Antigos paradigmas técnicos voltam a ser avaliados, visando à manutenção da sustentabilidade do sistema plantio direto (SPD), a exemplo da incorporação de calcário ao solo. Por exemplo, o revolvimento de um Argissolo Vermelho Distrófico típico de textura franco argilo arenosa sob SPD, realizado a cada quatro anos com aração e gradagens para a incorporação de calcário, não afetou os teores de carbono (C) orgânico total do solo após 12 anos da intervenção mecânica (MARCOLAN & ANGHINONI, 2006). No mesmo solo, com a terceira reaplicação de calcário após 12 anos, os teores de C orgânico total do solo na camada de 0-0,15m permaneceram inalterados após 12, 24, 36 e 48 meses da incorporação do corretivo (MARCOLAN et al., 2007).
Ademais, também tem sido avaliado o preparo ocasional do solo em SPD, aquele que é caracterizado por uma única intervenção mecânica em área com mais de 10 anos sob SPD, sendo sugerida como prática para incrementar o potencial do solo em sequestrar C em regiões frias (QUINCKE et al., 2007). Assim, um indicador da taxa de sequestro de C, com base em massa equivalente de solo, como os estoques de C em macroagregados (FERREIRA et al., 2012), poderia caracterizar o impacto positivo ou negativo de um revolvimento ocasional para incorporação de calcário ao solo em um SPD consolidado. O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência da calagem e do revolvimento do solo nos estoques de C em macroagregados de um Latossolo Vermelho Distroférrico típico textura muito argilosa, sob SPD há 17 anos.
Um experimento foi implantado em 13/10/2009 na Estação Experimental do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) em Pato Branco, sudoeste do Estado do Paraná (26º07'16''S e 52º39'37''W; altitude de 730m). A área estava sob SPD conduzida continuamente com rotação de culturas há 17 anos, com relevo plano a suave ondulado, apresentando na camada de 0-0,20m: teor de argila de 620g kg-1, teor médio de C de 23g dm-3, e índice de saturação por bases de 57% e valores médios de densidade do solo nas camadas de 0-0,10; 0,10-0,20 e 0,20-0,30m, respectivamente, de 1,26; 1,30 e 1,20Mg m-3.
O delineamento experimental foi o de blocos casualizados no esquema de parcelas sub-subdivididas, com quatro repetições, tendo como parcelas, épocas de amostragens de solo após implantação do experimento, após 6, 12 e 20 meses, sendo as amostragens realizadas após colheitas de milho (Zea mays L.), aveia preta (Avena strigosa Schreb.) e soja (Glycine max (L.) Merr.), respectivamente; nas subparcelas, o revolvimento ou não do solo, realizado em 13/10/2012 com arado de 4 discos, com 32" de diâmetro, seguida de gradagem niveladora com grade de 32 discos e 14" de diâmetro, na camada de 0-0,20m; e nas sub-subparcelas: a aplicação ou não de 1,7Mg ha-1 de calcário dolomítico (PRNT=100%) para elevar o índice de saturação por bases a 70%.
Nas camadas de 0-0,10; 0,10-0,20 e 0,20-0,30m foram coletados blocos de solo com largura de 0,10m, comprimento de 0,20m e espessura de 0,10m, os quais foram destorroados manualmente, obtendo-se 40 macroagregados de solo, os quais foram selecionados com peneiras metálicas de 12,5 e 19,0mm de abertura. Os agregados foram secos à sombra, moídos e tamisados em peneira de 2mm para a determinação dos teores de C orgânico (PAVAN et al., 1992). Amostras indeformadas de solo também foram coletadas nas camadas de 0-0,10; 0,10-0,20 e 0,20-0,30m para quantificar a densidade do solo (CLAESSEN, 1997).
Os estoques de C no solo foram calculados conforme descrito por ELLERT & BETANY (1995), utilizando-se a camada de 0,20-0,30m de profundidade como referência (LEE et al., 2009). Os resultados de estoques de C em macroagregados das camadas de 0-0,10 e 0,10-0,20m foram submetidos à análise de variância (Teste F) e à comparação de médias, utilizando o teste de Tukey.
Os resultados de estoques de C apresentaram interação tripla significativa (épocas de amostragens, manejo do solo e calagem) na camada de 0-0,10m (P≤0,10); interação dupla entre as épocas de amostragens com manejo do solo (P<0,05) e calagem (P<0,05) na camada de 0,10-0,20m.
Dos 12 aos 20 meses, os estoques de C dos macroagregados na camada de 0-0,10m diminuíram (20%) somente no tratamento com incorporação de calcário ao solo; por outro lado, os estoques de C mantiveram-se constantes ao longo do tempo com a aplicação de calcário na superfície do solo (Figura 1a). Resultados de estoques de C do solo obtidos no presente trabalho são distintos daqueles que consideram somente os teores de C do solo (MARCOLAN & ANGHINONI, 2006; MARCOLAN et al., 2007), pois alterações nestes últimos não foram observadas com a incorporação esporádica de calcário em SPD consolidado. Dessa forma, a incorporação mecânica de calcário ao solo atuou na oxidação microbiológica dos estoques de C da camada superficial do solo.

Figura 1 : Estoques de C em macroagregados nas camadas de 0-0,10m (a) e 0,10-0,20m (a, b) de um Latossolo Vermelho Distroférrico típico após 6, 12 e 20 meses do revolvimento e/ou calagem. Letras maiúsculas comparam médias dos tratamentos calagem ou manejo do solo dentro do mesmo mês; letras minúsculas comparam médias dos meses dentro dos mesmos tratamentos calagem e manejo do solo; letras gregas (a) comparam médias do tratamento manejo do solo dentro do tratamento calagem em cada mês. Letras iguais não diferem pelo teste de Tukey a 5% (b, c) e 10% (a) de probabilidade.
Quando não associado à calagem, o revolvimento ocasional do solo não reduziu os estoques de C dos macroagregados da camada de 0-0,10m, mantendo-se constante nas amostragens de solo subsequentes à intervenção mecânica (Figura 1a). Tanto no sistema de cultivo convencional quanto no SPD, a humificação da matéria orgânica do solo aumenta em profundidade (FAVORETTO et al., 2008), podendo manter os estoques de C em macroagregados de solo mesmo após o revolvimento, devido à maior recalcitrância das substâncias húmicas expostas na camada superficial do solo, além da incorporação destas e de materiais orgânicos, que compensam a oxidação adicional, devido o revolvimento.
A calagem, seja ela feita na superficialmente ou incorporada ao solo, aumentou (40%) os estoques de C na camada de 0,10-0,20m dos 6 aos 12 meses (Figura 1b). Mesmo aplicado à superfície, os produtos da dissociação do calcário, em particular os íons Ca2+, migraram em profundidade do solo, possivelmente por intermédios de ácidos orgânicos de baixo peso molecular (MIYAZAWA et al., 1996) e de possíveis formações de compostos com sulfato e nitrato, bem como fisicamente associado ao movimento de água em macroporos. Dessa forma, ao se concentrar na camada de 0,10-0,20m, o Ca2+ pode ter atuado como ponte de cátion entre moléculas orgânicas e minerais da fração argila, aumentando os estoques de C do solo (BRIEDIS et al., 2012). Ao contrário da camada de 0-0,10m, o aumento nos estoques de C na camada de 0,10-0,20m com a incorporação de calcário pode ser associado às condições menos favoráveis de decomposição microbiana na sub-superfície do solo, que, associadas à incorporação dos resíduos vegetais com o revolvimento do solo com alto teor de argila, propiciaram proteção química e física de complexos organo-minerais a partir de pontes de cátions.
Houve aumento (31%) dos estoques de C dos agregados da camada de 0,10-0,20m, dos 6 aos 12 meses, quando o SPD foi mantido continuamente, o que não ocorreu quando o solo foi revolvido (Figura 1c). Assim, também pode ter havido contribuição do aporte de biomassas de raízes de milho e aveia preta na camada de 0,10-0,20m do solo sob SPD sem revolvimento do solo; por outro lado, em solo revolvido, uma possível homogeneização e diluição dos teores de C na camada de 0-0,20m resultaram na ausência de aumento significativo dos estoques de C na camada de 0,10-0,20m entre estas duas amostragens.