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Modelo fractal de substâncias húmicas

Fractal model of humic substances

Resumos

A teoria fractal, por meio da determinação da dimensão fractal (D), tem sido considerada como uma alternativa para explicar a conformação de agregados moleculares. Sua utilização no estudo de substâncias húmicas (SH) reside na tentativa de descrever (representar) a estrutura ramificada ou a superfície rugosa e distorcida destas substâncias. A presença de um modelo fractal por sistemas naturais implica que este pode ser decomposto em partes, em que cada uma, subseqüentemente, é cópia do todo. Do ponto de vista experimental, a dimensão fractal de sistemas húmicos pode ser determinada a partir de técnicas como turbidimetria, raios x, espalhamento de neutrons, dentre outras. Este trabalho pretende facilitar o entendimento sobre a aplicação de fractais ao estudo conformacional de SH, introduzindo conceitos e informações sobre o fundamento dos modelos fractais, bem como sobre o uso da técnica turbidimétrica na determinação do valor D.

substâncias húmicas; fractais; turbidimetria


Fractal theoria application by determination of fractal dimension has been considered an alternative tool to explain the conformation of molecular aggregates. Its utilization in the study of humic substances (HS) aims the attempt to describe the limbed structure or the rugous and distorced surface of these substances. The presence of fractal models indicates that the system may be decomposed in parts, each part being a copy of the whole. In the experimental point of view the fractals models of natural systems may be measured through techniques as turbidimetry, x- ray and neutrons scattering. This paper seeks to facilitate the understanding on the application of the fractals in the conformational study of HS, supply information about fractal models foundation and use of the turbidimetry in the determination of fractal dimension.

humic substances; fractals; turbidimetry


MODELO FRACTAL DE SUBSTÂNCIAS HÚMICAS

FRACTAL MODEL OF HUMIC SUBSTANCES

Alessandro Costa da Silva1 1 Doutorando em Solos e Nutrição de Plantas, Universidade Federal de Viçosa (UFV). Av. PH Rolfs s/n, 36571000, Viçosa, MG. E-mail: ale@alunos.ufv.br. Eduardo de Sá Mendonça2 1 Doutorando em Solos e Nutrição de Plantas, Universidade Federal de Viçosa (UFV). Av. PH Rolfs s/n, 36571000, Viçosa, MG. E-mail: ale@alunos.ufv.br.

– REVISÃO BIBLIOGRÁFICA –

RESUMO

A teoria fractal, por meio da determinação da dimensão fractal (D), tem sido considerada como uma alternativa para explicar a conformação de agregados moleculares. Sua utilização no estudo de substâncias húmicas (SH) reside na tentativa de descrever (representar) a estrutura ramificada ou a superfície rugosa e distorcida destas substâncias. A presença de um modelo fractal por sistemas naturais implica que este pode ser decomposto em partes, em que cada uma, subseqüentemente, é cópia do todo. Do ponto de vista experimental, a dimensão fractal de sistemas húmicos pode ser determinada a partir de técnicas como turbidimetria, raios x, espalhamento de neutrons, dentre outras. Este trabalho pretende facilitar o entendimento sobre a aplicação de fractais ao estudo conformacional de SH, introduzindo conceitos e informações sobre o fundamento dos modelos fractais, bem como sobre o uso da técnica turbidimétrica na determinação do valor D.

Palavras-chave: substâncias húmicas, fractais, turbidimetria.

SUMMARY

Fractal theoria application by determination of fractal dimension has been considered an alternative tool to explain the conformation of molecular aggregates. Its utilization in the study of humic substances (HS) aims the attempt to describe the limbed structure or the rugous and distorced surface of these substances. The presence of fractal models indicates that the system may be decomposed in parts, each part being a copy of the whole. In the experimental point of view the fractals models of natural systems may be measured through techniques as turbidimetry, x- ray and neutrons scattering. This paper seeks to facilitate the understanding on the application of the fractals in the conformational study of HS, supply information about fractal models foundation and use of the turbidimetry in the determination of fractal dimension.

Key words: humic substances, fractals, turbidimetry.

INTRODUÇÃO

Substâncias húmicas (SH) são polieletrólitos orgânicos naturais formados por fortes alterações da matéria orgânica, como a degradação de restos de plantas e animais (STEVENSON, 1994). São caracterizadas por serem misturas fisico-quimicamente heterogêneas, com ausência de repetição estrutural e falta de ordem a nível molecular (HAYES, 1989). Estudos espectromicroscópicos de SH revelam dependência entre sua composição estrutural e o tipo de material (solo e água), bem como de sua origem (MYNEMI, et al., 1999).

Diversas propriedades da matéria orgânica do solo, em particular das SH, depende das suas características macromoleculares. Essas macromoléculas freqüentemente atingem dimensões que permitem classifica-las como colóides, i. é, agregados formados de numerosos átomos ou moléculas (NOVOTNY & MARTIN-NETO, 1999). O estado coloidal ou suspensão compreende sistemas contendo tanto moléculas grandes como pequenas partículas, intervalo de 1 a 1000nm (SHAW, 1975). As suspensões coloidais são consideradas estáveis quando suas partículas estão dispersas e não ocorre sedimentação gravitacional mensurável num período de 2 a 24 horas (SPOSITO, 1989).

As partículas húmicas apresentam uma variedade de formas e tamanhos, a qual implica porosidade e compactação variável de sua estrutura, tanto no estado sólido quanto coloidal (SWIFT, 1989). Essa variedade na sua estrutura macromolecular, que vai do formato esferoidal a filamentoso, depende das condições do meio como concentração da amostra, pH e força iônica do meio (GHOSH & SCHNITZER, 1980).

Moléculas, quando em concentrações definidas, podem formar agregados organizados ou micelas. Neste caso, as cadeias hidrofóbicas se orientam para o interior da micela, deixando os grupos polares em contato com o meio aquoso, sendo que a forma das miscelas individuais varia com a concentração (SHAW, 1976). As micelas de menor grupos funcionais ácidos podem aproximar-se o suficiente para formar agregados de elevada massa molar (PICCOLO et al., 1996). Quando em solução, as SH formam agregados (micelas) que são mantidos por pontes de hidrogênio e interações hidrofóbicas (CONTE & PICCOLO, 1999). Entretanto, ainda são modeladas como compostos macromoleculares de massa molar variável e comportamento conformacional semelhante a proteínas (PICCOLO, 1998).

Diferente de proteínas, puras, as SH são classificadas como macromoleculas polidispersas, ou seja, misturas de moléculas com diferente massa molar e, conseqüentemente, de tamanho variado. De acordo com ATKINS (1998), conhece-se apenas suas massas molares médias e, dependendo da técnica, esses valores podem ser expressos diferentemente, devido, à possibilidade de ocorrência de agregação entre partículas húmicas.

O grau de irregularidade e rugosidade da superfície exposta de macromoléculas húmicas tem importância nos processos biogeoquímicos, além de influenciar no número, tipo e disponibilidade de sítios reativos e, consequentemente, na sua interação com minerais e íons metálicos (STEVENSON, 1994).

Como os sistemas formados por partículas húmicas são caracterizados por uma natureza extremamente complexa e irregular, no que tange a sua organização molecular, morfologia, porosidade, superfície exposta e fenômenos de agregação e dispersão (RICE & LIN, 1994), não podem ser descritos pela geometria euclidiana. Esses sistemas, como a maioria dos fenômenos naturais, apresentam um comportamento não-linear, gerando padrões altamente complexos (PIRES & COSTA, 1992). Uma alternativa que minimiza as limitações presentes na geometria euclidiana (clássica) dos fenômenos irregulares da natureza é a geometria fractal que, ao contrário da euclidiana, não se baseia em objetos regulares, suaves e diferenciáveis (GUZMAN et al., 1993).

Cabe ressaltar que os sistemas/conjuntos na geometria euclidiana são descritos por equações algébricas, enquanto na geometria fractal são descritos por algorítimos recursivos. Conhecendo o "motivo" gerador de uma determinada estrutura pode-se, a partir daí, obter a estrutura completa (VICSEK, 1992). Os sistemas euclidianos também chamados não-fractais são aqueles ordenados e que seguem a dimensão euclidiana ou topológica (Dtop), cujos valores, diferente da fractal, devem ser inteiros. Neste caso, Dtop= zero indica um ponto; Dtop= 1 uma curva; Dtop= 2 uma superfície; e Dtop= 3 um volume. Essa dimensão apresenta sérias limitações para a representação dos fenômenos caóticos da natureza, pois, na maioria das vezes, o valor de Dtop tende a ser fracionário, indicando que o sistema é fractal e, com isso, segue a dimensão fractal (SENESI, 1994).

O aspecto mais básico de um objeto fractal talvez seja a sua dimensão. Um modo simples e intuitivo de associar uma dimensão a um dado conjunto é contar o número mínimo N(e) de quadrículas, de lado (e), necessárias para cobrir completamente o conjunto. Esse número obedece a uma lei de potência: N(e) = A.e -D, que define e permite calcular o expoente D, que é a dimensão de cobertura ou mais simplesmente a dimensão fractal (MANDELBROLT, 1983).

A geometria fractal, por meio da dimensão fractal D, pode apresentar valores fracionários que dependem do sistema: 1<D<2 para uma curva, 2<D<3 para superfície e 2<D<3 para um 'sólido'. O valor D de um objeto é a medida do grau de irregularidade considerada em todas as escalas, relacionado à crescente medida do objeto à proporção que o dispositivo de medida se torna menor (VICSEK, 1992). Uma alta dimensão fractal significa que o objeto é mais irregular e, com isto, a medida estimada aumenta mais rapidamente. Ou seja, esse valor (D) é uma medida da proporção do espaço realmente ocupado por um sistema desordenado, podendo refletir a conformação das partículas que o constituem (HARRISON, 1992).

A teoria fractal foi introduzida na década de 70 pelo matemático Benôit Mandelbrot para designar objetos e estruturas complexas dotadas da propriedade de autossimilaridade (CHAVES, 1989). Estruturas autossimilares possuem detalhes como ramificações, poros ou rugosidades, em uma certa faixa de escala de comprimento, cuja forma é a mesma (estatisticamente) em cada escala de observação nessa faixa. Assim, se uma parte da estrutura for ampliada terá a mesma forma do todo (MANDELBROT, 1983). Já o termo ‘fractais’ são representações geométricas de sistemas desordenados cuja estrutura pode ser descrita por dimensões não-integrais (GUZMAN et al., 1993). A natureza não-integral destas dimensões, indicam que objetos fractais devem possuir detalhes estruturais que possam acomodar esta desordem (VICSEK, 1992).

Nos últimos anos, houve um grande interesse na aplicação da teoria fractal em diversos ramos da ciência (BARTON & LA POINTE, 1995; VICSEK, 1992; HARRISON, 1992). Embora o uso de fractais na ciência do solo seja recente (BURROUGH, 1983), já existem vários trabalhos nos quais é aplicada a teoria dos fractais no estudo estrutural de substâncias húmicas (SILVA & MENDONÇA, 2000; MYNEMI et al., 1999; SENESI, et al., 1997; RICE & LIN, 1994; dentre outros).

Experimentos têm demonstrado que SH podem ser descritos como sistemas fractais, tanto no estado sólido ou dissolvido (ÖSTERBERG & MORTENSEN, 1994) quanto no coloidal ou em suspensão (SENESI et al., 1996). Isto implica que sistemas fractais podem ser decompostos em partes, em que cada uma é "cópia" do "todo", encurtando diferentes fatores em diferentes direções (MANDELBROLT, 1983).

De acordo com HARRISON (1992), as estruturas fractais ramificadas (como uma árvore), porosas (como uma esponja) e fragmentadas (como uma rachadura) são ditas fractais de massa (Dm), de poros (Dp) e de superfície (Ds), respectivamente. Em geral, os sistemas formados por partículas húmicas não são considerados estruturas porosas, pois o tamanho desses poros (da ordem de nanômetros) é muito pequeno quando comparado com a escala da superfície dessas partículas. Com isso, as partículas húmicas apresentam-se, somente, como Dm. Nesse caso, a massa é proporcional à área superficial ou como Ds, consiste de duas regiões não fractais separadas por uma superfície fractal (SENESI, 1994).

Na geração de um modelo fractal, a auto-similaridade ou invariância de escala, é investigada por meio de uma lei de potência da forma p µ v¡ , onde p = propriedade; v = variável; e ¡ = expoente, que pode ser relacionado à dimensão fractal. Essa expressão garante que sobre uma faixa de valores da escala da variável independente v, de pelo menos uma ordem de grandeza, o expoente ¡ (e portanto, o valor de 'D'), pode ser calculado diretamente dos dados experimentais a partir da inclinação da porção linear do gráfico log p vs log v (SENESI, 1994).

Para a determinação do valor 'D', a partir da expressão p µ v¡ , é imprescindível conhecerem qual propriedade (física, química ou bioquímica) o sistema está inserido e que, por sua vez, poderá ser descrito como lei de potência. Medidas como a turbidimetria (SENESI et al., 1996), espalhamento de neutrons (ÖSTERBERG & MORTENSEN, 1994), espalhamento de raios-x (RICE & LIN, 1993), dentre outras, já foram aplicadas no estudo de fractais visando inferir sobre a conformação e fenômenos de agregação de partículas de SH.

A lei de potência: t µ l b (em que t é a turbidez, l é o comprimento de onda e b é um expoente diretamente relacionado com D) é observada em sistemas de partículas em suspensão diluída, conforme demonstrado por meio de um modelo matemático descrito por HORNE (1987). Essa lei de potência, fundamentada na técnica turbidimétrica (t), tem sido utilizada por pesquisadores (SILVA & MENDONÇA, 2000 e SENESI et al., 1997) no estudo de SH. A utilização da técnica deve-se, principalmente, à rapidez e baixo custo (comparada com as demais técnicas), embora seu uso requeira que a suspensão contenha partículas monodispersas, de tamanho relativamente homogêneo e largas o suficiente para sofrer espalhamento independente. Ressalta-se que, para evitar o efeito do espalhamento múltiplo e interação entre partículas, o uso de suspensões diluídas também é requerido (HORNE, 1987).

Os fenômenos de espalhamento de luz e do movimento de partículas têm sido estudados desde as observações feitas por Robert Brown há quase dois séculos (SCHUKIN et al., 1998), sendo de grande valor na determinação do tamanho, forma e interação de partículas (SHAW, 1975). Quando um feixe de luz incide sobre uma amostra em suspensão, parte deste feixe atravessa a amostra e parte é refletido. As medidas em linha reta são denominadas turbidimétricas e aquelas em linha transversal (I90/I) são denominadas nefelométricas (EDWING, 1996).

A turbidimetria (t), medida de redução na intensidade da luz incidente devido ao espalhamento, é definida como: t = d.ln.(Io/I) onde d é o comprimento óptico, Io e I são as intensidades incidente e transmitida, respectivamente. Nesse caso, a intensidade, polarização e distribuição angular da luz espalhada por uma dispersão coloidal dependem do tamanho e da forma das partículas, do espalhamento das interações entre essas partículas e da dispersão entre os índices de refração das partículas e o meio (SKOOG, et al., 1992).

Nas partículas de peso molecular 'M', concentração 'c' e índice de refração 'n', o valor 't' pode ser aproximado por: t = H.c.M.Q [1], em que: H é definido como H = 32p 2n2(dn/dc)2 /3Nl 4, sendo N = nº de avogrado, dn/dc = incremento do índice de refração específico, l = comprimento de onda; e Q é o resultado da interferência interna de luz espalhada pela partícula em todos os ângulos (SENESI et al., 1994).

Por meio da derivada da equação [1] e por rearranjos matemáticos, obtém-se a expressão: b = 4 - g + dlogt /dlogl ou b = 4,2 + dlogt /dlogl [2]. O valor de g (-0,2), normalmente usado para proteínas (HORNE , 1987), tem sido usado na obtenção do valor D de SH (RICE & LIN, 1994). A analogia é justificada pelo fato do incremento do índice de refração específico de SH ser da mesma ordem de magnitude daqueles calculados para proteínas (SENESI et al., 1996). Assim, os valores de b, obtidos pela equação [2] ou experimentalmente pelo coeficiente angular da reta (logt vs logl ), indicarão a natureza do sistema: se b ¹ 3 o sistema é desordenado, tem natureza fractal, se b = 3 o sistema é ordenado e não é fractal. Ou seja, indicarão qual tipo de dimensão fractal o sistema apresenta: se b < 3 implica a existência de Dm; nesse caso, Dm = b ; se 3 < b £ 4 implica Ds; nesse caso, Ds = 6 - b ; e se b @ 3 implica que não terá natureza fractal, neste caso D = Dtop (SENESI, 1994).

A presença de colinearidade entre t e l indicará lei de potência do tipo: t µ l b e, consequentemente, a possibilidade de se calcular a dimensão fractal do sistema (SENESI et al., 1997). A dependência de t em função de l foi confirmada por SILVA & MENDONÇA (2000) em suspensões de AH com diferentes valores de pH (3,0; 5,0 e 7,0) e tempos de agitação (1, 3, 8, 12 e 24h), sendo a linearidade considerada satisfatória (R³ 0,997). Assim, as partículas em estudo podem exibir estrutura fractal de massa ou de superfície, e os valores de Dm e Ds podem ser obtidos diretamente de b. Esses autores ressaltam que a faixa, no visível, de comprimento de onda usada (400 a 550nm) ainda é considerada pequena para se afirmar com certeza sobre a natureza fractal de SH e se determinar suas dimensões fractais com precisão. SENESI et al. (1994) explicam que a utilização de uma pequena faixa de variação do l deve-se ao fato de valores acima de 550nm não apresentarem colinearidade entre t e l .

Ressalta-se que, para a comparação de resultados, é necessário que os procedimentos analíticos, como preparo de amostra, meio em que se encontra, pH, temperatura e técnica utilizada sejam semelhantes. SENESI et al. (1997) utilizando UV-vis, observaram uma leve diminuição nos valores de D em função do tempo de equilíbrio. Já ÖSTERBERG et al. (1994), trabalhando com espalhamento de neutrons, observaram um aumento nos valores de D com o aumento gradativo do tempo de equilíbrio. A explicação deve-se à força iônica do meio (0,1mo

-1 de Na Cl) e à alta concentração de SH em suspensão (3g -1) utilizada neste experimento, enquanto que para SENESI et al. (1997), não foi adicionado sal e a concentração de SH em suspensão foi de apenas 30mg -1. Alguns autores (GHOSH & SCHINITZER, 1980) observaram que quanto maior a força iônica e a concentração de SH no meio, mais enovelada estavam as moléculas destas substâncias.

No que diz respeito à temperatura durante o experimento, ÖSTERBERG & MORTENESEN (1994) confirmaram variações nos valores de D em função da temperatura do meio, os autores observaram mudanças de 1,80 quando as supensões encontravam-se a 8oC, para 2,35 a 21oC, indicando que as partículas tornaram-se mais enoveladas com o aumento da temperatura. Tais resultados também foram confirmados por SILVA (informação pessoal).

SENESI et al. (1997) observaram que, para uma mesma amostra, em mesmo pH, mesma força iônica e apenas os tempos de equilíbrio sendo diferentes, as partículas húmicas apresentam mudanças conformacionais tão expressivas que em alguns casos comportaram-se como sistemas fractais e outros como não fractais. Tal comportamento, também foi confirmado por SILVA & MENDONÇA (2000). A explicação para essas variações são as modificações das macromoléculas húmicas no estado coloidal, ocorridas possivelmente por ionização de grupos ou formação de pontes de hidrogênio, decorrentes, por sua vez, de variações no pH do meio (SWIFT, 1989).

No que tange às mudanças conformacionais decorrentes da variação no pH do meio SCHNITZER (1978) observou uma transição gradual de estrutura fibrosa a baixos valores de pH, para uma estrutura laminar a valores de pH maiores com redução simultânea no tamanho das partículas. SENESI et al. (1996) e SILVA et al (em publicação) observaram, em amostras de AH adquiridas comercialmente pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (IHSS) e pela Fukla S/A, respectivamente, uma diminuição da dimensão fractal dos AH (aumento da rugosidade, estrutura mais aplainada) com o aumento do pH e um aumento da dimensão (estrutura mais colapsada) a baixo pH. Esse comportamento, já esperado, é explicado devido a ligações de hidrogênio, forças de Van der Walls e interações entre elétrons p de moléculas adjacentes que ocorreriam a baixos valores de pH. Com o aumento do pH, as partículas húmicas se expandiriam e sofreriam repulsão eletrostática, pois estas forças tornam-se mais fracas com a dissociação de grupos carboxílicos e fenólicos, gerando cargas negativas. De acordo com NOVOTNY & MARTIN-NETO (1999), esse fenômeno também pode explicar a solubilidade de AH a diferentes valores de pH, pois com a expansão da molécula causada pelo aumento do pH, a sua solvatação é facilitada.

Embora a extração de AH com NaOH permita que grupos ácidos sejam dissociados, devido à repulsão de carga proporcionada pela elevação do pH e, com isto, tenha uma conformação expandida (baixos valores de D), este comportamento, em alguns casos, pode ser modificado. É sabido (STEVENSON, 1994) que mudanças conformacionais em partículas húmicas são dependentes de vários fatores como origem do material e processo de extração/purificação. E para um mesmo tipo de material, estas mudanças ainda dependerão das condições do meio: concentração das SH, força iônica e pH (CHEN & SCHNITZER, 1989). SILVA et al. (em publicação) ratificaram esta dependência, pois observaram, em amostras de AH extraídos e purificados de solo (Espodossolo), um comportamento diferente daquele obtido para AH adquiridos, comercialmente, da Fukla. A diferença foi que a dimensão fractal aumentou (estrutura mais colapsada) com a elevação do pH. Os autores explicaram que, mesmo utilizando a metodologia de fracionamento de SH segundo a IHSS (SWIFT, 1996), existem alguns procedimentos de purificação que são mais específicos para um determinado tipo de amostra. Com isso, podem-se induzir modificações das condições do meio e conseqüentemente mudanças conformacionais na molécula (SWIFT, 1985). Quando à purificação, isto é, à remoção de impurezas inorgânicas e orgânicas como carboidratos, lipídeos e compostos de baixo peso molecular, agressiva pode-se ainda estar "selecionando" aquele material húmico e consequentemente "degradando" a molécula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre as ferramentas usadas para se conhecer a estrutura e conformação de SH como IV (infra-vermelho), UV (ultra-violeta), RMN (ressonância magnética nuclear) e Raios-x, a teoria fractal aparece como um dos modelos mais adequados. A aplicação desta teoria ao estudo de SH visa a geração de dados para elaboração de um modelo matemático que represente suas moléculas, aparentemente, de natureza desordenada (RICE & LIN, 1993). Este modelo, visualizado por meio da determinação da dimensão fractal (D), tenta representar a estrutura irregular, rugosa e distorcida das SH.

O valor D, obtido por medidas indiretas (no caso a turbidimetria), é considerado eficiente para se inferir sobre conformação. Entretanto, algumas premissas são imprescindíveis para a confiabilidade do uso de um modelo fractal e para a comparação de resultados como: a) que as suspensões contenham partículas monodispersas e b) especificar as condições do meio e o tipo de amostra (origem, teor de cinzas, composição elementar, espectros de infravermelho, razão E4/E6, dentre outros).

Tudo indica que está surgindo uma nova ferramenta para compreender a conformação de partículas heterogêneas, bem como elucidação de questões abertas a respeito de gênese, natureza estrutural, reatividade superficial, fenômenos de agregação e dispersão de SH.

2Professor do Departamento de Solos, UFV. Bolsista do CNPq. E-mail: esm@mail.ufv.br. Autor para correspondência

Recebido para publicação em 11.07.00. Aprovado em 27.12.00

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    Doutorando em Solos e Nutrição de Plantas, Universidade Federal de Viçosa (UFV). Av. PH Rolfs s/n, 36571000, Viçosa, MG. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2001

    Histórico

    • Aceito
      27 Dez 2000
    • Recebido
      11 Jul 2000
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