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Efeitos cardiovascular e metabólico da reposição volêmica com hidroxietilamido 130/0,4 em felinos domésticos com hipovolemia induzida

Cardiovascular and metabolic effects of volemic expansion with hydroxyethyl starch 130/0,4 in domestic cats with induced hypovolemia

Resumos

O objetivo deste estudo foi comparar os efeitos da expansão volêmica produzida pelo hidroxietilamido 130/0,4 (HES 130/0,4) ou pelo sangue em gatas com hipovolemia induzida. Foram utilizadas 12 gatas adultas, sem raça definida (SRD), com peso médio de 2,85±0,28kg e hígidas. Os animais foram induzidos à anestesia geral com isofluorano a 5V%, intubados e conectados a um sistema sem reinalação de gases. Após a instrumentação, os animais foram mantidos sob anestesia com isoflurano em 1,3V% e mantidos em ventilação mecânica, ciclada a pressão. Em seguida, foi induzida a hipovolemia por meio da retirada de 30ml kg-1 de sangue da artéria femoral. Após 60 minutos da estabilização do paciente, os tratamentos foram iniciados. No grupo hidroxietilamido (GH, n=06), os animais receberam, como reposição volêmica, o hidroxietilamido 130/0,4 no mesmo volume de sangue retirado e, no grupo sangue (GS, n=06), os animais receberam o próprio sangue retirado, sendo considerado grupo controle. A pressão arterial sistólica, a diastólica e a média e a pressão venosa central aumentaram após a reposição volêmica em ambos os grupos. Observou-se, para o GH, aumento da PaCO2 no T15, no T30 e no T60. Houve redução do pH no T30 e no T45 e de íons Na+ no T90 para GH. A restauração das pressões arteriais com a administração de HES 130/0,4 foi similar ao grupo controle. A reposição volêmica com HES 130/0,4 produz aumento acentuado da PVC; e o uso do HES 130/0,4 em gatas submetidas à hipovolemia não produziu alterações clinicamente significativas no equilíbrio ácido-básico.

felino; hipovolemia; hidroxietilamido; sangue


The aim of this study was to compare the volemic expansion effects produced by hydroxyethyl starch 130/0.4 (HES 130/0.4) or blood, in female cats with induced hypovolemia. Twelve healthy adult female cats, crossbreed and weighing an average of 2.85±0.28kg were used. They were induced into general anesthesia with isofluorane at 5V%, intubated and connected to a non-rebreathing system. After instrumentation, the animals were maintained under anesthesia with isofluorane at 1.3V% and maintained on pressure cycled mechanic ventilation. Afterwards, hypovolemia was induced by withdrawal of 30ml kg-1 of blood from the femoral artery. After 60 minutes of stabilization of the patient, the treatments were initiated. In the hydroxyethyl starch group (GH, n=06) the animals received hydroxyethyl starch 130/0.4 as volemic expansion at the same volume of blood withdrawed, in the blood group (GS, n=06) the animals received their own withdrawed blood, being considered the control group. The systolic, diastolic and mean arterial pressures and central venous pressure increased after volemic expansion in both groups. An increase of PaCO2 at T15, T30 and T60 in GH was observed. In addition, there was reduction of pH at T30 and T45 and Na+ ions at T90 in GH. The arterial pressure restoration with the use of HES 130/0.4 was similar to the control group; the volemic expansion with HES 130/0,4 produces accentuated increase of CVP; the use of HES 130/0,4 in female cats submitted to hypovolemia did not produce clinically significant alterations in acid-base equilibrium.

cats; hypovolemia; hidroxyethylstarch; blood


ARTIGOS CIENTÍFICOS

CLÍNICA E CIRURGIA

Efeitos cardiovascular e metabólico da reposição volêmica com hidroxietilamido 130/0,4 em felinos domésticos com hipovolemia induzida

Cardiovascular and metabolic effects of volemic expansion with hydroxyethyl starch 130/0,4 in domestic cats with induced hypovolemia

André Vasconcelos SoaresI,1 1 Autor para correspondência. ; Nilson OleskoviczII; Aury Nunes de MoraesII; Fabíola Niederauer FlôresII; Renato Batista TamanhoII; Acácio Duarte PachecoII; Doughlas RegalinII; Ruiney CarneiroII; Aline Meireles ArmandoII

IPrograma de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: decovas@bol.com.br

IIDepartamento de Medicina Veterinária, Centro de Ciências Agroveterinárias, (CAV), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Lages, SC, Brasil

RESUMO

O objetivo deste estudo foi comparar os efeitos da expansão volêmica produzida pelo hidroxietilamido 130/0,4 (HES 130/0,4) ou pelo sangue em gatas com hipovolemia induzida. Foram utilizadas 12 gatas adultas, sem raça definida (SRD), com peso médio de 2,85±0,28kg e hígidas. Os animais foram induzidos à anestesia geral com isofluorano a 5V%, intubados e conectados a um sistema sem reinalação de gases. Após a instrumentação, os animais foram mantidos sob anestesia com isoflurano em 1,3V% e mantidos em ventilação mecânica, ciclada a pressão. Em seguida, foi induzida a hipovolemia por meio da retirada de 30ml kg-1 de sangue da artéria femoral. Após 60 minutos da estabilização do paciente, os tratamentos foram iniciados. No grupo hidroxietilamido (GH, n=06), os animais receberam, como reposição volêmica, o hidroxietilamido 130/0,4 no mesmo volume de sangue retirado e, no grupo sangue (GS, n=06), os animais receberam o próprio sangue retirado, sendo considerado grupo controle. A pressão arterial sistólica, a diastólica e a média e a pressão venosa central aumentaram após a reposição volêmica em ambos os grupos. Observou-se, para o GH, aumento da PaCO2 no T15, no T30 e no T60. Houve redução do pH no T30 e no T45 e de íons Na+ no T90 para GH. A restauração das pressões arteriais com a administração de HES 130/0,4 foi similar ao grupo controle. A reposição volêmica com HES 130/0,4 produz aumento acentuado da PVC; e o uso do HES 130/0,4 em gatas submetidas à hipovolemia não produziu alterações clinicamente significativas no equilíbrio ácido-básico.

Palavras-chave: felino, hipovolemia, hidroxietilamido, sangue.

ABSTRACT

The aim of this study was to compare the volemic expansion effects produced by hydroxyethyl starch 130/0.4 (HES 130/0.4) or blood, in female cats with induced hypovolemia. Twelve healthy adult female cats, crossbreed and weighing an average of 2.85±0.28kg were used. They were induced into general anesthesia with isofluorane at 5V%, intubated and connected to a non-rebreathing system. After instrumentation, the animals were maintained under anesthesia with isofluorane at 1.3V% and maintained on pressure cycled mechanic ventilation. Afterwards, hypovolemia was induced by withdrawal of 30ml kg-1 of blood from the femoral artery. After 60 minutes of stabilization of the patient, the treatments were initiated. In the hydroxyethyl starch group (GH, n=06) the animals received hydroxyethyl starch 130/0.4 as volemic expansion at the same volume of blood withdrawed, in the blood group (GS, n=06) the animals received their own withdrawed blood, being considered the control group. The systolic, diastolic and mean arterial pressures and central venous pressure increased after volemic expansion in both groups. An increase of PaCO2 at T15, T30 and T60 in GH was observed. In addition, there was reduction of pH at T30 and T45 and Na+ ions at T90 in GH. The arterial pressure restoration with the use of HES 130/0.4 was similar to the control group; the volemic expansion with HES 130/0,4 produces accentuated increase of CVP; the use of HES 130/0,4 in female cats submitted to hypovolemia did not produce clinically significant alterations in acid-base equilibrium.

Key words: cats, hypovolemia, hidroxyethylstarch, blood.

INTRODUÇÃO

A hipovolemia é uma manifestação clínica freqüente na rotina veterinária, sendo um dos sinais clínicos primários entre as várias manifestações da síndrome do choque (NISCHIMORI et al., 2006). Desse modo, o conhecimento do estado hemodinâmico do paciente e das características dos fluídos cristalóides, bem como dos colóides, é extremamente importante para se estabelecer um plano de terapia de fluido (LICHTENBERGER, 2004; PERSSON & GRANDE, 2006).

O hidroxietilamido é uma molécula derivada da amilopectina, muito utilizado como expansor plasmático com excelentes propriedades oncóticas, possuindo peso molecular variado, o qual determina o tempo em que a solução permanecerá dentro dos vasos pelo aumento da pressão oncótica (STUMP et al., 1985; RAISER, 2000).

O hidroxietilamido 130/04 (HES 130/0,4) é um colóide de terceira geração, sendo que, em cada grupo de 10 glicoses da molécula de amido, quatro sofrem hidroxiacetilação especificamente no carbono dois, caracterizando-o como hidroxietilamido de peso molecular 130kDa e grau de substituição molar de 0,4. O HES 130/04 apresenta alto peso molecular e por ser hidrolisado rapidamente pela amilase plasmática permanece na corrente sanguínea por apenas 10 minutos. Dessa forma, para que seu efeito seja mais prolongado, teve sua molécula modificada por hidroxiacetilação (TREIB, 1999). Assim, ele é formado por cadeias ramificadas e esféricas de glicose, garantindo-lhe uma estrutura molecular muito semelhante ao glicogênio, explicando os baixos índices de reações anafiláticas. Seu efeito expansor de volume plasmático está intimamente ligado à substituição de radicais hidroxilas da cadeia de amido por radicais hidroxietílicos, mais especificadamente nas unidades de glicose.

Em avaliação in vitro, ENTHOLZER et al. (2000) concluíram que o HES 130/04 parece inibir a função plaquetária em menor escala que a hidroxietilcelulose. De acordo com HAISCH et al. (2001), a utilização de HES 130/0,4 no homem, para reposição volêmica em cirurgia cardiovascular, é tão segura quanto as gelatinas no que diz respeito à coagulação sanguínea.

De acordo com PERSSON & GRANDE (2006), em um estudo com 36 gatos domésticos que avaliou laboratorialmente a transcapilaridade do músculo esquelético, quando foram comparadas albumina, dextran, HES 130/0,4 e solução salina em músculos isquêmicos devido à hipovolemia induzida, observou-se que todas as soluções expandiram pobremente o volume protoplasmático, porém, nesse caso, o dextran 70 e a albumina 5% tiveram maior expansão, proporcionando trocas transcapilares mais eficientes que os outros tratamentos estudados. Em demonstração experimental, obteve-se que o volume administrado de HES 130/0,4 em cães que apresentavam hemorragia intensa e que foram submetidos a cirurgias ortopédicas foi de 24,2ml kg-1, para manutenção das pressões arteriais (LANGERON et al., 2001).

Em virtude da escassa literatura sobre as propriedades expansoras dos colóides, em especial os hidroxietilamidos, e das inúmeras incertezas sobre o desenvolvimento da síndrome choque em felinos, o objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos cardiovasculares e hemogasométricos da reposição volêmica com sangue ou hidroxietilamido 130/0,4 em gatos com hipovolemia induzida sob anestesia geral com isofluorano.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas 12 gatas adultas, sem raça definida (SRD), com peso médio de 2,85±0,28kg, comprovadamente hígidas. Esta comprovação foi realizada por meio de exame clínico, físico e laboratorial, com hemograma completo. Os animais passaram por um período de adaptação de 30 dias para ambientalização.

Após jejum sólido de 12 horas e líquido de seis horas, foi induzida a anestesia geral nos animais, por meio da vaporização de isofluoranoa a 5V%. Depois os animais foram intubados com endo tubo de tamanho apropriado ao porte de cada um deles e foram conectado a um sistema sem reinalação de gases e mantidos em anestesia geral inalatória com isofluorano em concentração necessária para instrumentação. Nesse momento, introduziu-se um cateter 22G em cada uma das veias cefálicas, as quais foram utilizadas para administração de fluidoterapia e para reposição volêmica. Inseriu-se, por meio de dissecação da veia jugular, um cateter 18Gb, o qual foi conectado a um transdutor de pressão do monitor multiparamétricoc para mensuração da pressão venosa central (PVC).

A artéria femural direita foi dissecada e canulada com cateter 22G acoplado a transdutord de pressão para mensuração da pressão arterial sistólica (PAS), da diastólica (PAD) e da média (PAM) e foi realizada a coleta de sangue para hemogasometriae e indução da hipovolemia. Nesse momento, foi realizada a ventilação mecânica, ciclada a pressão, com um sistema com reinalação parcial de gases e válvula unidirecional. Adotou-se como padrão uma pressão inspiratória de 20cmH2O. Para instalação da ventilação mecânica, foram administrados 0,2ml kg-1 de atracúriof, pela via intravenosa, sendo repetido sempre que necessário. Em seguida, diminuiu-se a vaporização do anestésico inalatório para 1,3V%, sendo aferida por meio de analisador de gasesg. Logo depois, o animal foi colocado em decúbito lateral direito e foi aguardado um período de 30 minutos para o início das mensurações (período de estabilização). Em seguida, os parâmetros basais (T-30) foram mensurados: a freqüência cardíaca (FC), a freqüência respiratória (f), a temperatura retal (TR), a pressão arterial sistólica (PAS), a diastólica (PAD) e a média (PAM), a pressão venosa central (PVC), a glicose e a hemogasometria do sangue arterial [pressão parcial de oxigênio (PaO2), pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2), bicarbonato (HCO3), potencial hidrogeniônico (pH), íon sódio (Na+), íon potássio (K+) e déficit de base (DB)].

Nesse momento, foi realizada a indução da hipovolemia, por meio da retirada de 30mL kg-1 de sangue da artéria femural, sendo o tempo de extração padronizado em 30 minutos. O sangue foi coletado diretamente em bolsas de transfusãoh, sendo que a quantidade de anticoagulante foi ajustada proporcionalmente à quantidade de sangue retirado. Para estabilização do quadro, foi aguardado um período de 60 minutos a partir da indução da hipovolemia. Decorrido este tempo, realizou-se novamente a mensuração de todos os parâmetros descritos anteriormente, sendo este momento caracterizado como TH (60 minutos após a indução da hipovolemia).

A partir de então os animais foram alocados em dois grupos: no grupo hidroxietilamido (GH, n=06), utilizou-se, para reposição volêmica, o hidroxietilamido 130/0,4i no mesmo volume do sangue retirado, repondo-se o volume em 20 minutos e, no grupo sangue (GS, n=06), os animais receberam como reposição volêmica o próprio sangue retirado, sendo considerado como grupo controle, com tempo de reposição idêntico ao GH. Após a reposição volêmica, foi iniciada a mensuração de todos os parâmetros, caracterizando-se os tempos: imediatamente após a expansão (T0), 15, 30, 45, 60, 90 e 120 minutos após a expansão (T15, T30, T45, T60, T90 e T120), com exceção da glicose, uma vez que a mesma foi mensurada apenas nos tempos T0, T15, T60 e T120. A avaliação estatística das médias entre grupos dentro de cada tempo foram submetidas à análise por meio do teste t de Student. As médias obtidas entre os tempos dentro do mesmo grupo foram submetidas à análise de variância de uma via com repetições múltiplas. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando P≤0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O volume total de sangue retirado para indução da hipovolemia foi de aproximadamente 30% do volume circulante. O volume médio retirado foi de 80,8mL para o GH e 86mL para o GS. Como os dados de indução de hipovolemia em gatos são escassos, optou-se por respeitar uma média da taxa de extração proposta por INGWERSEN et al. (1988), que variava de 13,5 a 55mL kg-1 em gatos não-esplenectomizados. Além disso, vários estudos-piloto foram realizados por nossa equipe a fim de padronizar o volume de sangue a ser retirado.

Observou-se aumento significativo da FC no GH, em todos os tempos em relação ao basal (T-30) (Tabela 1). Esses resultados estão de acordo com os obtidos por PASCOE et al. (1992), que obtiveram o mesmo resultado em estudo com choque hemorrágico, em cães. Inicialmente o aumento encontrado no TH, no qual ainda não havia sido administrado nenhum tratamento, deve-se à tentativa do sistema cardiovascular em compensar a hipovolemia instituída (REECE, 1996), uma vez que, neste tempo, as pressões haviam diminuído significativamente. A manutenção da FC em níveis mais elevados, após o tratamento com HES 130/04, assemelha-se aos resultados descritos por HAISCH et al. (2001). Embora a FC tenha se mantido elevada nestes tempos no GH, ainda encontra-se muito próxima dos valores fisiológicos para a espécie (REECE, 1996).

Em relação às pressões arteriais sistólica, diastólica e média, houve redução destas no TH (60 minutos após a hipovolemia) em ambos os grupos, quando comparadas ao T-30 (Tabela 1). Isso explica-se pela retirada de sangue e, dessa forma, há redução da pressão arterial, conforme descrito por OLESKOVICZ et al. (2008).

Observou-se que no GS houve aumento da PAS e da PAM de T45 até T120 (Tabela 1), fato que poderia ser explicado pelo organismo estar conseguindo compensar a hipovolemia e esta, associada ao tratamento, produziu aumento da pressão, conforme descrito por INGWERSEN et al. (1988). A PVC diminuiu em TH, em comparação com o T-30, em ambos os grupos (Tabela 1), indicando hipotensão sistêmica (RABELO et al., 2005). No entanto, para o GH, a PVC aumentou significativamente em todos os tempos após o tratamento, em comparação com o T-30, indicando que o tratamento com HES 130/0,4 proporciona aumento das pressões e restabelecimento destas, como descrito por LICHTENBERGER (2004). No GH, o aumento da PVC manteve-se durante todo o tempo de avaliação, assemelhando-se aos dados descritos por UNGER et al. (2006), que obtiveram aumento de PVC após tratamento com HES 130/0,4 em porcos em choque hemorrágico. Porém, para GS, não houve diferença entre os tempos, com exceção do TH.

A glicose sanguínea foi avaliada apenas em cinco tempos, sendo eles T-30, TH, T0, T60 e 120, pois o importante, nesse caso, é saber os valores basais após a produção de hipovolemia, após o tratamento e após um período maior de realização do tratamento, de acordo com RAISER (2000), devido à importância deste dado em relação ao prognóstico do paciente. Entre GH e GS não houve diferença significativa, porém, tanto para GH quanto para o GS, houve diferença significativa entre tempos em todas as avaliações em relação ao T-30, havendo hiperglicemia, seguida de diminuição gradativa da glicemia em GS. No entanto, não houve hipoglicemia, como esperado, resultados que concordam com achados de BRANDÃO et al. (1999). O aumento inicial da glicose sanguínea em ambos os grupos é devido a uma ativação inicial da glicogenólise hepática, detectando-se hiperglicemia inicial (Tabela 1). A hipoglicemia tardia é explicada pelo consumo das reservas de hidrato de carbono, pelo aumento no metabolismo da glicose e pela diminuição da sua síntese (RAISER, 2000; LITTLE, 2005). Estes achados estão de acordo com os descritos por GUNDERSEN et al. (2001), que obtiveram aumentos significativos de glicose sangüínea em ratos submetidos à hipovolemia experimental. O que ocorreu no GS não chegou a ser uma hipoglicemia, mas houve queda nos valores, embora ainda se mantendo acima dos basais.

Para pH, houve redução de 30 e 45 minutos após expansão no GH em comparação ao GS. Embora ambos os grupos tenham apresentado redução dos valores, indicando acidemia, o valor menor para o pH foi no GH. FRAGA (1997) afirma que a indução de hipovolemia pode provocar acidose. O sangue possui um pH de aproximadamente 7,4, sendo o venoso levemente mais ácido que o arterial devido ao transporte de dióxido de carbono pelo sangue venoso (REECE, 1996). As diferenças encontradas nos tempos 0 e 15 do GH, caracterizando um valor de pH mais baixo em relação ao T-30, indica que logo após o tratamento o colóide provocou esta alteração de pH, concordando com MARSON et al. (1998), quando afirmam que o HES 130/0,4 possui um pH de 5,5, podendo reduzir o pH sanguíneo após sua administração. Porém, o GS não demonstrou diferença entre tempos da mesma forma como descrito por FRAGA (1997), afirmando que ocorre acidemia lática em processos hipovolêmicos graves.

A PaCO2 foi maior nos tempos T15, T30 e T60 para o GH. Estes valores de PaCO2, embora estivessem aumentados, estão dentro do limite fisiológico para a espécie (SILVA et al., 2001). No GH, houve diminuição do bicarbonato apenas em T0 em relação ao T-30 e no GS apenas em T120. Sabe-se que o bicarbonato arterial, estando em maior ou menor quantidade, pode representar alterações que indiquem a origem da alcalemia ou mesmo acidemia, pressupondo-se que então seja esta metabólica, pois uma das funções deste é justamente servir como sistema tampão para equilíbrio ácido-básico na corrente sanguínea (RAISER, 2000; LUNA, 2002).

Para o DB, houve diminuição no T0 em relação ao T-30 apenas no GH, ou seja, logo após a expansão com HES 130/04. Este valor de DB acentuado, considerado aquém dos limites fisiológicos (SPINOSA, 1999), é explicado pelo pH mais baixo neste tempo, indicando consumo das reservas de bicarbonato no sistema tampão para tentar compensar a acidemia metabólica desenvolvida, conforme descrito por LEE & DROBATZ, (2003). Para o DB e HCO3, não houve diferença entre os grupos, indicando estabilidade uniforme de ambos os tratamentos utilizados.

Em relação ao íon potássio, observou-se redução no T90 para o GH em relação ao GS. Embora tenha ocorrido redução, os valores estão dentro dos limites fisiológicos para a espécie (RAISER, 2000). O potássio arterial não apresentou diferença digna de nota, concordando com achados de GUNDERSEN et al. (2001). Isso é importante ao afirmar que os tratamentos foram eficientes, pois uma alteração significativa de K+ circulante poderia produzir alterações cardiocirculatórias sérias, como depressão do miocárdio (RAISER, 2000), pois concentrações de K+ extracelular acima de 7mEq L-1 são miocardiotóxicas.

CONCLUSÕES

Conclui-se que a administração de hidroxietilamido 130/0,4 em gatas com hipovolemia induzida restaura a pressão arterial de maneira similar à reposição com sangue, sem produzir alterações significativas no equilíbrio ácido-básico. A reposição volêmica com hidroxietilamido produz aumento acentuado da PVC. Além disso, a manutenção da anestesia com isofluorano (1,3V%) demonstrou-se compatível e estável em gatas após indução da hipovolemia.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa de estudos, e à Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pelo suporte financeiro.

FONTE DE AQUISIÇÃO

aIsoforine, Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos, Itapira, SP

bCateter Intravenoso 1,4mm(18G) x 5cm – Tecnobio – São Paulo – SP – Brasil.

cMódulo Pressão Invasiva, DX2010 - Dixtal Brasil Ind. e Com. Ltda. Manaus, AM, Brasil.

dOHMEDA – DTX Plus Pressure Transducer System (Model DT 12) Singapura

eRapidlab 348 Bayer, São Paulo, SP, Brasil.

fTracur 10mg/ml, Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos, Itapira, SP

gMódulo Analisador de Gases, DX2010, Dixtal Ind. e Com. Ltda. Manaus, AM, Brasil.

hSistema de bolsa para coleta de sangue CPDA-1, Terumo Medical do Brasil, SP, Brasil

iVoluven 6%, Hidroxietilamido 130/0,4, Fresenius Kabi, Campinas, SP, Brasil.

COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Bem-Estar Animal (CETEA) da Universidade do Estado de Santa Catarina, protocolo n° 1.27/06.

Recebido para publicação 11.03.08

Aprovado em 04.09.08

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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      11 Mar 2008
    • Aceito
      04 Set 2008
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