Acessibilidade / Reportar erro

Analgesia da farmacopuntura com meloxicam ou da aquapuntura preemptivas em gatas submetidas à ovariosalpingohisterectomia

Analgesia of preemptive pharmacopuncture with meloxicam or aquapuncture in cats undergoing ovariohysterectomy

Resumos

Objetivou-se avaliar o efeito analgésico da farmacopuntura com meloxicam e da aquapuntura preemptivas em gatas submetidas à OSH. Foram utilizados 29 animais considerados sadios após exame clínico e laboratorial com idade de 11,59±6,21 meses e peso de 2,50±0,58kg distribuídos em quatro grupos: aquapuntura (GA; n=7; 0,1ml de solução fisiológica nos acupontos BP6, VB34, F3 e E36 bilaterais), meloxicam (GM; n=8; 0,1mg kg-1 de meloxicam por via subcutânea), farmacopuntura (GMFV; n=7; 0,01mg kg-1 de meloxicam, diluído em 0,8ml de solução fisiológica, distribuído nos acupontos BP6, VB34, F3 e E36 bilaterais) e subdose de meloxicam (GMFF; n=7; 0,01mg kg-1 de meloxicam diluído em solução fisiológica por via SC na região interescapular). Os animais foram submetidos à OSH por meio de técnica cirúrgica minimamente invasiva. Os momentos de avaliação pós-cirúrgica foram 1h, 2h, 6h, 8h, 12h e 24h após o término da cirurgia por avaliador encoberto. Todos os parâmetros avaliados no dia anterior à cirurgia foram considerados como valores basais. Para a avaliação da sedação, utilizou-se a escala analógica visual e o escore do grau de sedação. Para a avaliação da dor, foram utilizadas a escala analógica visual (EAV), a escala descritiva de dor (EDD) e o grau de hiperalgesia com o auxílio dos monofilamentos de Von Frey. O resgate analgésico foi realizado com morfina na dose de 0,2mg kg-1 por via intramuscular (IM), quando a pontuação na EDD ultrapassava 33% da total. A análise estatística foi realizada por meio do programa Sigma-Stat 3.1, utilizando-se a análise de variância paramétrica e não paramétrica e respectivos teste de Tukey e de Dunn para as comparações, com significância de 5% (P<0,05). Não houve diferenças estatísticas na comparação entre os grupos quanto às variáveis fisiológicas, sensibilidade quanto aos monofilamentos de Von Frey, EAV para dor e sedação e EDD. Quatro resgates do grupo GM foram realizados, contra três resgates dos grupos GA e GMFF e dois resgates do grupo GMFV. Os tratamentos apresentaram semelhante eficácia analgésica em gatas submetidas à OSH.

analgesia por acupuntura; gatos; meloxicam; ovariohisterectomia


The aim of this study was to evaluate the analgesic effect of preemptive pharmacopuncture with meloxicam or aquapuncture in cats undergoing ovariohysterectomy. Twenty-nine healthy animals, aged 11.59±6.21 and weighing 2.50±0.58kg were used and assigned to four groups: aquapuncture (GA; n=7; 0.1mL of saline solution in the SP6, GB34, LIV3 and ST36 acupoints bilaterally), meloxicam (GM; n=8; 0.1mg kg-1 of meloxicam subcutaneously), pharmacopuncture (GMFV; n=7; 0.01mg kg-1 of meloxicam, diluted to 0.8ml of saline solution, equally distributed in the SP6, GB34, LIV3 and ST36 acupoints bilaterally) or subdose of meloxicam (GMFF; n=7; 0.01mg kg-1 of meloxicam diluted in saline subcutaneously, at the interscapular region). The animals were submitted to OVH by minimally invasive surgical technique. Animals were evaluated at 1h, 2h, 6h, 8h, 12h and 24h postoperatively by a blind assessor. All measurements were assessed the day before surgery and were considered as baseline. Postoperative pain and sedation were evaluated by visual analogue scale in both cases and sedation score and descriptive pain scale (DPS), respectively, as well as hyperalgesia was assessed by the Von Frey monofilaments. The analgesic rescue was performed with 0.2mg kg-1 of morphine intramuscularly, when the DPS score was above 33% from the total score. Statistical analysis were performed with the Sigma-Stat 3.1 program using parametric and nonparametric analyses of variances and respective Tukey´s and Dunn´s test for post hoc comparisons. The level of statistical significance was set at 5% (P<0.05). There was no statistical difference between groups for the physiological variables, Von Frey sensitivity, VAS for pain and sedation and DPS. Four analgesic rescues were performed in GM group, three in GA and GMFF groups and two in GMFV group. All treatments showed similar analgesic effect in cats undergoing OVH.

acupuncture analgesia; cats; meloxicam; ovariohysterectomy


ARTIGOS CIENTÍFICOS

CLÍNICA E CIRURGIA

Analgesia da farmacopuntura com meloxicam ou da aquapuntura preemptivas em gatas submetidas à ovariosalpingohisterectomia

Analgesia of preemptive pharmacopuncture with meloxicam or aquapuncture in cats undergoing ovariohysterectomy

Nicole Ruas de SousaI,1 1 Autor para correspondência. ; Stelio Pacca Loureiro LunaI; Maria Luísa Buffo de CápuaII; Alfredo Feio da Maia LimaI; Flávia Augusta de OliveiraI; Bruno Massa de ViveirosI; Luciano BarbosaIII

IDepartamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Universidade Estadual Paulista (UNESP), 18618-970, Botucatu, SP, Brasil. E-mail: nicole@fmvz.unesp.br

IIInstituto Bioethicus, Botucatu, SP, Brasil

IIIInstituto de Biociências, UNESP, Botucatu, SP, Brasil

RESUMO

Objetivou-se avaliar o efeito analgésico da farmacopuntura com meloxicam e da aquapuntura preemptivas em gatas submetidas à OSH. Foram utilizados 29 animais considerados sadios após exame clínico e laboratorial com idade de 11,59±6,21 meses e peso de 2,50±0,58kg distribuídos em quatro grupos: aquapuntura (GA; n=7; 0,1ml de solução fisiológica nos acupontos BP6, VB34, F3 e E36 bilaterais), meloxicam (GM; n=8; 0,1mg kg-1 de meloxicam por via subcutânea), farmacopuntura (GMFV; n=7; 0,01mg kg-1 de meloxicam, diluído em 0,8ml de solução fisiológica, distribuído nos acupontos BP6, VB34, F3 e E36 bilaterais) e subdose de meloxicam (GMFF; n=7; 0,01mg kg-1 de meloxicam diluído em solução fisiológica por via SC na região interescapular). Os animais foram submetidos à OSH por meio de técnica cirúrgica minimamente invasiva. Os momentos de avaliação pós-cirúrgica foram 1h, 2h, 6h, 8h, 12h e 24h após o término da cirurgia por avaliador encoberto. Todos os parâmetros avaliados no dia anterior à cirurgia foram considerados como valores basais. Para a avaliação da sedação, utilizou-se a escala analógica visual e o escore do grau de sedação. Para a avaliação da dor, foram utilizadas a escala analógica visual (EAV), a escala descritiva de dor (EDD) e o grau de hiperalgesia com o auxílio dos monofilamentos de Von Frey. O resgate analgésico foi realizado com morfina na dose de 0,2mg kg-1 por via intramuscular (IM), quando a pontuação na EDD ultrapassava 33% da total. A análise estatística foi realizada por meio do programa Sigma-Stat 3.1, utilizando-se a análise de variância paramétrica e não paramétrica e respectivos teste de Tukey e de Dunn para as comparações, com significância de 5% (P<0,05). Não houve diferenças estatísticas na comparação entre os grupos quanto às variáveis fisiológicas, sensibilidade quanto aos monofilamentos de Von Frey, EAV para dor e sedação e EDD. Quatro resgates do grupo GM foram realizados, contra três resgates dos grupos GA e GMFF e dois resgates do grupo GMFV. Os tratamentos apresentaram semelhante eficácia analgésica em gatas submetidas à OSH.

Palavras-chave: analgesia por acupuntura, gatos, meloxicam, ovariohisterectomia.

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the analgesic effect of preemptive pharmacopuncture with meloxicam or aquapuncture in cats undergoing ovariohysterectomy. Twenty-nine healthy animals, aged 11.59±6.21 and weighing 2.50±0.58kg were used and assigned to four groups: aquapuncture (GA; n=7; 0.1mL of saline solution in the SP6, GB34, LIV3 and ST36 acupoints bilaterally), meloxicam (GM; n=8; 0.1mg kg-1 of meloxicam subcutaneously), pharmacopuncture (GMFV; n=7; 0.01mg kg-1 of meloxicam, diluted to 0.8ml of saline solution, equally distributed in the SP6, GB34, LIV3 and ST36 acupoints bilaterally) or subdose of meloxicam (GMFF; n=7; 0.01mg kg-1 of meloxicam diluted in saline subcutaneously, at the interscapular region). The animals were submitted to OVH by minimally invasive surgical technique. Animals were evaluated at 1h, 2h, 6h, 8h, 12h and 24h postoperatively by a blind assessor. All measurements were assessed the day before surgery and were considered as baseline. Postoperative pain and sedation were evaluated by visual analogue scale in both cases and sedation score and descriptive pain scale (DPS), respectively, as well as hyperalgesia was assessed by the Von Frey monofilaments. The analgesic rescue was performed with 0.2mg kg-1 of morphine intramuscularly, when the DPS score was above 33% from the total score. Statistical analysis were performed with the Sigma-Stat 3.1 program using parametric and nonparametric analyses of variances and respective Tukey´s and Dunn´s test for post hoc comparisons. The level of statistical significance was set at 5% (P<0.05). There was no statistical difference between groups for the physiological variables, Von Frey sensitivity, VAS for pain and sedation and DPS. Four analgesic rescues were performed in GM group, three in GA and GMFF groups and two in GMFV group. All treatments showed similar analgesic effect in cats undergoing OVH.

Key words: acupuncture analgesia, cats, meloxicam, ovariohysterectomy.

INTRODUÇÃO

A expressão da dor é considerada um fenômeno multidimensional, que inclui componentes sensorial, afetivo/emocional e funcional (BOTTEGA & FONTANA, 2010; ROBERTSON & LASCELLES, 2010; BRONDANI et al., 2011). A sua adequada avaliação depende do desenvolvimento, validação e confiabilidade de ferramentas para medidas de dor de forma multidimensional, que incluem avaliação de comportamento, observação e interação com o animal (CAMBRIDGE et al., 2000; TAYLOR & ROBERTSON, 2004; BENITO-DE-LA-VÍBORA et al., 2008; BRONDANI et al., 2011). Tais ferramentas já foram validadas por BRONDANI et al. (2011) em felinos domésticos.

A dor inflamatória é o tipo mais comum de dor perioperatória. Conhecer seus mecanismos permite fornecer uma terapia analgésica multimodal efetiva. Este tipo de dor provoca alterações anatômicas e fisiológicas e apresenta o objetivo de proteção, no sentido de sinalizar o organismo quanto à presença de lesão. Desta forma, os clínicos devem focar no entendimento da fisiopatologia e manejo da dor inflamatória (LEMKE & CREIGHTON, 2010; IUPPEN et al., 2011). Nos últimos anos a abordagem da medicina integrada em humanos e animais tem aumentado. A acupuntura é hoje um componente respeitado no tratamento clínico da dor em seres humanos e a introdução de adjuvantes que possam melhorar o efeito analgésico e reduzir as doses dos fármacos deve ser considerada para terapia antálgica em gatos (TAYLOR & ROBERTSON, 2004). Nesse sentido, a farmacopuntura tem sido instituída com sucesso em diversas desordens clínicas que causam dor (LUNA et al., 2008). Esta técnica é uma opção viável e segura para utilização em medicina veterinária e requer curto período de contenção do animal, além de utilizar material de fácil acesso aos médicos veterinários, como seringas e agulhas hipodérmicas. Porém, de acordo com o conhecimento dos autores, não há estudos com farmacopuntura em gatos, o que tornam necessárias mais pesquisas que poderiam indicar ou não seu uso e demonstrar ou não sua eficácia nessa espécie. Desta forma, este estudo objetivou avaliar o efeito analgésico da farmacopuntura preemptiva com 10% da dose do meloxicam ou da aquapuntura em gatas submetidas à ovariosalpingohisterectomia, comparado à dose convencional do meloxicam por via subcutânea.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas 29 gatas domésticas, sem raça definida, com idade média de 11,59±6,21 meses e peso de 2,50±0,58kg, clinicamente saudáveis, comprovados por meio de exame clínico (temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial sistólica e palpação abdominal) e exames laboratoriais como hemograma (hematimetria e leucometria), proteína plasmática total, função hepática - ALT e FA - e função renal - uréia e creatinina, e cujos proprietários apresentassem interesse na realização da OSH em seus animais. Os animais que não possuíram os valores destes parâmetros dentro da normalidade, ou que apresentaram índole agressiva foram descartados do experimento. O comportamento foi observado e avaliado no período de adaptação por meio de escala descritiva de dor (EDD) aguda em gatos (BRONDANI et al., 2011).

O estudo foi encoberto e controlado, no qual os animais foram aleatoriamente distribuídos em quatro grupos: aquapuntura (GA; n=7; 0,1ml de solução fisiológica nos acupontos BP6, VB34, F3 e E36 bilaterais), meloxicam (GM; n=8; 0,1mg kg-1 de meloxicam por via subcutânea), farmacopuntura (GMFV; n=7; 0,01mg kg-1 de meloxicam, diluído em solução fisiológica, distribuídos nos acupontos BP6, VB34, F3 e E36 bilaterais) e subdose de meloxicam (GMFF; n=7; 0,01mg kg-1 de meloxicam diluído em solução fisiológica por via SC na região interescapular). Os tratamentos foram realizados 15 minutos antes da cirurgia.

Os animais foram sedados com 0,05mg kg-1 de acepromazina via IM 30 minutos antes da intervenção cirúrgia. A indução foi realizada com 5mg kg-1 de propofol e imediatamente antes do procedimento cirúrgico foi administrado 2µg kg-1 de fentanil, ambos IV. As avaliações foram realizadas no dia anterior à cirurgia (valores basais) e 1h, 2h, 6h, 8h, 12h e 24h após o término da cirurgia. Foram avaliadas as frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial sistólica, temperatura retal, sedação, tanto por meio da escala analógica visual, como pelo grau de sedação (adaptado de DOBBINS et al., 2002), a dor, por meio da escala analógica visual e a escala descritiva de dor aguda - EDD - (BRONDANI et al., 2011), hiperalgesia da ferida cirúrgica com o auxílio dos monofilamentos de Von Frey e característica da ferida cirúrgica quanto à edema, aspecto e quantidade de exsudato. O resgate analgésico foi realizado quando o escore da EDD ultrapassava 33% da sua pontuação máxima (8 pontos).

A análise estatística foi realizada por meio da análise de variância (ANOVA) paramétrica e não paramétrica e seus respectivos teste de Tukey e de Dunn para as comparações. Foi considerado o nível de significância de 5% (P<0,05).

RESULTADOS

O tempo médio de cirurgia foi de 8,31±2,69 minutos. Não houve diferenças entre os grupos para a EDD e EAV (Figura 1). Porém entre os momentos, os maiores escore ocorreram entre à 1h e 2h pós-operatórias. Não houve diferenças significativas entre os grupos nos parâmetros fisiológicos. Em GM houve um aumento significativo da pressão arterial sistólica 1h quando comparado à 24h.


No grupo GA e GMFF, dois animais receberam resgate analgésico, dos quais um à 1h após a cirurgia e o outro recebeu dois resgates analgésicos à 1h e 2h (Tabela 1). Em GM, quatro animais foram resgatados, dos quais três ocorreram às 2h e um à 1h. Nenhum dos animais deste grupo foi resgatado mais de uma vez. Em GMFV dois animais foram resgatados, ambos à 1h. Não houve significância estatística no número de resgates analgésicos entre os grupos.

Os grupos experimentais se comportaram estatisticamente da mesma maneira. Apesar da tendência de maior sensibilidade aos monofilamentos de Von Frey em GM, não houve diferença estatística entre os grupos. Não houve diferenças quanto à quantidade e aspecto de exsudato, edema e cicatrização da ferida cirúrgica entre os grupos.

Não houve diferenças entre os grupos, quanto a vômito e salivação, porém os animais de GA e GM apresentaram um episódio de vômito independente do resgate analgésico. Em GMFV não ocorreu vômito, porém ocorreu um caso de salivação independente do resgate analgésico.

DISCUSSÃO

As técnicas de cirurgia atraumática são mais eficazes em prevenir a sensibilização central e periférica e, por consequência, previnem o desenvolvimento da dor pós-operatória (LEMKE & CREIGHTON, 2010). Neste estudo foi utilizada a técnica cirúrgica minimamente invasiva, por cirurgião experiente. Esta técnica pode ter contribuído para minimizar a dor, já que nos animais que se esperava um maior número de resgates analgésicos, como nos tratados com subdose de meloxicam por via SC, não houve necessidade de um maior número de resgates quando comparado aos outros tratamentos.

SMITH et al. (1999), CAMBRIDGE et al. (2000) e AL-GIZAWIY & RUDÉ (2004) demonstraram que as variáveis clínicas objetivas, como FC, FR e temperatura retal não são indicadores consistentes da dor pós-operatória. Estudos anteriores observaram que esses parâmetros podem ser alterados por outros fatores, tais como estresse, medo, intervenções anestésicas e manipulação cirúrgica. Em concordância com os autores, o presente estudo não demonstrou diferenças significativas entre os grupos ou ao longo do tempo, para as variáveis fisiológicas como FC, FR, PAS e temperatura retal.

A importância da PAS como parâmetro indicativo de dor em gatos é controversa. BRONDANI et al. (2011) demonstraram que os resultados da análise dos itens da EDD revelaram que a PAS foi relevante para avaliar a dor apenas durante o pós-operatório imediato. SMITH et al. (1996) consideraram a PAS como o melhor indicador clínico de dor pós operatória em gatos, porém em outro estudo SMITH et al. (1999), demonstraram que as variáveis clínicas, incluindo a PAS não foram indicadores consistente de dor. De acordo com BRONDANI et al. (2011) e em contraste com SMITH et al. (1996), a PAS foi significativamente diferente apenas a 1h de pós-operatória em GM, sem diferenças estatísticas nos outros momentos e nem entre os grupos.

A EAV tem sido utilizada extensivamente em seres humanos, e é frequentemente utilizada em felinos, porém a confiabilidade e a validade desta escala não foram avaliadas nesta espécie. A maior dificuldade desta escala é que a mesma é subjetiva para vários observadores na ausência de um critério específico ou objetivo para a avaliação da dor (MITCH & HELLYER, 2009; BRONDANI et al., 2011). Em contrapartida, em cães, POHL et al. (2011) demonstraram uma alta sensibilidade da EAV e alta correlação com a Escala de Melbourne. Quando se avaliou o número de resgates analgésicos realizados de acordo com o escore final da EDD às 2h de pós-operatório, em GM, em que foram realizados três resgates analgésicos, os valores de EAV também foram significativamente maiores quando comparado aos outros momentos. A partir de 6h, quando as médias da EAV para avaliação da dor não diferiram estatisticamente entre os momentos dentro dos grupos, não houve necessidade de resgate analgésico, o que indica uma possível boa correlação entre a EDD e a EAV em felinos. Salienta-se que neste estudo a avaliadora havia sido treinada previamente, por meio da observação de vídeos de comportamentos indicativos de dor na espécie felina.

As desvantagens da EAV incluem o conceito de que a dor é uma experiência multidimensional, já que esta escala afere apenas uma dimensão da dor (MITCH & HELLYER, 2009). CAMBRIDGE et al. (2000) concluíram que a determinação da presença de dor em gatos pode ser realizada com base na observação e interação com o animal por um observador treinado. No mesmo estudo, os autores observaram que os parâmetros fisiológicos não diferenciaram entre grupo tratado e não tratado. Devido a este fato, o escore final da EDD, que possui medidas de avaliações multidimensionais, foi considerado fator determinante para a realização ou não do resgate analgésico no presente estudo.

A necessidade de resgate analgésico é um bom indicador de que os gatos ainda estão sofrendo dor pós-operatória (AL-GIZAWIY & RUDÉ, 2004) e também pode ser utilizada em adição aos escores de intensidade de dor para avaliar a eficácia do fármaco analgésico. Em estudos anteriores a intervenção analgésica foi administrada em gatos com escore maior que 33% do escore total da escala. Este valor foi empiricamente selecionado com base nos escores que indicariam dor moderada e, portanto, requeririam intervenção analgésica (BRONDANI et al., 2011). Quatro animais de GM receberam resgates analgésicos, contra dois animais de GA, GMFV e GMFF, cada um. Dentre estes, um animal de GA e um animal de GMFF receberam dois resgates analgésicos. Numericamente, poder-se-ía afirmar que a farmacopuntura verdadeira foi melhor que o meloxicam administrado em dose convencional por via SC. Porém estatisticamente não houve diferenças significativas entre os grupos com relação à necessidade de analgesia de resgate, o que demonstra igual eficácia dos tratamentos.

Diversos fatores podem influenciar a resposta do paciente à terapia farmacológica, incluindo idade, condição de saúde ou doença, medicações inter-concorrentes, espécie e outros. De modo a evitar esta variabilidade, a seleção dos animais hígidos foi crucial para estabelecer a homogeneidade dos grupos tratados. A farmacogenética, o estudo dos determinantes genéticos que interferem na resposta à terapia farmacológica, é provavelmente a última maneira de estabelecer o fármaco correto e a dose adequada para cada paciente, no sentido de otimizar a eficácia e reduzir os efeitos adversos, com o objetivo de individualizar a terapia farmacológica (MEALEY, 2006). Esta condição poderia explicar por que os animais em que se esperava receber mais resgates analgésicos, como os do GMFF, obtiveram baixos escores de dor.

Os filamentos de Von Frey foram utilizados com sucesso na avaliação de hiperalgesia pós-operatória em cadelas submetidas à OSH, apesar de apresentar pouca correlação com a EAV ou a Escala de Melbourne (POHL et al., 2011). De acordo com BRONDANI et al. (2011), considerou-se como resposta positiva, o filamento prévio àquele que induziu resposta positiva para a avaliação da hiperalgesia. No presente estudo, não houve diferenças estatísticas ente os grupos tratados, apesar disso, houve uma tendência dos animais de GM em obterem maior sensibilidade aos monofilamentos de Von Frey, pois apresentaram às 2h de pós-operatório, maior escore em relação ao momento basal, momento em que foram realizados mais resgates analgésicos (três) contra o momento 1h (um). Sugere-se que os tratamentos realizados promoveram redução da hiperalgesia tátil pós-cirúrgica.

Em ambiente estranho ou após viagens dentro de carro, os gatos podem tornar-se agressivos (DYSON, 2008). Dessa forma, se faz necessário o período de adaptação do animal para que expresse o comportamento normal, que neste estudo foi de no mínimo 18 horas. A contenção química, ao invés da física, é a forma mais segura e humana de lidar com esta espécie, de modo a evitar a agressividade, que também pode ser secundária a presença de dor ou medo (STEAGALL et al., 2008). Para tanto, os animais foram sedados com acepromazina com uma dose de 0,05mg kg-1 por via IM, 15 minutos antes do tratamento a fim de evitar o estresse exacerbado dos mesmos. Apesar do uso de sedativo, apenas 13,8% (quatro animais) dos animais apresentaram comportamento dócil durante a manipulação. A contenção e manipulação para a realização dos tratamentos podem ser por si só estressantes e causarem aumento da concentração de glicocorticóides em poucos minutos (ACCORSI et al., 2008). Como a dose recomendada da acepromazina para felinos é de 0,03 a 0,15mg kg-1 (DYSON, 2008; STEAGALL et al., 2008), possivelmente, a dose utilizada não foi suficiente para produzir sedação suficiente que facilitasse a manipulação dos animais. Apesar da dificuldade da técnica de farmacopuntura em felinos, pelo fato dos animais se estressarem facilmente, deve-se levar em consideração que, tendo em vista os resultados satisfatórios deste estudo, sua utilização clínica é relevante, principalmente em pacientes de alto risco, como por exemplo, animais com alteração renal ou hepática, distúrbios plaquetários ou afecções gastrointestinais, já que a técnica é rápida e requer pouco tempo de contenção.

Conclui-se que todos os tratamentos preemptivos apresentaram o mesmo efeito analgésico em gatas submetidas à OSH, com resultados satisfatórios, porém não completamente eficazes. Desta forma deve-se atentar para a necessidade de resgate analgésico, independente da técnica utilizada. A aquapuntura e a farmacopuntura com subdose de meloxicam são técnicas que podem ser adotadas na prática cirúrgica visando a analgesia pós-operatória, particularmente em animais mais susceptíveis aos efeitos adversos do uso de fármacos em doses convencionais.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de estudos, aos amigos que colaboraram com o estudo e sem eles não seria possível a realização deste: Danuta, Mayra, Marisol, Gabriel, Nadia, Carla e Nathália.

COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA

Protocolo n° 37/2009.

Recebido para publicação 01.08.11

Aprovado em 26.01.12

Devolvido pelo autor 16.05.12

CR-5749

  • ACCORSI, PA et al. Cortisol determination in hair and faeces from domestic cats and dogs. General and Comparative Endocrinology, v.155, p.398-402, 2008. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.ygcen.2007.07.002>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • AL-GIZAWIY, M.M.; RUDÉ, E.P. Comparison of preoperative carprofen and postoperative butorphanol as postsurgical analgesics in cats undergoing ovariohysterectomy. Association of Veterinary Anaesthetists, v.31, p.164-174, 2004. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-2987.2004.00180.x/full>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • BENITO-DE-LA-VÍBORA, J. et al. Efficacy of tolfenamic acid and meloxicam in the control of postoperative pain following ovariohysterectomy in the cat. Veterinary Anaesthesia and Analgesia, v.35, p.501-510, 2008. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-2995.2008.00407.x/full>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • BOTTEGA, F.H.; FONTANA, R.T. A dor como quinto sinal vital: utilização da escala de avaliação por enfermeiros de um hospital geral. Texto & Contexto - Enfermagem, v.19, n.2, p.283-290, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072010000200009>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • BRONDANI, J.T. et al. Refinement and initial validation of a multidimensional composite scale for use in assessing acute postoperative pain in cats. American Journal of Veterinary Research, v.72, n.2, p.174-183, 2011. Disponível em: <http://avmajournals.avma.org/doi/abs/10.2460/ajvr.72.2.174>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • CAMBRIDGE, A.J. et al. Subjective and objective measurements of postoperative pain in cats. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.217, n.5, p.685-690, 2000. Disponível em: <http://avmajournals.avma.org/doi/abs/10.2460/javma.2000.217.685>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • DOBBINS, S. et al. Comparison of the effects of buprenorphine, oxymorphone hydrochloride, and ketoprofen for postoperative analgesia after onychectomy or onychectomy and sterilization in cats. Journal of American Animal Hospital Association, v.38, p.507-514, 2002.
  • DYSON, D.H. Perioperative pain management in veterinary patients. Veterinary Clinical of Small Animal, v.38, p.1309-1327, 2008. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.cvsm.2008.06.006>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • IUPPEN, L.S. et al. Satisfação do pacientes com a implantação do conceito dor o quinto sinal vital no controle da dor pós-operatória. Revista Dor, v.12, n.1, p.29-34, 2011. Disponível em: <http://bases.bireme.br/cgibin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang= p&nextAction=lnk&exprSearch=580966&indexSearch=ID>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • LEMKE K.A.; CREIGHTON C.M. Analgesia for anesthetized patients. Topics in Companion Animal Medicine, v.25 n.2, p.70-82, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1053/j.tcam.2009.12.003>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • LUNA S.P.L. et al. Comparison of pharmacopuncture, aquapuncture and acepromazine for sedation of horses. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine (Online), v.5, p.267-272, 2008. Disponível em: <http://downloads.hindawi.com/journals/ecam/2008/194584.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2011. doi:10.1093/ecam/nel096.
  • MEALEY KL. Pharmacogenetics. Veterinary Clinics of Small Animal Practice, v.36, n.5, p.961-973, 2006. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.cvsm.2006.05.006>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • MITCH, P.M.; HELLYER, P.W. Métodos objetivos e categóricos para avaliar a dor e a analgesia. In: GAYNOR, J.S.; MUIR III, W.W. Manual do controle da dor em medicina veterinária 2.ed. São Paulo: MedVet, 2009. p.78-109.
  • POHL, V.H. et al. Correlação entre as escalas visual analógica, de Melbourne e filamentos de Von Frey na avaliação da dor pós-operatória em cadelas submetidas à ovariosalpingohisterectomia. Ciência Rural, v.41, n.1, p.154-159, 2011. Disponível em: <http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang= p&nextAction=lnk&exprSearch=571453&indexSearch=ID>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • ROBERTSON, S.A.; LASCELLES, D. Long-term pain in cats. How much do we know about this important welfare issue? Journal of Feline Medicine and Surgery, v.12, p.188-199, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.jfms.2010.01.002>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • SMITH, J.D. et al. Indicators of postoperative pain in cats and correlation with clinical criteria. American Journal of Veterinary Research, v.57, n.11, p.1674-1678, 1996. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8915451>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • SMITH, J.D. et al. Changes in cortisol concentration in response to stress and postoperative pain in client-owned cats and correlation with objective clinical variables. American Journal of Veterinary Research, v.60, n.4, p.432-436, 1999. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10211685>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • STEAGALL, P.V.M. et al. Antinociceptive effects of tramadol and acepromazine in cats. Journal of Feline Medicine and Surgery, v.10, p.24-31, 2008. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.jfms.2007.06.009>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • TAYLOR, P.M.; ROBERTSON, S.A. Pain management in cats - past, present and future. Part 1. The cat is unique. Journal of Feline Medicine and Surgery, v.6, p.313-320, 2004. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.jfms.2003.10.003>. Acesso em: 28 jul. 2011.
  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jul 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Ago 2011
    • Aceito
      26 Jan 2012
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br