assim não se mostrou capaz de inibir o crescimento de Pseudomonas aeruginosa, Citrobacter freundii e Aeromonas hydrophila. Também foi possível observar que em todas as amostras de lingüiça analisadas houve predominância de colônias atípicas, que, uma vez submetidas aos testes confirmatórios, acabaram por ser identificadas como não sendo Y. enterocolitica. Isto indica que o meio é adequado para o reconhecimento da bactéria, apresentando boa especificidade.

Paralelamente, foram realizados ensaios para determinação do limite de recuperação da Y. enterocolitica em relação à microbiota interferente natural da amostra. Para tanto, foi feita a contaminação de diferentes porções de uma mesma amostra de lingüiça, negativa para este microrganismo, com quantidades conhecidas e crescentes de Y. enterocolitica (INCQS 00098/ATCC 9610), que após foram processadas, utilizando a metodologia escolhida. Foram realizadas 5 repetições para cada inóculo testado (6,3x101 até 6,3x104 UFC/ml), obedecendo aos mesmos procedimentos de pesagem e enriquecimento descritos. Após o período de incubação a 4°C por até 21 dias, foram semeadas alíquotas no ágar CIN e seguidas as etapas de identificação anteriormente citadas.

A amostra padrão de Y. enterocolitica pôde ser recuperada em inóculos que variaram de 6,3x101 até 6,3x104UFC/ml , sendo apenas este último recuperado em 4 das 5 repetições realizadas (tabela 1). Estes dados indicam que o enriquecimento a frio em salina fosfatada tamponada apresenta uma boa sensibilidade, mas não reprodutibilidade. Da mesma forma, o efeito do tempo de permanência das amostras a 4°C mostrou resultados contraditórios, não sendo possível observar um aumento da taxa de recuperação de bactérias através do enriquecimento a frio. Apenas inóculos de 6,3x104 mantiveram-se estáveis ao longo dos 21 dias de permanência a 4°C. Sendo assim, apesar da metodologia empregada ter um custo acessível para a implantação nos laboratórios de diagnóstico, é necessário adicionar novas etapas de enriquecimento ou seleção que garantam, principalmente, uma maior reprodutibilidade do método em níveis de contaminação mais baixos.

Estudos futuros devem ser conduzidos para testar outras metodologias em pesquisa de Y. enterocolitica em embutidos de carne de suíno, tanto contaminada artificialmente, como em produtos oferecidos para o consumo.

2 Professor Titular do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Faculdade de Veterinária, Universidade Fedral do Rio Grande do Sul.

Recebido para publicação em 27.07.98. Aprovado em 20.01.99

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  • 1
    Biólogo, MSc., Laboratório Central da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, Secretaria de Saúde e do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Rua Domingos Crescêncio, 132, 90650-090 Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail:
    ceu@pro.via-RS.com.br. Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1999

    Histórico

    • Aceito
      20 Jan 1999
    • Recebido
      27 Jul 1998
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