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Ambientação à escola: atuação junto a um grupo de crianças iniciando o ciclo básico

Resumos

Este é um estudo exploratório que descreve: um programa desenvolvido junto a crianças iniciantes no ciclo básico e algumas características comportamentais destas crianças nesta fase de transição ecológica. O programa envolveu uma atuação sobre o contexto ambiental visando a facilitação da ambientação das crianças à escola. Os resultados mostram dados favoráveis à proposta apresentada e novos estudos são sugeridos para maiores considerações.


This is a preliminar study about a program applied to children attending elementary school first grade classes, and about some behaviord characteristics of these children in this ecological transition period. The program included an actuation on the environmental context aiming to facilitate children's adaptation to school. The results show that the proposal presented is suitable, and other studies are suggested to increase knowledge about this subject.


Ambientação à escola: atuação junto a um grupo de crianças iniciando o ciclo básico

Vera Lúcia Sobral MachadoI; Maria Virgínia SelegatoII; Ana Lúcia de Abreu BragaIII; Selma de Cássia MartinelliIII

IProfª Assist. Doutor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP)

IIFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP) - aluna-estagiária do 5º ano do Curso de Psicologia

IIIAlunas-estagiárias do Programa de Especialização em Pedagogia Terapêutica do Hospital das Clínicas da faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

RESUMO

Este é um estudo exploratório que descreve: um programa desenvolvido junto a crianças iniciantes no ciclo básico e algumas características comportamentais destas crianças nesta fase de transição ecológica. O programa envolveu uma atuação sobre o contexto ambiental visando a facilitação da ambientação das crianças à escola. Os resultados mostram dados favoráveis à proposta apresentada e novos estudos são sugeridos para maiores considerações.

ABSTRACT

This is a preliminar study about a program applied to children attending elementary school first grade classes, and about some behaviord characteristics of these children in this ecological transition period. The program included an actuation on the environmental context aiming to facilitate children's adaptation to school. The results show that the proposal presented is suitable, and other studies are suggested to increase knowledge about this subject.

I - INTRODUÇÃO

Conforme apontam Ladd e Price (1987) a criança na sua infância participa de uma variedade de transições ecológicas que requerem sua adaptação aos ambientes novos ou alterados. O início da vida escolar, mudanças de escolas, a progressão de um nível de escolarização para outro, como do jardim de infância à pré-escola, desta para a primeira série, etc., representam alguns tipos de transições ecológicas pelas quais a criança passa. Nestas transições as crianças se deparam, em geral, com novas experiências representadas por desafios acadêmicos, aceitação do grupo, expectativas e atitudes dos professores, que exigem a emissão de respostas específicas indicando ajustamento à nova situação. Presumivelmente, crianças adaptadas ao novo ambiente, isto é, aquelas que se sentem seguras, confortáveis e envolvidas nas atividades, mostrariam maior aproveitamento nas experiências vivenciadas; por outro lado, reações de esquiva, ansiedade ou atitudes negativas na nova situação indicariam dificuldades de ajustamento que poderiam vir a comprometer as experiências educacionais.

Observações casuais de situações de início de ano escolar mostram que, evidentemente, comportamentos mais adaptados e menos adaptados ocorrem. Foram observações deste tipo, relatadas por uma diretora de escola de primeiro grau que suscitaram este trabalho. Segundo o relato, em diferentes anos sucessivos, no início das aulas, era freqüente, na escola, a ocorrência de crianças chorando, não querendo separar-se das mães, recusando-se a permanecer nas salas de aula e mesmo a realização de atividades, comumente planejadas pela professora visando a ambientação das crianças, nem sempre proporcionavam um bom resultado. Levando em conta que o comportamento muda, conforme o contexto ambiental muda (Carlson, Scott e Eklund, 1980) e portanto que uma atuação sobre as condições do ambiente tornando-o mais facilitador para as crianças poderia ajudar o processo de ambientação, conforme apontado por Lettner e Rangi (1987), planejamos um procedimento de intervenção que previa o início das aulas das crianças iniciantes antecipado ao das outras crianças já familiarizadas com a escola, propiciando condições para que ocorresse uma facilitação no processo de adaptação ao novo ambiente. A falta de meios da própria escola, para operacionalizar a proposta suscitou a solicitação da diretora de uma colaboração à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP, no sentido de executar o projeto.

O presente trabalho foi então proposto tendo por objetivos:

a. o conhecimento de uma amostra de crianças, iniciando a primeira série do ciclo básico, um período de transição ecológica.

b. A colocação em prática de uma proposta de ação visando a facilitação da adaptação das crianças ao ambiente escolar.

c. a oportunidade de aperfeiçoamento de formação de alunos universitários através do desenvolvimento de um trabalho integrado entre a Universidade e a Comunidade.

II MÉTODO

1 - Sujeitos

Este trabalho foi planejado para atender 69 crianças com idades variando entre 6a9m a 10 anos, que consistia a população de crianças matriculadas na primeira série do ciclo básico de uma escola de primeiro grau da cidade de Ribeirão Preto. A freqüência ao programa foi, no entanto variada, tendo iniciado com 39 alunos e terminado com 54. Os dados relatados são referentes a 43 alunos que participaram regularmente das atividades. A caracterização destes alunos encontra-se na Tabela I.

2 - Procedimento

O trabalho foi realizado por três pesquisadoras, sendo duas estagiárias, graduadas em Pedagogia, especializando-se em Pedagogia Terapêutica junto ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, e uma estagiária de Psicologia, cursando o 5° ano de Formação Profissional na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. O planejamento também previu uma participação efetiva da escola, especialmente da diretora e dos funcionários.

O projeto, iniciou-se com uma reunião entre os pais, previamente avisados na época de matricula, a diretora e o grupo de pesquisadoras para a apresentação dos objetivos e das atividades do trabalho a ser desenvolvido. Nesta reunião ficou esclarecido que as crianças deveriam vir a escola, durante os 5 dias que antecediam o início normal das aulas e ali permanecerem durante duas horas. Neste período as crianças, divididas, aleatoriamente, em grupos, executavam atividades com um das pesquisadoras. Os grupos foram mantidos constantes durante todos os dias. Foi dado ênfase a observação cuidadosa de cada criança, no seu processo de adaptação à situação escolar, e as atividades realizadas visavam promover esta adaptação: um conhecimento da escola através da exploração ambiental de todas as dependências, dos funcionários e das suas funções; das regras pertinentes ao funcionamento da Instituição. Partindo do princípio que a aprendizagem da leitura e da escrita pressupões mais do que tudo o desenvolvimento da capacidade de simbolização pela criança e que esta simbolização depende da qualidade de interação da criança com o ambiente e revela-se na verbalização oral, nos desenhos e garatujas até a apropriação consciente da escrita, conforme Nicolau e Mauro (1986), procurou-se também neste período observar as crianças quanto aos níveis de percepção e produção oral, a familiarização com a linguagem escrita e a expressão artística; movimento e ritmo, som, forma e cor; e foram desenvolvidas atividades levando-se em conta estes aspectos. Elas visavam implementar as condições de produção da linguagem escrita utilizando recursos das próprias crianças. Deve-se salientar que, considerando as colocações de Smolka (1988) que, citando diferentes autores mostra como o jogo tem uma função fundamental no desenvolvimento da criança, as atividades foram desenvolvidas de acordo com um procedimento essencialmente lúdico.

Não existia uma programação rígida pré-estabelecida, mas eram propostas algumas alternativas que propiciavam o desencadear do processo que ia, ao mesmo tempo, se delineando com base nos comentários e sugestões das crianças.

A partir dos registros do que ocorreu nos diferentes dias as atividades constituiram-se basicamente de:

- recepção das crianças, apresentação de cada um dos membros do grupo e dos objetivos do período que permaneceriam na escola; visita a escola, com a apresentação de cada lugar e do que ali ocorre; conversa informal sobre a merenda e o funcionamento da Instituição Escolar; hora das novidades, onde cada criança tinha oportunidade de falar sobre os acontecimentos mais significativos de sua vida; desenho livre ou sobre um tema específico, onde as crianças tinham oportunidade de comentar sobre os mesmos, criar estórias e contá-las ao grupo; etiquetagem dos objetos e dependências da escola; confecção dos nomes das crianças em crachás; análise do nome de cada criança (os que começavam com a mesma letra, número de letras, nome maior/menor, letra já conhecidas pelas crianças); exploração, com as crianças, dos dois tipos de letras (cursiva e imprensa maiúscula), mostrando-lhes a possibilidade de utilização das duas formas; exploração de números e letras, fazendo a diferenciação entre essas duas categorias metalingüísticas; recorte e colagem com elaboração de estórias e verbalização das mesmas; estórias de livros infantis com posterior interpretação oral; jogos dirigidos no pátio e brincadeiras livres, onde foram observadas algumas habilidades motoras e seguimento de regras.

As idéias para estas atividades basearam-se nas colocações de Grossi (1985), Smolka (1988), Ferreiro e Teberosky (1985).

O trabalho foi concluído com uma reunião entre as professoras das primeiras séries e o grupo responsável pela execução do projeto, com a finalidade de relatar a experiência e de caracterizar os grupos com os quais as professoras trabalhariam no decorrer do ano escolar. Foram realizadas, ainda, entrevistas com as professoras e alguns pais dos alunos com o intuito de colher informações acerca das suas percepções sobre o referido projeto.

III - RESULTADOS

As pesquisadoras observaram cada criança do seu grupo, frente as atividades que estavam sendo desenvolvidas e registraram dados sobre seu ajustamento social que, no presente estudo compreendeu: comportamentos de relacionamento interpessoal (contato espontâneo); comportamentos de desconforto e esquiva mostrado pela criança com relação as tarefas e ao novo meio escolar (retraimento); atitudes de ansiedade representadas por choro, tremor (ansiedade) e solicitação e presença de familiares (dependência da mãe).

Levando em conta que um fator que pode estar relacionado à facilitação de ajustamento escolar é a experiência escolar anterior das crianças, pois estas já passaram por experiências que permitiram o domínio de situações como: separação dos pais, aceitação da autoridade, encontro com novos companheiros, facilidade na compreensão das ordens e realização das tarefas, no presente estudo foram consideradas separadamente aquelas crianças que freqüentaram pré-escola e as que não freqüentaram.

A Tabela II mostra dados sobre ajustamento social das crianças.

De acordo com a Tabela II observa-se que, no decorrer do período de adaptação houve uma mudança nos dados quanto ao ajustamento social do grupo de crianças. Com relação as categorias de relacionamento interpessoal (contato espontâneo) e retraimento nota-se que ocorreu um aumento nas interações e isto tanto entre crianças como com os adultos da escola. Embora a ocorrência de comportamentos de choro e dependência da mãe já ter sido pequena no início do trabalho nota-se que, no final dos 5 dias estes comportamentos praticamente deixaram de existir. Pelo exame dos dados observa-se também que a experiência escolar anterior é bastante relevante com relação ao ajustamento social pois foram nítidas e marcantes as diferenças entre crianças com e sem pré-escola.

Um questionamento que pode aparecer frente a esses dados é o da possibilidade de sua ocorrência no procedimento normal de escolarização das crianças. A resposta a este questionamento fica difícil a partir deste trabalho e exigiria um outro tipo de levantamento de dados sobre o que ocorre normalmente, nas salas de aula, no período de início das aulas. No entanto, frente a esta indagação procuramos buscar informações diretamente dos pais e professores, que experenciando a cada ano esta situação poderiam opinarem sobre seus filhos ou sobre os alunos que receberam. Através dos depoimentos dos professores foi relatada uma diminuição de problemas de adaptação em relação aos anos anteriores, o comportamento das crianças estava mais sintônico as exigências do ambiente, elas puderam interagir, com as crianças de uma forma facilitada. No mesmo sentido, os pais declararam que sentiram seus filhos mais tranqüilos e seguros.

IV - CONCLUSÃO

Embora seja um estudo exploratório este trabalho permite algumas considerações. Quanto ao primeiro objetivo de melhor conhecimento de uma amostra de crianças iniciando o ciclo básico constatou-se que grande parte da clientela já possuia experiência escolar anterior tendo freqüentado a pré-escola (67%). A freqüência a pré-escola parece realmente facilitar a ambientação da criança à novas situações semelhantes pois mesmo não sendo a presente escola local já freqüentado pelas crianças, aquelas que já haviam vivenciado situações parecidas mostraram em maior proporção, comportamentos mais adaptados.

Constatou-se também, no decorrer das interações, a possibilidade de um melhor conhecimento da criança quanto aos seus aspectos de reação às situações escolares e desempenho nas atividades propostas. O conhecimento destes aspectos individuais sobre o aluno é a nosso ver, extremamente importante e também muito útil aos professores pois permite uma adequação da sua ação as necessidades e potencialidades detectadas.

No presente trabalho estes aspectos individuais foram notados pelos pesquisadores e posteriormente comunicado aos professores. Esta forma de trabalho foi relatada como adequada pelos professores na execução do projeto é um ponto altamente recomendado.

Um outro aspecto a ser considerado é referente ao programa desenvolvido e a sua execução. As afirmações de professores e pais são relevantes no sentido da sua adequação. Pontos importantes de facilitação do trabalho dos professores e de percepção de comportamentos positivos nas crianças foram relatados. Observaram-se também mudanças na proporção de crianças que, no decorrer do trabalho foram mostrando comportamentos mais adaptados socialmente. Seriam, no entanto necessários outros estudos para comprovação da adequação da proposta de antecipação do início das aulas iniciantes, como uma mudança ambiental favorável a adaptação escolar de crianças iniciantes ao ciclo básico.

BIBLIOGRAFIA

  • CARLSO, C. I.; Scott, M. Eklund, S. J. (1980) - Ecologial Theory and method for Behavioral Assessment. School Psychology Review. 9,1,75-82.
  • FERREIRO, Emilia & Teberosky, Ana (1985) - Reflexões sobre albabetização. Trad. Horacio Gonzales e Col. 2Ş ed. SP. Cortez.
  • GROSSI, Esther, P. (1985) - Alfabetização em classe popular. Cadernos de Pesquisa, (55): 85-97.
  • LADD, Gary W. & Price, Joseph M. (1987) - Adjustmente Follawing the Transition from Preschool to Kindergarten: predicting Children's Social and School. Child Development, 58 (5).
  • LETTNER, H. W. e Range, B. P. (1987). Manual de Psicoterapia Copormental. SP: Manole.
  • NICOLAU, Marieta L. M. & Mauro, Maria A. (1986). Alfabetizando com Sucesso. São Paulo, EPU.
  • SMOLKA, A.L.B. (1988). A criança na fase inicial da escrita: A alfabetização como processo discursivo, SP. Cortez.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 1991
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