Acessibilidade / Reportar erro

Diagnóstico de criptococose canina pela citologia aspirativa por agulha fina

Diagnosis of canine cryptococcosis by fine-needle aspiration cytology

Resumos

Relata-se um caso de criptococose canina de caráter sistêmico e neurológico diagnosticado com o auxílio da citologia aspirativa por agulha fina (CAAF). O paciente, da raça Labrador, 1 ano e 5 meses, macho, apresentava sinais de depressão/estupor, hiporexia, presença de uma massa cervical delimitada entre os dois linfonodos submandibulares e aumento de linfonodos. A punção aspirativa da massa cervical e dos linfonodos poplíteo, pré-escapular e submandibular revelaram presença de fungos compatíveis com Cryptococcus neoformans, o qual foi então confirmado pela cultura fúngica, e classificado como sorotipo D. A CAAF mostrou ser um método rápido, seguro e eficaz em casos de criptococose canina com presença de linfoadenomegalia.

criptococose; citologia aspirativa por agulha fina; cão


This paper aimed to described a 1.5 year-old Labrador male, diagnosed with cryptococcosis using fine-needle aspiration cytology (FNAC). The dog was showing signs of depression and hyporexia. Peripheral lymph nodes and a mass situated between the submandibular lymph nodes were aspirated. The cytology showed yeast-like structures resembling Cryptococcus sp. in all samples examined. These findings were confirmed by culture (C. neoformans, serotype D). The FNAC technique allowed a quick, safe and easy diagnosis in this case.

cryptococcosis; fine-needle aspiration cytology; dog


NOTA

PARASITOLOGIA

Diagnóstico de criptococose canina pela citologia aspirativa por agulha fina

Diagnosis of canine cryptococcosis by fine-needle aspiration cytology

Danieli Brolo MartinsI; Anna Laetícia Trindade BarbosaI; Ayrton CavalheiroII; Sonia Terezinha dos Anjos LopesIII,1 1 Autor para correspondência. ; Janio Morais SanturioIV; João Eduardo SchosslerIII; Alexandre MazzantiIII

IPrograma de Pós-graduação em Medicina Veterinária (PPGMV), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

IIPrograma de Pós-graduação em Farmacologia, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

IIIDepartamento de Pequenos Animais, UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: sonia@smail.ufsm.br

IVDepartamento de Microbiologia e Parasitologia, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

Relata-se um caso de criptococose canina de caráter sistêmico e neurológico diagnosticado com o auxílio da citologia aspirativa por agulha fina (CAAF). O paciente, da raça Labrador, 1 ano e 5 meses, macho, apresentava sinais de depressão/estupor, hiporexia, presença de uma massa cervical delimitada entre os dois linfonodos submandibulares e aumento de linfonodos. A punção aspirativa da massa cervical e dos linfonodos poplíteo, pré-escapular e submandibular revelaram presença de fungos compatíveis com Cryptococcus neoformans, o qual foi então confirmado pela cultura fúngica, e classificado como sorotipo D. A CAAF mostrou ser um método rápido, seguro e eficaz em casos de criptococose canina com presença de linfoadenomegalia.

Palavras-chave: criptococose, citologia aspirativa por agulha fina, cão.

ABSTRACT

This paper aimed to described a 1.5 year-old Labrador male, diagnosed with cryptococcosis using fine-needle aspiration cytology (FNAC). The dog was showing signs of depression and hyporexia. Peripheral lymph nodes and a mass situated between the submandibular lymph nodes were aspirated. The cytology showed yeast-like structures resembling Cryptococcus sp. in all samples examined. These findings were confirmed by culture (C. neoformans, serotype D). The FNAC technique allowed a quick, safe and easy diagnosis in this case.

Key words: cryptococcosis, fine-needle aspiration cytology, dog.

A criptococose é uma micose sistêmica oportunista, de distribuição mundial, causada pela levedura Cryptococcus neoformans (C. neoformans) (MARCASSO et al. 2005). Possui ocorrência rara, mas importante, em humanos, felinos, caprinos, eqüinos, bovinos e caninos, bem como em animais silvestres (MALIK et al., 2002).

Em Medicina Veterinária, os primeiros trabalhos a utilizar a citologia aspirativa por agulha fina (CAAF) na rotina clínica datam da década de 1980, mostrando sua utilização no diagnóstico de desordens neoplásicas, hiperplásicas, degenerativas e inflamatórias de pequenos animais. É um método simples e de baixo custo, pois não envolve equipamentos sofisticados (GUEDES et al., 2000). Nas doenças infecciosas, a CAAF pode desempenhar um papel importante, apresentando riscos menores que a biópsia cirúrgica. Os linfonodos e pulmões podem ser estudados por esta técnica (SCHMITT, 1997). Assim, o C. neoformans torna-se facilmente demonstrável no material citológico.

O primeiro caso de criptococose canina relatado no Brasil foi em 1983, por RIBEIRO et al., através do diagnóstico post morten. Muitos autores só identificaram o agente após a morte do animal (HONSHO et al., 2003; KOMMERS et al., 2005) ou por outros testes, como cultura do líquor ou exame histopatológico (MALIK et al., 2002; MARCASSO et al., 2005). Há poucos relatos na literatura sobre criptococose canina (OLIVEIRA et al., 2005), sendo ainda mais escassos os artigos que mencionam a CAAF como método de diagnóstico in vivo desta enfermidade em cães.

Relata-se um caso de criptococose canina sistêmica e nervosa em um cão Labrador, macho, de 1 ano e 5 meses, diagnosticado através da CAAF. O animal estava sendo tratado há 15 dias em uma clínica particular devido à suspeita de acidente ofídico, porém não havia melhora no quadro. O proprietário, então, resolveu encaminhá-lo ao Hospital Veterinário Universitário da Universidade Federal de Santa Maria (HVU – UFSM). O animal apresentava depressão/estupor, hiporexia e presença de uma massa cervical delimitada entre os dois linfonodos submandibulares. A terapia para acidente ofídico foi instituída sem sucesso, sendo que o aumento cervical tornou-se mais evidente quatro dias após sua chegada ao HVU, além de uma linfoadenomegalia generalizada. Assim, optou-se, primeiramente, por realizar um estudo citológico por agulha fina na massa cervical (Figura 1A). Não raro as doenças infecciosas podem apresentar-se como massas tumorais. Nessas situações, a citologia aspirativa pode desempenhar um papel fundamental no diagnóstico (SCHMITT, 1997).



Pôde-se perceber, ao esfregaço, eventuais leucócitos e macrófagos e numerosas leveduras, isoladas e agrupadas, compatíveis com Cryptococcus neoformans (Figura 1B). O agente leveduriforme apresenta-se nas amostras citológicas com formato oval, arredondado ou elipsóide, medindo de 4 a 10µm de diâmetro, e envolto por cápsula de mucopolissacarídeo (KWON-CHUNG & BENNETT, 1992; RASKIN, 2003). Esta pode variar em espessura, especialmente em preparações feitas diretamente a partir de amostras clínicas (FISHER & COOK, 2001). Apesar de o Cryptococcus sp. ser um basidiomiceto, nos tecidos do hospedeiro ele existe exclusivamente como uma levedura encapsulada com morfologia característica (O'BRIEN et al., 2004).

A seguir, realizou-se punção dos linfonodos periféricos como poplíteos (Figura 1C), pré-escapulares e submandibulares, que revelaram as mesmas estruturas vistas anteriormente na lâmina. No caso de linfoadenomegalia generalizada, devem-se obter amostras de, no mínimo, dois linfonodos (MEYER, 2003). Parte do material puncionado e o líquor foram encaminhados para o Laboratório de Pesquisas Micológicas (LAPEMI – UFSM), que caracterizou o fungo, em ambas as amostras, como Cryptococcus neoformans var. neoformans, sorotipo D. O C. neoformans está dividido em duas variedades e cinco subtipos (C. neoformans var. neoformans, sorotipos A, D e AD e C. neoformans var. gattii, sorotipos B e C) (CASADEVALL & PERFECT, 1998; PAPPALARDO & MELHEM, 2003). Amostras caracterizadas como sorotipos A e D são evidenciadas em fezes de pombos e infecções criptocócicas de felinos brasileiros (CHIESA, 1998). Entretanto, MEDEIROS RIBEIRO et al. (2006) evidenciaram o tipo D em eucaliptos no Sul do Brasil, mostrando mais uma fonte de infecção em potencial para a enfermidade, especialmente porque o cão analisado pelos autores era residente de área rural e habitava próximo a uma plantação destas árvores.

A maioria dos casos afeta indivíduos imunocomprometidos (CASADEVALL & PERFECT, 1998). O tratamento para o possível acidente ofídico pode ter contribuído para a exacerbação do fungo, já que este inclui corticoterapia imunossupressiva. É interessante ressaltar que o fracionamento eletroforético sérico das globulinas indicou que a fração (do paciente apresentava níveis abaixo do normal para cães (0,4g dL-1), enquanto que o intervalo de referência para a espécie é de 0,9 a 2,2g dL-1 (KANEKO, 1997). Outro fato relevante que indica o imunocomprometimento do animal é a citologia observada, que, no caso em questão indicava uma inflamação mínima com poucos macrófagos e leucócitos na lâmina (RASKIN, 2003).

O tratamento antifúngico à base de fluconazol foi instituído (NOBRE et al., 2002), porém houve progressão dos sinais clínicos neurológicos após duas semanas do diagnóstico citológico. Nessa fase crítica, também se pôde ver estruturas fúngicas no sedimento urinário. Devido à gravidade do quadro, optou-se pela eutanásia do animal.

O exame citológico pode ter uma acurácia de 83,3% em relação aos resultados do histopatológico (GUEDES et al., 2000). A histopatologia da criptococose pode apresentar-se com dois padrões: granulomatoso ou gelatinoso. Este último caracteriza-se por pouca ou nenhuma reação inflamatória e grande quantidade de fungos com cápsula volumosa, como o observado na amostra do paciente analisado neste trabalho, enquanto que o primeiro apresenta-se com inflamação intensa e quantidade de parasitas sensivelmente menor (BERENGUER, 1996).

Na necropsia do animal, observaram-se vários órgãos acometidos, como, por exemplo, rins (o que explica o achado da urinálise), cérebro, linfonodos (Figura 1D), baço, músculos esqueléticos, entre outros órgãos. O pulmão também apresentava alterações, sugerindo que a via respiratória foi o local de entrada do microorganismo. Geralmente, a via inalatória é o meio mais comum de contaminação (CASADEVALL & PERFECT, 1998; MARCASSO et al., 2005; OLIVEIRA et al., 2005).

Dessa forma, o procedimento adotado concorda com DAS e PATH (1999), que sugerem que a CAAF deveria ser o primeiro método usado em quadros de linfoadenomegalia. O paciente não necessitou de sedação/anestesia, nem de eventuais incisões para o procedimento, o que tornou o método prático, simples e barato (SCHMITT, 1997). Enfermidades caninas que envolvem aumento de linfonodos deveriam ser pesquisadas pela CAAF antes de se submeter o animal a métodos mais severos e/ou invasivos. A CAAF se mostrou, neste caso, uma alternativa rápida e eficaz para o reconhecimento in vivo de estruturas fúngicas como Cryptococcus sp.

Recebido para publicação 30.01.07

Aprovado em 25.07.07

  • BERENGUER, J. Diagnóstico de laboratório de la criptococosis. Revista Iberoamericana de Micologia, v.13, suplemento, p.82-83, 1996.
  • CASADEVALL, A.; PERFECT, J.R. Cryptococcus neoformans Washington: ASM, 1998. 541p.
  • CHIESA, S.C. Criptococose felina: aspectos clínico-epidemiológicos 1998. 94f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • DAS, D.K.; PATH, M.R.C. Value and limitation of fine-needle aspiration cytology in diagnosis and classification of lymphomas: a review. Diagnostic Cytopathology, v.21, n.4, p. 938-940, 2005.
  • FISHER, F.; COOK, N.B. Micologia: fundamentos e diagnóstico Rio de Janeiro: Revinter, 2001. 337p.
  • GUEDES, R.M.C. et al. Acurácia do exame citológico no diagnóstico de processos inflamatórios e proliferativos dos animais domésticos. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.52, n.5, p.437-439, 2000.
  • HONSHO, C.S. et al. Generalized systemic cryptococcosis in a dog after immunosuppresive corticotherapy. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.55, n.2, p.155-159, 2003.
  • KANEKO, J.J. Appendix IX. In: KANEKO, J.J. et al. Clinical biochemistry of domestic animals 5.ed. San Diego: Academic, 1997. p.895-899.
  • KOMMERS, G.D. et al. Criptococose pulmonar granulomatosa em um eqüino. Ciência Rural, v.35, n.4, p.938-940, 2005.
  • KWON-CHUNG, K.J.; BENNETT, J.E. Medical mycology Philadelphia: Lea & Febiger, 1992. 867p.
  • MALIK, R. et al. Cryptococcosis in ferrets: a diverse spectrum of clinical disease. Australian Veterinary Journal, v.80, n.12, p.749-755, 2002.
  • MARCASSO, R.A. et al. Criptococose no sistema nervoso central de cães relato de três casos. Semina: Ciências Agrárias, v.26, n.2, p.229-238, 2005.
  • MEDEIROS RIBEIRO, A. et al. Isolation of Cryptococcus neoformans var. neoformans serotype D from eucalypts in south Brazil. Medical Mycology, v.44, n.8, p.707-713, 2006.
  • MEYER, D.J. Obtenção e manuseio das amostras para exame citológico. In: RASKIN, R.E.; MEYER, D.J. Atlas de citologia de cães e gatos São Paulo: Roca, 2003. Cap 01, p.01-14.
  • NOBRE, M.O. et al. Drogas antifúngicas para pequenos e grandes animais. Ciência Rural, v.32, n.1, p.175-184, 2002.
  • O'BRIEN, C.R. et al. Retrospective study of feline and canine cryptococcosis in Australia from 1981 to 2001: 195 cases. Medical Mycology, v.42, p.449-460, 2004.
  • OLIVEIRA, I.A. et al. Pesquisa de criptococose em cães atendidos no Hospital de Clínicas Veterinárias da UFRGS, Porto Alegre, Brasil. Acta Scientiae Veterinariae, v.33, n.3, p.253-258, 2005.
  • PAPPALARDO, M.C.S.M.; MELHEM, M.S.C. Cryptococcosis: a review of the brazilian experience for the disease. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v.45, n.6, p.299-305, 2003.
  • RASKIN, R.E. Pele e tecido subcutâneo. In: RASKIN, R.E.; MEYER, D.J. Atlas de citologia de cães e gatos São Paulo: Roca, 2003. Cap 03, p.29-78.
  • RIBEIRO, C. et al. Criptococcose canina em Mato Grosso do Sul descrição de um caso. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CLÍNICA VETERINÁRIA DE PEQUENOS ANIMAIS, 6., 1983, São Paulo. Anais São Paulo: ANCLIVEPA, 1983. Não paginado.
  • SCHMITT, F.C. Citologia aspirativa em doenças infecciosas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v.30, n.3, p.177-179, 1997.
  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Recebido
      30 Jan 2007
    • Aceito
      25 Jul 2007
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br