Acessibilidade / Reportar erro

Dificuldades de aprendizagem e a relação interpessoal na prática pedagógica

Resumos

Neste trabalho são apresentados alguns aspectos envolvidos no conceito dificuldades de aprendizagem e em modelos, descritos na literatura, para atuação junto aqueles que apresentam este problema. A complexidade do tema é enfatizada e é defendida a adoção prioritária de um modelo interacionista na compreensão e intervenção frente a dificuldades de aprendizagem. É também relatada uma experiência de consultoria a professores sobre atuação frente a crianças com esta queixa em sala de aula.


In this study are presented some aspects included in the concept of learning disabilities and in the models, described in the literature, to acting with those one that present this problem. The complexity of the subject is emphasized and is defended the approval, of an interacionist model to the understanding and intervention with the learning, disabilities. It is also related one experience of tearchers consultation about the performance with children that present this problem in the classroom.


Dificuldades de aprendizagem e a relação interpessoal na prática pedagógica1 1 . Trabalho apresentado na Mesa Redonda "Aspectos Psicológicos dos Distúrbios e Dificuldades de Aprendizagem", realizado durante o II Seminário sobre Distúrbios e Dificuldades de aprendizagem, em Campinas.

Profa. Dra. Vera Lúcia Sobral Machado

Professora Assistente Doutor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP

RESUMO

Neste trabalho são apresentados alguns aspectos envolvidos no conceito dificuldades de aprendizagem e em modelos, descritos na literatura, para atuação junto aqueles que apresentam este problema. A complexidade do tema é enfatizada e é defendida a adoção prioritária de um modelo interacionista na compreensão e intervenção frente a dificuldades de aprendizagem. É também relatada uma experiência de consultoria a professores sobre atuação frente a crianças com esta queixa em sala de aula.

ABSTRACT

In this study are presented some aspects included in the concept of learning disabilities and in the models, described in the literature, to acting with those one that present this problem. The complexity of the subject is emphasized and is defended the approval, of an interacionist model to the understanding and intervention with the learning, disabilities. It is also related one experience of tearchers consultation about the performance with children that present this problem in the classroom.

1. Conceituação de dificuldades de aprendizagem

O quadro "dificuldades de aprendizagem" é bastante complexo e esta complexidade existe a partir da própria caracterização do que é uma criança com esta síndrome. Conforme definições tradicionais, relatadas em muitos exemplares da literatura, o conceito "dificuldades de aprendizagem" tem por base dois pressupostos: a) a dificuldade para aprender apresentada por crianças sem retardo mental, que tiveram oportunidades para aprender e que estão livres de desordens físicas ou emocionais significativas, a dificuldade nesse caso, sendo devida a déficits em processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou utilização da linguagem falada ou escrita e em habilidades matemáticas, b) estes déficits no processamento de informações serem considerados como reflexos de fatores biológicos-genéticos ou constitucionais.

No entanto, como bem aponta Taylor, citando Torgesen (1988), o diagnóstico diferencial de crianças que se enquadram nessa conceituação, em oposição a outras crianças que estariam classificadas nos outros quadros citados na definição não é tarefa fácil, podendo mesmo se dizer, impossível. Outro problema apontado nesta definição é o da não existência de consenso sobre os déficits de processamento mais relevantes para a compreensão das dificuldades de aprendizagem, e nem para aceitação das bases biológicas.

Conforme Yule (apud Morris, 1988) "conceitos como dislexia podem ter sido válidos para chamar atenção para um grupo heterogêneo de desordens do desenvolvimento mas seu uso continuado pode ser mais danoso do que útil se do desenvolvimento mas seu uso continuado pode ser mais danoso do que útil se considerado como um quadro com sintomatologia homogênea, que implica numa única etiologia conhecida, provinda de algum dano ou disfunção cerebral. Nenhuma destas implicações têm encontrado fundamento sistemático em dados de pesquisa e nem na atividade prática (p. 591)".

A ineficácia dos rótulos e os cuidados na sua aplicação são fatores importantes a serem considerados. Podemos dizer que não há uma classificação satisfatória destas crianças, e os termos existentes não permitem o delineamento de uma etiologia única nem de uma forma única de prescrição ou tratamento. O que encontramos então, na nossa realidade, são crianças que mostram dificuldades para aprender, quando submetidas a situações de ensino onde outras crianças aprendem, e, consequentemente, que experenciam sucessivos insucessos acadêmicos os quais podem acarretar-lhes outros problemas, bem como preocupações aos pais e professores e até mesmo encaminhamento para tratamento psicológico. É fácilmente comprovada a existência de uma enorme porcentagem de casos clínicos, relativos a crianças com dificuldades de aprendizagem, na maioria dos serviços de atendimento psicológico existentes. O rótulo, dificuldades de aprendizagem, cabe, então, a meu ver, a uma diversidade de casos associados com fracasso acadêmico sendo o ponto mais importante a ser ressaltado, a necessidade de consideração de cada criança em particular numa análise aprofundada de suas condições e necessidades.

2. A importância da interação professor-aluno nas dificuldades de aprendizagem

Um outro aspecto bastante complexo da área diz respeito a atuação junto a pessoas com esta queixa. A mudança de uma visão médica para uma educacional na orientação das mesmas é um fato que, cada vez mais vem ocorrendo e sendo defendida. Assim, professores e clínicos vêem-se envolvidos na necessidade de se engajar em um processo complexo e multivariado de compreensão das características, e de tomadas de decisões quando em interação com estas crianças visando sua melhora. A importância, em termos psicológicos, de se focalizar aqui o aspecto interacional está neste fato e na compreensão de que é através desse processo de relações que são construídas a auto-imagem, e o auto conceito de cada pessoa, e é também através dessas relações que se estabelece um funcionamento cognitivo independente. "Qualquer função do desenvolvimento cultural da criança aparece em dois planos: primeiro no plano social, entre as pessoas num contexto comunicativo/interacional, e depois no plano intra-psicológico". (Vygotsky apud Stone e col., 1984, p. 194).

Considerando-se então a criança com dificuldades de aprendizagem a discussão do processo interacional entre orientador-aprendiz é extremamente importante visto as características psicológicas e comportamentais que tais crianças podem apresentar ou desenvolver.

Qualquer que seja a causa da dificuldade de aprendizagem de forma geral, a criança que falha em conseguir acompanhar o sistema instrucional rotineiro, desenvolvido em sala de aula, é passivel de adquirir sentimentos e cognições negativas sobre as atividades escolares. Os sentimentos podem incluir medo, frustração, raiva, atitudes negativas perante si mesma e a escola, levando a comportamentos de passividade, apatia, agressão, comportamentos as vezes muito distantes de outros exibidos pela mesma criança, em outras situações de vida diária. Esta criança vai também formando, ao longo de suas experiências escolares, concepções sobre o universo escolar. Conforme aponta Marturano (1986) "tais noções, decorrentes da prática e atitudes vigentes na escola dizem respeito a temas como: significado e avaliação do erro, o conhecimento como propriedade do professor, a promoção de série como objetivo último, a valorização de condutas reprodutoras em detrimento da curiosidade ativa (p. 64)", além de concepções sobre seu próprio desempenho como inadequado e de si própria como incapaz gerando expectativas de falha e desvalorização de oportunidades de aprendizagem acadêmica e, consequentemente, comportamentos de esquiva à escola, ao professor e à tarefa. Tais sentimentos e concepções, é claro, desenvolvem-se concomitantemente e são, na maioria das vezes, decorrentes do processo de interação que se estabelece em sala de aula aparecendo aí a figura do professor como mantenedora ou mesmo geradora desta situação. Observações do que acontece, comumente, em sala de aula permitem evidenciar que estas crianças são percebidas em geral como incapazes, desagradáveis e perturbadoras, recebendo comunicações negativas e punições freqüentes ou então atitudes de rejeição e falta de oportunidades para participação. O processo de interação professor-aluno que se estabelece em sala de aula é inadequado e perpetuador das condições dessas crianças podendo ser descrito da seguinte forma: o professor percebe características dessas crianças não condizentes com suas exigências, desenvolve expectativas a respeito das mesmas e age em função destas expectativas cristalizando os comportamentos que detectou. Verifica-se que não há, geralmente, uma preocupação em considerar as possibilidades destas crianças, em verificar suas dificuldades ou se produzir mudanças de ação e dar outras oportunidades a elas na tentativa de quebrar o círculo vicioso que se forma. Ficam assim contextualizados, no processo interacional professor-alunos, os sentimentos e as concepções a que nos referimos.

É importante salientar que não queremos aqui apontar o professor como agindo deliberadamente no sentido de produzir tal situação. Temos conhecimento de que o problema é complexo e já observamos vários professores buscando solucionar dificuldades que notam em suas salas de aula. O que parece ocorrer é: a) uma crença, erroneamente difundida, de que a criança que não consegue aprender é portadora de um déficit ou tem problemas advindos de casa estando, assim, o problema fora da competência do professor, b) o desconhecimento deste profissional em saber como lidar com a diversidade dos alunos em sala de aula e com os problemas que detecta. Aqui inúmeros assuntos poderiam ser levantados, relacionados, mais especificamente por exemplo, à formação dos professores, às suas condições de trabalho, à valorização do seu papel profissional; no entanto, não nos deteremos nestas análises embora consideremos que todos estes aspectos influenciam e têm relação com o que ocorre em sala de aula.

Mas o que queremos salientar, partilhando da opinião de Stamback e col (1984), é que o próprio professor é o agente que pode mudar esta situação. Assim defendemos que o foco principal de atuação junto a crianças com dificuldades de aprendizagem deve ser a sala de aula e "a primeira das soluções ao problema reside em uma transformação das atitudes e práticas pedagógicas unida a uma mudança radical do sistema escolar, em seu conjunto, mudanças sobre as quais se convém interrogar se são desejadas pela sociedade ou se esta ao contrário as rejeita (p. 167)".

Esta afirmação justifica amplamente a importância que se dá à relação interpessoal na prática pedagógica pois é no contexto desta relação que os obstáculos à aprendizagem serão removidos.

O questionamento passa a ser então sobre como deve ser esta relação de forma a contribuir para o desenvolvimento das crianças.

3. Atuação junto a dificuldades de aprendizagem

Vários são os modelos que têm sido desenvolvidos para explicar as dificuldades de aprendizagem e que têm influenciado as práticas de ação junto a crianças que as apresentam. É evidente que as propostas advindas desses estudos não têm como pressuposto serem transformadas em receitas pedagógicas, nem ditarem ao professor ou ao clínico a conduta a seguir, mas à "medida em que os conhecimentos adquiridos se forem integrando na formação dos professores poderiam contribuir para fortalecer sua reflexão sobre os problemas que encontram na sua atuação (Stamback e col., 1984, p. 168)".

Entre os modelos citados na literatura os designados por médico, neuropsicológico e psicoeducacional têm sido os mais comentados e os que mais têm influenciado as práticas de atuação. Eles apresentam como característica comum a ênfase na busca de mecanismos cognitivos da criança que estariam falhos, independentemente do contexto educacional. De forma geral eles apontam que as crianças fracassam na aprendizagem acadêmica porque apresentam déficits em algumas habilidades básicas para estas aprendizagem, por exemplo falhas no processamento auditivo, na habilidade psico-motora, na percepção visual. Sérios problemas no entanto têm sido apontados a estes modelos principalmente o de nem sempre se conseguir observar uma relação entre treinamento em certas habilidades e melhora no desempenho acadêmico.

Um outro modelo também desenvolvido para explicação deste quadro e instrução destas crianças é o linguístico. Os estudos que aprofundam a sua análise têm caracterizado a criança com dificuldades de aprendizagem como falhando em funções da linguagem, mais especificamente em codificação fonológica e memória a curto prazo para material linguístico. Este ponto de vista têm forneciddo base para programas onde os alunos são envolvidos na análise dos sons e estrutura das palavras, nas associações e uso das relações sons-símbolos, na geração de inflexões e derivações das palavras e na análise dos textos.

Outros modelos, desenvolvidos mais recentemente, derivados da psicologia desenvolvimental e cognitiva têm providenciado uma nova visão das dificuldades de aprendizagem sugerindo que a criança com êsse problema falha em lidar eficientemente com a tarefa, em buscar estratégias apropriadas à resolução da mesma e orquestrar sua utilização (Palinscar e Brown, 1987), devendo a instrução ser dirigida para permitir ao aluno exercer esforços auto-conscientes, deliberados e estrategicamente aplicados com relação à aprendizagem dos conteúdos acadêmicos. A ênfase é colocada em aumentar o conhecimento do aprendiz sobre as exigências da tarefa, ensiná-lo a usar estratégias apropriadas para facilitar a execução da mesma e ensinar o aluno a monitorar o sucesso da estratégia utilizada. De certa forma desenvolver a criança como um agente cognitivo independente. Esta mudança na conceituação afeta diagnóstico e tratamento pois agora ao invés de se buscar um déficit da criança subjacente à realização de uma tarefa, os professores e clínicos podem interagir com a criança enfatizando aspectos da própria tarefa, discutindo e explicitando as formas de resolução mais efetivas. O planejamento de uma intervenção é dirigido pela consideração adequada da competência inicial da criança e da forma apropriada de instrução para garantir compreensão. Compatível com teorias que preconizam que a interação social joga o principal papel na origem do desenvolvimento dos processos mentais superiores, estes modelos mostram quão importante é o processo interacional na resolução das dificuldades de aprendizagem.

Após esta breve exposição de alguns modelos explicativos das dificuldades de aprendizagem e da variedade de noções teóricas e conceituais que apresentam, gostariamos de salientar que, concordando com afirmações do Lyon e col (1988), não vemos os trabalhos de atuação desenvolvidos a partir destas diferentes perspectivas como, necessariamente, contraditórios. Pensamos, ao contrário, que uma integração das mesmas poderia dar melhores resultados com aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem.

Voltando novamente à discussão sobre a atuação com estas crianças, mais especificamente na perspectiva interacional, vemos que a maioria dos professores enfrenta a tarefa de ensinar tais crianças, sem este embasamento teórico o que pode ter relação com as dificuldades que percebe e as crenças que desenvolve. Faltou-lhes na sua formação, ou falta-lhes, atualmente, como já pude constatar, condições que permitam aquisição destes conhecimentos, e reflexões sobre sua prática pedagógica e sobre suas dificuldades e dúvidas.

4. Uma proposta de atuação envolvendo professores

O relato a seguir está relacionado a estas considerações e diz respeito a uma experiência desenvolvida junto a uma escola pública de primeiro grau da cidade de Ribeirão Preto, como parte das atividades de estágio de alunos de Psicologia na área de Psicologia Escolar. Esta Escola solicitou à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto uma ajuda para criação de classe especial que pudesse atender a 48 crianças que apresentavam seguidos fracassos escolares. Partindo dos pressupostos já delineados, propusemos à instituição a realização de um trabalho de consultoria junto aos professores para desenvolvermos, em colaboração, atividades que permitissem uma melhor compreensão do problema e o atendimento destas crianças em classes regulares e não a criação de classes especiais. É importante ressaltar que a disponibilidade dos professores para participação, não somente neste trabalho, mas em qualquer tipo de proposta é, a meu ver, um fator principal e isso foi bastante cuidado, através de discussões pormenorizadas sobre suas concepções de ensino, sobre crianças com dificuldades de aprendizagem, sobre transmissão de informações, formas de trabalho a serem desenvolvidas e suas bases teóricas, discutindo-se suas incertezas e dúvidas. Um outro aspecto bem importante, em qualquer proposta de atuação é a consideração das condições reais de trabalho disponíveis frente às necessidades a serem resolvidas e este também foi um assunto bastante debatido e analisado envolvendo também a direção da escola.

Uma vez esclarecidos estes pontos fundamentais estabeleceu-se que a consultoria seria desenvolvida em reuniões semanais entre professores e consultor, durante o ano letivo, e consistiria de informações e discussões sobre formas de atuação e interação em sala de aula tendo por base observações desenvolvidas e relatos dos professores. Procurou-se dessa forma centrar a problemática a ser discutida em situações reais promovendo-se uma orientação sobre as formas de interação mantidas. Com relação ao referencial teórico adotado, conforme já mostramos, existem vários modelos desenvolvidos sobre as dificuldades de aprendizagem e, no estado atual de conhecimento não podemos defender um deles em prejuizo do outro, contudo os dados relatados têm permitido constatar que: aqueles mais diretamente relacionados a conteúdos acadêmicos a serem aprendidos e que se baseiam em princípios estabelecidos de aprendizagem isto é, os modelos lingüístico, comportamental e cognitivo são mais eficientes do que aqueles que são mais limitados em conteúdo e validade ecológica (modelos médicos, psicoeducacionais e neuropsicológicos).

Partindo destes dados optamos por desenvolver uma orientação que tivesse embasamento nestes modelos sugerindo e discutindo a implementação de atividades que enfatizassem: a) a focalização da atenção nas tarefas específicas de leitura e escrita ao invés de exercícios preparatóritos que têm como característica a priorização de treinamento das habilidades específicas; b) a busca de uma participação ativa dos alunos atendendo ai aspectos psicológicos de desenvolver sua motivação através da consideração de seus interesses e suas experiências, garantindo também, como apontado na literatura, uma maior responsabilidade no assumir as tarefas; c) a consideração das diferenças individuais e, a monitoração e o ajuste das situações a elas; d) a preocupação na informação detalhada sobre as exigências da tarefa e suas características peculiares; e) a promoção de estratégias para facilitar a realização da tarefa; f) a promoção de atividades em grupo facilitando as trocas de experiências e de modelos de ações; g) a promoção de uma interação sintônica com todos os alunos oferecendo-lhes feedback e apoio constantes; h) a promoção de atividades favorecendo: a análise dos sons das palavras e suas estruturas, a associação e o estabelecimento de relação sons-símbolos, a geração de inflexões e derivações das palavras e a análise e produção de textos.

Basicamente salientamos a necessidade do uso de modelos de instrução para estas crianças que fornecessem um contexto bem real, que permitissem a análise e desenvolvimento das tarefas, a consideração das individualidades e experiências das crianças, as trocas de informações, a especificação clara das exigências, a monitoração das estratégias de resolução das tarefas e o feedback imediato.

O trabalho de orientação neste estudo visou ajudar o professor a analisar a sua ação com base no referencial adotado, a tomar decisões e compreender os seus diferentes alunos, a monitorar e ajustar os elementos conceituais apresentados, a induzir estratégias de aprendizagem, realizando todos estes comportamentos simultaneamente.

É também importante salientar que o trabalho de orientação teve, como já dissemos, um foco dirigido para a dinâmica do processo interacional, portanto muitas destas noções mais gerais foram detalhadas em como serem desenvolvidas na relação com os alunos. Na promoção de estratégias para realização das tarefas priorizou-se, por exemplo, o desenvolvimento daquelas baseadas no envolvimento das crianças na resolução dos problemas apresentados, além do uso de estratégias de explicação ou de demonstração constantemente desenvolvidas em sala de aula, quando do ensino de alguma tarefa. Este envolvimento realizado através de diretivas verbais do professor, sobre aspectos relevantes da tarefas permite ao aluno desenvolver uma melhor compreensão das exigências da tarefa e da sua resolução (Stone e col., 1984). Nossas observações têm mostrado que este tipo de instrução é um componente importante da interação orientador-aprendiz. As questões ou afirmações verbais do professor orientam a criança para as etapas necessárias na resolução da tarefa e também servem para mostrar os aspectos relevantes da situação a ser resolvida, que motivaram a fala do professor. Adulto e criança trabalham conjuntamente, em interação, na resolução da tarefa. É óbvio que esta função do professor de promover uma assistência desta forma é bastante complexa pois ele deve balancear o nível de participação da criança mantendo sua contribuição ativa aliada a sua compreensão do que está sendo solicitado.

5. Resultados da proposta colocada em prática

Embora vários resultados e conclusões possam ser tirados deste trabalho, devido aos diferentes aspectos que ele focalizou, relatamos aqui, inicialmente os dados obtidos quanto ao desempenho das crianças. Das 48 crianças relatadas como com dificuldades de aprendizagem, 39 (63%) foram aprovadas para a série seguinte tendo demonstrado, através de avaliações feitas pelas professoras, ter dominado o conteúdo programático exigido; 12 (25%) conseguiram aprovação para a 3a. série vencendo assim exigências de programação da la. e 2a. séries e somente 2 (4%) não conseguiam vencer a programação da 1a. série.

Tais dados ilustram claramente que o primeiro foco de atenção frente a queixas de crianças com dificuldades de aprendizagem deve ser a escola. Evidentemente que foi necessário um trabalho constante de assessoria, que aliado a boa disposição dos professores permitiu o desenrolar de uma atuação adequada, e o enriquecimento de experiências de professores e consultor. É importante ressaltar que esta orientação consistiu num trabalho conjunto de discussões, ponderações e tomadas de decisões e não num trabalho isolado de diferentes profissionais, que é o modelo que impera na nossa realidade e que gera as expectativas que pudemos comprovar a partir da própria solicitação desta escola. As responsabilidades devem ser partilhadas para um bom desenvolvimento das atividades e aproveitamento das crianças. Gostaria de salientar que este aspecto foi muito importante neste trabalho desenvolvido e eu o considero essencial em qualquer atuação realizada com crianças apresentando dificuldades de aprendizagem; a troca de informações entre diferentes profissionais é básica.

Um outro ponto a ser destacado é o de como se desenvolveu o trabalho de consultoria, basicamente seu conteúdo. Orientações dadas para realização de atividades contextualizadas, baseadas nas considerações dos alunos e a preocupação de envolvimento dos mesmos num verdadeiro processo interacional foram a meu ver fatores determinantes destes resultados. Um aspecto a ser ressaltado e obtido através das observações realizadas e dos relatos dos professores é o de que esta atuação permitiu lidar não somente com aspectos cognitivos das tarefas a serem aprendidas mas também com outros aspectos mais amplos da sala de aula como expectativas do professor, ansiedades dos alunos, problemas de conduta e de desinteresse. Evidentemente, que este trabalho tem limitações que não permitem conclusões definitivas sobre relações causais entre os procedimentos adotados e o resultados obtidos. No entanto ele ilustra que o processo interacional em sala de aula frente a criança com dificuldades de aprendizagem pode ser alterado; essa alteração seguindo alguns parâmetros aqui delineados permitiram mudanças visíveis em sala de aula, tanto com relação a comportamentos dos alunos (maior participação, diminuição de comportamentos inadequados, maior criatividade, maior produção) como em relação a comportamentos dos professores (expectativas mais favoráveis com relação aos alunos, aumento na capacidade de percebê-los, enriquecimento de habilidades no desenvolvimento de estratégias de ação) e foram também obtidos os resultados concretos de melhora do rendimento acadêmico.

Gostaríamos ainda de ressaltar que embora tendo focalizado a relação interpessoal como importante na prática pedagógica acreditamos que todas estas colocações também valem para a prática clínica. Os aspectos a serem levados em conta, tanto no que diz respeito as características a serem trabalhadas e a maneira como o trabalho deve ser desenvolvido são pertinentes a qualquer situação que envolva o orientador (clínico, professor) e o aprendiz.

Finalizando quero comentar que apesar de ter me detido em alguns aspectos do quadro de dificuldades de aprendizagem, particularmente do processo interacional a ser mantido na atuação com sujeitos que as apresentam, tomando como base modelos psicológicos desenvolvidos a partir de pressupostos de diferentes teorias de desenvolvimento e aprendizagem, e de ter documentado resultados satisfatórios obtidos em sala de aula, a complexidade do assunto é grande e ele ainda esta aberto a muitas investigações.

  • LYON, C.R. e MOATS, L.C. (1988) Critical Issues in the Instruction of the learning disabled. J. of Consulting and Clinical Psychology 56 (6): 830-835.
  • MARTURANO, E.M. (1986) A relação com a criança na prática psicopedagógica. Anais da XVIa. reunião Anual de Psicologia de Ribeirão Preto. 63-67.
  • MORRIS, R.D. (1988) Classification of Learning Disabilities: Old Problems and New Approaches. J. of Consulting and Clinical Psychology, 56(6): 789-794.
  • PALINCSAR, A.S. & BROWN, DA. (1987) Enhancing instructional time through attention to metacognition. J. of Learning Disabilities 20,66-75.
  • STAMBAK. M.; VIAL, M.; DIATKINE, R.; PLAISANCE, E. e BEAUVAIS, J. (1984) Síntese dos trabalhos. Em J. de Ajuriaquerra e col. A dislexia em questão: dificuldades e fracassos na aprendizagem da língua escrita. P. Alegre: Artes Médicas. 159-171.
  • STONE, C.A. e WERTSCH, J.V. (1984) A social interactional Analysis of Learning Disabilities Remediation. J. of Learning Disabilities, 17(4): 194-199.
  • TAYLOR, H.G. (1988) Neuropsychological Testing: Relevance for Assessing Children's Learning Disabilities. J of Consulting and Clinical Psychology, 56(6):795-800.
  • 1
    . Trabalho apresentado na Mesa Redonda "Aspectos Psicológicos dos Distúrbios e Dificuldades de Aprendizagem", realizado durante o II Seminário sobre Distúrbios e Dificuldades de aprendizagem, em Campinas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 1992
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: paideia@usp.br