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Isolamento, fracionamento e atividade anticoagulante de iota-carragenanas da Solieria filiformis

Isolation, fractionation and anticoagulant activity of iota-carrageenans from Solieria filiformis

Resumos

Este estudo teve como objetivo isolar, fracionar e avaliar o potencial anticoagulante de iota-carragenanas (i-CARs) da rodofícea Solieria filiformis, quando obtidas por dois métodos de extração (M I e M II). As i-CARs foram isoladas com papaína bruta em tampão acetato de sódio 0,1M (pH 5,0), contendo cisteína 5mM e EDTA 5mM (M I) ou água (80°C) (M II) e, em seguida, determinada sua composição química de carboidratos totais, sulfato livre (SL) e proteínas contaminantes. As i-CARs foram submetidas à cromatografia de troca iônica (DEAE-celulose) usando um gradiente de cloreto de sódio, sendo avaliado o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e tempo de protrombina das frações obtidas e comparadas à heparina (193UI mg-1). Uma fração anticoagulante também foi submetida ao procedimento de eletroforese em gel de agarose a 0,5%. A diferença no rendimento de i-CARs entre os métodos foi 10,14%. A composição química de SL (29,40%) e o fracionamento, por DEAE-celulose, indicaram o M I mais eficiente na obtenção de i-CARs, comparado ao M II. O TTPA também foi somente alterado para as i-CARs do M I. Contudo, a atividade anticoagulante in vitro de uma fração rica (8,52UI mg-1) foi inferior à da heparina.

rodofícea; polissacarídeos sulfatados; TTPA; métodos de extração


This study aimed to isolate, fractionate and evaluate the anticoagulant potential of iota-carrageenans (i-CARs) from Solieria filiformis when two extraction methods (M I and M II) were used. i-CARs were isolated with papain in 0.1M sodium acetate (pH 5.0) containing 5mM cystein and 5mM EDTA (M I) or water (80°C) (M II), and then their chemical composition of total carbohydrates, free sulfate (FS) and contaminant proteins were determined. i-CARs were submitted to anion-exchange chromatography (DEAE-cellulose) using a sodium chloride gradient,being evaluated the activated partial thromboplastin time (APTT) and prothrombin time of obtained fractions and compared to heparin (193IU mg-1). A rich fraction of anticoagulant was also submitted to 0.5% agarose gel electrophoresis procedure. The difference of yield between methods was 10.14%. The chemical composition of FS (29.40%) and the fractionation by DEAE-cellulose showed M I more effectiveness in the obtaining of i-CARs compared to M II. The APTT was also modified for i-CARs from M I. However, the in vitro anticoagulant activity of a rich fraction (8.52IU mg-1) was inferior to heparin.

Rhodophyceae; sulfated polysaccharides; APTT; extraction methods


ARTIGOS CIENTÍFICOS

BIOLOGIA

Isolamento, fracionamento e atividade anticoagulante de iota-carragenanas da Solieria filiformis

Isolation, fractionation and anticoagulant activity of iota-carrageenans from Solieria filiformis

José Ariévilo Gurgel RodriguesI; Ianna Wivianne Fernandes de AraújoI; Gabriela Almeida de PaulaI; Érika Façanha BessaII; Ticiana de Brito LimaII; Norma Maria Barros BenevidesII,1 1 Autor para correspondência.

IRede Nordeste de Biotecnologia, Fortaleza, Ceará, Brasil

IIDepartamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Universidade Federal do Ceará (UFC), Av. Mister Hull, s/n, 60451-970, Fortaleza, CE, Brasil. Email: nmbb@ufc.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo isolar, fracionar e avaliar o potencial anticoagulante de iota-carragenanas (i-CARs) da rodofícea Solieria filiformis, quando obtidas por dois métodos de extração (M I e M II). As i-CARs foram isoladas com papaína bruta em tampão acetato de sódio 0,1M (pH 5,0), contendo cisteína 5mM e EDTA 5mM (M I) ou água (80°C) (M II) e, em seguida, determinada sua composição química de carboidratos totais, sulfato livre (SL) e proteínas contaminantes. As i-CARs foram submetidas à cromatografia de troca iônica (DEAE-celulose) usando um gradiente de cloreto de sódio, sendo avaliado o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e tempo de protrombina das frações obtidas e comparadas à heparina (193UI mg-1). Uma fração anticoagulante também foi submetida ao procedimento de eletroforese em gel de agarose a 0,5%. A diferença no rendimento de i-CARs entre os métodos foi 10,14%. A composição química de SL (29,40%) e o fracionamento, por DEAE-celulose, indicaram o M I mais eficiente na obtenção de i-CARs, comparado ao M II. O TTPA também foi somente alterado para as i-CARs do M I. Contudo, a atividade anticoagulante in vitro de uma fração rica (8,52UI mg-1) foi inferior à da heparina.

Palavras-chave: rodofícea, polissacarídeos sulfatados, TTPA, métodos de extração.

ABSTRACT

This study aimed to isolate, fractionate and evaluate the anticoagulant potential of iota-carrageenans (i-CARs) from Solieria filiformis when two extraction methods (M I and M II) were used. i-CARs were isolated with papain in 0.1M sodium acetate (pH 5.0) containing 5mM cystein and 5mM EDTA (M I) or water (80°C) (M II), and then their chemical composition of total carbohydrates, free sulfate (FS) and contaminant proteins were determined. i-CARs were submitted to anion-exchange chromatography (DEAE-cellulose) using a sodium chloride gradient,being evaluated the activated partial thromboplastin time (APTT) and prothrombin time of obtained fractions and compared to heparin (193IU mg-1). A rich fraction of anticoagulant was also submitted to 0.5% agarose gel electrophoresis procedure. The difference of yield between methods was 10.14%. The chemical composition of FS (29.40%) and the fractionation by DEAE-cellulose showed M I more effectiveness in the obtaining of i-CARs compared to M II. The APTT was also modified for i-CARs from M I. However, the in vitro anticoagulant activity of a rich fraction (8.52IU mg-1) was inferior to heparin.

Key words: Rhodophyceae, sulfated polysaccharides, APTT, extraction methods.

INTRODUÇÃO

A heparina (HEP) é uma mucilagem mundialmente usada como agente anticoagulante e antitrombótico, consistindo de resíduos de ácido urônico e D-glucosamina, obtida comercialmente de mucosa intestinal suína e pulmão bovino. Entretanto, a administração terapêutica continuada da HEP, na prevenção e tratamento de distúrbios tromboembólicos, é potencialmente acompanhada por vários fatores adversos, citando-se, por exemplo, a hemorragia, a trombocitopenia, a síndrome da trombocipotenia induzida por HEP com complicações trombóticas e o risco de contaminação viral, já que é obtida de animais (NADER et al., 2001). Mais recentemente, MELO et al. (2008) alertaram ainda para o fato da baixa qualidade de algumas preparações de HEPs usadas em cirurgias cardíacas com circulação extracorpórea no Brasil, podendo assim induzir hipotensão e aumento significativo dos efeitos colaterais da HEP nos pacientes.

Os polissacarídeos sulfatados (PS) são polianiônicos complexos e heterogêneos formados por unidades repetitivas de açúcares e carregados negativamente devido à presença de grupos sulfatos. PS de algas marinhas vermelhas ocorrem na forma de galactanas sulfatadas (PEREIRA et al., 2005; SILVA et al., 2010), de fucanas sulfatadas nas algas pardas (MOURÃO, 2004; AZEVEDO et al., 2009) e, nas algas verdes, os mais encontrados são as arabino-galactanas e as raminoses (GHOSH et al., 2004; ZHANG et al., 2008).

As algas marinhas vermelhas são ricas em PS com atividade anticoagulante. FARIAS et al. (2000) e PEREIRA et al. (2005) relataram PS isolados das algas Botryocladia occidentalis e Gelidium crinale (Rhodophytas) com propriedades anticoagulantes. Esses PS também expressam ações anti- e pró-trombóticas, quando utilizados em modelos experimentais de trombose em ratos (FONSECA et al., 2008). A rodofícea Halymenia pseudofloresia possui PS com atividade anticoagulante superior a HEP (RODRIGUES et al., 2009). Recentemente, SILVA et al. (2010) compararam a qualidade de três tipos de carragenanas comerciais (kappa, iota e lambda), que diferem entre si pelo número de grupos sulfatados e pela presença da ligação 3,6-anidrogalactose, e observaram que elas modificam a coagulação sanguínea, com ação inferior à HEP.

A alga marinha vermelha Solieria filiformis é nativa do litoral cearense e possui a iota-carragenana (i-CAR) como principal polissacarídeo de parede celular. Esse PS possui propriedades químicas e estruturais semelhantes quando comparadas àquelas de uma i-CAR comercial. Estudos também demonstraram que a molécula é capaz de formar géis fortes em baixas concentrações, exibir alta reatividade com as proteínas do leite (HOLANDA, 2007) e modificar a coagulação sanguínea (PONTES et al., 2009). Portanto, este trabalho teve como objetivo isolar, fracionar e avaliar o potencial anticoagulante in vitro das i-CARs de S. filiformis, obtidas por duas metodologias de extração (papaína e água), contribuindo assim com os estudos relacionados à identificação e caracterização química dessas macromoléculas presentes na espécie e para obtenção de novos substitutos terapêuticos para HEP.

MATERIAL E MÉTODOS

Tratamento preliminar da alga marinha e extração das i-CARs

Exemplares de S. filiformis (Kützing) P. W. Gabrielson (Gigartinales, Solieraceae) foram obtidos de estruturas de cultivo experimental, denominadas long-line, durante procedimentos de amostragens, localizadas a 200m da zona costeira da Praia de Flecheiras - município de Trairi - Ceará (03º13'06"S; 039º16'47"W). No Laboratório de Carboidratos e Lectinas (CarboLec) do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Universidade Federal do Ceará, as algas foram lavadas com água destilada, separadas de epífitas e/ou outros organismos incrustantes e estocadas à -20°C até o uso. Para extração das i-CARs, duas metodologias foram utilizadas, a partir do tecido desidratado da alga (25°C).

Método I

As i-CARs foram obtidas como previamente reportado (PONTES et al., 2009), com algumas modificações. Inicialmente, cinco gramas de tecido triturado foram hidratados com 250mL de tampão acetato de sódio 0,1M (AcNa) (pH 5,0) (Vetec Química, Rio de Janeiro, RJ, Brasil), contendo cisteína 5mM (Sigma-Aldrich, St. Louis, USA) e EDTA 5mM (Vetec Química, Rio de Janeiro, RJ, Brasil). Em seguida, foram adicionados 17mL de uma solução de papaína bruta (30mg mL-1) (Vetec Química, Rio de Janeiro, RJ, Brasil), sendo a mistura incubada em banho-maria à 60°C por 6 horas. Após esse período, o material foi filtrado, centrifugado (2295×g; 10°C; 30min) e, ao sobrenadante, adicionados 16mL de uma solução de cloreto cetilpiridínio (CCP) (Sigma-Aldrich, St. Louis, USA) a 10% para precipitação das i-CARs (25°C; 24h). O precipitado foi em seguida lavado com 200mL de CCP 0,05%, dissolvido em 150mL de cloreto de sódio (NaCl) 2M: etanol absoluto (100: 15; v v-1) e submetido a uma nova precipitação através da adição de 150mL de etanol absoluto (4°C; 24h). Logo após a precipitação, as i-CARs foram lavadas com 200mL de etanol comercial a 80% (2×) e uma terceira com etanol comercial (100mL), sendo finalmente secas em estufa com circulação de ar a 60°C por três horas.

Método II

Para extração das i-CARs, cinco gramas de tecido triturado foram hidratados em água destilada (1,5%; massa volume-1) e submetidos à agitação constante em placa quente a 80°C por 4h. Após esse período, o extrato polissacarídico foi centrifugado (2295×g; 10°C; 30min) e, ao sobrenadante, adicionado etanol comercial (1:3; v v-1) para precipitação das i-CARs (24h; 4°C). Logo após uma nova centrifugação, o material foi seco em estufa com circulação de ar (3h; 60°C) para obtenção das i-CARs.

Composição química

As i-CARs foram analisadas, quanto ao conteúdo de carboidratos totais (CT), pelo método fenol-ácido sulfúrico (DUBOIS et al., 1956), utilizando a D-galactose (Vetec Química, Rio de Janeiro, RJ, Brasil) para a obtenção da curva-padrão. O conteúdo de proteínas contaminantes (PC) foi estimado pelo método descrito por BRADFORD (1976), usando albumina sérica bovina (Sigma-Aldrich, St. Louis, USA) como padrão. A determinação do conteúdo de sulfato livre (SL) foi estimada de acordo com DODGSON & PRICE (1962), utilizando sulfato de sódio para a obtenção da curva-padrão.

Cromatografia de troca iônica em coluna de DEAE-celulose

As i-CARs (15mg) foram dissolvidas em tampão AcNa 0,05M (2mg mL-1) e submetidas a procedimento de cromatografia em coluna de troca iônica (DEAE-celulose) (12×1,5cm) (Sigma-Aldrich, St. Louis, USA), equilibrada e percolada com tampão AcNa 0,05M até a completa remoção dos polissacarídeos não retidos. Em seguida, houve o fracionamento das i-CARs por eluição com o mesmo tampão de equilíbrio, contendo NaCl em diferentes concentrações (0,50; 0,75 e 1,00M), utilizando um coletor de frações (FRAC-920) com fluxo ajustado (60mL h-1). Frações de 5,0mL, obtidas do fracionamento, foram monitoradas por meio da propriedade metacromática. Para isso, segundo FARNDALE et al. (1986), foi utilizada a cor azul de 1,9-dimetilmetileno (ADM) (Sigma-Aldrich, St. Louis, USA), em espectrofotômetro ajustado a 525nm. As frações metacromáticas obtidas foram dialisadas exaustivamente contra água destilada e liofilizadas para os ensaios posteriores.

Avaliação do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e do tempo de protrombina (TP)

Para a realização dos ensaios in vitro, sangue humano citratado foi obtido de dez doadores hígidos do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (HEMOCE). Os testes do TTPA e TP foram utilizados para avaliação dos efeitos das i-CARs sobre a coagulação sanguínea, segundo as especificações do fabricante (CLOT, Bios diagnóstica, Sorocaba, SP, Brasil). Os ensaios foram feitos em triplicata e o tempo de coagulação foi registrado automaticamente em um coagulômetro. A atividade anticoagulante foi expressa em termos de unidades internacionais (UI) por mg de polissacarídeo, utilizando uma curva-padrão de HEP (193UI mg-1; International Heparin Standard, National Institute for Biological Standard and Control, 4., Potters Bar, Herts, UK).

Eletroforese em gel de agarose

A fração ativa de i-CAR de maior rendimento foi analisada, segundo DIETRICH & DIETRICH (1976), quanto ao grau de homogeneidade por eletroforese em gel de agarose (BioAgency, São Paulo, SP, Brasil) a 0,5% em tampão, 1,3-acetato diaminopropano e 0,05M (Sigma-Aldrich, St. Louis, USA) (pH 9,0).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O emprego de ambas as metodologias para obtenção das i-CARs da alga marinha vermelha cultivada S. filiformis resultou em uma diferença no rendimento de 10,14%. A maior quantidade de i-CARs (32,64%) foi obtida com a utilização da papaína (M I), enquanto 22,50% resultaram da extração com água (80°C) (M II), respectivamente, a partir da alga desidratada (25°C) e triturada. Esses rendimentos estão de acordo com aqueles obtidos em espécies de algas da família Solieriaceae, tais como Anatheca montagnei (24,00%), Eucheuma spinosum (35,00%) e Meristotheca senegalensis (36,00%) (FOSTIER et al., 1992). Também ao submeter a alga S. filiformis, coletada de banco natural, a extrações aquosas, HOLANDA (2007) obteve rendimento de 32,70% de i-CARs, porém, desse total, 1,40; 98,20 e 0,40% foram obtidos, respectivamente, a 25; 90 e 120°C.

Avaliando a eficiência do M I e, alternativamente, com álcool absoluto para obtenção de i-CARs extraídas sequencialmente com papaína da alga S. filiformis, PONTES et al. (2009) constataram um decréscimo no rendimento de i-CARs no decorrer das três digestões consecutivas realizadas, utilizando-se do mesmo tecido algal. A maior quantidade de polissacarídeos foi obtida na primeira extração. Ao final do estudo, os autores obtiveram rendimentos de i-CARs semelhantes entre os métodos utilizados (46,80 e 43,40%). Tal comportamento também foi semelhante para os PS (47,14%; M I) da rodofícea H. pseudofloresia (RODRIGUES et al., 2009). Dessa maneira, a alga cultivada S. filiformis é uma boa fonte de i-CARs. Segundo CAMPO et al. (2009), muitas espécies de algas vermelhas possuem carragenanas de elevado valor comercial. Suas atividades biológicas (anticoagulante, antitumoral, antiviral, imunomoduladora, etc) e as propriedades físico-químicas (espessantes, geleificantes e emulsificantes) motivam diferentes pesquisas com a finalidade de utilizar tais compostos na indústria.

A composição química das i-CARs foi diferente entre os métodos utilizados. O M I apresentou teores de CT e SL (42,00% e 29,40%, respectivamente) superiores quando comparados ao M II (32,00% e 24,80% para CT e SL, respectivamente). O método BRADFORD (1976) detectou PC das i-CARs obtidas do M II (2,10%), enquanto as obtidas por meio do M I mostraram-se ausentes. Esste fato pode ser o resultado da eficiência do método na digestão enzimática de proteínas pela papaína, durante a extração das i-CARs da alga S. filiformis (RODRIGUES et al., 2010). Portanto, os resultados deste trabalho indicam que o método empregado influencia na qualidade das i-CARs obtidas.

Os perfis cromatográficos de i-CARs, quando obtidos por DEAE-celulose, foram semelhantes entre os métodos utilizados (Figura 1). A separação de três diferentes frações de i-CARs (F I; F II e F III) foi realizada quando eluídas nas concentrações 0,50; 0,75 e 1,00M de NaCl, respectivamente. A maior detecção de i-CARs foi encontrada com o emprego do M I, reforçando assim o maior teor de SL (29,40%), enquanto o M II foi menos eficiente na obtenção desses compostos. Esses resultados sugerem que a coluna de troca iônica (DEAE-celulose) foi eficiente no fracionamento destas moléculas (RODRIGUES et al., 2009; RODRIGUES et al., 2010), o que denota que a alga estudada é rica em três diferentes i-CARs.


Com relação aos ensaios anticoagulantes, o teste do TTPA somente detectou a ocorrência de atividade para as frações de i-CARs da alga cultivada S. filiformis quando obtidas pelo M I (Tabela 1). O TTPA normal foi alterado em 1,17; 1,12 e 1,30 vezes a partir de alíquotas (10µL) das frações F I, F II e F III, respectivamente, expressa pela relação T1 T0-1 no M I, enquanto no M II as frações F I e F II não foram capazes de prolongar o TTPA. Entretanto, quando a fração de maior rendimento de i-CAR (F I), obtida do M I, foi liofilizada, apresentou um baixo potencial anticoagulante, a uma elevada concentração de polissacarídeo (0,25mg mL-1), cuja atividade foi de apenas 8,52UI mg-1, quando comparada a HEP não-fracionada (193UI mg-1). Isso sugere que uma i-CAR isolada de S. filiformis foi capaz de inibir naturalmente a via intrínseca e/ou comum da cascata de coagulação quando também comparada a outras espécies de algas marinhas estudadas (ZHANG et al., 2008; AZEVEDO et al., 2009; RODRIGUES et al., 2009), mas o teste do TP demonstrou que o composto não foi capaz de atuar na inibição da via extrínseca do sistema sanguíneo (dados não-apresentados) (RODRIGUES et al., 2010). O procedimento de eletroforese também revelou uma i-CAR com baixo grau de polidispersão (dado não-apresentado).

As características heterogêneas dos PS em termos de peso molecular, densidade de cargas, propriedades químicas e biológicas, devido à presença de grupos sulfatos, variam em quantidades e posições. Alguns estudos também revelam que esses compostos podem formar sequências oligossacarídicas específicas em toda a cadeia principal. Isso pode resultar em interações particulares entre proteases e inibidores da coagulação sanguínea. Investigando a atividade anticoagulante de uma D-galactana sulfata isolada da alga marinha vermelha B. occidentalis, FARIAS et al. (2000) relataram que esse polissacarídeo exerce sua potente inibição da trombina via antitrombina e cofator II da heparina pela presença de dois ésteres de sulfato em um único resíduo de galactose. Ao estender os estudos com ratos, utilizando um modelo de trombose venosa, os pesquisadores constaram que a molécula também possui atividade antitrombótica, quando a dose de 0,2mg kg-1 exerce um efeito significativo na inibição de trombos nos animais. Mesmo utilizando uma alta concentração de D-galactana sulfatada, o polímero não foi capaz de exercer efeito hemorrágico, comparado à HEP. Tal propriedade é decorrente da sua ação em se agregar às plaquetas (FARIAS et al., 2001). É, portanto, uma ferramenta valiosa em estudos que objetivem a administração de doses mais elevadas.

Mais recentemente, FONSECA et al. (2008) compararam galactanas sulfatadas de B. occidentalis e G. crinale. Suas diferenças nas proporções e/ou distribuição dos radicais sulfato na estrutura química com seus mecanismos distintos de interação com proteases, inibidores e ativadores do sistema de coagulação, produziram atividades anti- e pró-coagulantes, além de anti- e pró-trombóticas. Os autores ainda propuseram a utilização dos PS de G. crinale, que apresentam ações pró-coagulantes em baixas doses, como promissores agentes terapêuticos para pacientes acometidos por hemofilia, e para também melhor conhecer a fisiopatologia das doenças tromboembólicas.

Neste trabalho, frações de i-CARs da alga cultivada S. filiformis, quando obtidas do M I, resultaram em efeitos anticoagulantes in vitro. Porém, o potencial de uma delas foi inferior em relação à HEP (Tabela 1). As CARs compõem uma família de galactanas sulfatadas que sofrem diversas variações originadas de substituições das hidroxilas livres. A estrutura da CAR de S. filiformis é preponderantemente do tipo iota, sendo assim destituída de um grupamento sulfato que esterifica no carbono 6 da unidade B da cadeia principal, formando, assim, a ligação 3,6-anidrogalactose. Essa característica permite a formação de géis e espessantes como propriedades importantes nas indústrias de alimentos (HOLANDA, 2007; CAMPO et al., 2009) e farmacêutica, por exemplo, induzindo, neste último caso, processos inflamatórios que objetivem a avaliação de drogas antiinflamatórias em experimentos de inflamação e dor inflamatória (SILVA et al., 2010). No entanto, a perda do radical sulfato comparada a sua forma precursora (nu-carragenana) sugere a baixa atividade dos polissacarídeos isolados dessa espécie (Tabela 1). A densidade de grupos sulfatados na estrutura química, bem como a composição monossacarídica, a ocorrência de unidades disulfatadas e o peso molecular também devem ser considerados como pré-requisitos de ação anticoagulante (MOURÃO, 2004; ZHANG et al., 2008; SILVA et al., 2010). Estudos adicionais, para averiguar a influência dos fatores climáticos e ambientais sobre a biossíntese e a atividade biológica desses polímeros, já estão sendo conduzidos por nosso grupo de pesquisa.

CONCLUSÃO

O protocolo de extração com papaína é mais eficiente na obtenção de iota-carragenanas da alga marinha vermelha cultivada Solieria filiformis comparado à extração com água. As carragenanas oriundas da extração com papaína são capazes de alterar a coagulação sanguínea, porém com atividade anticoagulante in vitro inferior à da heparina não-fracionada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à comunidade local da praia de Flecheiras-Ceará, ao Instituto TERRAMAR e aos colaboradores de projeto Renorbio/CNPq/MCT/MS, período 2006 a 2009, à bolsista Márjory Lima Holanda e à assistência do Dr. Dárlio Inácio Alves Teixeira, ambos atualmente professores da UFC e UFRN, respectivamente, pelas contribuições a esta pesquisa. Este estudo recebeu financiamento da Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Ministério da Saúde (MS).

Recebido para publicação 12.04.10

Aprovado em 28.09.10

Devolvido pelo autor 10.11.10

CR- 3417

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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 2010

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2010
    • Aceito
      28 Set 2010
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