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GAMETAS NÃO REDUZIDOS NO MELHORAMENTO DE PLANTAS

UNREDUCED GAMETES IN PLANT BREEDING

Resumos

Nesta revisão são abordados o papel dos gametas não reduzidos (gametas 2n), ou seja, aqueles com o número somático de cromossomos, na origem dos poliplóides, e sua utilização no melhoramento genético de plantas. Aceita-se que a origem dos poliplóides na natureza tenha ocorrido pela fusão de gametas não reduzidos e não pela duplicação somática. Esses gametas são formados por uma não redução cromossômica durante a meiose, que pode ocorrer de duas formas: na meiose I, pela RPD (restituição na primeira divisão), ou na meiose II, pela RSD (restituição na segunda divisão). Normalmente, são encontrados em baixíssimas freqüências em populações naturais, com notáveis exceções, e sua formação é influenciada por fatores genéticos e ambientais. A detecção dos gametas 2n, mais estudados na meiose masculina do que na feminina, é mais freqüentemente feita pela medida de grãos de pólen, ou pela presença de díades e tríades ao final da meiose II. No melhoramento, são utilizados basicamente de duas formas: na poliploidização sexual, uni ou bilateral, que mantém, no poliplóide, a heterozigose que é perdida durante a duplicação somática de cromossomos, e como uma ponte para transferir genes desejáveis de espécies silvestres diplóides para cultivadas poliplóides, como, por exemplo, no caso da alfafa. A manipulação de gametas não reduzidos deve ser considerada como uma ferramenta importante para o melhorista.

gametas não reduzidos; poliploidia; melhoramento genético de plantas; evolução


The role of unreduced (2n) gametes, those with the somatic chromosome number, in the origin of polyploids and in plant breeding are reviewed. It is accepted that polyploids originated in nature rather by fusion of unreduced gametes than by somatic duplication. These gametes are formed by meiotic non-reduction, in the first division restitution (FDR) or in the second division restitution (SDR). They are normally found in natural populations in very low frequencies, with some remarkable exceptions, and are under genetic and environmental influence. Detection of 2n gametes, which are much more studied in male meiosis, is mainly accomplished by pollen grains size and detection of dyads and tryads at the end of meiosis II. Unreduced gametes are utilized in plant breeding in two ways: in uni or bilateral polyploidization, which maintains in the newly formed polyploid the heterozygosis lost through somatic duplication, and as a bridge to transfer desirable genes from wild diploid species into the cultivated polyploid genepool, by example in alfalfa. The manipulation of unreduced gametes should be considered as an important tool in plant breeding.

unreduced gametes; polyploidy; plant breeding; evolution


GAMETAS NÃO REDUZIDOS NO MELHORAMENTO DE PLANTAS

UNREDUCED GAMETES IN PLANT BREEDING

Maria Teresa Schifino-Wittmann1 1 Biólogo, Professor Adjunto, Doutor, Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) CP 776, 91501-970, Porto Alegre, RS, Brasil. Bolsista do CNPq.. E-mail: mtschif@vortex.ufrgs.br .Autor para correspondência. Miguel Dall'Agnol2 1 Biólogo, Professor Adjunto, Doutor, Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) CP 776, 91501-970, Porto Alegre, RS, Brasil. Bolsista do CNPq.. E-mail: mtschif@vortex.ufrgs.br .Autor para correspondência.

- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -

RESUMO

Nesta revisão são abordados o papel dos gametas não reduzidos (gametas 2n), ou seja, aqueles com o número somático de cromossomos, na origem dos poliplóides, e sua utilização no melhoramento genético de plantas. Aceita-se que a origem dos poliplóides na natureza tenha ocorrido pela fusão de gametas não reduzidos e não pela duplicação somática. Esses gametas são formados por uma não redução cromossômica durante a meiose, que pode ocorrer de duas formas: na meiose I, pela RPD (restituição na primeira divisão), ou na meiose II, pela RSD (restituição na segunda divisão). Normalmente, são encontrados em baixíssimas freqüências em populações naturais, com notáveis exceções, e sua formação é influenciada por fatores genéticos e ambientais. A detecção dos gametas 2n, mais estudados na meiose masculina do que na feminina, é mais freqüentemente feita pela medida de grãos de pólen, ou pela presença de díades e tríades ao final da meiose II. No melhoramento, são utilizados basicamente de duas formas: na poliploidização sexual, uni ou bilateral, que mantém, no poliplóide, a heterozigose que é perdida durante a duplicação somática de cromossomos, e como uma ponte para transferir genes desejáveis de espécies silvestres diplóides para cultivadas poliplóides, como, por exemplo, no caso da alfafa. A manipulação de gametas não reduzidos deve ser considerada como uma ferramenta importante para o melhorista.

Palavras-chave: gametas não reduzidos, poliploidia, melhoramento genético de plantas, evolução.

SUMMARY

The role of unreduced (2n) gametes, those with the somatic chromosome number, in the origin of polyploids and in plant breeding are reviewed. It is accepted that polyploids originated in nature rather by fusion of unreduced gametes than by somatic duplication. These gametes are formed by meiotic non-reduction, in the first division restitution (FDR) or in the second division restitution (SDR). They are normally found in natural populations in very low frequencies, with some remarkable exceptions, and are under genetic and environmental influence. Detection of 2n gametes, which are much more studied in male meiosis, is mainly accomplished by pollen grains size and detection of dyads and tryads at the end of meiosis II. Unreduced gametes are utilized in plant breeding in two ways: in uni or bilateral polyploidization, which maintains in the newly formed polyploid the heterozygosis lost through somatic duplication, and as a bridge to transfer desirable genes from wild diploid species into the cultivated polyploid genepool, by example in alfalfa. The manipulation of unreduced gametes should be considered as an important tool in plant breeding.

Key words: unreduced gametes, polyploidy, plant breeding, evolution.

INTRODUÇÃO

A poliploidia, ou seja, a existência de indivíduos ou espécies com números cromossômicos múltiplos do comum na espécie ou no gênero é um fenômeno de extrema importância em duas áreas da genética de plantas: na evolução e no melhoramento genético.

Apesar de rara nos animais, a poliploidia é muito comum entre as plantas, com a notável exceção das gimnospermas. Entre 30 e 35% das plantas com flores são poliplóides (STEBBINS, 1971), e trabalhos recentes estimam que essa percentagem seja de 95% nas pteridófitas e até 80% nas angiospermas (LEITCH & BENNET, 1997). A poliploidia foi o evento citogenético mais importante na evolução das plantas superiores (STEBBINS, 1971). A idéia de que a formação de poliplóides é um evento raro na natureza foi desafiada pelo trabalho de SOLTIS & SOLTIS (1995) e cada vez mais surgem evidências de que, em muitos casos, espécies poliplóides originaram-se mais de uma vez, ou seja, que a poliploidia tem mútilplas origens (LEITCH & BENNET, 1997; SEGRAVES et al., 1999; SCHIFINO-WITTMANN et al., 1999).

Cerca de 40% das espécies cultivadas são poliplóides (SIMMONDS, 1980), entre elas o trigo (Triticum aestivum), a alfafa, (Medicago sativa), o algodão, (Gossypium hirsutum), a batata (Solanum tuberosum), o morango (Fragraria ananassa), o tabaco (Nicotiana tabacum), a cana de açúcar (Saccharum officinarum), o café (Coffea arabica), e o triticale, a única planta cultivada criada pelo homem. Atualmente, cada vez mais existem evidências de que espécies consideradas diplóides, são, na verdade, poliplóides antigos, sendo o exemplo mais marcante o milho (LEITCH & BENNET, 1997).

Desde a descoberta da ação poliploidizante da colchicina (BLAKESLEE & AVERY, 1937), que no início foi considerada um "elixir do crescimento", os melhoristas tentam utilizar a indução de poliploidia no melhoramento para obter plantas maiores, melhores e mais produtivas. A euforia de uma panacéia que iria resolver os problemas de produtividade foi substituída por uma visão mais racional, ou seja, de que a indução de poliploidia deve ser considerada como mais uma ferramenta para o melhoramento e não uma solução definitiva (EVANS, 1981).

São amplamente conhecidos os problemas decorrentes da indução somática de autopoliplóides (duplicação de genomas idênticos), principalmente a baixa fertilidade. No caso de híbridos, entretanto, a criação de alopoliplóides (duplicação de genomas diferentes) supera a barreira de esterilidade causada pela falta de pareamento meiótico (EVANS, 1981).

Nesta revisão, considerando o grande volume de trabalhos publicados sobre o assunto, pretende-se abordar, mais especificamente, o papel dos gametas não reduzidos na origem de poliplóides e sua utilização atual no melhoramento.

ORIGEM DOS POLIPLÓIDES

Popliplóides podem surgir pela duplicação de células somáticas ou sexualmente, pela fusão de gametas citologicamente não reduzidos. Células poliplóides ocorrem freqüentemente entre células diplóides nos tecidos vegetativos da maioria das plantas (DE WET, 1971). A indução artificial de poliploidia, seja pela colchicina ou outros agentes poliploidizantes, como o acido nitroso, dará origem a partes ou a uma planta inteira poliplóides, dependendo do estágio de desenvolvimento em que o produto foi aplicado.

Apesar das discussões ocorridas desde o início do século, hoje se aceita que, na natureza, a origem dos poliplóides é devido à união de gametas não-reduzidos e não por duplicação somática, ou, quando isso eventualmente ocorreu, foi um evento raro e isolado. Casos documentados de surgimento de poliplóides somáticos são raros (HARLAN & DE WET, 1975).

HARLAN & DE WET (1975), em seu trabalho sobre a origem dos poliplóides, o qual constitui um marco no assunto, historiam a evolução das idéias sobre a origem dos poliplóides e o papel dos gametas não reduzidos. Winge, em 1917 (citado por HARLAN & DE WET, 1975), formulou a primeira teoria sobre o assunto, na qual dizia que os cromossomos em um zigoto híbrido sofreriam duplicação, dando origem a um indivíduo viável. O aparecimento de poliplóides espontâneos, em Oenothera e Nicotiana,, foi interpretado como apoio a hipótese de Winge. Outros autores, porém, como Karpechenko, Darlington, Müntzing, Clausen, entre outros (citados por HARLAN & DE WET, 1975), passaram a lançar dúvidas sobre a origem dos poliplóides por duplicação somática e favoreceram a hipótese de que os poliplóides surgiram por união de gametas não reduzidos. Ainda no mesmo trabalho, HARLAN & DE WET (1975) classificam os poliplóides em três classes: os que surgiram por união de um gameta não reduzido e um normal, por união de dois gametas não reduzidos e por duplicação somática, sendo as duas primeiras classes as mais comuns. Os autores também salientam que a freqüência de surgimento de poliplóides espontâneos é maior do que a sua taxa de sobrevivência.

Com o passar do tempo, a idéia de que os poliplóides naturais surgiram pela união de gametas não reduzidos passou a ser amplamente aceita, sendo, atualmente, consenso entre os pesquisadores (HARLAN & DE WET, 1975; HERMSEN, 1984; RAMSEY & SCHEMSKE, 1998). Os gêneros Actinidia (YAN et al.,., 1997), Musa (ORTIZ,1997) e a Medicago (McCOY & BINGHAM, 1991) são alguns dos exemplos.

O QUE SÃO E COMO SURGEM OS GAMETAS NÃO REDUZIDOS

Gametas não reduzidos, gametas 2n, gametas com número cromossômico somático, ou ainda gametas com número cromossômico esporofítico são, como o próprio nome diz, gametas que contêm o mesmo número de cromossomos que as células somáticas do indivíduo não sendo, portanto, haplóides.

Gametas não reduzidos são resultado de um processo meiótico anormal, em que a redução do número cromossômico não ocorre. Essa falha na redução pode ocorrer basicamente de duas formas. Na meiose I, pela restituição na primeira divisão (RPD), em que os cromossomos não se dirigem para os pólos na anáfase e, em vez de duas células com número haplóide de cromossomos na telófase I, há formação de uma célula com número diplóide; a meiose II, neste caso, ocorre normalmente, mas resulta em uma díade ao contrário da tetrade esperada. A outra forma de surgimento dos gametas 2n é na meiose II, pela restituição na segunda divisão (RSD) em que há falha da citocinese e restituição de núcleos diplóides, com formação de díades ou tríades. As conseqüências genéticas da RPD e da RSD são diferentes. Na RPD, todos os locos heterozigotos entre o centrômero e o primeiro sobrecruzamento em todos os cromossomos são também heterozigotos nos gametas. Aproximadamente 75 a 80% da heterozigose é transmitida dos progenitores à progênie através da RPD, e uma grande proporção das interações epistáticas são mantidas (PELOQUIN, 1981). Em alfafa, em que freqüentemente há apenas um quiasma por bivalente, provavelmente no mínimo 80% da heterozigose pode ser transmitida por gametas 2n formados por RPD (BINGHAM, 1980). Na RSD, a heterozigose é zero do centrômero até o primeiro sobrecruzamento e somente em torno de 40-45% da heterozigose do progenitor é transmitida à progênie.

Gametas não reduzidos podem ser detectados citologicamente, no lado masculino, pela presença de grãos de pólen com o dobro do tamanho dos grãos normais, ou grãos "gigantes" ou "macropólens", como são também chamados (NEGRI, 1992; WAGENWOORT & DEN NIJS, 1992; RAMSEY & SCHEMSKE, 1998), que é a maneira mais simples de identificação, ou pela presença de díades e tríades ao final da telófase II (ORTIZ et al., 1992; YAN et al., 1997). YAN et al. (1997) apresentam uma fórmula para calcular a freqüência de gametas não reduzidos, pela observação do número de díades (D), tríades (Tr) e tétrades (T) ao final da esporogênese: GNR= (2D+Tr)/ (2D+3Tr+4T). O numerador (2D+Tr) representa o número total de gametas 2n, ou seja, uma díade corresponde a dois, e uma tríade a um gameta não reduzido, respectivamente. O denominador representa o número total de gametas observados.

A maioria dos trabalhos relata a detecção de gametas não reduzidos na parte masculina, na microsporogênese. Isso se deve à maior facilidade de estudar a meiose das células-mães-de-pólen, pelo seu número e facilidade de acesso, do que analisar a macroesporogênese. Normalmente, a detecção de megásporos não reduzidos é feitas por métodos indiretos de análise da progênie de cruzamentos controlados (RAMANNA, 1992), apesar de haver observações diretas da megasporogênese (MARIANI et al., 1992).

OCORRÊNCIA DOS GAMETAS 2N

Gametas não reduzidos ocorrem de forma espontânea em praticamente todas as populações naturais de plantas, mas, em geral, em percentagens muito baixas, em torno de 1% ou menos. Muitas vezes não são detectados por problemas amostrais. Na tabela 1, são apresentados alguns exemplos de detecção da ocorrência de gametas não reduzidos em uma série de espécies.

RAMSEY & SCHEMSKE (1998), analisando dados da literatura, estimaram a freqüência de gametas masculinos não reduzidos em híbridos como sendo 50 vezes maior (27,52%) do que em não híbridos (0,56%) e sugerem, apesar dos poucos dados disponíveis, que a freqüência natural de não redução é similar na mega e microsporogênese.

INFLUÊNCIAS GENÉTICAS E AMBIENTAIS SOBRE A FORMAÇÃO DOS GAMETAS NÃO REDUZIDOS

Há muitas evidências de que a formação de gametas 2n está sob controle genético, e populações de plantas, freqüentemente, possuem variação genética herdável para produzir gametas não reduzidos, o que é evidenciado pela rápida resposta à seleção para produção de gametas não reduzidos em muitas culturas (RAMSEY & SCHEMSKE, 1998).

Diferenças interpopulacionais ou intragenotípicas para a capacidade de produção de gametas 2n são bem conhecidas em alfafa (BINGHAM & McCOY, 1979), trevo vermelho (MOUSSET-DECLAS et al., 1992) e em diversas outras espécies (Tabela 1). A formação de gametas masculinos 2n parece ser controlada por, ao menos, um gene dominante em Musa, (ORTIZ, 1997), e pelo gene recessivo rp ("restitution pollen") em alfafa (McCOY, 1982). Em batata, além do gene ps ("parallel spindle"), parece haver outros genes e fatores envolvidos (BARONE et al., 1997).

Fatores ambientais, tais como temperatura, especialmente variações na temperatura, estresse hídrico e nutricional, podem afetar a produção de gametas masculinos não reduzidos (RAMSEY & SCHEMSKE, 1998). Em Trifolium pratense (MOUSSET-DÉCLAS et al., 1992), houve aparente diminuição da freqüência dos gametas masculinos 2n com aumento da temperatura, apesar da influência da variação intragenotípica. Em batata, foi observada variação de ano na produção de grãos de pólen gigantes (ROUSELLE-BOURGEOIS, 1992).

UTILIZAÇÃO NO MELHORAMENTO

Os dois aspectos mais vantajosos da utilização de gametas não reduzidos no melhoramento são: a possibilidade de poliploidização sexual, tanto unilateral, ou seja, pela união de um gameta normal com um não reduzido, ou bilateral, pela união de dois gametas não reduzidos, mantendo assim a heterozigose; e a utilização desses gametas como ponte para transferir genes desejáveis entre níveis de ploidia diferentes (RAMANNA, 1992; RAMSEY & SCHEMSKE, 1998). Tetraplóides produzidos por poliploidização sexual podem ter um desempenho melhor devido às possibilidades de interações multialélicas, as quais são menos acumuladas pelos tetraplóides produzidos somaticamente.

O caso da alfafa é um bom exemplo da utilização de gametas não reduzidos no melhoramento. VERONESI et al. (1986), em um estudo da importância dos gametas 2n em Medicagodiplóide, relataram que a diploidização sexual bilateral (oosferas 2n-núcleo generativo 2n) é uma alternativa mais provável para a origem da alfafa tetraplóide do que a ponte triplóide. Da mesma forma, McCOY & BINGHAM (1991) também concluíram ser a poliploidização sexual a forma mais provável de origem das espécies. Gametas 2n irão também permitir a introgressão de genes de espécies diplóides silvestres para o conjunto gênico tetraplóide cultivado (McCOY & BINGHAM, 1991). O uso final dos gametas 2n seria para maximizar a heterozigose pela união de oosferas 2n tipo RPD e pólen 2n tipo RPD, originados de progenitores diplóides (BINGHAM, 1980). Esses híbridos possuiriam máxima heterozigose e representariam o equivalente nuclear da hibridação somática de células (PELOQUIN, 1983).

Em alfafa, a formação de gametas femininos 2n só foi descrita por RSD (PFEIFFER & BINGHAM, 1983; McCOY & ROWE, 1986; TAVOLETTI et al., 1991), apesar de referida em outras espécies como batata e algumas Brassicaceae (RAMANNA, 1992). Por outro lado, a formação de pólen 2n, em alfafa, é por RPD (VORSA & BINGHAM, 1979; TAVOLETTI et al., 1991), controlada pelo gene recessivo rp, com expressão altamente dependente do ambiente (McCOY, 1982).

McCOY & ROWE (1986) demonstraram, em uma comparação teórica entre gametas 2n tipo RPD de diplóides, em relação a gametas n de tetraplóides somáticos, que os gametas dos diplóides teriam 12,5 a 50% mais de heterozigose do que os gametas n dos tetraplóides. Experimentalmente, um ganho significativo de produção, da ordem de 12-32% foi obtido com gametas 2n tipo RPD, em relação à progênie de gametas n dos tetraplóides (McCOY & ROWE, 1986).

Considerando os componentes de rendimento de forragem, tamanho de folha e de caule, os tetraplóides obtidos por cruzamentos entre produtores de gametas 2n foram, marcadamente, maiores do que os dos progenitores diplóides no grupo da poliploidização bisexual e similar aos tetraplóides no grupo da poliploidização unilateral (BARCACCIA et al., 1995). Porém, BARCACCIA et al. (1998) comparando o comportamento reprodutivo de plantas tetraplóides de alfafa obtidas por poliploidização unilateral e bilateral, verificaram uma diminuição na fertilidade das plantas sexualmente poliploidizadas, o que dificultaria seu uso direto em cultivo. Entretanto, a fertilidade aumentou em cruzamentos com testadores tetraplóides não relacionados, o que tornaria a poliploidização sexual um instrumento importante para introgressão de características silvestres na alfafa cultivada.

Em trevo vermelho, os tetraplóides obtidos por poliploidização sexual mostraram menor rendimento de forragem e menor persistência, mas maior conteúdo de proteína bruta (SMITH et al., 1991).

Em batata, a utilização de gametas 2n, assim como de haplóides, foi descrita como um aspecto essencial de uma nova abordagem citogenética ao melhoramento da cultura (MENDIBURU et al., 1974). A progênie 4x de cruzamentos 2x-2x superou em produção de tubérculos os clones tetraplóides obtidos por duplicação por colchicina do progenitor diplóide. A produção dos clones obtidos com colchicina não foi afetada, mas a produção dos clones 4x, obtidos por poliploidização sexual, aumentou significativamente. (PELOQUIN et al., 1989).

Concluindo, a poliploidização sexual é sem dúvida uma possibilidade a ser mais explorada no melhoramento genético. Uma das dificuldades a serem superadas é a criação de genótipos com as características agronômicas desejáveis e que também produzam gametas não reduzidos regularmente (RAMANNA, 1992). Certamente, essas dificuldades poderão ser superadas por processos e pressões adequadas de seleção. A utilização dos gametas não reduzidos na transferência de genes do conjunto gênico silvestre para o cultivado abre uma possibilidade imensa de aumentar a variabilidade, produtividade e qualidade das culturas. Como em todas as situações, o melhorista deve ter em mente que esta é uma ferramenta para o processo do melhoramento genético, e não uma solução única e definitiva.

2 Engenheiro Agrônomo, Professor Adjunto, PhD., Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia, Faculdade de Agronomia, UFRGS.

Recebido para publicação em 02.09.99. Aprovado em 31.05.00

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    Biólogo, Professor Adjunto, Doutor, Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) CP 776, 91501-970, Porto Alegre, RS, Brasil. Bolsista do CNPq.. E-mail:
    mtschif@vortex.ufrgs.br .Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2001

    Histórico

    • Aceito
      31 Maio 2000
    • Recebido
      02 Set 1999
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