INTRODUÇÃO:
As larvas de coleópteros da família Melolonthidae (ENDRÖDI, 1966; MORÓN, 2001) são comumente chamadas de corós. A importância de algumas espécies em culturas graníferas no Sul do Brasil cresceu a partir das duas últimas décadas do século XX, com a adoção do plantio direto, sistema conservacionista que favoreceu a incidência de espécies nativas nos agroecossistemas (OLIVEIRA et al., 2000; SALVADORI & PEREIRA, 2006). No extremo sul do Brasil, o estádio em que os corós apresentam maior capacidade de consumo, coincide com o estabelecimento e o desenvolvimento das culturas de inverno, as quais, por esse motivo, são mais danificadas (SALVADORI & PEREIRA, 2006; SILVA & SALVADORI, 2004). Para o planalto do Rio Grande do Sul, região de grande produção de grãos (PEREIRA & SALVADORI, 2006), as espécies de corós mais encontradas são Diloboderus abderus Sturm, Phyllophaga triticophaga Salvadori & Morón, Demodema brevitarsis (Blanchard) e Cyclocephala flavipennis Arrow, sendo que as três primeiras ocasionam danos (MORÓN & SALVADORI, 2006; SALVADORI & PEREIRA, 2006). D. abderus e P. triticophaga são consideradas pragas de importância econômica em trigo, aveia, cevada e pastagens, no inverno (SALVADORI & SILVA, 2004). D. brevitarsis é praga em soja (MORÓN & SALVADORI, 2006) e C. flavipennis não é considerada praga (SALVADORI, 1999). A ocorrência da espécie Liogenys fusca Blanchard, praga de soja e milho na região Centro-Oeste do Brasil (RODRIGUES et al., 2008; SANTOS & ÁVILA, 2009), foi registrada recentemente no Rio Grande do Sul (CHERMAN et al., 2011).
A maior parte dos estudos sobre insetos edafícolas tem sido realizada com espécies-praga agrícolas e voltada a estratégias de controle, negligenciando-se as demais espécies e a intrincada rede de relações ecológicas, razão pela qual resultados de controle a longo prazo têm sido insatisfatórios (MORÓN, 2004). A aplicação de medidas de controle que afetem espécies que não são pragas representa um risco de desestabilização do agroecossistema, podendo favorecer a multiplicação e a dispersão de outras espécies, ainda não confirmadas como pragas primárias ou secundárias (SOLÍS & MORÓN, 1998).
Para conhecer a abundância das espécies consideradas pragas e sua possível alteração devido a práticas agrícolas, visto que em cultivos se espera uma densidade geral de corós maior do que em áreas não cultivadas, o objetivo deste trabalho foi comparar a densidade populacional de espécies de corós-praga com outras espécies sem registro como danosas, em áreas cultivadas e não cultivadas no planalto, região situada no norte do Rio Grande do Sul.
MATERIAL E MÉTODOS:
Caracterização da área de estudo
As amostragens de larvas de melolontídeos foram efetuadas em áreas com culturas de inverno e em áreas não cultivadas, nos anos 2009 e 2010, entre julho e setembro, localizadas em 23 municípios do planalto do Rio Grande do Sul (Figura 1), representativos para a produção de grãos e com ocorrência de corós informada por produtores e assistentes técnicos. A temperatura média anual na região é de 18,0ºC, variando de 16,0 a 19,4ºC, com maiores valores no oeste e menores no leste da região (BRASIL, 1973). Os valores pluviométricos (mm/ano) variaram de 1668 em Guabiju a 1972 em São Luiz Gonzaga (RAMOS et al., 2009). A altitude varia de 140 metros acima do nível do mar no oeste (Manoel Viana) a 850 metros no leste (Vacaria). A região compreende duas ecorregiões com diferentes formações florísticas, a Floresta Ombrófila Mista ou Floresta com Araucária e a estepe gramíneo-lenhosa ou Campos Sulinos, ambas com vegetação secundária e atividades agrícolas (DUARTE et al., 2006).
Amostragem
Em cada local de amostragem, escolheu-se uma área de lavoura com cultivo de inverno (trigo, aveia, azevém) ou pousio e uma área próxima não cultivada (silvestre ou de pastagem, sem cultivo há mais de cinquenta anos), como testemunha da condição natural da região. Para coleta das larvas, foram abertas trincheiras de 50cmx25cm, com 30cm de profundidade. Os pontos amostrais foram tomados ao acaso, com o uso de uma grade de 45x45cm e o número variou com o tamanho da área. Em áreas de 1 a 10ha, foram feitos 20 pontos, de 10 a 15ha foram 25 a 30 pontos e de 15 a 25ha foram 30 a 40 pontos. As larvas de Melolonthidae encontradas foram individualizadas em potes de plástico (60mL), com solo da área, e levadas ao laboratório na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em Santa Maria, RS.
Identificação do material
Para a identificação das larvas em nível de espécie ou de gênero, utilizou-se um microscópio estereoscópico com 5x de aumento, chaves taxonômicas e descrições diagnósticas (FRANA, 2003; PEREIRA & SALVADORI, 2006). Várias espécies foram confirmadas pelo Dr. Miguel Ángel Morón (Instituto de Ecología A. C., México). O material foi depositado no Departamento de Defesa Fitossanitária (UFSM) e na coleção entomológica Pe. Jesus Santiago Moure (DZUP), Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.
Contagem de larvas e análises estatísticas
Com base na bibliografia, as larvas foram reunidas em dois grupos: corós-praga e corós de outras espécies, sem registro sobre hábitos alimentares ou de danos em plantas cultivadas. As médias da densidade populacional (no de larvas m-2) dos grupos foram calculadas para área cultivada e não cultivada e comparadas em cada local, entre os locais e independentemente do local. Os dados foram submetidos ao teste t bootstrap de reamostragem com 10000 simulações para duas amostras independentes, com o auxílio do software Bioestat, versão 5.0 (AYRES et al., 2007).
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Das 28 espécies encontradas (Tabela 1), apenas quatro são consideradas pragas no Rio Grande do Sul: Diloboderus abderus, Phyllophaga triticophaga, Demodema brevitarsis e Liogenys fusca. A ocorrência desta última foi recentemente registrada no Rio Grande do Sul em densidades muito baixas (CHERMAN et al., 2011), mas, por ser considerada praga em alguns estados do Centro-oeste do Brasil (RODRIGUES et al., 2008; SANTOS et al., 2008; COSTA et al., 2009), foi contabilizada dentro das espécies-praga. A densidade populacional média da comunidade de corós-praga foi de 3,9 larvas m-2, tanto em área cultivada (mínima 0,4 larvas m-2 e máxima 32,4 larvas m-2) quanto em área não cultivada (mínima: 0,4 larvas m-2; máxima: 28,0 larvas m-2). A densidade populacional média de corós de outras espécies foi de 9,0 em área cultivada (mínima: 1,2 larvas m-2; máxima: 35,0 larvas m-2) e de 6,6 larvas m-2, em área não cultivada (mínima: 1,1 larvas m-2; máxima: 23,2 larvas m-2). Segundo SILVA & COSTA (2002), os níveis populacionais indicados para controle são variáveis, dependendo da cultura e da espécie praga. Para D. abderus e P. triticophaga, cujo nível de controle para culturas de inverno é de 5,0 larvas m-2, (SALVADORI & PEREIRA, 2006), a densidade de 3,9 larvas m-2 não representaria risco significativo. A densidade populacional das espécies-praga superou a das outras espécies de corós em quatro áreas cultivadas (Figura 2A) e apenas em duas áreas não cultivadas (Figura 2B), em São Luiz Gonzaga e São Francisco de Assis, com 28,0 e 15,0 larvas m-2 de P. triticophaga e D. abderus, respectivamente. A existência de áreas silvestres com uma densidade elevada de corós-praga sugere que essas espécies são abrangentes quanto à sua distribuição geográfica e ecológica. No caso de São Luiz Gonzaga, a espécie praga da área não cultivada (P. triticophaga) era diferente da espécie-praga presente na área cultivada (D. abderus). A partir desse resultado, é possível inferir que D. abderus, nas condições fornecidas pelo cultivo de aveia, em sucessão à soja, adaptou-se melhor que P. triticophaga a esse cultivo. Nessa mesma área, junto com D. abderus, ocorreu Liogenys obesa Burmeister (1,2 larvas m-2). Por ser Liogenys um grupo formado por várias espécies rizófagas (CHERMAN et al., 2011), recomenda-se o estudo dos hábitos alimentares das espécies comuns nas áreas agrícolas para subsidiar um manejo adequado (MORÓN, 2001). Em Porto Lucena, ocorreu o maior nível populacional de corós pragas, com 32,4 larvas m-2, sem que ocorressem outras espécies além de D. abderus. Nessa área, o controle normalmente é feito com inseticida em tratamento de sementes de trigo, mas isso não foi utilizado na área aquele ano. Esse fato poderia explicar a explosão demográfica ocorrida, uma vez que D. abderus adapta-se bem à cultura de trigo (SILVA, 1997). A área não cultivada em Porto Lucena, contrariamente, apresentou densidade baixa de corós-praga, com 2,4 larvas m-2 de D. abderus em equilíbrio com outras espécies como Paranomala violacea Burmeister e uma espécie de Leucothyreus Macleay. Na área cultivada em Lagoa Vermelha (aveia), ocorreu o maior nível de corós (39,7 larvas m-2), principalmente C. flavipennis e, em densidades inferiores, C. tucumana Brethes, Dyscinetus gagates Burmeister e D. abderus (4,7 larvas m-2). A densidade de corós nessa área, por estar acima dos níveis de controle mencionados por SILVA & COSTA (2002) e SALVADORI & PEREIRA (2006) poderia ser interpretada de maneira incorreta e levar a erros de manejo, uma vez que predominam espécies não pragas. O mesmo aconteceu nas áreas cultivadas de Ijuí, Caseiros (ambas pousio) e Tupanciretã (aveia + azevém), nas quais as espécies dominantes foram C. flavipennis e Cyclocephala modesta Burmeister, no primeiro local (19,0 larvas m-2), Plectris sp. e Macrodactylus sp., no segundo (17,2 larvas m-2), e C. modesta (29,2 larvas m-2) no último. Em Coxilha (pousio), Nonoai (aveia) e Panambi (nabo + aveia), não ocorreram espécies-praga. Analisando-se a ocorrência de cada uma das espécies-praga relatadas para o Estado (D. abderus, P. triticophaga, D.brevitarsis e L. fusca), nas áreas cultivadas (Figura 3A), observa-se que apenas duas espécies ocorreram juntas. Em São Francisco de Assis, D. abderus ocorreu junto com L. fusca, na densidade de 11,2 e 0,2 larvas m-2, respectivamente. Em Tapejara, D. abderus ocorreu junto com D. brevitarsis (0,7 e 9,5 larvas m-2, respectivamente). Nos demais locais, sempre ocorreu apenas uma das quatro espécies-praga. A densidade de D. abderus nas áreas de cultivo de Porto Lucena (trigo), São Francisco de Assis (aveia), Nova Palma (trigo) e São Luiz Gonzaga (aveia) foi 32,4; 11,2; 9,2 e 5,2 larvas m-2, pela ordem. Esses valores se encontram acima do nível de controle para trigo (5,0 larvas m-2) (SALVADORI & PEREIRA, 2006) e para aveia (10,0 larvas m-2) (SILVA & COSTA, 2002). O fato de ter densidades populacionais superiores ao nível de controle indica haver uma maior probabilidade de perdas no rendimento das culturas, causadas por D. abderus nas regiões centro e oeste do planalto. Segundo SILVA & SALVADORI (2004), D. abderus tem ampla distribuição no Estado (SILVA & SALVADORI, 2004), o que foi comprovado no presente trabalho. P. triticophaga, registrada de forma mais localizada no norte do Rio Grande do Sul (SALVADORI & PEREIRA, 2006), foi observada em Guabiju (azevém), no nordeste do Estado (Figura 3A). No entanto, em áreas não cultivadas, ocorreu, em cinco locais (Figura 3B), com densidade populacional máxima de 28,0 larvas m-2 em São Luiz Gonzaga, no oeste da região. A distribuição geográfica de espécies de Phyllophaga pode ser influenciada pela quantidade e distribuição das chuvas e pela altitude (HIDALGO et al., 2000). D. brevitarsis foi encontrada em densidade populacional elevada (9,5 larvas m-2) na área de pousio de Tapejara, próxima ao local onde ocorreu a primeira constatação dessa espécie, nos anos 1999 e 2001, alimentando-se de raízes de milho, azevém e aveia preta (MORÓN & SALVADORI, 2006). A ocorrência geograficamente limitada dessa espécie foi confirmada pelos resultados deste trabalho.
Tabela 1 : Composição de Melolonthidae (Coleoptera) no planalto do Rio Grande do Sul, Brasil, anos 2009 e 2010. Espécies com asterisco (*) ocorreram apenas em áreas não cultivadas.


Figura 2 : Densidade populacional de corós-praga e de outras espécies em (A) áreas cultivadas e (B) não cultivadas, em 23 locais do Planalto do Rio Grande do Sul, Brasil, anos 2009 e 2010. A numeração dos municípios corresponde à Figura 1. (*) Diferem signifi cativamente pelo método de reamostragem de Bootstrap (P<0,05).

Figura 3 : Espécies de corós-praga ocorridas e densidade populacional em (A) áreas cultivadas e (B) não cultivadas no planalto do Rio Grande do Sul, Brasil, anos 2009 e 2010. A numeração dos municípios corresponde à figura 1.
Diante da constatação de que várias espécies de corós ainda não citadas como pragas ocorrem, em níveis expressivos, no planalto do Rio Grande do Sul, recomenda-se avaliar quais são rizófagas estritas, como forma de direcionar o manejo delas, com vistas a minimizar o impacto econômico nos cultivos regionais, sem descuidar do equilíbrio do agroecossistema.
CONCLUSÃO:
As práticas agrícolas na região do planalto do Rio Grande do Sul não beneficiam a densidade populacional de espécies-praga de corós. As espécies benéficas, ou cujos hábitos alimentares são ainda desconhecidos, predominam nas áreas cultivadas. As áreas com uma densidade populacional de corós acima dos níveis de controle utilizados podem não ter ocorrência de espécies-praga.