Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome glaucomatosa em cães: parte 2

Glaucomatous syndrome in dogs: part 2

Resumos

O glaucoma mantém-se como uma das principais causas de cegueira em pacientes humanos e entre os animais domésticos. No curso da sua patogênese, ocorre aumento da pressão intra-ocular e morte de células retinianas, cujo início pode ser precoce. Fármacos vêm sendo desenvolvidos visando a se obter o controle da pressão intra-ocular e a proteger as células retinianas da apoptose e morte. O presente artigo revisa a farmacologia, as indicações e os efeitos adversos das principais substâncias utilizadas topicamente no tratamento do glaucoma em cães, além de discutir as técnicas cirúrgicas contemporâneas que passam melhor se adequar ao seu controle.

glaucoma; pressão intra-ocular; cães; neuroproteção


Glaucoma remains a leading cause of blindness in human and domestic animals. On the curse of its pathogenesis increase on intraocular pressure may onset precocious retinal cell death. New agents have been developed in attempt to control intraocular pressure and protect retinal cell from apoptosis and death. The present article reviews the pharmacology, the indications and side effects of the most commonly agents used topically for the treatment of glaucoma in dogs. In addition, approaches contemporaneous surgical techniques that better reach the control of the condition.

glaucoma; intraocular pressure; neuroprotection; dogs


REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

CLÍNICA E CIRURGIA

Síndrome glaucomatosa em cães – parte 2

Glaucomatous syndrome in dogs – part 2

Alexandre Pinto RibeiroI; Bianca da Costa MartinsI; José Luiz LausII,1 1 Autor para correspondência.

IPrograma de Pós-graduação em Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Jaboticabal, SP, Brasil

IIDepartamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, FCAV, UNESP, Campus de Jaboticabal. Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n, 14844-900, Jaboticabal, SP, Brasil. E-mail: jllaus@fcav.unesp.br

RESUMO

O glaucoma mantém-se como uma das principais causas de cegueira em pacientes humanos e entre os animais domésticos. No curso da sua patogênese, ocorre aumento da pressão intra-ocular e morte de células retinianas, cujo início pode ser precoce. Fármacos vêm sendo desenvolvidos visando a se obter o controle da pressão intra-ocular e a proteger as células retinianas da apoptose e morte. O presente artigo revisa a farmacologia, as indicações e os efeitos adversos das principais substâncias utilizadas topicamente no tratamento do glaucoma em cães, além de discutir as técnicas cirúrgicas contemporâneas que passam melhor se adequar ao seu controle.

Palavras-chave: glaucoma, pressão intra-ocular, cães, neuroproteção.

ABSTRACT

Glaucoma remains a leading cause of blindness in human and domestic animals. On the curse of its pathogenesis increase on intraocular pressure may onset precocious retinal cell death. New agents have been developed in attempt to control intraocular pressure and protect retinal cell from apoptosis and death. The present article reviews the pharmacology, the indications and side effects of the most commonly agents used topically for the treatment of glaucoma in dogs. In addition, approaches contemporaneous surgical techniques that better reach the control of the condition.

Key words: glaucoma, intraocular pressure, neuroprotection, dogs.

INTRODUÇÃO

Muito embora avanços nas cirurgias cicloablativas e naquelas que aumentam a drenagem de humor aquoso venham aumentando as perspectivas no manejo do glaucoma (GELATT & GELATT, 2001), a terapia médica, todavia, mantém-se como componente importante no controle da síndrome glaucomatosa (WILLIS, 2004).

A maioria das substâncias preconizadas foi concebida para diminuir a pressão intra-ocular (PIO). Elas são classificadas, segundo o seu mecanismo de ação, em agentes capazes de reduzir a produção do humor aquoso (agonistas adrenérgicos e inibidores da anidrase carbônica), agentes que aumentam a drenagem do humor aquoso sem reduzir a sua produção (agentes colinérgicos e análogos das prostaglandinas) e aqueles que induzem alterações em ambas as condições da dinâmica desse fluido ocular, denominados antagonistas adrenérgicos (WILLIS, 2004).

O presente artigo revisa aspectos relevantes quanto à farmacologia das principais substâncias utilizadas topicamente no controle do glaucoma em cães e às técnicas cirúrgicas mais recentes.

Agentes colinérgicos

São representados pela pilorcapina e pelo carbacol, sendo a pilocarpina mais utilizada em veterinária. A substância é capaz de reduzir a PIO por sua ação colinérgica, estimulando receptores muscarínicos do músculo ciliar da íris e promovendo miose. A miose enseja abertura do ângulo iridocorneal, aumentando o fluxo de drenagem do humor aquoso (WILLIS, 2004).

A pilocarpina é indicada como adjuvante no controle do glaucoma primário em cães, cujo efeito parece ser limitado naqueles casos associados à goniodisgenesia (displasia dos ligamentos pectíneos) (WILLIS, 2004). Na concentração a 2%, este fármaco foi capaz de reduzir em 44% os valores da PIO em cães glaucomatosos (GWIN et al., 1997), cujo intervalo de aplicação para esta espécie deve ser de oito horas (WILLIS, 2004).

A pilocarpina provoca quebra da barreira hemato-aquosa ocular elevando os níveis de proteína do humor aquoso, depois de sete horas da sua instilação (KROHNE et al., 1998), o que a torna contra-indicada em glaucomas secundários à uveíte (WILLIS, 2004).

Agentes adrenérgicos

Agonistas

A apraclonidina é um agonista seletivo para receptores a2 no epitélio não pigmentado do corpo ciliar. Ele é capaz de inibir a atividade da adenilato-ciclase, impedindo a conversão do trifosfato de adenosina em monofosfato de adenosina, diminuindo, conseqüentemente, a produção de humor aquoso (WILLIS, 2004). Em olhos de cães saudáveis, o fármaco na concentração a 0,5% reduziu a PIO em até 16%, decorridas oito horas da sua instilação (MILLER & RHAESA, 1996). Os principais efeitos colaterais da apraclonidina, em cães, são o blefaroespasmo e a palidez conjuntival (MILLER & RHAESA, 1996)

A brimonidina é um agonista dos receptores a2-adrenérgicos, sendo 28 vezes mais seletiva para esses receptores comparativamente à apraclonidina (WILLIS, 2004). Em cães glaucomatosos, induz a uma queda significativa na PIO, a miose e redução na freqüência cardíaca (GELATT & MACKAY, 2002a). Para que se obtenham bons resultados, o fármaco deve ser associado a outros fármacos hipotensores (WILLIS, 2004).

Antagonistas

Também denominados b-bloqueadores, esses fármacos causam decréscimo da PIO por bloquearem receptores b presentes no corpo ciliar, diminuindo a gênese do humor aquoso (WILLIS, 2004).

O betoxolol é um fármaco seletivo para os receptores b1. Poucos estudos foram realizados no que concerne à sua ação na redução da PIO (WILLIS, 2004). Uma pesquisa conduzida em cães glaucomatosos avaliou as propriedades da substância, na concentração de 0,5%, em instilações a cada 12 horas, na prevenção da enfermidade em olhos sadios, quando os adelfos eram glaucomatosos. Os resultados mostraram que animais não tratados desenvolveram glaucoma significativamente mais cedo (média de oito meses), comparativamente ao grupo que recebeu betoxolol, cujo período aumentou, em média, para 30,7 meses (MILLER et al., 2000).

O timolol é um b-bloqueador não-seletivo. Seus efeitos advêm da inibição de receptores b ou da ativação de receptores a-adrenérgicos no músculo esfíncter da íris, podendo originar miose em cães (WILKIE & LATIMER, 1991). Após instilação tópica, sua ação máxima manifesta-se decorridas de duas a seis horas (WILKIE & LATIMER, 1991). Estudo recente conduzido em cães sadios demonstrou que, na concentração de 0,5%, o máximo decréscimo na PIO ocorreu no sétimo dia de tratamento, na ordem de 27,1% (MAEHARA et al., 2004).

O timolol é apresentado nas concentrações de 0,25 e 0,5%, devendo ser administrado a intervalos regulares de oito ou 12 horas. Efeitos colaterais reportados apontam para decréscimo significativo na freqüência cardíaca e na pressão sangüínea em cães (MAEHARA et al., 2004). Outros eventos adversos associados à sua administração relacionam-se ao bloqueio sistêmico de receptores b. Arritmias e bloqueios cardíacos são associados com bloqueio b1, enquanto os pulmonares, como broncoespasmo e obstrução das vias aéreas, podem estar relacionados com bloqueio de receptores b2 (WILLIS, 2004).

O nipradilol é seletivo para receptores a1 e não seletivo para receptores b. Ele oferece a metade da potência do timolol no bloqueio de receptores b-adrenérgicos (MIZUTANI et al., 2002). Estudo conduzido em cães saudáveis mostrou que o nipradilol reduz a PIO em 30,6%, em níveis semelhantes aos do de timolol (27,1%), mas sem efeitos colaterais sobre a pressão sangüínea e a freqüência cardíaca, comparativamente ao timolol (MAEHARA et al., 2004).

Inibidores da anidrase carbônica

Durante a produção de humor aquoso, íons bicarbonato são transportados juntamente com o cátion sódio para a câmara posterior do bulbo ocular, estabelecendo um gradiente osmótico. Trata-se de condição cuja ocorrência depende da enzima anidrase carbônica (WILLIS, 2004). O emprego sistêmico de alguns inibidores da anidrase carbônica, como a acetazolamida, a diclorfenamida e a metazolamida, estão em desuso face à ocorrência freqüente de efeitos colaterais, notadamente a acidose metabólica (ABRAMS, 2000), razão pela qual a via tópica tem merecido a preferência, quando da utilização desses fármacos (WILLIS, 2004). Ressalta-se não haver efeito sinérgico quando se combinam as vias tópica e sistêmica (GELATT & MACKAY, 2001a).

Na concentração a 2%, a dorzolamida se mostrou eficaz em reduzir a produção do humor aquoso e, por conseguinte, a PIO, quando administrada a intervalos regulares de oito horas (GELATT & MACKAY, 2001a). A formulação comercial contendo 2% de dorzolamida e 0,5% de maleato de timolol (Cosopt®) apresenta efeito aditivo em cães glaucomatosos (PLUMER et al., 2006). Efeitos adversos representados por quadros de blefarite têm sido reportados em cães, mas tendem a cessar com a descontinuidade do tratamento (WILLIS, 2004). A interrupção do uso tópico da dorzolamida a 2% não provoca “efeito rebote” quanto ao comportamento da PIO, como fora notificado em outro estudo com a descontinuidade da administração oral de metazolamida (SKOROBOHACH et al., 2003).

Quando administrada na concentração a 1%, a brinzolamida reduziu a PIO em níveis próximos aos obtidos com a dorzolamida, em cães com olhos normotensos (GELATT & MACKAY, 2001). O pH 7,5, mais próximo da neutralidade, comparativamente ao pH 5,6 da dorzolamida, determina um menor desconforto ao paciente (WILLIS, 2004).

Análogos das prostaglandinas

Os análogos das prostaglandinas são substâncias que atuam como agonistas em receptores específicos para prostaglandina F (PF). Após aplicação tópica, são biotransformadas em prostaglandinas, incluindo a PGE2, com grande potencial para ativar o sistema adenilato ciclase, remodelando a matriz extracelular do músculo ciliar da íris, aumentam, por essa razão, a drenagem do humor aquoso pela rota uveoescleral (SAGARA et al., 1999). Eles são preferidos para o manejo do glaucoma primário, pois têm efeito hipotensor ocular superior ao de outros fármacos, sendo normalmente efetivos com uma única aplicação diária. Também oferecem vantagens, por serem rapidamente metabolizados e não causarem efeitos adversos cardiopulmonares (SOLTAU & ZIMMERMAN, 2002).

A hiperemia conjuntival constitui um dos efeitos colaterais mais comumente relatados, ocorrendo em maior intensidade com o travaprost, comparativamente aos outros análogos das prostaglandinas (FELDMAN, 2003). Estudo recente demonstrou que a hiperemia conjuntival é decorrente da liberação de óxido nitroso endotelial e não por eventos inflamatórios relacionados à ação mediadora da inflamação pelas prostaglandinas (CHEN et al., 2005). Outros efeitos colaterais, como hiperpigmentação palpebral e da íris, não foram observados em animais (WILLIS, 2004).

Investigações conduzidas em Beagles glaucomatosos comprovaram a eficácia do bimatoprost a 0,03%, do latanoprost a 0,005% e do travaprost a 0,004%, em reduzir a PIO na ordem de 39,6 ± 2,1mmHg, 24,2 ± 2,1mmHg e 26,6 ± 2,2mmHg, respectivamente, após o quarto dia de uso, paralelamente à diminuição significativa do diâmetro pupilar (GELLAT & MAC KAY, 2001b; GELLAT & MAC KAY , 2002b; GELLAT & MACKAY, 2004a). Estudos avaliando a ação desses fármacos concluíram que, além de reduzirem a PIO, melhores resultados são obtidos em instilações noturnas. Ressalta-se que a administração a intervalos de 12 horas não enseja melhores resultados, comparativamente ao seu emprego a intervalos de 24 horas (GELLAT & MACKAY, 2001b; GELLAT & MACKAY, 2002b; GELLAT & MACKAY, 2004a). Pesquisa recente demonstrou não haver diferença significativa, relativamente à ação do travaprost em comparação à do latanoprost, na redução PIO em olhos de cães normais (CARVALHO et al., 2006).

A isopropila unoprostona é um docosanóide que, a despeito de apresentar estrutura semelhante à da prostaglandina F2a, possui baixa afinidade por receptores PF (SHARIF et al., 2003). Trata-se de fármaco que é capaz de reduzir a PIO, aumentando a drenagem do humor aquoso pela via convencional (via ângulo iridocorneal). Ao inibir mecanismos dependentes de endotelina-1 (substância vasoconstritora), promove relaxamento dos músculos da malha trabecular (THIEME et al., 2001). Acredita-se, ainda, que o fármaco seja também capaz de reduzir a PIO por aumentar a drenagem do humor aquoso pela via uveoescleral (THIEME et al., 2001). Em cães glaucomatosos, na concentração de 0,15%, a unoprostona foi capaz de reduzir significativamente a PIO, quando instilada a intervalos de 12 horas, produzindo miose de longa duração (GELATT & MACKAY, 2004b).

Análogos das prostaglandinas não são indicados em pacientes com glaucoma secundário à uveíte, visto que o humor aquoso, nessas condições, é já rico em prostaglandinas. Igualmente, seu uso não se encontra indicado em pacientes afácicos, pseudofácicos ou com luxação anterior da lente, por serem potencialmente mióticos, podendo ocasionar bloqueio pupilar agudo e encarceramento do vítreo (WILLIS, 2004).

Antiinflamatórios

Os antiinflamatórios esteroidais e os não-esteroidais (AINES) são recomendados como adjuvantes no controle da inflamação em glaucomas secundários a uveítes (COLLINS & MOORE, 1999). Alguns autores citam que o uso tópico de corticosteróides pode promover aumento da PIO em cães já glaucomatosos, após uma a três semanas de uso, provavelmente por diminuírem a drenagem de humor aquoso (HOLMBERG & MAGGS, 2004). Não obstante, estudo recente levado a efeito em cães saudáveis mostrou que a administração oral de hidrocortisona por cinco semanas consecutivas não foi capaz de aumentar a PIO (HERRING et al., 2004).

Relativamente ao uso de AINES no manejo do glaucoma agudo, o uso tópico do flurbiprofeno deve ser desencorajado, porquanto a substância causa aumento significativo da PIO (KROHNE et al., 1998). Um sumário sobre os principais fármacos hipotensores oculares encontra-se listado na tabela 1.

Neuroproteção e glaucoma

Algumas preparações tópicas têm apresentado efeito neuroprotetor. A dorzolamida e a brinzolamida, por exemplo, mostraram-se capazes de melhorar o fluxo sangüíneo para o disco óptico, quando empregadas experimentalmente em coelhos (BARNES et al., 2000).

Em modelo animal de isquemia induzida, a unoprostona foi capaz de proteger as células ganglionares da retina, obedecendo a critérios dose-dependentes, além de reduzir a síntese de glutamato. A unoprostona possui ainda propriedades vasodilatadoras evidenciadas pelo aumento do fluxo sangüíneo da coróide, uma vez que interfere com a ação de substâncias vasoconstritoras como a endotelina-1 (MELAMED, 2002).

MUKUNO (2004) reportou que o metabólito M1 da unoprostona foi potencialmente capaz de proteger células neurogliais (R28) progenitoras da apoptose. A apraclonidina (MORRISON et al., 1998) e a brimonidina (YOLES et al., 1999) mostraram-se capazes de proteger fibras nervosas do nervo óptico, quando utilizadas em ratos. ANDO et al. (2005) relataram efeitos citoprotetores in vitro do nipradilol.

Estudos recentes admitem a concepção de vacinas com fins neuroprotetores (SCHWARTZ, 2003; BAKALASH et al., 2003). Um antígeno sintético (copolímero 1 – R26) administrado pela via subcutânea foi capaz de proteger células ganglionares da retina contra substâncias tóxicas como o glutamato, em modelo experimental de hipertensão ocular em ratos. Salienta-se que a substância cujos estudos foram desenvolvidos encontra-se em fase experimental, foi incapaz de prevenir a ocorrência do glaucoma, agindo apenas na proteção das células retinianas, em indivíduos já acometidos pela enfermidade (BAKALASH et al., 2003).

Manejo cirúrgico

Os procedimentos cirúrgicos empregados no tratamento do glaucoma incluem aqueles que diminuem a produção do humor aquoso, por lesarem o corpo ciliar, e as manobras que incrementam a sua drenagem, por aumentarem a vazão através de vias alternativas (COOK, 1997; GELATT & GELATT, 2001).

Procedimentos ciclodestrutivos

Em decorrência da acentuada inflamação intra-ocular e de casos de phthisis bulbi secundários às técnicas que empregam o frio para destruição do corpo ciliar (GELATT & GELATT, 2001; GILMOUR, 2002), os procedimentos ciclodestrutivos não serão aqui abordados. Discutir-se-ão, portanto, apenas técnicas que empregam o laser para a redução na produção de humor aquoso (ciclofotocoagulação), uma vez que são mais efetivas.

As duas modalidades de laser mais utilizadas em oftalmologia veterinária para o controle do glaucoma são o neodimínio: ítrio alumínio granada (Nd: YAG) e o diodo. A onda infravermelha gerada por ambos é segura e capaz de ser transmitida através da esclera, sendo absorvida por estruturas pigmentadas intra-oculares, notadamente as ricas em melanina, como as do epitélio posterior do corpo ciliar (GELATT & GELATT, 2001; GILMOUR, 2002). Embora o tecido alvo primário seja o epitélio do corpo ciliar, danos vasculares, decréscimo na área de superfície ciliar, atrofia do corpo ciliar e aumento da taxa de drenagem uveoescleral contribuem para a redução da PIO (GILMOUR, 2002).

Para a realização dos procedimentos, o transdutor do laser pode ou não contactar com a esclera. Disparos de laser são realizados em 30 a 50 sítios a, aproximadamente, 3mm do limbo, evitando-se as posições entre 3 e 9 horas (correspondentes às de um relógio), por onde permeiam as artérias ciliares longas posteriores (GELATT & GELATT, 2001; SAPIENZA & van der WOERDT, 2005). Os níveis de energia utilizados para o procedimento são variados (60 a 220 J / 800 – 1500 mW x 1500 – 1700 ms) (GILMOUR, 2002; SAPIENZA & van der WOERDT, 2005).

As complicações pós-operatórias incluem uveítes, elevação súbita da PIO (devido ao bloqueio do ângulo iridocorneal por fragmentos inflamatórios), descolamentos de retina, catarata, adelgaçamento escleral e casos de ceratoconjuntivite seca (GELATT & GELATT, 2001; GILMOUR, 2002; SAPIENZA & van der WOERDT, 2005). O uso intracameral de 25 a 37µg de ativador de plasminogênio tecidual pode ser eficiente como substância fibrinolítica após ciclofotocoagulação a laser com diodo (SAPIENZA & van der WOERDT, 2005).

Estudo recente mostrou que a combinação da ciclofotocoagulação a laser com shunts de câmara anterior foi capaz de controlar a PIO, preservando a função visual de boa parcela dos pacientes a ela submetidos (SAPIENZA & van der WOERDT, 2005). Essas técnicas só devem ser utilizadas para o controle do glaucoma primário (GELATT & GELATT, 2001; GILMOUR, 2002; SAPIENZA & van der WOERDT, 2005).

Procedimentos que aumentam a drenagem de humor aquoso

Devido aos constantes insucessos ensejados por procedimentos como iridênclinse e ciclodiálise e por sua indicação restrita (COOK, 1997; GELATT & GELATT, 2001), estes não serão aqui abordados. Discutir-se-ão, apenas, os gonioimplantes (shunts de câmara anterior), porquanto são hoje os mais aceitos.

Gonioimplantes são dispositivos concebidos visando a se criar uma via alternativa para a drenagem do humor aquoso (COOK, 1997; GELATT & GELATT, 2001). O modelo Ahmed, que é o mais utilizado em oftalmologia veterinária, dispõe de uma válvula que se abre quando a PIO ultrapassa 12mmHg, e se fecha quando ela decresce a 8mmHg (SAPIENZA & van der WOERDT, 2005). O dispositivo é fixado no espaço subconjuntival bulbar dorsal, entre os músculos reto dorsal e medial, para posterior introdução de um pequeno tubo de silicone (0,3mm de diâmetro) na câmara anterior. O intento cria, por capilaridade, uma rota alternativa para o escoamento de humor aquoso (GELATT & GELATT, 2001, SAPIENZA & van der WOERDT, 2005). Alternativamente ao espaço subconjuntival, o gonioimplante pode ser fixado à veia jugular ou ao espaço subcutâneo, bem como ao ducto parotídeo (GELATT & GELATT, 2001) ou no seio frontal (CULLEN, 2004).

As complicações pós-operatórias da implantação de shunts de câmara anterior relacionam-se à migração do implante, a edema de córnea, à hipotonia ocular e, principalmente, aqueles relacionados à iridociclites e entupimento da sonda de drenagem por fragmentos inflamatórios (GELATT & GELATT, 2001; CULLEN 2004; SAPIENZA & van der WOERDT, 2005). O uso tópico de antimetabólitos como a mitomicina C ou o 5-fluoracil, nos períodos trans e pós-operatórios, parece não auxiliar na profilaxia da deposição de fibrina (GELATT & GELATT, 2001; SAPIENZA & van der WOERDT, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Isoladamente ou em combinação com procedimentos cirúrgicos, fármacos hipotensores oculares são indispensáveis quando se busca preservar a função visual de olhos glaucomatosos. Quando diagnosticado, a prevenção do glaucoma primário no olho adelfo ainda não acometido é de singular importância.

Apesar de seu baixo custo, a pilocarpina não deve ser prescrita como primeira escolha para o manejo do glaucoma, pois promove quebra da barreira hemato-aquosa, deteriorando o quadro clínico oftálmico de pacientes portadores de glaucoma secundário. Por sua alta capacidade em induzir efeitos colaterais, como acidose metabólica, a via tópica tem merecido preferência, comparativamente à sistêmica, para a aplicação de inibidores da anidrase carbônica.

Agentes agonistas a-adrenérgicos e b-bloqueadores devem ser evitados ou usados com cautela em pacientes cardiopatas. O nipradilol, contudo, não altera a pressão sangüínea ou a freqüência cardíaca. Pela sua pouca capacidade em promover hipotensão ocular, tais substâncias devem ser utilizadas em combinação com análogos das prostaglandinas ou com inibidores da anidrase carbônica.

Relativamente ao uso de análogos das prostaglandinas em cães, há relatos sobre efeitos hipotensores oculares mais pronunciados e de maior duração, comparativamente aos b-bloqueadores e aos inibidores da anidrase carbônica. Não obstante, a relação custo-benefício deverá ser sempre considerada.

Frente ao exposto, os autores do presente trabalho indicam que o manejo do glaucoma canino se faça primeiramente com inibidores da anidrase carbônica, até que um especialista tome frente ao caso. Procedimentos cirúrgicos fotociclodestrutivos, bem como aqueles que aumentam a drenagem de humor aquoso, parecem ser mais efetivos no controle da PIO, se realizados conjuntamente. Contudo, a ciclocriodestruição ainda é utilizada por muitos especialistas, no Brasil, devido ao elevado custo do aparelho de laser.

Vale lembrar que, até o presente momento, o tratamento clínico/cirúrgico do glaucoma abranje apenas o controle da PIO, reduzindo desta forma a dor do paciente. Em longo prazo, a função visual deteriora-se, pois, apesar dos esforços, ainda não se encontra disponível nenhuma substância capaz de impedir a apoptose retiniana.

Considerando-se as evidências de que o glutamato está envolvido com alterações bioquímicas geradas pelo incremento da PIO, fármacos que antagonizem a sua gênese serão benéficos no controle das lesões ópticas suscitadas pelo glaucoma. Novas substâncias hipotensoras oculares e, notadamente, as vacinas, sinalizam para um futuro promissor na proteção do nervo óptico e das células retinianas em pacientes glaucomatosos, haja vista que a neurodegeneração pode manter seu curso inexorável, mesmo após o controle da PIO ter sido logrado.

Recebido para publicação 24.07.06

Aprovado em 09.02.07

  • ABRAMS, K.L. Medical and surgical managment of the glaucoma patient. Clinical Techiniques in Small Animal Practice, Philadelphia, v. 16, n.1, p.71-76, 2000.
  • ANDO, A. et al. Cytoprotection by nipradilol, an anti-glaucomatous agent, via down-regulation of apoptosis related to gene expression and activation of NF-kappaB. Experimental Eye Research, London, v. 80, n.4, p.501-507, 2005.
  • BAKALASH, S. et al. Antigenic specificity of immunoprotective therapeutic vaccination for glaucoma. I Investigative Ophthalmology and Visual Science, St. Louis, v. 44, n.8, p.3374-3381, 2003.
  • BARNES, G.E. et al. Increased optic nerve blood flow after 1 week of twice-daily topical brinzolamide treatment in Ducth-belted rabbits. Survey in Ophthalmology, New York, v.44, Suppl 2, p.s131-40, 2000.
  • CARVALHO, A.B. et al. Effects of travoprost 0.004% compared with latanoprost 0.005% on the intraocular pressure of normal dogs. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.9, n.2, p.121-125, 2006.
  • CHEN, J. et al. Bimatoprost: mechanism of ocular surface hyperemia associated with topical therapy. Cardiovascular Drugs Reviews, New York, v.23, n.3, p.231-246, 2005.
  • COLLINS, B.K.; MOORE, C.P. Diseases and surgery of the canine uvea. In: Gelatt KN, editor. Veterinary ophthalomology 3.ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 1999. p.755-795.
  • COOK C.S. Surgery for glaucoma. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, Philadelphia, v.27, n.5, p.1109-1129, 1997.
  • CULLEN, C.L. Cullen frontal sinus valved glaucoma shunt: preliminary findings in dogs with primary glaucoma. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.7, n.5, p.311-318, 2004.
  • FELDMAN, R.M. Conjuntival hyperemia and the use of topical prostaglandins in glaucoma and ocular hypertension. Journal of Ocular Pharmacology and Therapeutics, New York, v.19, n.1, p.23-31, 2003.
  • GELATT, K.N.; GELATT, J.P. Surgery of nasolacrimal apparatus and tear systems. In:______ Small animal ophthalmic surgery: practical techniques for the veterinarian Oxford: Butterworth & Heinemann, 2001. p.125-141.
  • GELATT, K.N.; MACKAY, E.O. Changes in intraocular pressure associated with topical dorzolamide and oral methazolamide in glaucomatous dogs. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.4, n.1, p.61-67, 2001a.
  • GELATT, K.N.; MACKAY, E.O. Effects of different dose schedules of latanoprost on intraocular pressure and pupil size in treatment of glaucomatous beagle. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.4, n.4, p.283-288, 2001b.
  • GELATT, K.N.; MACKAY, E.O. Effect of single and multiple dose of 0.2% brimonidine tartarte in glaucomatous beagles. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.5, n.4, p.253-262, 2002a.
  • GELATT, K.N.; MACKAY, E.O. Effects of different dose schedules of bimatoprost on intraocular pressure and pupil size in treatment of glaucomatous beagle. Journal of Ocular Pharmacology and Therapeutics, New York, v.18, n.6, p.525-534, 2002b.
  • GELATT, K.N.; MACKAY, E.O. Effects of different dose schedules of Travaprost on intraocular pressure and pupil size in treatment of glaucomatous beagle. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.7, n.1, p.53-57, 2004a.
  • GELATT, K.N. et al. Effect of different dose schedules of 0.15% unoprostone isopropyl on intraocular pressure and pupil size in the glaucomatous beagle. Journal of Ocular Pharmacology and Therapeutics, New York, v.20, n.5, 411-420, 2004b.
  • GILMOUR, M.A. Lasers in ophthalmology. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, Philadelphia, v.32, n., p.649-672, 2002.
  • GWIN, R.M. et al. The effect of topical pilocarpine on intraocular pressure and pupil size in the normotensive and glaucomatous beagle. Investigative Ophthalmology and Visual Science, St. Louis, v.16, n.12, p. 1143-48, 1997.
  • HERRING, I.P. et al. Effect of orally administred hidrocortisone on intraocular pressure in nonglaucomatous dogs. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v .7, n.6, p.381-384, 2004.
  • HOLMBERG, B.J.; MAGGS, D.J. The use of corticosteroids to treat ocular inflammation. Veterinary Clinics of North America: Small Animimal Practice, Philadelphia, v.34, n.3, p.693-705, 2004.
  • KROHNE, S.G. et al. Inhibition of pilocarpine-induced aqueous humor flare, hypotony, and miosis by topical administration of anti-inflammatory and anesthetic drugs to dogs. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v.59, n.4, p.482-488, 1998.
  • MAEHARA, S. et al. Effects of topical nipridilol and timolol on intraocular pressure, facility outflow, arterial blood pressure and pulse rate in dogs. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.7, n.3, p.147-50, 2004.
  • MELAMED, S. Neuroprotective properties of a docosanoid, unoprostone isopropyl: Clinical benefits in the treatment of glaucoma. Drugs Under Experimental and Clinical Research, Barcelona, v. 28, n.2-3, p.63-73, 2002.
  • MILLER, P.E.; RHAESA, S.L. Effects of topical administration of 0,5% apraclonidine on intraocular pressure, pupil size, and heart rate in clinically normal dogs. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v .57, n.1, p.79-82, 1996.
  • MILLER, P.E. et al. The efficacy of topical prophylactic antiglaucoma therapy in primary closed angle glaucoma in dogs: a multicenter clinical trial. Journal of American Animal Hospital Association, South Bend, v.36, n.5, p.431-438, 2000.
  • MIZUTANI, M. et al. Additive effect of topical nipradilol for normal-tension glaucoma treated by unoprostone or latanoprost. Japanese Journal of Clinical Ophthalmology, v.56, p.799-803, 2002.
  • MORRISON, J.C. et al. Glaucoma drops control intraocular pressure and protect optic nerves in a rat model of glaucoma. Investigative Ophthalmology and Visual Science, St. Louis, v.39, n.3, p.526-551, 1998.
  • MUKUNO, H. et al. Unoprostone isopropyl rescues retinal progenitor cells from apoptosis in vitro. Current Eye Research, London, v.29, n.6, p.457-464, 2004.
  • PLUMER, C.E. et al. Comparison of the effects of topical administration of a fixed combination of dorzolamide-timol to monotherapy with timolol or dorzolamide on IOP heart rate in glaucomatous beagles. Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.9, n.4, p.245-249, 2006.
  • SAGARA, T. et al. Topical prostaglandin F2a treatment reduces collagen types I,II,II and IV in the monkey uveoscleral outflow pathway. Archives of Ophthalmology, Chicago, v.117, n.6, p.794-801, 1999.
  • SAPIENZA, S.A. VAN DER WOERDT, A. Combined transscleral diode laser cyclophotocoagulation and Ahmed gonioimplantation in dogs with primary glaucoma: 51 cases (1996-2004). Veterinary Ophthalmology, Oxford, v.8, n.2, p.121-127, 2005.
  • SCHWARTZ, M. Neurodegeneration and neuroprotection in glaucoma: development of novel and protective vaccine. Investigative Ophthalmology and Visual Science, St. Louis, v.44, n.4, p.1407-1411, 2003.
  • SHARIF, N.A. et al. Ocular Hypotensive FP prostaglandin (PG) analogs: PG receptor subtype binding affinities and selectivities, and agonist potencies at FP and other PG receptors in cultured cells. Journal of Ocular Pharmacology and Therapeutics, New York, v.19, n.6, p.501-515, 2003.
  • SKOROBOHACH, B. et al. Effects of oral administration of methazolamide on intraocular pressure and aqueous humor flow rate in clinically normal dogs. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v.64, n.2, p.183-87, 2003.
  • SOLTAU, J.B.; ZIMMERMAN, T.J. Changing paradigms in the medical treatment of glaucoma. Survey in Ophthalmology, New York, v.47, Suppl 1, p.s2-5, 2002.
  • THIEME, H.; et al. Mechanisms of action of unoprostone on trabecular meshwork contractility. Investigative Ophthalmology and Visual Science, St. Louis, v.42, n.13, p.3193-3201, 2001.
  • WILKIE, D.A.; LATIMER, C.A. Effects of topical administration of timolol maleate on intraocular pressure and pupil size in dogs. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v.52, n.3, p. 432-435,1991.
  • WILLIS, A.M. Ocular hypotensive drugs. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, Philadelphia, v.34, n.3, p.755-76, 2004.
  • YOLES, E.; et al. Alpha2-adrenoceptor agonists are neuro protective in a rat model of optic nerve degeneration. Investigative Ophthalmology and Visual Science, St. Louis, v.40, n.11, p.65-73, 1999.
  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2007
    • Recebido
      24 Jul 2006
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br