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Parâmetros eletrocardiográficos e cardiovasculares em cães anestesiados pelo isofluorano e submetidos à hipovolemia aguda

Electrocardiographic and cardiovascular parameters in dogs anestethized with isoflurane submitted to acute hypovolemia

Resumos

Avaliaram-se os efeitos da hipovolemia aguda em cães anestesiados pelo isofluorano sobre a eletrocardiografia com a duração e amplitude da onda P (Pms e PmV, respectivamente); intervalo entre as ondas P e R (P-R); duração do complexo QRS (QRS); amplitude da onda R (RmV); intervalo entre as ondas Q e T (Q-T) e intervalo entre as duas ondas (R-R), freqüência cardíaca (FC), índice cardíaco (IC), índice sistólico (IS) e pressões arteriais sistólica (PAS), diastólica (PAD) e média (PAM). Verificou-se também a possível influência do anestésico sobre a resposta compensatória à hipovolemia aguda. Para tal, foram utilizados 20 cães hígidos, sem raça definida, adultos, machos e fêmeas. Induziu-se a anestesia geral com isofluorano por meio de máscara naso-oral a 2,5 CAM e, após a intubação orotraqueal, o vaporizador foi ajustado em 1,5 CAM. Induziu-se a hipovolemia nos animais retirando-se volume total de 35 mlkg-1 de sangue. As mensurações foram realizadas antes da hipovolemia (M0), imediatamente após a retirada do volume total de sangue calculado (M1), e aos dez (M2), trinta (M3) e sessenta (M4) minutos. A avaliação estatística das variáveis foi efetuada por meio de Análise de Variância (ANOVA), seguida pelo teste de Tukey, considerando nível de significância de 5% (P<0,05). Houve redução do tempo de condução elétrica átrio-ventricular, aumento da impedância da musculatura ventricular, redução da freqüência cardíaca, dos índices cardíacos e sistólico, porém sem alteração na despolarização ventricular, sendo que o isofluorano não influenciou no desencadeamento da resposta compensatória à hipovolemia aguda.

eletrocardiografia; hipovolemia; isofluorano; cães


Possible effects of acute hypovolemia in dogs anesthetized with isoflurane on the electrocardiography were evaluated. It was observed duration and amplitude of P wave (Ps and PmV), interval between P-R waves (P-R), duration of QRS complex (QRS), amplitude of R wave (RmV), interval between Q-T waves (Q-T) and interval between two R waves (R-R), heart rate (HR), cardiac (CI) and stroke index (SI), and systolic (SAP), diastolic (DAP) and mean arterial pressures (MAP). It was also verified the possible influence of the anesthetic on compensatory mechanism of acute hypovolemia. Twenty adult mongrel dogs, males and females were used. General anesthesia was induced with isoflurane at 2.5% MAC. Thereafter, orotracheal intubation was performed, and the vaporizer was calibrated to 1.5% MAC. To induce hypovolemia, a total amount of 35 mlkg-1 of blood was withdrawn from each dog. The measurements were performed before hypovolemia (M0), immediately after hypovolemia (M1), ten minutes after M1 (M2), thirty minutes after M1 (M3) and sixty minutes after M1 (M4). Numeric data were submitted to variance analysis, followed by Tukey's test, at a 5% (P<0.05) level of significance. There was reduction of electric conduction atrium-ventricular time, heart rate, cardiac and systolic index, the impedance of ventricular musculature increased, without ventricular despolarization alteration, and the isoflurane did not interfere the compensatory mechanism activation on the acute hypovolemia.

electrocardiography; hypovolemia; isoflurane; dogs


ARTIGOS CIENTÍFICOS

CLÍNICA E CIRURGIA

Parâmetros eletrocardiográficos e cardiovasculares em cães anestesiados pelo isofluorano e submetidos à hipovolemia aguda

Electrocardiographic and cardiovascular parameters in dogs anestethized with isoflurane submitted to acute hypovolemia

Elaine Dione Venêga da ConceiçãoI; Celina Tie NishimoriI; Paola Castro MoraesI; Danielli Parrilha de PaulaI; Roberta CararetoI; Patricia Maria Colleto de FreitasI; Newton NunesII,1 1 Autor para correspondência

IPós-graduando da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus Jaboticabal, Jaboticabal, SP, Brasil

IIDepartamento Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, 14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil. Fone: (0xx16)3209 2631. E-mail: newton@fcav.unesp.br

RESUMO

Avaliaram-se os efeitos da hipovolemia aguda em cães anestesiados pelo isofluorano sobre a eletrocardiografia com a duração e amplitude da onda P (Pms e PmV, respectivamente); intervalo entre as ondas P e R (P-R); duração do complexo QRS (QRS); amplitude da onda R (RmV); intervalo entre as ondas Q e T (Q-T) e intervalo entre as duas ondas (R-R), freqüência cardíaca (FC), índice cardíaco (IC), índice sistólico (IS) e pressões arteriais sistólica (PAS), diastólica (PAD) e média (PAM). Verificou-se também a possível influência do anestésico sobre a resposta compensatória à hipovolemia aguda. Para tal, foram utilizados 20 cães hígidos, sem raça definida, adultos, machos e fêmeas. Induziu-se a anestesia geral com isofluorano por meio de máscara naso-oral a 2,5 CAM e, após a intubação orotraqueal, o vaporizador foi ajustado em 1,5 CAM. Induziu-se a hipovolemia nos animais retirando-se volume total de 35 mlkg-1 de sangue. As mensurações foram realizadas antes da hipovolemia (M0), imediatamente após a retirada do volume total de sangue calculado (M1), e aos dez (M2), trinta (M3) e sessenta (M4) minutos. A avaliação estatística das variáveis foi efetuada por meio de Análise de Variância (ANOVA), seguida pelo teste de Tukey, considerando nível de significância de 5% (P<0,05). Houve redução do tempo de condução elétrica átrio-ventricular, aumento da impedância da musculatura ventricular, redução da freqüência cardíaca, dos índices cardíacos e sistólico, porém sem alteração na despolarização ventricular, sendo que o isofluorano não influenciou no desencadeamento da resposta compensatória à hipovolemia aguda.

Palavras-chave: eletrocardiografia, hipovolemia, isofluorano, cães.

ABSTRACT

Possible effects of acute hypovolemia in dogs anesthetized with isoflurane on the electrocardiography were evaluated. It was observed duration and amplitude of P wave (Ps and PmV), interval between P-R waves (P-R), duration of QRS complex (QRS), amplitude of R wave (RmV), interval between Q-T waves (Q-T) and interval between two R waves (R-R), heart rate (HR), cardiac (CI) and stroke index (SI), and systolic (SAP), diastolic (DAP) and mean arterial pressures (MAP). It was also verified the possible influence of the anesthetic on compensatory mechanism of acute hypovolemia. Twenty adult mongrel dogs, males and females were used. General anesthesia was induced with isoflurane at 2.5% MAC. Thereafter, orotracheal intubation was performed, and the vaporizer was calibrated to 1.5% MAC. To induce hypovolemia, a total amount of 35 mlkg-1 of blood was withdrawn from each dog. The measurements were performed before hypovolemia (M0), immediately after hypovolemia (M1), ten minutes after M1 (M2), thirty minutes after M1 (M3) and sixty minutes after M1 (M4). Numeric data were submitted to variance analysis, followed by Tukey's test, at a 5% (P<0.05) level of significance. There was reduction of electric conduction atrium-ventricular time, heart rate, cardiac and systolic index, the impedance of ventricular musculature increased, without ventricular despolarization alteration, and the isoflurane did not interfere the compensatory mechanism activation on the acute hypovolemia.

Key words: electrocardiography, hypovolemia, isoflurane, dogs.

INTRODUÇÃO

O isofluorano é um agente anestésico inalatório halogenado que possui efeitos cardiovasculares mínimos, com a manutenção do débito cardíaco (DC) em valores fisiológicos nas concentrações de até 2 CAM, podendo ocorrer sua redução como resultado de uma depressão dependente da dose com diminuição do volume sistólico e da contratilidade do miocárdio (PAGEL et al., 1991a; STEFFEY, 1996). Além disso, o fármaco também não sensibiliza o miocárdio à ação das catecolaminas (TUCKER et al., 1974). Por apresentar pouco efeito estimulante b-adrenérgico, o isofluorano diminui a resistência vascular periférica e a pressão arterial (EGER, 1984; PAGEL et al., 1991b; AMARAL, 2001; GRIEF et al., 2003), sendo que também provoca vasodilatação coronariana, mas sem alterar seus efeitos cardiovasculares com o aumento do tempo de exposição (TUCKER et al., 1974; PAGEL et al., 1991b).

Funções celulares normais como transporte de íons, contração da musculatura cardíaca e funções neurológicas, requerem energia que é obtida pelo fornecimento de ATP, produzido pelo metabolismo de carboidratos na presença de oxigênio, denominada fosforilação oxidativa. A ausência ou diminuição da disponibilidade do oxigênio na célula faz com que o organismo busque outras formas de obtenção de energia, menos eficientes e mais deletérias em longo prazo (RUDLOFF & KIRBY, 1994).

A disponibilidade de oxigênio para a célula ou a oxigenação tecidual é uma das funções primárias do sistema cardiovascular que, para tanto, necessita de níveis suficientes de fluxo sangüíneo e oxigênio arterial. Sendo assim, alterações diretas sobre o volume sangüíneo comprometem o metabolismo celular. É o que ocorre com a hipovolemia, na qual se tem a diminuição do débito cardíaco, da resistência vascular sistêmica e da concentração plasmática da hemoglobina e, conseqüentemente, a hipóxia celular (RUDLOFF & KIRBY, 1994).

Uma vez estabelecida essa situação, o organismo desencadeia respostas neuroendócrinas e metabólicas como mecanismo compensatório na tentativa de restabelecer, ao menos, o fluxo sangüíneo de estruturas importantes como cérebro e coração (CROWE & DEVEY, 1994).

O coração é um órgão que possui fibras musculares especializadas, capazes de formação automática de impulsos e contração rítmica (GOLDSCHLAGER & GOLDMAN, 1986). Essas propriedades são possibilitadas pela presença de bombas de transporte ativo de íons no seu sistema de condução elétrica, causando excitabilidade das fibras musculares do miocárdio e contração cardíaca (TILLEY, 1992).

A utilização da eletrocardiografia (ECG) para registro dos potenciais elétricos produzidos pelo tecido cardíaco em situações que cursem com hipóxia celular pode auxiliar no entendimento dos mecanismos fisiológicos decorrentes deste quadro (JOHN & FLEISHER, 2004). Com isso, objetivou-se, com este estudo, a avaliação da anestesia com isofluorano em cães submetidos à hipovolemia aguda, por meio de ondas eletrocardiográficas e parâmetros cardiovasculares.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 20 cães adultos, machos e fêmeas, sem raça definida, evitando-se fêmeas prenhes ou em estro, considerados hígidos após exames clínico e laboratoriais. A média de peso dos animais foi de 11,51 ± 4,8kg.

Após jejum alimentar prévio de 12 horas e hídrico de duas, induziu-se a anestesia geral nos animais com isofluorano (FORANE – Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. – Rio de Janeiro – RJ) por meio de máscara naso-oral vedada, a 2,5 CAM, mensurada em analisador de gases (DIXTAL – mod. DX 2010 – Manaus, AM, Brasil), diluído em fluxo total de 150mlkg-1min-1 de oxigênio a 100%, com o uso de circuito anestésico com reinalação parcial de gases (OHMEDA – mod. Excel 210SE – Datex–Ohmeda – Miami, EUA), dotado de vaporizador calibrado (OHMEDA – mod. ISOTEC 5 – Datex–Ohmeda – Miami, EUA). O anestésico foi administrado pelo tempo necessário para permitir a intubação orotraqueal realizada com sonda de Magill, sendo posteriormente acoplada ao aparelho de anestesia inalatória, reajustando-se o vaporizador para 1,5 CAM e fluxo diluente total de 30mlkg-1min-1 de oxigênio a 100%.

Todos os animais, depois de anestesiados, foram mantidos em decúbito lateral direito sobre colchão térmico ativo (Gaymar – mod. TP – 500 – Londres, Inglaterra) na tentativa de manter a temperatura corporal entre 38,3 e 39,0°C.

Em seguida, foi feita uma incisão na pele do terço superior da face interna do membro pélvico direito, de extensão suficiente para exposição da artéria femoral e introdução de cateter para posterior mensuração da pressão arterial. A veia femoral também foi exposta para a introdução do cateter de Swan-Ganz (Edwards Lifesciences LLC – California – USA) como fora citado por SISSON (1992), para mensuração débito cardíaco para posterior obtenção do índice cardíaco.

Após instrumentação, induziu-se a hipovolemia nos animais, com a finalidade de simular hemorragia aguda, retirando-se o sangue da circulação utilizando-se o cateter posicionado na artéria femoral. Foi coletado o volume total de 35mlkg-1 de sangue com o uso de seringas plásticas de 60ml após o preenchimento do espaço morto da seringa com heparina (1.000Uml-1) para evitar a coagulação.

As mensurações foram realizadas antes da hipovolemia (M0), imediatamente após a retirada do volume total de sangue calculado (M1), e aos dez (M2), trinta (M3) e sessenta (M4) minutos.

Foram estudadas as seguintes variáveis: freqüência cardíaca (FC), calculando-a a partir do registro do intervalo entre duas ondas R (R-R); duração e amplitude da onda P (Pms e PmV, respectivamente); intervalo entre as ondas P e R (P-R); duração do complexo QRS (QRS); amplitude da onda R (RmV); intervalo entre as ondas Q e T (Q-T) e intervalo R-R. As variáveis foram obtidas por eletrocardiograma em derivação DII, com emprego de eletrocardiógrafo computadorizado (TEB – mod. ECGPC software versão 1.10 – São Paulo, SP, Brasil). Para que fossem observadas eventuais anormalidades nos traçados, a eletrocardiografia foi monitorada continuamente ao longo de todo o experimento. Além disso, foram observadas as pressões arteriais sistólica (PAS), diastólica (PAD) e média (PAM) pelo método direto, cuja leitura foi feita em monitor digital (DIXTAL – mod. DX 2010 – Manaus, AM, Brasil), débito cardíaco (DC) por meio da técnica de termodiluição, cujo termistor do cateter de Swan-Ganz foi posicionado na artéria pulmonar e a leitura foi realizada em monitor digital (DIXTAL – mod. DX 2010 – Manaus, AM, Brasil) para obtenção do índice cardíaco (IC) por relação matemática, dividindo-se o valor do DC pela área de superfície corpórea (ASC) em m2, a qual foi estimada em função do peso dos animais, segundo Ogilvie (1996); e o volume sistólico (VS), obtido por relação matemática, dividindo-se o valor do DC pela FC para obtenção do índice sistólico (IS), também por relação matemática, dividindo-se o valor do VS pela área de superfície corpórea (ASC) em m2.

Ao término do período experimental, procedeu-se a reinfusão do sangue coletado de cada animal. Este trabalho foi submetido e aprovado pelo CEBEAa, sendo que todos os animais apresentaram recuperação satisfatória e, após seu restabelecimento, foram oferecidos para adoção.

A avaliação estatística das variáveis foi efetuada por meio de Análise de Variância, seguida pelo teste de Tukey considerando um nível de significância de 5% (P<0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Todos os animais recuperaram-se satisfatoriamente do procedimento experimental, sem comprometimento de seu bem-estar. Quanto aos traçados eletrocardiográficos, não foram observadas alterações importantes na condutibilidade cardíaca sugestiva de arritmias ou mesmo hipóxia do miocárdio.

Para a amplitude (PmV) e duração (Pms) da onda P, que em síntese representam a condução elétrica atrial, não foram observadas variações significativas (Tabela 1), mantendo-se dentro da faixa de normalidade para a espécie (FOX et al., 1988; TILLEY, 1992), indicando ausência de alterações volumétricas das cavidades atriais e da sua condutibilidade elétrica, tal qual os resultados descritos por SANTOS et al. (2004) e SOUZA et al. (2004) que não observaram alterações na condução elétrica atrial. Neste estudo, a manutenção da temperatura corpórea em níveis próximos aos basais com a utilização de colchão térmico também pode ter contribuído para a obtenção de boa condutibilidade elétrica na musculatura cardíaca (SANTOS et al., 2004; MATTU et al., 2002).

Em relação ao intervalo P-R, que demonstra o tempo de condução elétrica átrio-ventricular, foi observado aumento gradual do tempo de condução elétrica até dez minutos após o término da retirada de sangue (M2), sendo que a partir deste ponto houve redução desse tempo, tornando essa diferença significativa ao final da avaliação (Tabela 1). Foi um comportamento inverso ao demonstrado pela FC, podendo indicar que essa resposta foi como mecanismo compensatório à redução inicial da FC (SANTOS et al., 2004) diante da hipovolemia, uma vez que, a condução elétrica poderia prolongar-se para permitir maior enchimento ventricular a fim de manter o débito cardíaco em valores normais (MUIR & MASON, 1996). Ressalta-se aqui a ausência de influência do isofluorano sobre a contratilidade cardíaca diante da resposta compensatória, quando utilizado em concentrações de até 2 CAM (STEFFEY, 1996). Apesar destas variações terem sido significativas, as médias mantiveram-se dentro da faixa de normalidade para a espécie (TILLEY, 1992).

Na análise do complexo QRS que representa o tempo de condução elétrica ventricular, não foram observadas alterações no tempo de condutibilidade elétrica ventricular (Tabela 1), sugerindo que a intensidade da hipovolemia e o tempo de exposição à mesma, não foram suficientes para comprometer a oxigenação da musculatura cardíaca ventricular, visto que não houve retardo da condutibilidade ventricular (GOLDSCHLAGER & GOLDMAN, 1986), uma vez que a isquemia pode induzir isoeletricidade (silêncio elétrico) e prolongamento do complexo QRS (ALAMEDDINE & ZAFARI, 2004). Vale ressaltar que, como já citado anteriormente, a manutenção anestésica com isofluorano e o controle da temperatura corporal podem ter colaborado para este resultado (GRIEF et al., 2003), pois, as manifestações eletrocardiográficas da hipotermia incluem prolongamento dos intervalos P-R, Q-T, e do complexo QRS (MATTU et al., 2002).

Já na RmV, que reflete e quantifica a intensidade do impulso elétrico necessário para a despolarização ventricular (FOX et al., 1988), foi observada uma redução significativa imediatamente após a retirada de sangue com tendência ao restabelecimento dos valores iniciais ao final da avaliação (Tabela 1), apresentando um aumento da impedância da musculatura cardíaca (SANTOS et al., 2004) sem, contudo, interferir no tempo de condutibilidade elétrica do complexo QRS. Isto pode indicar um dos aspectos da resposta compensatória neuro-hormonal desencadeada pelos barorreceptores diante da diminuição de volemia (RUDLOFF & KIRBY, 1994), que resulta também em aumento da contratilidade cardíaca na tentativa de manutenção do débito cardíaco (JOHN & FLEISHER, 2004).

O intervalo Q-T representa a sístole ventricular e a atividade do sistema nervoso autônomo sobre o cronotropismo cardíaco (JOHN & FLEISHER, 2004), sendo inversamente proporcional à FC (HUTCHISSON et al., 1999; TILLEY, 1992), e é freqüentemente empregado para monitorar os possíveis efeitos de fármacos e eletrólitos sobre a dinâmica cardíaca (OGUCHI & HAMLIN, 1993). Neste estudo, mesmo não apresentando variações significativas (Tabela 1), foi possível observar sua correlação com a FC e constatar a ação simpática decorrente da estimulação dos centros vasomotores pelos barorreceptores, culminando com o aumento da FC (RUDLOFF & KIRBY, 1994) evidenciando também, a estabilidade cardiovascular do isofluorano na dose utilizada (STEFFEY, 1996; GRIEF et al., 2003).

Quanto ao intervalo RR que, em síntese, representa as alterações ocorridas na FC de maneira inversamente proporcional (TILLEY, 1992), observou-se acréscimo significativo dos valores médios iniciais em M1 e M2, com posterior retorno aos valores basais (Tabela 1), seguindo a variação registrada na FC, com redução de suas médias à medida que os valores de FC aumentaram. Assim sendo, os eventos discutidos por descrição dos achados relativos à FC, são perfeitamente cabíveis quando se analisa o intervalo RR (BACHAROVA, 2003).

Na FC, houve redução no momento imediatamente após a retirada de sangue com restabelecimento dos valores iniciais no momento subseqüente, sendo que esse aumento persistiu até o final da avaliação, sem portanto, se diferenciar dos valores iniciais (Tabela 1), ficando evidente a resposta compensatória à diminuição da volemia (CROWE & DEVEY, 1994; RUDLOFF & KIRBY, 1994) e sua correlação com o intervalo R-R (HUTCHISSON et al., 1999).

Para PAS, PAD e PAM notou-se, com a redução significativa dos valores no momento imediatamente após a retirada de sangue, o efeito imediato da diminuição da volemia sobre a pressão arterial. Considerando que o acréscimo aos valores foi iniciado no momento subseqüente, sendo este efeito observado até o final da avaliação (Tabela 1), fica evidenciada a resposta compensatória desencadeada pelos barorreceptores localizados na artéria aorta e na bifurcação das artérias carótidas (RUDLOFF & KIRBY, 1994). Tal assertiva também foi utilizada por PAIVA FILHO et al.(2003) para justificar a estabilidade dos valores de PAM e PAD diante de hipovolemia gradual induzida em cães.

Neste estudo, é possível observar que esse efeito inotrópico é mais intenso na PAS e PAM, trinta minutos após a retirada de sangue, já na PAD isto ocorre de maneira gradual. Talvez isto possa ser relacionado à ausência de alterações na condutibilidade atrial, tornando-o mais uniforme na resposta compensatória (GOLDSCHLAGER & GOLDMAN, 1986), o que demonstra a estabilidade do isofluorano na manutenção da pressão arterial na dose utilizada. Embora a literatura evidencie sua redução com a utilização desse agente, deixa claro que é um efeito dependente da dose (EGER, 1984; GRIEF et al., 2003).

Sabe-se que a diferença de tamanho entre os animais da mesma espécie produz DC e VS diferentes sendo, portanto, aconselhável o cálculo dos índices em função da área corpórea (NUNES, 2002). Assim, neste estudo, optou-se por analisar o IC e IS.

Alterações na volemia refletem-se primariamente no IS e, conseqüentemente no IC (PAIVA FILHO et al., 2003), uma vez que este é expresso matematicamente como o produto da FC pelo VS (GREENE et al., 1990). É justificada a redução dos valores ocorrida no momento imediatamente após a retirada de sangue para ambas as variáveis, o que não corrobora com os resultados descritos por PAIVA FILHO et al.(2003), pois os autores não obtiveram variações no IC e o IS apresentou decréscimo dos valores. Porém, nesta ocasião, os autores induziram hipovolemia gradual em cães esplenectomizados, o que pode justificar a diferença dos resultados, uma vez que houve retirada contínua de pequenos volumes de sangue em animais que possuíam resposta compensatória limitada.

Neste estudo, o IC e IS apresentaram intensa diminuição dos valores iniciais em M1 e posterior tendência ao restabelecimento dos valores basais, no entanto, sem atingi-los (Tabela 1). O aumento gradual dos valores destas variáveis observado após a retirada de sangue, indica o desencadeamento da resposta compensatória, tal qual discutido anteriormente, que sensibiliza os barorreceptores, havendo estimulação simpática e mediando a liberação das catecolaminas causando aumento da resistência vascular sistêmica, FC e contratilidade cardíaca (RUDLOFF & KIRBY, 1994), no intuito de aumentar a pré-carga e a pós-carga (GREENE et al., 1990; SANTOS et al., 2004). Vale ressaltar o efeito anti-arritmogênico do isofluorano (TUCKER et al., 1974), uma vez que promove estabilidade na contratilidade miocárdica (PAGEL et al., 1991a), mesmo diante da resposta compensatória à hipovolemia aguda.

CONCLUSÃO

Levando-se em consideração os resultados obtidos, foi possível concluir que o isofluorano na concentração de 1,5 CAM não altera a resposta compensatória à hipovolemia aguda, pois os cães não apresentaram alteração da condutibilidade atrial, apenas redução do tempo de condução elétrica átrio-ventricular, aumento da impedância da musculatura ventricular, redução da freqüência cardíaca, dos índices cardíacos e sistólico, porém sem alteração na despolarização ventricular.

FONTE DE AQUISIÇÃO

a - Trabalho aprovado pela Comissão de Ética e Bem Estar Animal (CEBEA) da FCAV/UNESP sob protocolo n. 002808-05.

Recebido para publicação 31.01.05

Aprovado em 06.07.05

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  • 1
    Autor para correspondência
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      06 Jul 2005
    • Recebido
      31 Jan 2005
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