Ocorrência de insetos na cultura do milho em sistema de plantio direto, coletados com armadilhas-de-solo

Insect ocurrence in corn crop grown under no-tillage collected with pitfall traps

DEFESA FITOSSANITÁRIA / CROP PROTECTION

Ocorrência de insetos na cultura do milho em sistema de plantio direto, coletados com armadilhas-de-solo

Insect ocurrence in corn crop grown under no-tillage collected with pitfall traps

Ricardo Adaime da Silva¹ Gervásio Silva Carvalho²

RESUMO

O conhecimento da diversidade de insetos associados às culturas agrícolas é fundamental para estudos ecológicos e de manejo. Para tanto, foram realizadas coletas em cultura de milho, em sistema de plantio direto, utilizando-se ar-madilhas-de-solo. O objetivo deste trabalho foi avaliar a presen-ça de insetos ativos na camada epiedáfica durante o desenvolvi-mento fenológico da cultura do milho. As coletas foram efetuadas de outubro de 1996 a fevereiro de 1997, em uma área de 3ha, na Estação Experimental Agronômica da UFRGS, em Eldorado do Sul (RS), na qual não foi aplicado inseticida. Foram instaladas 32 armadilhas, distribuídas na área experimental e realizadas 14 amostragens durante o ciclo da cultura. Foram coletados 2.840 insetos, com espécies incluídas em 8 ordens, predominando Coleoptera e Orthoptera.

Palavras-chave: Zea mays , insetos, plantio direto, armadilha-de-solo.

SUMMARY

The knowledge of the diversity of insects associated with agriculture is fundamental for ecological studies and management. The experiment was carried out in a corn crop grown under no-tillage, using pitfall traps to collect insects to evaluate their presence on the soil surface during the cycle of the culture. The samplings were made in area of 3ha, in the Estação Experimental Agronômica (UFRGS), in Eldorado do Sul (RS), in which insecticides were not applied. A total of 32 pitfall traps were evaluated in each of the 14 sampling dates during the season. During the evaluations, 2840 insects were collected, with species included in 8 orders, prevailing Coleoptera e Orthoptera.

Key words: Zea mays, insects, no-tillage, pitfall traps.

INTRODUÇÃO

A cultura do milho tem grande importância em nível mundial, pois é uma das principais fontes de alimento exploradas pelo homem desde a sua descoberta na América e disseminação pelo mundo. O Brasil é o terceiro produtor mundial de milho (PROGRAMA, 1997), e vem aumentando tanto a área quanto a produtividade dessa cultivar nas últimas décadas em nosso país. Uma das principais razões é a introdução do sistema de plantio direto, no quL a rotação de culturas é uma prática rotineira, principalmente para o controle de doenças e pragas. Nesse contexto, o milho é uma excelente alternativa.

Nas lavouras sob plantio direto, o ambiente torna-se favorável ao desenvolvimento da fauna de solo e beneficia os inimigos naturais de pragas (Brust et al. apud GASSEN, 1996). Conhecer essas relações e a diversidade de insetos associados às culturas agrícolas é fundamental para estudos ecológicos e de manejo integrado de pragas. Uma das formas de conhecer essa diversidade é efetuar levantamentos populacionais utilizando-se armadilhas.

As armadilhas-de-solo constituem um método passivo de coleta, dependente da atividade do inseto, que fornece uma estimativa aproximada do número total de espécies de uma comunidade, além de ser uma metodologia simples e barata para estudos ecológicos. O método é eficiente para coleta de insetos que vivem na camada epiedáfica (superfície do solo), o que comprova TONHASCA Jr. (1993), que entre 1988 e 1990 coletou 4.678 carabídeos (mais de 36 espécies) em parcelas cultivadas com soja e milho em monocultura e consórcio, em sistema de plantio direto e convencional. DIEFENBACH (1990) usou 48 armadilhas de solo em um parque urbano de Porto Alegre, coletando 2.107 espécimens de carabídeos, representando 27 espécies, 15 gêneros e 8 tribos. A eficiência desse método para coleta de carabídeos já havia sido relatada por ESAU & PETERS (1975).

Considerando-se os limitados conhecimentos acerca dos insetos de solo, sobretudo no sistema de plantio direto, este trabalho foi realizado com o objetivo de identificar as espécies associadas à cultura do milho nesse sistema de manejo.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi desenvolvido em uma área de aproximadamente 3ha, situada na Estação Experimental Agronômica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Unidade de Mapeamento São Jerônimo), na qual havia sido semeado milho no sistema plantio direto em 18/09/96, sendo esse o terceiro ano de condução da área nesse sistema.

Em 04/10/1996 foram instaladas 32 armadilhas-de-solo distribuídas em linhas perpendiculares às linhas de semeadura do milho, com espaçamentos de 20m na linha e de 40m entre as linhas de armadilhas. Não foram aplicados inseticidas na lavoura. A armadilha consistiu de um cilindro de PVC com 7cm de diâmetro e 12cm de altura, enterrado, coincidindo a borda do mesmo com a superfície do solo. No interior de cada armadilha colocou-se um copo de plástico contendo uma solução de água, formol a 4% e algumas gotas de detergente. Uma vez instaladas, as armadilhas permaneceram até o final do ciclo da cultura, sendo as coletas dependentes da movimentação dos insetos.

O conjunto das 32 armadilhas distribuídas na área consistia em uma amostragem (coleta). Para efetuar a coleta, percorria-se a lavoura localizando-se as armadilhas e vertendo-se o líquido do copo plástico contendo os insetos e demais artrópodes em outro recipiente. Imediatamente, os copos plásticos eram recarregados com a solução e iniciava-se uma nova amostragem. Não houve periodicidade uniforme quanto à coleta, havendo intervalos entre 3 e 21 dias entre duas coletas (em média 8,5 dias). Foram realizadas 14 coletas durante o ciclo da cultura. Deve-se considerar que o período de 11 a 25/11/96 foi desprezado em termos de amostragem devido à deterioração dos insetos por excesso de chuva, que diluiu demasiadamente a solução conservante.

Os insetos coletados em cada amostragem foram levados ao laboratório para serem separados, acondicionados em recipientes com álcool a 70%, tabulados e quantificados. Posteriormente, foram identificados, por comparação, ao nível taxonômico mais inferior possível.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram coletados um total de 2.840 insetos, pertencentes a oito ordens e 27 famílias, além de diversas larvas de lepidópteros e coleópteros não identificadas (Tabelas 1 e 2).

Coleoptera e Orthoptera foram as ordens de maior abundância, com 1.355 e 676 exemplares, respectivamente. A maior abundância de espécimens dessas ordens deve-se ao fato de várias espécies passarem pelo menos parte de seu ciclo no solo, sendo que o não revolvimento do mesmo favorece o desenvolvimento da entomofauna, em decorrência da maior disponibilidade de material vegetal em decomposição na superfície, que serve de alimento, além de manter uma maior estabilidade de temperatura e de umidade do solo, em sistema de plantio direto.

As famílias com maior abundância de insetos foram Scarabaeidae, Gryllidae, Cicindelidae, Formicidae e Acrididae, representando 65,9% do total coletado (Tabela 3). Analisando-se a tabela 3, verifica-se que a maior freqüência de insetos coletados pertence a Gryllidae, presente em todas as 14 coletas. Foram coletados 444 exemplares dessa família, sendo 317 Gryllus assimilis. A presença em todas as coletas pode estar relacionada ao fato dos grilos locomoverem-se bastante sobre a superfície do solo, estando mais propensos à captura. Deve-se considerar, também, a grande quantidade de resíduos vegetais sobre o solo, que favorece o desenvolvimento desses insetos, sobretudo da espécie citada (GASSEN, 1996). Scarabaeidae, Acrididae e Carabidae foram representadas em 13 coletas. As coletas 6 e 7 (final de novembro a meados de dezembro) foram as que apresentaram maior diversidade, sendo representadas por 16 famílias identificadas.

Dentre os coleópteros coletados, os Scarabaeidae e Cicindelidae foram as mais abundantes, correspondendo a 37,8% e 26,8% do total, respectivamente. O grande número de escarabeídeos coletados deve-se a vários fatores, dentre eles o fato de os adultos se locomoverem na superfície do solo, bem como o não revolvimento do mesmo, que permite maior sobrevivência de larvas dessa família, e também uma maior disponibilidade de alimento, uma vez que grande parte das espécies dessa família consome material em decomposição. Scarabaeidae foi a mais abundante no início do ciclo da cultura, pelo fato de tratar-se de época de acasalamento, havendo revoada de adultos para cópula e oviposição, conforme GASSEN (1996) refere para Diloboderus abderus e Phytalus sanctipauli.

Cicindelidae teve ocorrência praticamente restrita da metade ao final do ciclo da cultura. É provável que, sendo predadores, os cicindelídeos beneficiaram-se da alta disponibilidade de presas durante o ciclo do milho e, portanto, puderam aumentar sua população. As presas podem ter sido larvas de lepidópteros (coletadas em maior quantidade do início de outubro a meados de dezembro), de coleópteros (coletadas em maior quantidade em meados de janeiro) e adultos de Orthoptera, que mostraram grande abundância. Coletaram-se 363 cicindelídeos, sendo 349 exemplares de Megacephala brasiliensis (Kirby, 1818).

Foram coletados 324 exemplares de Formicidae, sendo 284 até meados de dezembro (coletas 1 a 7). O decréscimo a partir de meados de dezembro coincide com o surgimento e aumento populacional dos cicindelídeos. Isso pode indicar a possibilidade de competição entre os indivíduos dessas Famílias. A identificação desses formicídeos e o estudo de seus hábitos poderiam elucidar essa questão.Os exemplares de Diptera, Lepidoptera, "Homoptera", Hemiptera e Blattariae, coletados em menor abundância, representaram 13,9% dos insetos coletados.

O sistema de plantio direto modifica as condições do agroecossistema, devido ao pouco distúrbio mecânico do solo e à permanência dos restos culturais sobre a superfície do mesmo (SILVA, 1994; RUEDELL, 1995; GASSEN, 1996). Essas modificações contribuem para o restabelecimento do equilíbrio biológico, pelo aumento em número, diversidade e atividade da fauna do solo nos centímetros superficiais (SILVA, 1994). Em experimento comparando o efeito do plantio convencional e do plantio direto sobre os insetos subterrâneos, SILVA et al. (1994) observaram um maior número de insetos em plantio direto (62% do total coletado).

Para GASSEN (1996), nas lavouras sob plantio convencional, predominam os insetos cujos adultos são bons voadores e desenvolvem-se na parte aérea das plantas, sendo a fauna de solo quase inexpressiva. Já nas lavouras sob plantio direto, os insetos de ciclo biológico longo encontram ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Isso é comprovado pelo grande número de escarabeídeos coletados (Tabela 3). Deve-se considerar que, entre as espécies de Scarabaeidae, existe uma variação bastante grande quanto aos hábitos alimentares, havendo tanto espécies fitófagas quanto saprófitas e coprófagas, sendo as duas últimas muito úteis à físico-química do solo. A coleta de grande quantidade de formigas, grilos e coleópteros corrobora a importância do uso do sistema, já que muitos deles podem cavar galerias que auxiliam a infiltração da água da chuva e a troca de gases entre o solo e a atmosfera, conforme detalha SILVA (1994).

O número de insetos coletados está também relacionado com o método de coleta utilizado, uma vez que insetos que possuem uma maior mobilidade na superfície do solo são mais susceptíveis à captura em armadilhas-de-solo, como por exemplo os cicindelídeos, que são predadores e rápidos corredores (GUÉRIN, 1953). Os resultados obtidos corroboram a eficiência desse método de coleta, como citado por ESAU & PETERS (1975), TONHASCA Jr. (1993) e DIEFENBACH (1990) e evidenciam a diversidade da entomofauna de uma lavoura de milho sob plantio direto, ainda que em seus primeiros anos de cultivo nesse sistema, como relatado por SILVA (1994) e GASSEN (1996).

Atualmente, objetiva-se elevar a produção agrícola e reduzir os custos de produção, estando o processo produtivo em sintonia com a proteção ambiental. O sistema de plantio direto é uma alternativa viável para que esses objetivos possam ser alcançados, sobretudo por possibilitar o desenvolvimento de uma entomofauna mais diversificada, permitindo a intensificação do controle biológico natural das pragas, favorecendo o restabelecimento do equilíbrio entre as populações.

CONCLUSÕES

As espécies de insetos que passam pelo menos parte de seu ciclo de desenvolvimento no solo são mais abundantes na cultura do milho em sistema de plantio direto, destacando-se as representantes de Scarabaeidae, Gryllidae, Cicindelidae, Formicidae e Acrididae. Os insetos predadores são mais abundantes da metade ao final do ciclo de de-senvolvimento da cultura do milho.

AGRADECIMENTO

Agradecemos a Fernando Z. Vaz-de-Melo, do Departamento de Biologia Geral da UFV, pela identificação dos escarabeídeos.

²Biólogo, Doutor, Professor Adjunto, Faculdade de Agronomia, UFRGS, CP 776, 90012-970, Porto Alegre, RS. E-mail: [e-mail]. Autor para correspondência.

Recebido para publicação em 11.12.98. Aprovado em 16.06.99

• DIEFENBACH, L.M.G. Taxocenose de carabídeos (Insecta: Coleoptera: Carabidae) em um parque urbano (Porto Alegre, RS). Porto Alegre, 1990. 192p. Dissertação (Mestrado em Ecologia) Curso de Pós-graduação em Ecologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1990.
• ESAU, K.L., PETERS, D.C. Carabidae collected in pitfall traps in Iowa Cornfields, Fencerows, and Prairies. Environmental Entomology, Washington, v.4, n.3, p.509-513, 1975.
• GASSEN, D.N. Manejo de Pragas sob Sistema Plantio Direto. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO SISTEMA PLANTIO DIRETO, 1, 1995, Passo Fundo, RS. Resumos... Passo Fundo : EMBRAPA-CNPT, 1995. 182p. P.101-105.
• GASSEN, D.N. Manejo de pragas associadas à cultura do milho. Passo Fundo : Aldeia Norte, 1996. 134p.
• GUÉRIN, J. Coleópteros do Brasil. São Paulo : Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, 1953. 356p.
• PROGRAMA MULTINSTITUCIONAL DE DIFUSÃO DE TECNOLOGIA EM MILHO DO RS. Recomendações técnicas para a cultura do milho no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre : FEPAGRO; EMATER/RS; FECOTRIGO, 1997. 124p. (Boletim Técnico).
• RUEDELL, J. Plantio Direto na Região de Cruz Alta. Cruz Alta : FUNDACEP FECOTRIGO, 1995. 134p.
• SILVA, M.T.B. da. Importância da fauna do solo associada ao plantio direto. In: ENCONTRO NACIONAL DE PLANTIO DIRETO NA PALHA, 4, 1994, Cruz Alta, RS. Anais... Cruz Alta : Clube Amigos da Terra de Cruz Alta, 1994. p.230-239.
• SILVA, M.T.B. da, GRUTZMACHER, A.D., RUEDELL, J., et al. Influência de sistemas de manejo de solos e de culturas sobre insetos subterrâneos. Ciência Rural, Santa Maria, v.24, n.2, p.247-251, 1994.
• TONHASCA Jr., A. Carabidae beetle assemblage under diversified agroecosystems. Entomologia Experimentales et Aplicata, Belgium, v.68, p.279-285, 1993.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2006
• Data do Fascículo
  Abr 2000

Histórico

• Aceito
  16 Jun 1999
• Recebido
  11 Dez 1998