Nerium oleander é uma planta ornamental da família Apocynaceae, popularmente conhecida como "espirradeira", sendo cultivada por apresentar flores nas cores: brancas, vermelhas e rosa. Intoxicações espontâneas por essa planta já foram descritas em bovinos (SOTO-BLANCO et al., 2006; PEDROSO et al., 2009), equinos (RENIER et al., 2013), asinino (GERALDO NETO et al., 2013), ovinos e caprinos, lhamas, alpaca (KOZIKOWSKI et al., 2009), cães, gatos (CALONI et al., 2012), gansos (ALFONSO et al., 1994), preguiças (MILLER, 1973, 1976), cobaia (EWRINGMANN et al., 1999) e urso (RATIGAN, 1921-2). A intoxicação também ocorre em humanos, tanto pela ingestão das folhas como de forma indireta, pelo consumo de carne assada em galhos usados como espetos (HUGUES et al., 2012) ou de escargots que ingeriram a planta (GECHTMAN et al., 2006).
Todas as partes da planta contém cardenolídeos ou glicosídeos cardiotóxicos, principalmente a oleandrina. Os cardenolídeos inibem a enzima Na+/K+ ATPase da membrana dos cardiomiócitos, promovendo depleção do potássio intracelular e aumento do sódio intracelular, o que leva a acúmulo de cálcio. Estes distúrbios eletrolíticos afetam a condutividade e contratibilidade do coração (SOTO-BLANCO et al., 2006). Além da importância toxicológica, a oleandrina também tem importância farmacológica, pois possui atividade anti-neoplásica (KUMAR et al., 2013) e potencial anti-HIV (SINGH et al., 2013).
Foi estimado que a toxicidade da planta deve variar em função da cor da flor, sendo as variedades de flores vermelhas as mais tóxicas do que as de flores brancas (KARAWYA et al., 1973). No entanto, a determinação foi feita por meio de cromatografia em camada delgada, que é uma técnica sem muita precisão para quantificação de compostos (AQUINO NETO & NUNES, 2003).
O objetivo deste trabalho foi determinar se existe variação na concentração de oleandrina nas folhas de N. oleander de exemplares da planta com diferentes cores de inflorescências.
Foram coletadas 10 amostras de folhas de cada variedade de flor (branca, rosa e vermelha), oriundas do município de Belo Horizonte, MG. A metodologia analítica foi adaptada de WIEGREBE & WICHTL (1993). As folhas foram secas em estufa a 40ºC, por 48 horas, e em seguida trituradas. Foram misturados 50mg de cada amostra de planta com 12ml de solução de metanol a 70%, e a mistura foi colocada em banho sonicador por 10 minutos e em banho-maria a 70ºC por mais 10 minutos. Posteriormente, foram adicionados 2ml de acetado de chumbo a 15% e 2ml de solução de fosfato monossódico a 4% e a mistura foi completada para 16ml com água destilada. Após centrifugação a 3.000 rpm por 10 minutos, foram separados 10ml do sobrenadante para aplicação em cartucho de C18 (Spe-ed SPE Cartridges Octadecyl C18/18% 500mg 6ml-1, Applied Separations, Allentown, PA, EUA). Os cartuchos foram previamente condicionados (2x2ml de metanol e 2x2ml de água). Após a passagem do sobrenadante, os cartuchos foram lavados com 2ml de água, e a extração dos compostos retidos na resina foi realizada com metanol (2x1ml). A análise cromatográfica da oleandrina foi realizada em sistema HPLC-UV (LC-2000Plus, JASCO, Tóquio, Japão), utilizando acetonitrila:água (50:50) como fase móvel, fluxo de 0,9ml minutos-1, e coluna Supleco C18 (15cm x 4.6mm, 5µm). A detecção foi feita a 225nm. O tempo de retenção da oleandrina foi de 4,02 minutos, e não apresentou sobreposição com outros picos. A análise em HPLC utilizada apresentou limite de detecção de 2,0µg ml-1 e limite de quantificação de 5,0µg ml-1. A técnica apresentou linearidade (R2=0,99) na quantificação entre as concentrações de 5,0 a 250,0µg ml-1.
A média da concentração obtida em todas as folhas analisadas foi de 4,89mg g-1. As concentrações de oleandrina branca, rosa clara e vermelha foram 6,20±4,08mg g-1, 4,16±3,44mg g-1 e 4,31±1,99mg g-1, respectivamente. Estas concentrações não apresentaram diferença estatisticamente significante entre as variedades de diferentes cores.
Diversas metodologias analíticas foram desenvolvidas para a determinação das concentrações de cardenolídeos, incluindo cromatografia em camada delgada (CCD) (KARAWYA et al., 1973), cromatografia planar (TURKMEN et al., 2013), espectrofotometria (SOLICH et al., 1992), cromatografia capilar eletrocinética micelar (TSENG et al., 2003), HPLC com derivatização para detecção por fluorescência (BELSNER & BÜCHELE, 1996), HPLC com detector amperométrico (KELLY et al., 1995), radioimunensaio após separação por HPLC (PLUM & DALDRUP, 1986) e cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (NEWMAN et al., 2001). A metodologia empregada de preparo da amostra por separação em fase sólida para posterior determinação por HPLC-UV se mostrou bastante eficaz e sensível, podendo ser empregada em trabalhos futuros.
As concentrações observadas de oleandrina nas folhas (média de 4,89mg g-1) são similares às relatadas na literatura (SOTO-BLANCO et al., 2006), e nenhuma das plantas avaliadas pode ser considerada atóxica. Foi relatado anteriormente que as concentrações de cardenolídeos nas folhas de N. oleander devem variar em função da cor da flor (KARAWYA et al., 1973). No entanto, os dados do presente estudo revelaram que as concentrações de oleandrina nas folhas não apresentaram variação estatisticamente significante em função da cor da flor. A diferença entre os resultados dos dois trabalhos deve estar no tipo de metodologia empregada. De fato, KARAWYA et al. (1973) utilizaram a CCD para determinação dos cardenolídeos, mas este tipo de técnica apresenta significativas limitações para a adequada quantificação de compostos (AQUINO NETO & NUNES, 2003). Por outro lado, as técnicas de HPLC oferecem boa resolução para a quantificação dos analitos presentes nas matrizes de interesse analítico (AQUINO NETO & NUNES, 2003). Dessa forma, a técnica analítica utilizada no presente trabalho (HPLC) está muito mais adequada a este tipo de estudo do que a CCD. Assim, não deve haver diferença entre estas variedades na toxicidade das folhas de N. oleander.