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Perfil de ácidos graxos na carne de novilhos Charolês e Nelore puros e de gerações avançadas do cruzamento rotativo, terminados em confinamento

Fatty acids profile of feedlot finished purebred Charolais and Nellore steers from advanced generations of rotational crossbreeding

Resumos

Foram avaliados os efeitos da heterozigose e o grupo genético no perfil de ácidos graxos de novilhos puros (Charolês - C e Nelore - N) e mestiços da segunda (G2) (¾C¼N e ¾N¼C), da terceira (G3) (5/8C3/8N e 5/8N3/8C) e da quarta (G4) (11/16C5/16N e 11/16N5/16C) geração de cruzamento rotativo. A carne dos novilhos Nelore e dos 11/16N 5/16C apresentou maior proporção de ácido mirístico (C14:0) em relação à carne dos Charolês e dos 11/16C 5/16N. Por outro lado, a carne dos novilhos 11/16C 5/16N apresentou maior presença de ácido heptadecanóico (C17:0) e de ácido araquidônico (C20:4 n6) em relação aos 11/16N 5/16C. Na G2, os novilhos 3/4C 1/4N apresentaram superioridade nos ácidos esteárico (C18:0) e linoléico (C18:2 n6c), na participação total dos ácidos graxos poliinsaturados estudados e na relação entre os ácidos graxos poliinsaturados e saturados, enquanto que os 3/4N 1/4C apresentaram superioridade no ácido oléico (C18:1 n9c). Na G3, as carnes dos novilhos 5/8C 3/8N apresentaram superioridade na participação dos ácidos esteárico e elaídico (C18:1 n9t) e no total dos ácidos graxos saturados, enquanto que os novilhos 5/8N 3/8C apresentaram maior participação dos ácidos miristoléico (C14:1),cis-10-Heptadecanóico (C17:1) e oléico e no total de ácidos graxos insaturados. A heterose foi significativa na G2 para C17:0, C18:0, C18:1 n9c e C18:2 n6c no total dos ácidos graxos saturados, insaturados e poliinsaturados. Novilhos 3/4C 1/4N apresentaram a carne mais saudável entre os grupos genéticos estudados, apresentando carne com maior presença de ácidos graxos poliinsaturados e maior relação poliinsaturados:saturados.

Bos taurus indicus; Bos taurus taurus; gordura; heterose; qualidade da carne


The objective of this research was to evaluate the heterozygosis and genetic group effects on fatty acids profile of feedlot finished steers, straightbreds (Charolais - C and Nellore - N), and crossbreds from second (G2) (¾C ¼N and ¾N ¼C), third (G3) (5/8C 3/8N and 5/8N 3/8C) and fourth (G4) (11/16C 5/16N and 11/16N 5/16C) generation of rotational crossbreeding. The Nellore and 11/16N 5/16C meat showed higher proportion of myristic acid (C14:0) in relation to Charolais and 11/16C 5/16N meat, respectively. On the other hand, the meat of the 11/16C 5/16N steers showed higher presence of heptadecanoic acid (C17:0) and arachidonic acid (C20:4 n6) in relation to 11/16N 5/16C. The 3/4C 1/4N steers of G2 which were superior in stearic acid (C18:0) and linoleic acid (C18:2 n6c) in the total polyunsaturated fatty acids participation studied and in the ratio between polyunsaturated and saturated fatty acids, while the 3/4N 1/4C showed superiority in oleic acid (C18:1 n9c). In G3 the meat of the 5/8C 3/8N steers showed superiority in the stearic and elaidic acids (C18:1 n9t) and in the total saturated fatty acid, while the 5/8N 3/8C steers showed higher participation of the meristoleic (C14:1), cis-10-heptadecanoic(C17:1) and oleic acids and total unsaturated fatty acids. The heterosis was significant in the G2 for C17:0, C18:0, C18:1 n9c, C18:2 n6c, in the total saturated, unsaturated and polyunsaturated fatty acids. The 3/4C 1/4N steers showed the healthiest meat among the genetic groups studied, with higher presence of polyunsaturated fatty acids and higher polyunsaturated: saturated ratio.

Bos taurus indicus; Bos taurus taurus; fat; heterosis; meat quality


ARTIGOS CIENTÍFICOS

PRODUÇÃO ANIMAL

Perfil de ácidos graxos na carne de novilhos Charolês e Nelore puros e de gerações avançadas do cruzamento rotativo, terminados em confinamento

Fatty acids profile of feedlot finished purebred Charolais and Nellore steers from advanced generations of rotational crossbreeding

Luís Fernando Glasenapp de MenezesI,1 1 Autor para correspondência. ; João RestleII; Ivan Luiz BrondaniII; Gilberto Vilmar KozloskiII; Francisco DeschampsIII; Rafael Henrique SachetII

IUniversidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Dois Vizinhos, 85660-000, Dois Vizinhos, PR, Brasil. E-mail: luismenezes@utfpr.edu.br

IIPrograma de Pós-graduação em Zootecnia (PPGZ), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

IIIEmpresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (EPAGRI), Itajaí, SC, Brasil

RESUMO

Foram avaliados os efeitos da heterozigose e o grupo genético no perfil de ácidos graxos de novilhos puros (Charolês - C e Nelore - N) e mestiços da segunda (G2) (¾C¼N e ¾N¼C), da terceira (G3) (5/8C3/8N e 5/8N3/8C) e da quarta (G4) (11/16C5/16N e 11/16N5/16C) geração de cruzamento rotativo. A carne dos novilhos Nelore e dos 11/16N 5/16C apresentou maior proporção de ácido mirístico (C14:0) em relação à carne dos Charolês e dos 11/16C 5/16N. Por outro lado, a carne dos novilhos 11/16C 5/16N apresentou maior presença de ácido heptadecanóico (C17:0) e de ácido araquidônico (C20:4 n6) em relação aos 11/16N 5/16C. Na G2, os novilhos 3/4C 1/4N apresentaram superioridade nos ácidos esteárico (C18:0) e linoléico (C18:2 n6c), na participação total dos ácidos graxos poliinsaturados estudados e na relação entre os ácidos graxos poliinsaturados e saturados, enquanto que os 3/4N 1/4C apresentaram superioridade no ácido oléico (C18:1 n9c). Na G3, as carnes dos novilhos 5/8C 3/8N apresentaram superioridade na participação dos ácidos esteárico e elaídico (C18:1 n9t) e no total dos ácidos graxos saturados, enquanto que os novilhos 5/8N 3/8C apresentaram maior participação dos ácidos miristoléico (C14:1),cis-10-Heptadecanóico (C17:1) e oléico e no total de ácidos graxos insaturados. A heterose foi significativa na G2 para C17:0, C18:0, C18:1 n9c e C18:2 n6c no total dos ácidos graxos saturados, insaturados e poliinsaturados. Novilhos 3/4C 1/4N apresentaram a carne mais saudável entre os grupos genéticos estudados, apresentando carne com maior presença de ácidos graxos poliinsaturados e maior relação poliinsaturados:saturados.

Palavras- chave:Bos taurus indicus, Bos taurus taurus, gordura, heterose, qualidade da carne

ABSTRACT

The objective of this research was to evaluate the heterozygosis and genetic group effects on fatty acids profile of feedlot finished steers, straightbreds (Charolais - C and Nellore - N), and crossbreds from second (G2) (¾C ¼N and ¾N ¼C), third (G3) (5/8C 3/8N and 5/8N 3/8C) and fourth (G4) (11/16C 5/16N and 11/16N 5/16C) generation of rotational crossbreeding. The Nellore and 11/16N 5/16C meat showed higher proportion of myristic acid (C14:0) in relation to Charolais and 11/16C 5/16N meat, respectively. On the other hand, the meat of the 11/16C 5/16N steers showed higher presence of heptadecanoic acid (C17:0) and arachidonic acid (C20:4 n6) in relation to 11/16N 5/16C. The 3/4C 1/4N steers of G2 which were superior in stearic acid (C18:0) and linoleic acid (C18:2 n6c) in the total polyunsaturated fatty acids participation studied and in the ratio between polyunsaturated and saturated fatty acids, while the 3/4N 1/4C showed superiority in oleic acid (C18:1 n9c). In G3 the meat of the 5/8C 3/8N steers showed superiority in the stearic and elaidic acids (C18:1 n9t) and in the total saturated fatty acid, while the 5/8N 3/8C steers showed higher participation of the meristoleic (C14:1), cis-10-heptadecanoic(C17:1) and oleic acids and total unsaturated fatty acids. The heterosis was significant in the G2 for C17:0, C18:0, C18:1 n9c, C18:2 n6c, in the total saturated, unsaturated and polyunsaturated fatty acids. The 3/4C 1/4N steers showed the healthiest meat among the genetic groups studied, with higher presence of polyunsaturated fatty acids and higher polyunsaturated: saturated ratio.

Key words:Bos taurus indicus, Bos taurus taurus, fat, heterosis, meat quality.

INTRODUÇÃO

A pecuária brasileira apresenta grande heterogeneidade no que diz respeito a sistemas de criação e alimentação e grupos raciais criados. No Sul do país, as raças bovinas européias predominam, já que são adaptadas às épocas do ano em que as temperaturas são mais amenas. Por outro lado, a raça Nelore é a mais difundida no Brasil, caracterizada por ser relativamente precoce na deposição de gordura subcutânea, além de apresentar vantagem no rendimento de carcaça, porém apresenta baixa expressão muscular quando comparada à raça Charolês (MENEZES & RESTLE, 2005).

Ultimamente, a associação entre consumo de gordura e problemas de saúde colocou o perfil de ácidos graxos no foco das atenções. Enquanto a maior parte da mídia divulga que a gordura animal, principalmente a bovina, está ligada ao aparecimento de doenças cardiovasculares e cancerígenas, pesquisas recentes vêm demonstrando que seu consumo feito de forma moderada pode prevenir o desenvolvimento dessas mesmas doenças. As gorduras de ruminantes estão entre as fontes naturais de isômeros de ácido linoléico conjugado (CLA), em particular o cis - 9, trans - 11 (FRENCH et al., 2000), que estão ligados a uma gama de efeitos benéficos à saúde (VARELA et al., 2004). Além disso, vários ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa participam de vários processos metabólicos benéficos à saúde humana (VARELA et al., 2004), e as gorduras de ruminantes são fontes naturais de alguns deles (FRENCH et al., 2000).

O perfil de ácidos graxos da gordura de bovinos pode ser influenciado por diversos fatores. Em revisão, WOOD et al. (2003) observaram que fatores como clima, alimentação, idade, local de deposição da gordura, raça e tipo de cruzamento interferem no perfil de ácidos graxos. Essa observação nos remete à conclusão que a carne produzida no Brasil apresenta grande variação nesse constituinte. Há poucas pesquisas dedicadas ao cruzamento entre animais Bos taurus taurus e Bos taurus indicus no que se refere ao perfil de ácidos graxos. Em uma delas, HUERTA-LEIDENZ et al. (1993) observaram que animais Bos taurus indicus apresentaram perfil de ácidos graxos da gordura subcutânea menos saturados que animais de raças Bos taurus taurus. Por outro lado, KUSS et al. (2007) verificaram que vacas 3/4Nelore 1/4Charolês apresentaram maior fração de ácidos graxos palmítico e palmitoléico, considerados hipercolesterolêmicos, enquanto as 5/8Charolês 3/8Nelore apresentaram maior concentração de esteárico, considerado de efeito nulo na nutrição humana.

Das ferramentas para o aumento na produção animal, a utilização do cruzamento, para o aproveitamento da heterose, está entre as mais eficientes. GREGORY et al. (1994) comentam que, entre as características da carcaça, a gordura é a que mais varia entre as raças bovinas, resultando em altos níveis de heterose. No entanto, praticamente não existem estudos mensurando o efeito da heterose no perfil de ácidos graxos da carne de novilhos.

O objetivo deste estudo foi mensurar o efeito do grupo genético e da heterose sobre o perfil de ácidos graxos da carne de novilhos das gerações avançadas do cruzamento rotativo entre as raças Charolês e Nelore.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado no Setor de Bovinocultura de Corte do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Comparou-se o efeito da composição racial e da heterose no perfil dos ácidos graxos da carne de novilhos puros (Charolês - C e Nelore - N) e mestiços da segunda (G2) (¾C ¼N e ¾N ¼C), da terceira (G3) (5/8C 3/8N e 5/8N 3/8C) e da quarta (G4) (11/16C 5/16N e 11/16N 5/16C) geração de cruzamento.

Foram utilizados 48 novilhos tomados ao acaso da fazenda experimental da UFSM, nascidos na mesma época de parição e mantidos sempre sob as mesmas condições de manejo e alimentação. Os novilhos foram gerados por fêmeas puras e mestiças inseminadas com sêmen de seis touros de cada raça, Charolês e Nelore. Quatro touros de cada raça foram utilizados para o repasse na monta a campo. Os touros que geraram os novilhos Charolês foram os mesmos que geraram os novilhos ¾C ¼N, 5/8C 3/8N e 11/16C 5/16N, assim como os touros que geraram os novilhos Nelore foram os mesmos que geraram os novilhos ¾N ¼C, 5/8N 3/8C e 11/16N 5/16C.

Ao início do período de terminação em confinamento, os animais apresentavam, em média, 20 meses de idade e 304±5kg. O período total de confinamento teve a duração de 97 dias, e nos primeiros 14 dias de confinamento os animais foram submetidos à adaptação ao ambiente do confinamento e à dieta alimentar. O manejo alimentar durante o confinamento foi descrito por MENEZES & RESTLE (2005).

Logo após o abate e resfriamento da carcaça, foi realizado um corte entre a 12a e a 13a costela do músculo Longissimus dorsi exposto para a retirada uma amostra de 2cm de espessura para posterior análise de ácidos graxos. As amostras do músculo Longissimus foram secas em estufa de ventilação forçada (55°C), moídas (peneira de 1mm) e armazenadas para posterior análise. Nessas amostras foi feita a extração dos lipídios utilizando-se o método de FOLCH et al. (1957) modificado. Cerca de 0,5g de amostra foram colocados em um tubo de vidro e foram adicionados 10ml de uma mistura de clorofórmio/metanol (2:1). Após 24 horas, foram adicionados 10ml de água destilada, e os tubos foram centrifugados a 500 x por cinco minutos para separar as fases. Transferiu-se a fase orgânica (clorofórmio) para tubos de ensaio com tampa rosqueável, sendo deixada em banho-maria a 40°C sob fluxo de ar comprimido até restarem apenas os lipídios no fundo do tubo. Para derivatização e metilação dos ácidos graxos, foram adicionados no tubo com os lipídios 500ml de KOH 0,4M em metanol, deixando-se em banho-maria a 60°C por duas horas. Em seguida, os tubos foram deixados esfriar à temperatura ambiente e então foram adicionados 1,5mL de H2SO4 1M em metanol. Os tubos foram deixados novamente em banho-maria a 60°C por mais duas horas. A seguir foram resfriados e adicionados 2ml de n-hexano para recuperar os derivados (ésteres metílicos dos ácidos graxos), transferindo-se o conteúdo para frascos adequados para posterior análise. A determinação foi feita em cromatógrafo a gás, equipado com o detector de ionização de chama (FID) e coluna capilar Supelco SP2340 (60m x 0,25mm x 0,2µm). As temperaturas do detector e injetor foram de 260°C e 240°C, respectivamente. A programação de aquecimento da coluna foi iniciada com 140°C por cinco minutos e aumento gradual de 4°C por minuto até a temperatura final de 240°C, permanecendo assim por cinco minutos. O fluxo de gás de arraste (H2) foi de 17ml min-1. O volume de injeção foi de 0,5µL, com razão de split de 1:100. A identificação dos picos, assim como a quantificação, foram realizadas pela comparação dos tempos de retenção e da área dos picos das amostras com as de padrões de ésteres metílicos de ácidos graxos (Supelco 37 components FAMEs Mix, ref. 47885-U). Os ácidos graxos foram expressos como percentagem do total de ácidos graxos identificados.

O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, com seis repetições por grupo genético. Os dados foram analisados por meio da análise de variância, e as médias foram comparadas pelo procedimento pdiff (teste 't'), por meio do pacote estatístico SAS (1997). Além disso, foram realizadas análises de correlações entre as variáveis estudadas.

A heterose de cada característica foi calculada dividindo a média dos mestiços dentro de cada geração pela média dos puros. Esse resultado foi subtraído de 1 e multiplicado por 100. Também foi calculada a heterose retida, em que a média de todos os mestiços foi dividida pela média dos puros. Esse resultado foi subtraído de 1 e multiplicado por 100.

A heterose apresentada no presente trabalho é a total, decorrente da heterozigose individual e materna.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A carne dos novilhos da raça Nelore apresentou maior (P<0,10) teor de ácido mirístico (C14:0) em relação à carne dos novilhos Charolês, assim como os 11/16N 5/16C também foram superiores aos 11/16C 5/16N (P<0,10) (Tabela 1). O ácido mirístico, juntamente com os ácidos láurico (C12:0) e palmítico (C16:0), são indesejáveis porque induzem o aumento de colesterol no sangue (GRIINARI et al., 1995), sendo apontados como os principais responsáveis pelo efeito hipercolesterolêmico dos ácidos graxos saturados. A carne dos animais não apresentou diferença quanto ao teor de ácido palmítico (C16:0).

Não houve diferença entre os animais puros para o ácido esteárico (C18:0). No entanto, os novilhos da segunda e da terceira geração do cruzamento com maior predominância de sangue Charolês (3/4C 1/4N e 5/8C 3/8N) apresentaram maiores valores (P<0,10) de C18:0 que os com predominância Nelore, dentro das mesmas gerações. Diferentemente do constatado por METZ et al. (2009), os quais observaram maior acúmulo de ácido esteárico na carne de novilhos com aumento do grau de sangue Nelore em relação ao Charolês. Esses autores relacionaram esse resultado à possível diferença de biohidrogenação ruminal, que poderia ser maior nas raças Bos taurus indicus, visto que naquela pesquisa não houve diferença significativa para a atividade de ∆9-dessaturase na conversão de C18:0 para C18:1. A atividade da enzima ∆9-dessaturase no presente estudo apresentou efeito significativo (P<0,05) apenas nos animais da terceira geração, em que houve maior atividade nos animais 5/8 N 3/8 C (72,6 contra 67,0), podendo explicar a diferença entre os experimentos. Segundo HARTMAN (1993), o ácido esteárico não está associado ao colesterol, pois, quando é ingerido, é metabolizado a ácido oléico.

A heterose foi positiva e significativa (P<0,10) na segunda geração do cruzamento para os ácidos heptadecanóico (C17:0) e esteárico. Heterose positiva é desejada no teor de ácido esteárico, uma vez que esse ácido é considerado hipolipidêmico, pois atua na diminuição do colesterol, resultado da sua rápida conversão em ácido oléico (BONANOME & GRUNDY, 1988). KUSS et al. (2007) observaram que, com o aumento da heterozigose da segunda para a terceira geração do cruzamento rotativo Charolês-Nelore, a carne das vacas apresentaram aumento no teor de ácido esteárico.

A carne de animais com alta proporção de sangue Nelore apresentou perfil com teores de ácidos graxos saturados mais maléficos à saúde humana, conforme afirma a literatura especializada (SCIENTIFIC REVIEW COMMITTEE, 1990). Essa afirmação fica mais evidente na análise de contrastes entre novilhos com predominância Charolês (CRC) e novilhos de predominância Nelore (CRN). A carne dos CRC apresentou menor (P<0,05) teor de ácido mirístico (2,44 contra 2,74%) e maior (P<0,05) teor de ácido esteárico (20,02 contra 18,48%).

Dos ácidos graxos estudados, o ácido oleico foi o que apresentou maior participação (Tabela 2), concordando com RODRIGUES et al. (2004), os quais afirmam que a carne de ruminantes é rica nesse constituinte. O ácido oleico, presente na carne de ruminantes, é oriundo da intensa biohidrogenação incompleta de ácidos graxos insaturados e, em particular, dos ácidos linoléicos conjugados da dieta (FRENCH et al., 2000), bem como da dessaturação endógena. BONANOME & GRUNDY (1988) descreveram que dietas ricas em ácido oleico proporcionaram redução nos teores de colesterol total plasmático, no percentual de LDL colesterol e na relação LDL/HDL colesterol, mostrando, com isso, o efeito positivo de dietas com elevados percentuais de ácido oléico na alimentação humana.

Entre os novilhos puros não houve diferença no perfil de ácidos graxos insaturados. Na segunda geração, os novilhos 3/4N 1/4C apresentaram superioridade (P<0,05) de 7,03% sobre os 3/4C 1/4N no teor de ácido oleico (C18:1 n9c), discordando de KUSS et al. (2007).

Na terceira geração do cruzamento, os novilhos com maior predominância de sangue Nelore (5/8N 3/8C) apresentaram superioridade de 252,9% no ácido miristoléico (C14:1), de 130,4% no ácido cis-10-Heptadecanóico (C17:1) e de 9,88% no ácido oleico e inferioridade de 266,7% no ácido elaídico (C18:1 n9t) em relação aos novilhos 5/8C 3/8N. O ácido elaídico apresentou correlação (P<0,05) com a gordura visceral (r=0,32) e com a gordura total da carcaça (r=-0,28).

Dos ácidos graxos poliinsaturados quantificados neste estudo, apenas o ácido linoléico (C18:2 n6c) apresentou variação entre os grupos genéticos. Novilhos 3/4C 1/4N apresentaram superioridade (P<0,05) na participação do ácido linoléico no perfil de ácidos graxos da carne em relação aos 3/4N 1/4C. Segundo ENSER et al. (1998), o ácido linoleico está presente em maior quantidade nos grãos do que nas forragens, e dietas ricas em grãos produzem animais com perfil lipídico mais insaturado. MENEZES (2004), trabalhando com os mesmos animais do presente estudo em fase de engorda, observou que os animais com maior predominância de sangue Charolês da segunda geração apresentaram maior seleção pela parte concentrada da dieta, o que pode explicar o maior teor de ácido linoléico na carne desses animais.

O ácido linoleico pertence à família dos ácidos graxos ômega-6 (ω6), os quais não podem ser sintetizados pelo organismo humano, devendo ser obtidos pela dieta. A presença de elevados níveis de ácido linoleico na dieta está ligada à estimulação de vários estágios no desenvolvimento do câncer mamário (CIBEIRA & GUARAGNA, 2006). No entanto, existe um grupo de isômeros posicionais e geométricos do ácido linoleico, presente em produtos de origem animal, que mostrou ser um potente anticarcinógeno em tumores de pele, estômago e mama, o ácido linoléico conjugado (CLA).

A quantidade total, assim como a composição dos ácidos graxos consumidos pela população, têm recebido atenção crescente por órgãos públicos de saúde, principalmente nos países desenvolvidos. O Departamento de Saúde do Reino Unido, por exemplo, recomenda que o consumo de gordura não deve ultrapassar 30% do consumo energético total e mais da metade desta deve ser representada por ácidos graxos insaturados. Além disso, a relação entre ácidos graxos poliinsaturados e saturados deveria ser acima de 40% (WOOD et al., 2003).

Os animais 5/8C 3/8N apresentaram carne com maior (P<0,05) teor de ácidos graxos saturados em relação aos 5/8N 3/8C, não apresentando diferença nas demais gerações (Tabela 2). Esse resultado concorda com Huerta-Leidnenz et al. (1993), os quais afirmam que animais Bos indicus apresentam perfil de ácidos graxos da gordura subcutânea menos saturado que animais Bos taurus. No entanto, discordam com os observados com Rule et al. (1997), Laborde et al. (2001) e METZ et al. (2009). Esses autores afirmam que animais precoces em deposição de gordura estariam, a uma mesma idade, depositando gota lipí, que é composta de ácidos graxos com maior saturação em relação aos menos precoces, que teriam relação gota lipídica:fosfolipídeos de membrana menor. Dessa forma, METZ et al. (2009) sugerem o estudo mais aprofundado das interações genéticas sobre o conteúdo lipídico na carne de bovinos, ideia corroborada pelos autores do presente estudo.

Novilhos da segunda geração apresentaram maior teor de ácidos graxos saturados (P<0,10) e menor de ácidos graxos insaturados (P<0,10) em relação aos puros, resultando em heterose de 3,27 e -3,66%, respectivamente. Por outro lado, a mesma geração (G2) demonstrou heterose positiva (P<0,10) de 17,76% para o total dos ácidos graxos poliinsaturados. Segundo FARFAN (1996), os ácidos graxos poliinsaturados parecem ser efetivos na diminuição do colesterol.

Os animais 3/4C 1/4N apresentaram maior (P<0,05) teor de ácidos graxos poliinsaturados em relação aos 3/4N 1/4C. Nos animais puros e nas demais gerações do cruzamento, não houve diferença. Da mesma forma, na segunda geração do cruzamento (G2), os animais com maior predominância de sangue Charolês apresentaram maior (P<0,05) relação de ácidos graxos poliinsaturados:saturados (0,07 contra 0,05). Isso demonstra que esse genótipo foi o que apresentou a melhor qualidade nutricional para a saúde humana, uma vez que dietas contendo maior proporção de ácidos graxos poliinsaturados versus saturado leva à redução do colesterol sérico, que está relacionado à incidência de aterosclerose (NUNES, 1995). Além disso, as gorduras contendo AGS, em geral, elevam o LDL, quando comparadas com proteínas, carboidratos ou AGM ou AGP em substituições isoenergéticas, considerando que o efeito hipercolesterolêmico dos AGS está associado aos ácidos láurico, mirístico e palmítico (FARFAN, 1996).

O ácido palmítico e o total dos ácidos saturados se correlacionaram positivamente com a gordura intramuscular presente na carne (r=0,40 e r=0,28, respectivamente). Por outro lado, o ácido oleico e o total dos ácidos insaturados apresentaram correlações negativas com a gordura de marmoreio (r=-0,27 e r=-0,29, respectivamente). Esses resultados indicam que animais apresentando maior grau de marmorização da carne apresentam perfil lipídico mais prejudicial aos seres humanos, uma vez que o ácido palmítico, assim como o total dos ácidos graxos saturados, têm efeito hipercolesterolêmico. Além disso, com o aumento da marmorização da carne, há, ainda, diminuição no teor de ácido oleico, que tem propriedade de diminuir os teores de colesterol plasmático no precentual de LDL colesterol (BONANOME & GRUNDY, 1998).

CONCLUSÕES

Novilhos 3/4C 1/4N apresentaram a carne mais saudável entre os grupos genéticos estudados, apresentando carne com maior presença de ácidos graxos poliinsaturados e maior relação poliinsaturados:saturados.

O cruzamento entre as raças Charolês e Nelore proporcionou animais na segunda geração que apresentaram carne com maior presença de ácidos graxos saturados e poliinsaturados em relação às demais gerações.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro recebido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio da bolsa de produtividade recebida por Restle, Brondani e Kozloski e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em razão da bolsa concedida a Sachet.

Recebido para publicação 28.01.09

Aprovado em 23.06.09

  • ANUALPEC. Anuário estatístico da produção animal FNP. São Paulo: Prol, 2008. 364p.
  • BONANOME, A.; GRUNDY, S. M. Effect of dietary stearic acid on plasma cholesterol and lipoprotein levels. New Engand Journal of Medicine, v.318, p.1244, 1988.
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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Nov 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Jun 2009
    • Recebido
      28 Jan 2009
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