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Mudar o ensino?: concepções, perspectivas e valores de professores de 5ª a 8ª séries

Resumos

O artigo relata uma experiência, parte de Projeto mais amplo, visando conduzir professores de 1° grau a refletirem sobre os fundamentos de sua prática e sensibilizá-los à mudança. O trabalho desenvolveu-se em encontros semanais mediante debates, painéis, dramatização, coleta de dados junto a alunos e aplicação da técnica das palavras-chave. Os resultados mostram avanços na tomada de consciência do professor quanto ao próprio papel e aos pressupostos de sua ação, além do predomínio de visão equilibrada sobre o modelo tradicional de ensino e perspectiva positiva quanto a sua mudança. As conclusões apontam para a necessidade constante de o professor rever os fundamentos de sua atuação e de buscar ultrapassar o nível do simples fazer da prática, em direção a sua compreensão.


The paper reports an experience, part of one more extensive Project, intending to lead First Grade teachers to a reasoning about the groundwork of their own practice and to make them sensitive to a change. The work was developed in weekly meetings by means of debates, panels, dramatization, research about pupils' data and application of the key-words technique. The results show advances in the teacher's consciousness about his own role and acting pressupositions and also one balanced view about the traditional teaching model and one positive perspective leading to its change. The conclusions point out to the teacher's constant need of reviewing his acting groundwork and of trying to surpass the mere doing of his practice, and looking forward to its comprehension.


Mudar o ensino? Concepções, perspectivas e valores de professores de 5ª a 8ª séries

Cilene Ribeiro de Sá Leite Chakur

Profa. Assitente-doutor do Depto. de Psicologia da Educação da Faculdade de Ciências e Letras - UNESP/Campua de Araraquara

RESUMO

O artigo relata uma experiência, parte de Projeto mais amplo, visando conduzir professores de 1° grau a refletirem sobre os fundamentos de sua prática e sensibilizá-los à mudança. O trabalho desenvolveu-se em encontros semanais mediante debates, painéis, dramatização, coleta de dados junto a alunos e aplicação da técnica das palavras-chave. Os resultados mostram avanços na tomada de consciência do professor quanto ao próprio papel e aos pressupostos de sua ação, além do predomínio de visão equilibrada sobre o modelo tradicional de ensino e perspectiva positiva quanto a sua mudança. As conclusões apontam para a necessidade constante de o professor rever os fundamentos de sua atuação e de buscar ultrapassar o nível do simples fazer da prática, em direção a sua compreensão.

ABSTRACT

The paper reports an experience, part of one more extensive Project, intending to lead First Grade teachers to a reasoning about the groundwork of their own practice and to make them sensitive to a change. The work was developed in weekly meetings by means of debates, panels, dramatization, research about pupils' data and application of the key-words technique. The results show advances in the teacher's consciousness about his own role and acting pressupositions and also one balanced view about the traditional teaching model and one positive perspective leading to its change. The conclusions point out to the teacher's constant need of reviewing his acting groundwork and of trying to surpass the mere doing of his practice, and looking forward to its comprehension.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte de projeto mais amplo1 1 Projeto subvencionado pela FUNDUNESP. , desenvolvido junto ao NÚCLEO DE ENSINO DE ARARAQUARA, cujo objetivo maior é o de contribuir para a melhoria da qualidade de ensino da escola pública.

Os Núcleos de Ensino, atualmente presentes em treze campus da Universidade Estadual Paulista (UNESP), desenvolvem projetos de pesquisa, intervenção e assessoramento com professores de 1º e 2º graus da Rede Pública. A equipe de pesquisa sobre o ensino de 5ª a 8ª séries, filiada ao Núcleo de Araraquara e sob a coordenação da autora, voltou-se, em certo momento, para a busca de alternativas à prática pedagógica nessas séries. Para tanto, considerou a necessidade de oferecer condições ao professor participante para que refletisse de forma mais aprofundada sobre a própria atuação, levando-o a investigar, analisar e testar alternativas à prática tradicional que, como se sabe, é amplamente disseminada em nossas escolas (Cf. CHAKUR, 1988 e MIZUKAMI, 1986).

Urgia, portanto, colocar em xeque questões cruciais, pertinentes à fundamentação pedagógico-epistemológica do trabalho em sala de aula, e buscar superar a dicotomia entre o fazer e o compreender, tão comum na atuação docente.

A literatura educacional já mostrou suficientemente os tipos de obstáculos enfrentados pelo professor em sua rotina diária: baixos salários e desprestígio profissional, escolas em péssimas condições de funcionamento e organização, precariedade da formação docente, etc. (Cf. BRANDãO, BAETA & ROCHA, 1983; KRAMER, 1989; E PENIN, 1989). A isto se acrescentam os problemas da rotatividade do professor, que nunca sabe em qual escola estará no ano seguinte (o "troca-troca" perpétuo) e de sua itinerância, que o faz trabalhar em várias escolas ao mesmo tempo, a fim de completar a jornada (o eterno "pinga-pinga"). Como revelam DIAS DA SILVA & CHAKUR (1990), estes não são fenômenos meramente administrativos, mas afetam diretamente o trabalho pedagógico nas escolas.

Mas se existem problemas que fogem da alçada individual do professor, porque implicam em alterar a estrutura e o funcionamento administrativos, outros tantos são de mais fácil solução, porque ligados à sala de aula, caso em que o professor deve apropriar-se desse espaço que, aliás, a priori já é seu.

A experiência aqui relatada mostra-se, assim, como uma tentativa de "intervir nos pressupostos" da tarefa docente, procurando sensibilizar o professor a buscar a mudança e a enfrentar a ansiedade de ter que assumir o próprio papel diante de tantos obstáculos com que se depara diariamente.

1. OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS ADOTADOS

O trabalho aqui relatado contrapõe-se e, na verdade, supera as limitações e deficiências das formas comuns de reciclagem e treinamento do professor em serviço, ao conceber este profissional como sujeito ativo e autônomo do processo de ensino.

Sabe-se que, nos sistemas de atualização docente, as propostas emanam dos órgãos centrais e são intermediadas por profissionais que, como lembra KRAMER (1989, p. 194),"não detêm os conhecimentos que levaram à elaboração da proposta nem a prática pedagógica necessária para contextualizá-la, relativizá-la e criticá-la". Essa autora acrescenta que, nessa sistemática, são frequentes as distorções e simplificações, decorrendo também "atitudes de aversão ou rejeição a quaisquer inovações introduzidas (regressividade), passando os professores a identificá-las como alternativas inócuas que em nada se referem às práticas concretas vivenciadas por eles, ou passando a esperar soluções e métodos redentores capazes de ensinar quaisquer crianças em quaisquer circunstâncias." (Op. cit, p. 195).

Dispondo-se a fugir de tais limitações, o projeto em questão (CHAKUR, 1990) voltou-se para o objetivo geral de pensar alternativas à prática tradicional de ensino nas séries finais do º grau. Em particular, buscou fazer um levantamento, análise e discussão de certos aspectos do referencial pedagógico-ideológico do trabalho docente, conduzindo o professor a refletir sobre a própria prática e sensibilizando-o à mudança.

O projeto teve duração de um ano e envolveu 28 professores de 5ª a 8ª séries da Rede Estadual de Ensino de Araraquara, de seis disciplinas distintas (Matemática, Português, Geografia, Ciências, Educação Física e Educação Artística), 07 docentes-assessores da universidade, especialistas em certas áreas do conhecimento, e 03 estagiárias, alunas de cursos de graduação.

As atividades eram desenvolvidas em dois encontros semanais, reunindo seja o Grande Grupo (todos os participantes), seja o Grupo Coordenador (composto pelos professores universitários, o professor-coordenador de 1º grau de cada disciplina e estagiárias). Como procedimentos, foram utilizados, entre outros, discussão de textos científicos, painéis, coleta, análise e discussão de informações obtidas junto a alunos, dramatização, debate de temas sugeridos pelos próprios professores - entre os quais, papel do professor e trabalho em sala de aula, fracasso escolar e avaliação e motivação -, registros de depoimentos individuais em momentos de debate e a técnica das palavras-chave.

A técnica das palavras-chave resume-se na solicitação ao informante para que "escreva tudo o que viera mente', durante um minuto, ao ouvir certa palavra ou expressão. Foi aplicada aos professores ao final do projeto, elegendo-se as expressões ensino tradicional e mudança no ensino, de modo a verificar, de forma mais controlada, possíveis alterações conceituais e atitudinais do grupo em função das atividades desenvolvidas durante o ano e tendo em vista os depoimentos inicialmente obtidos.

As respostas, em cada caso, foram submetidas à análise de conteúdo e categorizadas segundo os critérios visão valorativa dos professores quanto à prática pedagógica tradicional, valor da expectativa de cada um frente à mudança no ensino e agente de mudança.

A análise de conteúdo revelou-se igualmente útil para identificar e categorizar os depoimentos dos professores, registrados literalmente durante os debates.

As nuances dos procedimentos empregados (como a técnica utilizada na dramatização), além das formas e categorias de análise, conforme o caso, serão detalhadas oportunamente.

2. RESULTADOS

Os resultados aqui apresentados, além de parciais, devem ser considerados provisórios, necessitando exploração mais sistematizada de um trabalho a longo prazo, mesmo porque a grande maioria dos professores-informantes continua a participar dos projetos do Núcleo, renovados a cada ano.

2.1. A dificuldade de assumir o próprio papel

Constatou-se que o papel do professor, tema amplamente debatido ao longo do ano, era visto inicialmente como dependente de outros fatores que não o próprio professor - seja das condições do aluno (intelectuais ou motivacionais, por exemplo), seja da estrutura social mais ampla. Os professores não chegavam a assumir o próprio papel, apresentando visão parcial, e mesmo certa auto-negação, além de tentarem omitir-se da responsabilidade que lhes cabe - tudo isso aliado a um sentimento de culpabilidade frequentemente camuflado.

Exemplos de depoimentos colhidos no início do projeto ilustram os traços acima. Discutia-se, na ocasião, se o papel do professor constituia-se ou não em "ponte'' entre o conhecimento e o aluno:

- "O professor é a ponte do rio que cai".

- "A ponte não chega a existir, porque o aluno não está a fim".

- "Você mostra o caminho, ele quer ir pelos atalhos".

- "O papel do professor é adequar-se às mudanças da sociedade".

A análise de depoimentos solicitados por escrito mostrou que, na maioria das vezes, os professores caracterizavam o seu papel recorrendo a aspectos que lhes são próprios: "ensinar os alunos sobre o assunto que ele planejou para dar sua aula" (aspecto técnico-pedagógico), "contribuir para a formação do indivíduo, educar para a vida" (aspecto social), "ter domínio de sua área" (aspecto profissional) são alguns exemplos. Mas também levantavam muitos outros traços que não são absolutamente de sua competência, sendo estes categorizados como não-próprios. Tais são os casos de "palhaço", "babá", "doutor", "artista" e "mágico".

O mesmo tema foi levado a classes de 5ª a 8ª séries, nas quais os professores lecionavam. Interessados em "se ver através dos olhos do aluno", os próprios professores tomaram a iniciativa de perguntar às classes, entre outras coisas, o que consideravam ser o papel do professor.

A análise qualitativa das respostas dos alunos, realizada pelo Grande Grupo, trouxe de volta categorias semelhantes às já encontradas entre os professores.

Segundo o critério aspectos próprios, foram obtidas respostas tais como: "precisa ler junto com o aluno, explicar, dar exercício, corrigir" (aspecto técnico-pedagógico); "ter responsabilidade pelo futuro do país'' (aspecto social); "não deixar o salário influenciar na qualidade do ensino" (político-existencial); "mandar maus elementos para a diretoria" (moral);' 'que entendam nossos problemas e não reprimam nossos atos" (psicológico).

Quanto às respostas que sugerem aspectos não-próprios, ilustramos exemplos: "é o segundo pai"; "ser bem humorado" não levar problema de casa para a escola''.

Bastante revelador das representações e sentimentos dos alunos, muitos acrescentaram queixas, reivindicações e anseios de mudança: "ele atribui a culpa só ao aluno"; "tem que exigir bastante, ser rigoroso"; "não mandar decorar questionário"; "modificar a aula, levando pra excursões, usar vídeo".

Nota-se, assim, que nem sempre o "professor bonzinho" é o preferido: há que ser "legal e enérgico, ao mesmo tempo", como expressou um aluno.

O que importa, contudo, é que o aluno parece ter uma imagem mais ou menos bem definida de "ser professor", que raramente é conhecida (ou reconhecida) por este. Um levantamento desse tipo, de fácil realização, constitui-se em recurso bastante útil ao professor, contribuindo para a revisão e/ou compreensão do referencial pedagógico e ideológico que sustenta o seu trabalho.

Ao final do projeto, notou-se que os professores revelavam concepções e atitudes mais realistas, e mesmo certo amadurecimento quanto à necessidade de assumir o próprio papel, como mostra a experiência relatada a seguir, com o recurso da dramatização.

Naquele momento, o grupo abordava a questão da avaliação escolar - especificamente, o papel das expectativas do professor no rendimento do aluno ("profecia auto-realizadora"). Solicitou-se, então, aos participantes reunidos em pequenos grupos que criassem e dramatizassem uma situação escolar, utilizando máscaras que identificassem os diferentes papéis pertinentes à situação escolhida. Cada máscara (de aluno, professor, pai, por exemplo) seria confeccionada pelo próprio ator e a representação deveria traduzir a posição do grupo a respeito do tema.

Em clima bastante descontraído, foi surpreendente observar que os atores conseguiam aceitar pacificamente o fato de que suas expectativas (melhor dizendo, as do "personagem-professor") podem realmente ter efeitos sobreo rendimento do aluno. Destacaram-se, nitidamente, o aluno marginalizado, mantido à distância até fisicamente - no fundo da sala - (porque "relapso", ou "fez três vezes a 5ª série" ou "não faz tarefa") e os "preferidos", expressa ou veladamente, melhor atendidos (porque "é o que vai passar de ano", ou "é tão boazinha", a que "tem o caderno em ordem, a melhor aluna da classe'").

Mais ainda, os professores conseguiram colocar-se da perspectiva do aluno, chegando a manifestar as dificuldades que este sente comumente e denunciando, de modo caricatural, alguns comportamentos e personagens prototípicos. Pelas máscaras e desempenhos, podiam ser identificados com precisão o aluno "puxa-saco'*, o "diabinhoda classe", o "apático", a "sabichona", o "burrinho", o "questionador" e o "japonês-cobra". Tais rótulos, úteis talvez ao observador, em nenhum momento da dramatização foram verbalizados nesses termos pelos professores.

Certos trechos de diálogos são bem ilustrativos das representações:

- "Professora, como a senhora tá bonita hoje"

- "Professora, pode conta piada de português? Se perde esse livrinho, heim?

Professora, pode arrumá a borsa pra ir embora?"

- "(Aluno chamado à lousa) Eu não vou, não entendi! Por que a senhora não explica de novo?"

- "(Aula sobre equação) Eu vou usar isso aonde?"

As figuras de professor também suscitaram seus rótulos (igualmente não explicitados), sutilmente traduzidos nas máscaras: o preconceituoso "que-tem-protegidos" (máscara montada de perfil, com visão direcionada geralmente para o "bom aluno"), o "palhaço" (identificado na discussão como o "artista completo", que desempenha papéis múltiplos e concomitantes) e a "arrumadinha brega" (o protótipo de óculos, bem arrumada e com jeito de certinha), entre outros.

Mesmo na ausência do contexto original, as frases seguintes são sintomáticas:

- "Chega no final do ano, ela vai passar e você fica!"

- "(Professor de Educação Física chegando atrasado) Eu já falei que quando chove não tem aula, né? Fazendo fila aí! Cobrir! Quero todo mundo comportado. Tem pouca bola na escola."

- "Você sempre foi uma aluna relapsa!"

- "Bem que falaram que você é um pé no saco!"

Na discussão final da atividade, diante da questão dos estereótipos e do fato de que muitos retiravam a máscara para falar, as observações pertinentes de duas professoras:

- "Todas as máscaras foram rotuladas e a gente teria que assumir a máscara. E o que se fez foi cada um se distanciar dos rótulos."

- "Só apareceu o mau professor. Por que ninguém descreveu o bom professor, aquele que vai lá, junto do aluno, tentando mais com ele? Ninguém representou o professor que se dedicava ao aluno apático, o que se interessava por alunos-problema...

Também ao final do projeto, por ocasião do debate sobre o tema motivação em sala de aula, notou-se que, do levantamento das condições motivadoras, realizado em painel pelos professores, sobressaía-se a preocupação com a própria responsabilidade quanto à condução e às consequências do processo de ensino, inicialmente não observada. Essa mudança revelou-se, por exemplo, através do rol de fatores motivadores (consentido por todos), entre os quais foram apontados a pessoa do professor (sua disposição para o ensino, o prazer ou desprazer com o trabalho), o assunto tratado em aula (uns difíceis, outros "chatos"), a dinamicidade da aula (monótona ou atrativa) e o interesse demonstrado pelo professor por cada um de seus alunos.

Apesar da resistência de alguns em assumir o próprio papel, ficou claro que quase todas as condições motivadoras arroladas pelo grupo eram relativas ao seu trabalho e são de sua responsabilidade.

2.2. A "mudança equilibrada"

As concepções e atitudes dos professores relativamente ao ensino tradicional e à mudança no ensino foram investigadas mediante aplicação da técnica das palavras-chave, ao final do projeto, tomando-se separadamente as duas expressões.

Quanto a ensino tradicional, a análise de conteúdo centrou-se na visão valorativa de cada professor a respeito, chegando-se a 04 categorias distintas, de que são dados exemplos:

. Visão negativa - "Todas as outras formas de atividade que fogem do giz, lousa e saliva têm dado melhor resultado. O ensino tradicional não leva em conta a criatividade do aluno".

. Visão positiva - "Dava mais resultado. O professor obtinha mais retorno de seus alunos".

. Visão equilibrada - "É necessário ser repensado, para daí propormos mudanças. Pesar os prós e contras, buscar alternativas".

. Visão indefinida - "A repetição de quando éramos alunos. Hoje, imitamos nossos professores usando-os como molde".

Para a expressão mudança no ensino, a análise das respostas obedeceu a dois critérios, o valor (positivo/negativo) da perspectiva de cada um frente à mudança e o agente que pode viabilizá-la. Casos não identificados foram categorizados como indefinidos. Os exemplos abaixo ilustram os dois critérios de análise.

. Perspectiva positiva/professor como agente - "Precisaria começar pelo professor. Achar que não dá certo e não investir é cômodo".

. Perspectiva positiva/professor e agentes escolares - "Só irá dar resultados quando houver integração de todos ligados à educação e, principalmente, a vontade e luta do professor".

. Perspectiva positiva/professor e agentes extra-escolares - "Deveria começar desde as cabeças que controlam nosso Estado e também as cabeças dos professores, para se conseguir algo".

. Perspectiva negativa/agente indefinido -'' Seria algo muito bom, mas um tanto sonhador. Duvido que isso ocorra''.

Os dados, obtidos de 24 informantes2 2 Não constam dados dos professores universitários. , estão apresentados nas Figuras 1 (visões do ensino tradicional), 2 (perspectivas de mudança no ensino) e 3 (agentes de mudança), em frequências porcentuais.


Observa-se, pela Figura 1, que a visão equilibrada de ensino tradicional é a mais frequente no grupo (50%). Mas boa parte (25%) considera nada existir de aproveitável nesse modelo de ensino.

Nas discussões a respeito, realizadas em outra ocasião, a maioria dos participantes discordara dos traços básicos da Pedagogia Tradicional, tais como a ênfase no verbalismo e na reprodução de conhecimentos dados "prontos", as concepções de passividade do aluno, de aprendizagem como aquisição de modelos e de educação enquanto produto (Cf. MIZUK AMI, 1986). Mas a maioria também concordara que era esse o padrão de ensino presente em nossas escolas, do qual o grupo não escapava. E buscava a mudança.

A perspectiva de mudança revelou-se, no caso, de forma predominantemente positiva, como mostram os dados da Figura 2: 91,7% dos informantes concebem a mudança no ensino como algo viável, possível de concretizar-se. Dentre estes, mais de 70% consideram-na como de responsabilidade do professor e/ou de outros agentes escolares (Figura 3). Bem poucos condicionam a mudança à atuação de agentes extra-escolares e, quando o fazem, logo complementam com a figura do professor. Apenas 01, dos 24 informantes, apresenta expectativa negativa a respeito.



Vale mais pensar, no entanto, com o espírito da maioria: mudança no ensino "é o que nós estamos tentando fazer aqui. O que for possível e depender de nós, deve ser feito".

3. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Os resultados obtidos, embora provisórios, ressaltam algumas conquistas que merecem ser comentadas.

A socialização dos problemas e dificuldades enfrentadas pelos professores no cotidiano escolar, bem como a explicitação de suas concepções e atitudes diante de temas educacionais relevantes, parecem ter sido fatores importantes para, de um lado, diminuir a ansiedade sentida e, de outro, sensibilizá-los para situar claramente o espaço próprio de sua atuação.

Mas a simples troca de idéias e experiências, úteis como ponto de partida, não basta para gerar alterações de peso a nível tanto ideológico quanto pedagógico, sob pena de se recair na circularidade e no desgaste.

O estudo de textos científicos - hábito raro entre professores - e a discussão e reflexão conjunta dos referenciais da prática pedagógica, aos poucos revelados, conduziram os professores a tentar apropriar-se do seu espaço e assumir o papel que lhes cabe, redefinindo-o e até mesmo buscando, por iniciativa própria, conhecer a contrapartida da perspectiva do aluno, que, afinal, não se revelou tão diferente assim.

A visão muitas vezes dicotomizada e maniqueísta do professor acerca do aluno (há os "fortes" e os "fracos", os "bons'' e os "maus'' alunos), a relação assimétrica professor-aluno, submetida à rotina institucionalizada (Cf. DAVIS, SILVA & ESPOSITO, 1989), as clássicas explicações do fracasso escolar - baixo QI, imaturidade, "carência afetiva", etc. (Cf. BRANDãO, BAETA & ROCHA, 1983; PENIN, 1989) - são sinais ideológicos que, seguramente, contribuem para uma consciência distorcida da própria atuação, impedindo o professor de investir plenamente em seu papel.

Outro traço ideológico manifesto no trabalho docente refere-se às expectativas do professor quanto ao rendimento do aluno. Muitas pesquisas a respeito apontam o efeito negativo de certas expectativas3 3 Na verdade, o estudo bibliográfico bastante abrangente de RASCHE & KUDE (1986) recomenda certos cuidados na interpretação do fenômeno da profecia auto-realizadora: há evidência de que a expectativa do professor "não enviesa o desempenho do aluno", mas "o mantém em níveis indesejáveis". Outro aspecto do problema é que o aluno procura desempenhar-se segundo sua auto-imagem e, simultaneamente, corresponder às expectativas do professor, mesmo se negativas. . Apesar de delicado, já que pode acirrar o velho sentimento de culpabilidade do professor, o tema foi tratado no projeto de forma clara e honesta, recorrendo-se à discussão de um texto dirigido a professores (TAPAJÓS, 1987) e à técnica de dramatização com máscaras.

Como salientado, o grupo conseguiu representar, de modo bastante nítido - e consciente -, comportamentos e atitudes preconcebidas com relação ao aluno, chegando a aceitar o fato de que suas expectativas realmente podem concretizar-se. Embora ainda com uma ponta de resistência (denunciada por muitos que retiravam a máscara antes de falar), as posições dos atores revelaram certo grau de amadurecimento quanto à própria responsabilidade, a ponto de chegarem a caricaturas de figuras prototípicas do professor. Mais que isto, os professores conseguiram posicionar-se da perspectiva do aluno, transmitindo as dificuldades, comportamentos, verbalizações e atitudes críticas mais comuns entre estudantes.

Resultados igualmente significativos são os relativos à visão de ensino tradicional e à perspectiva de sua alteração.

É comum encontrar-se, no trabalho docente, defasagem mais ou menos profunda entre o real e o desejável, entre o efetivado e o propagado (CHAKUR, 1989). Os autores costumam traduzir essa defasagem em termos de descompasso entre teoria e prática (Cf. PENIN, 1989). Quando têm oportunidade, os professores chegam mesmo a demonstrar preferência por certas teorias, mas agem de modo totalmente diverso na prática (MIZUKAMI, 1986).

No caso, porém, dos professores desta pesquisa, eles parecem ter plena consciência de que atuam obedecendo ao modelo tradicional de ensino, consciência que talvez seja função do processo que desenvolveram, de socialização de experiências. Certos depoimentos são significativos a este respeito:

- "Tem certas disciplinas que, por mais que você tente colorir, você não vai sair daquele tradicional."

- "Apesar de conteúdos novos, os métodos são arcaicos."

- "É lousa, giz, saliva, livro - falar e escutar."

Por outro lado, há evidência de que o professorado não dispõe de repertório para agir diferentemente do tradicional (DIAS DA SILVA & CHAKUR, 1990). E, como ficou claro, embora reconheçam que este modelo apresenta deficiências e falhas a nível teórico, os professores não chegam a negá-lo totalmente, talvez em função das exigências da rotina diária, que vêm se refletindo na experiência profissional de cada um. Daí, então, a "visão equilibrada" quanto ao ensino tradicional.

Mas não por isso deve-se inferir a existência de perspectiva negativa de alteração dessa prática entre os professores. Como visto, a grande maioria considera-a viável, como também é grande a proporção dos que apontam a si próprios como os principais agentes de mudança.

Aquela visão equilibrada e a perspectiva positiva de mudança não bastam, porém, para que se chegue a experimentar alternativas em sala de aula que fujam das "lições" diárias, do verbalismo e da exigência de reproduções sem sentido: há que se rever os fundamentos do trabalho docente.

PIAGET (1976), que não era educador, há mais de 30 anos atrás já afirmava que "O drama da pedagogia, como, aliás, o da medicina e de outros ramos mais que compartilham, ao mesmo tempo, da arte e da ciência, é de fato, o de que os melhores métodos são os mais difíceis: não se pode utilizar um método socrático sem ter adquirido, previamente, algumas qualidades de SÓCRATES, a começar por certo respeito à inteligência em formação." (p. 75).

É, portanto, tarefa urgente do professor buscar compreender os pressupostos que fundamentam sua ação, revê-los e reconstruí-los em novas bases.

Vale lembrar PIAGET mais uma vez, com a conclusão a que chegou esse grande pensador que se dedicou a vida inteira a desvendar os "mistérios do pensamento": "fazer é compreender em ação uma dada situação em grau suficiente para atingir os fins propostos, e compreender é conseguir dominar, em pensamento, as mesmas situações até poder resolver os problemas por elas levantados, em relação ao porquê e ao como das ligações constatadas e, por outro lado, utilizadas na ação " (PIAGET, 1978, P. 175, grifos apostos). Em suma, compreender "consiste em isolar a razão das coisas, enquanto fazer é somente utilizá-las com sucesso, o que é, certamente, uma condição preliminar da compreensão, mas que esta ultrapassa, visto que atinge um saber que precede a ação e pode abster-se dela." (Op. Cit, p. 179).

A psicologia, aliás, já demonstrou suficientemente que boa parte das condutas humanas, como também seus mecanismos internos, permanece inconsciente, sendo necessário o concurso da tomada de consciência que, por sua vez, aplicada àquelas condutas, torna-se capaz de modificá-las.

Não se reduzindo a um "processo de iluminação", mas consistindo, ao invés, de uma passagem da ação ou da "consciência elementar'' ou imediata4 4 PIAGET (1978) define consciência elementar como aquela ligada a dados imediatamente percebidos e aos resultados da ação enquanto êxito ou fracasso. à representação conceituada, a tomada de consciência constitui-se em verdadeira construção, comportando a escolha deliberada de novos meios em função dos objetivos propósitos.

Assim sendo, pode-se perceber quão difícil se torna aplicar esse processo ao trabalho docente, submetido como é às vicissitudes do cotidiano e às "razões de outras consciências''. Daí a tendência comum entre os professores de rejeitar ou negligenciar aspectos de sua ação ou da situação total que "não se encaixam" em sua compreensão habitual, porque contradizem suas representações e concepções a respeito - o que favorece deformações de todo tipo.

Mas permanecendo aqueles aspectos como potencialmente perturbadores no fazer docente, chegará um momento em que sua pressão exigirá a superação do "recalcamento cognitivo'' aí presente e, portanto, a passagem da consciência elementar da prática à revisão, (re)construção e domínio dos seus pressupostos.

É, pois, nesse sentido que se pretende caminhar, partindo das conquistas até aqui obtidas, julgadas ainda parciais.

Por fim, é necessário salientar outros frutos do presente trabalho, que tem se refletido em várias esferas.

No âmbito da universidade, o trabalho tem contribuído para a atualização constante dos professores universitários participantes, repercutindo, em consequência, na formação dos alunos: os conteúdos são melhor contextualizados em aula, há utilização de exemplos concretos e maior compreensão da vida escolar.

A oportunidade de um estágio universitário não regular também contribui mais diretamente para a formação de licenciandos, que adquirem conhecimento mais próximo da realidade com que vão lidar, em função da estreita convivência com profissionais já atuantes.

Do ponto de vista dos professores de 1 ° grau participantes do projeto, o trabalho pode ter oferecido múltiplas e variadas formas de contribuição. Pelos depoimentos, comportamentos e atitudes observados, parecem ter adquirido visão mais realista e consciente relativamente ao aluno e as suas dificuldades, certo amadurecimento quanto à necessidade de assumira identidade profissional e maior conhecimento da prática que efetivam, mas também de alternativas para mudá-la. Mais importante, parecem ter adquirido certo grau de autonomia no desenvolvimento dessa prática e no desempenho do próprio papel.

Especificamente quanto à atuação pedagógica, há sinais de ter havido mudanças significativas, embora não se possa, evidentemente, generalizar. Para uns, foi visível a mudança na relação professor-aluno em sala de aula; para outros, a socialização das dificuldades e a troca de experiências redundaram em alteração na rotina das aulas e no tratamento autônomo dos problemas; outros, ainda, enveredaram pela experimentação de procedimentos alternativos ao tradicional e de proposta de atividades "diferentes" aos alunos.

Uma experiência desse tipo mostra, enfim, que é possível superar certas limitações do cotidiano escolar, partindo de condições reais, presentes no dia-a-dia do professor. Afinal, como afirma PENIN (1989, p. 120), "o cotidiano, apesar de programado, é também o nascedouro de mudanças sociais". Mas "só pode ser compreendido se seus participantes se tornarem sujeitos ativos e conscientes da sua situação de agentes da história, se entenderem a manipulação da qual são sujeitos no seio da programação moderna; enfim, se desejarem conhecer seu cotidiano e suas experiências cotidianas." (Op. Cit, p. 160).

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  • PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1976.
  • ________, Fazer e Compreender São Paulo, Melhoramentos, 1978.
  • RASCHE, V. M. M. & KUDE, V. M. M. Pigmalião em sala de aula: quinze anos sobre as expectativas do professor. Cadernos de Pesquisa (57): 61-70, 1986.
  • TAPAJÓS, T. Como se escreve (por linhas tortas) o fracasso escolar de uma criança. Revista Nova Escola 2 (17): 10-14, 1987.
  • 1
    Projeto subvencionado pela FUNDUNESP.
  • 2
    Não constam dados dos professores universitários.
  • 3
    Na verdade, o estudo bibliográfico bastante abrangente de RASCHE & KUDE (1986) recomenda certos cuidados na interpretação do fenômeno da profecia auto-realizadora: há evidência de que a expectativa do professor "não enviesa o desempenho do aluno", mas "o mantém em níveis indesejáveis". Outro aspecto do problema é que o aluno procura desempenhar-se segundo sua auto-imagem e, simultaneamente, corresponder às expectativas do professor, mesmo se negativas.
  • 4
    PIAGET (1978) define consciência elementar como aquela ligada a dados imediatamente percebidos e aos resultados da ação enquanto êxito ou fracasso.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 1994
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