Apesar de sua recente introdução no Brasil, em 1983, o mirtileiro (Vaccinium ashei Reade) (Ericaceae) é amplamente cultivado no Hemisfério Norte, principalmente em países da Europa e nos Estados Unidos. Na América do Sul, Chile, Argentina e Uruguai são os maiores produtores, beneficiando-se da produção durante a entressafra europeia e norte-americana (FACHINELLO, 2008). Atualmente, a área cultivada com mirtileiro no Brasil é de cerca de 270 hectares, sendo as regiões Sul e Sudeste as maiores produtoras (ANUÁRIO BRASILEIRO DA FRUTICULTURA, 2013). Embora existam no mundo mais de 300 espécies de insetos que atacam o mirtileiro, apenas algumas apresentam importância econômica, constituindo problemas crônicos que requerem controle todos os anos (LARRAÍN et al., 2007).
Entre estas pragas, os córos constituem um grupo importante e diversificado, sendo problema em vários países. Denomina-se coró à fase larval das subfamílias Dynastinae, Melolonthinae, Rutelinae e Cetoniinae (Coleoptera: Scarabaeoidea: Melolonthidae) que vivem no solo e se alimentam de sementes e de raízes de plantas, além de outros substratos. No Brasil, menos de 1% das 1.008 espécies de Melolonthidae estão associadas com danos nas culturas (MORÓN, 2004). As espécies rizófagas Diloboderus abderus Sturm, 1826, Phyllophaga triticophaga Morón & Salvadori, 1998, Demodema brevitarsis (BLANCHARD, 1850) e Cyclocephala flavipennis Arrow, 1914, destacam-se entre as espécies de corós edafícolas encontradas em cereais de inverno, milho e soja, no sul do Brasil (PEREIRA & SALVADORI, 2006; CHERMAN et al., 2013). C. flavipennis, conhecido como coró-pequeno, apresenta uma geração por ano, sendo mais comum em lavouras com abundância de palha e em pastagens. As larvas, tipicamente escarabeiformes, com três pares de pernas e corpo de coloração branco-amarelada, não fazem galerias e possuem uma baixa capacidade de causar danos, pois utilizam material vegetal em decomposição como alimento. Populações elevadas do inseto (80-100 larvas m-2) não ocasionam danos aos cereais de inverno (SALVADORI, 1999), razão pela qual não são considerados praga nessas culturas (PEREIRA & SALVADORI, 2006). O trabalho teve por objetivo identificar e registrar a presença de larvas de melolontídeos encontradas em pomar de mirtileiro em Pelotas, RS.
A presença de larvas foi constatada no mês de março de 2012, em um talhão de aproximadamente 600 plantas de mirtileiro da cultivar 'O´Neal' de 2 anos de idade, plantadas em espaçamento de 1m na linha x 4m nas entrelinhas. O pomar de 5 hectares se localiza no município de Pelotas, RS (31° 39' 51'' Latitude S; 52° 32' 7'' Longitude W e 135m de altitude), em Argissolo Bruno-Acizentado Eutrófico e Argissolo Acizentado Eutrófico. Foram amostradas 20 plantas, sendo encontradas de 10 a 20 larvas da espécie causadora do dano, em cada uma. As larvas coletadas foram enviadas para o Laboratório de Manejo de Pragas - LabMIP - da Universidade Federal de Santa Maria, onde foi realizada a análise morfológica com auxílio de microscópio estereoscópico. Foi examinado o desenho de pêlos do raster das larvas, constatando-se serem C. flavipennis (CHERMAN et al., 2013). Esta espécie, amplamente distribuída na região produtora de grãos da metade norte do Rio Grande do Sul (CHERMAN et al., 2014), pode também estar presente em outros locais do Estado, com impacto sobre culturas mais sensíveis aos danos radiculares. Nas plantas de mirtileiro infestadas, foi observada redução na quantidade de raízes secundárias (Figura 1), folhas amareladas e perda de vigor. Esses danos podem apresentar importância distinta aos causados em cereais de inverno, que, pela elevada densidade de plantas por área, convivem com o inseto. Já a densidade de plantas de mirtileiro é muito baixa e seu sistema radicular restrito, caracterizando a diferença entre as culturas e, possivelmente, a menor tolerância a esta espécie de corós.

Figura 1 : Danos causados por larvas de Cyclocephala flavipennis no sistema radicular do mirtileiro. À esquerda: sistema radicular com ataque de larvas; à direita: sistema radicular sem ataque.
Embora se trate do primeiro relato de ocorrência de C. flavipennis em mirtileiro, outros coleópteros rizófagos têm sido encontrados danificando esta cultura em países vizinhos. No Chile, foram observados Hylamorpha elegans (BURMEISTER, 1844) (Coleoptera: Scarabaeidae) (LARRAÍN et al., 2007) e Aegorhinus superciliosus (GUÉRIN, 1830) (Coleoptera: Curculionidae) (PARRA et al., 2009). Na Argentina, observaram-se os curculionídeos: Naupactus xanthographus (GERMAR, 1824), N. cervinus (BOHEMAN, 1840) (DEL RÍO et al., 2010; ROCCA & GRECO, 2011), Otiorhynchus ovatus (LINNAEUS, 1758) e Hyphantus sulcifrons BOHEMAN, 1843 (DEL RÍO et al., 2010). De acordo com MOLINA (2001), a adição de serragem e de acículas de pinho recomendada para promover a areação e proteção das raízes de mirtileiro, ao aumentar o conteúdo de matéria orgânica do solo, poderia influenciar na disponibilidade de habitat para larvas de Tropinota squalida (SCOPOLI, 1783) (Coleoptera: Scarabeidae), o que poderia ter acontecido para C. flavipennis.
O trabalho relata a primeira ocorrência de C. flavipennis em mirtileiro no Brasil, oferecendo subsídios para futuros estudos relacionados ao seu manejo nesta frutífera, cuja área de cultivo vem crescendo nas regiões Sul e Sudeste do país.