Acessibilidade / Reportar erro

A questão ontológica da percepção de cor

The ontological issue of color perception

Resumos

O presente estudo focaliza as questões sobre a ontologia da cor, essencialmente a discussão entre Fisicalismo e Subjetivismo. Analisando estes debates, entre uma concepção físicalista, que considera a cor uma propriedade física dos objetos externos, e uma concepção subjetivista, em que a cor é identificada com um processamento mental, encontrou-se argumentação diversa, desde questões silogísticas até evidências experimentais. Entretanto, uma hipótese alternativa é oferecida, o Psicofisicalismo, em que evidências da psicofísica da cor e modelos evolucionários fornecem uma descrição da essência da cor. A cor deve ser considerada uma propriedade dual, com uma vertente física e uma psicológica estreitamente relacionadas.

Percepção visual; Visão de cores; Psicofísica Sensorial


The present study focuses on ontological issues about color, essentially the debate between Physicalism and Subjectivism. Analyzing those discussions, between a physical conception, considering color as a physical property of external objects, and a subjectivist one, which identify color with mental processing, we found syllogistical problems, experimental evidences, and other kinds of arguments supporting the conceptions. Nevertheless, an alternative hypothesis is offered, Psychophysicalism, in which psychophysical experimental support and evolutionary models provide a description of color ontology. Color must be considered a dual property, owning a physical and a psychological feature that are tightly related.

Visual perception; Color vision; Sensorial psychophysics


A questão ontológica da percepção de cor

The ontological issue of color perception

Elton Hiroshi Matsushima

FFCL RP- Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Elton Hiroshi Matsushima Programa de Pós-Graduação em Psicologia Laboratório de Psicologia Experimental Humana - Bloco D Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre Cep, 14040-901, Ribeirão Preto - SP E-mail: matsushima@uol.com.br

RESUMO

O presente estudo focaliza as questões sobre a ontologia da cor, essencialmente a discussão entre Fisicalismo e Subjetivismo. Analisando estes debates, entre uma concepção físicalista, que considera a cor uma propriedade física dos objetos externos, e uma concepção subjetivista, em que a cor é identificada com um processamento mental, encontrou-se argumentação diversa, desde questões silogísticas até evidências experimentais. Entretanto, uma hipótese alternativa é oferecida, o Psicofisicalismo, em que evidências da psicofísica da cor e modelos evolucionários fornecem uma descrição da essência da cor. A cor deve ser considerada uma propriedade dual, com uma vertente física e uma psicológica estreitamente relacionadas.

Palavras-chave: Percepção visual; Visão de cores; Psicofísica Sensorial.

ABSTRACT

The present study focuses on ontological issues about color, essentially the debate between Physicalism and Subjectivism. Analyzing those discussions, between a physical conception, considering color as a physical property of external objects, and a subjectivist one, which identify color with mental processing, we found syllogistical problems, experimental evidences, and other kinds of arguments supporting the conceptions. Nevertheless, an alternative hypothesis is offered, Psychophysicalism, in which psychophysical experimental support and evolutionary models provide a description of color ontology. Color must be considered a dual property, owning a physical and a psychological feature that are tightly related.

Key words: Visual perception; Color vision; Sensorial psychophysics.

Introdução

Desde a década passada inúmeros esforços, em escala mundial, têm se dedicado a padronizar os sistemas de colorimetria de modo a alcançar maior congruência nos emparelhamentos entre os padrões cromáticos calculados e as cores percebidas (Schanda, 1998). Por outro lado, mesmo com a publicação de novas padronizações das matrizes colorimétricas, deve-se atentar para o fato de que a cor é um fenômeno perceptual, e como tal, não é totalmente fidedigno, possuindo diversas fontes de variabilidade. Desta forma, os resultados das funções colorimétricas, que são baseadas em médias dos dados de muitos observadores, não devem se ajustar perfeitamente às experiências cromáticas de um indivíduo. Logo, os sistemas colorimétricos serão aproximações que apenas poderão ser capazes de identificar alguns desvios esperados (Schanda, 1998).

Entretanto, estas questões estão no lado específico das ontológicas que polemizam os fundamentos das teorias da percepção de cor e que está calcado na idéia de que a cor é uma propriedade do meio externo, captada pelos nossos aparelhos sensoriais e traduzida em atividade cortical que produz a sua percepção.

Esta concepção segue as idéias de Hilbert (1987, apud Ross, 2001a), que postulou serem as cores propriedades físicas dos objetos, denominadas reflectância das superfícies, fundando uma abordagem Fisicalista da percepção (ou realismo da cor, Thomas, 2001), que possui como defensores Lawrence Maloney, Mohan Matthen e Fred Dretske. Do outro lado da polêmica está Hardin (1993, apud Ross, 2001a), defensor de um Subjetivismo, que considera as cores não como propriedades físicas, mas como produtos do processamento mental; neste caso, seus correligionários são Edward Land, Semir Zeki e James McGilvrey.

Contra um Subjetivismo da Cor

Ross (2001a), analisando os argumentos que sustentam o Subjetivismo, verificou que há um primeiro argumento que nega que nossas categorias comuns de cores sejam correspondentes e explicáveis pelos aspectos físicos. Um segundo afirma que nossas categorias comuns de cores correspondem e podem ser explicadas em termos de processamentos neurais do sistema visual humano. Da mesma forma, o terceiro, o pressuposto filosófico, sustenta que a possibilidade de identificação de cores vem de propriedades que naturalmente se ajustam às estruturas de categorias do espaço cromático perceptivo, daí a conclusão de que elas não podem ser colocadas como parte física dos objetos, mas somente como processos neurais do sistema visual humano.

Quanto ao primeiro argumento, o autor o considera como um achado inequívoco das pesquisas com percepção de cor: que para cada uma existe um número indefinido de metâmeros que se parecem com ela. O segundo argumento é alvo de grande consenso junto às ciências visuais, configurando-se como uma proposição geral de ligação; ou seja, assertivas que se estruturam como "sinais neurais idênticos estatisticamente implicam sensações estatisticamente indiscrimináveis" (Teller, 1984, p. 1236, apud Ross, 2001 a). Entretanto, para o pressuposto filosófico, que Ross (2001a) denominou de restrição da categoria correspondente, o autor considera que este se configura como um pressuposto substantivo, ou seja, embora seja um sustentáculo da argumentação, se negado, arruina toda ela.

Ross (2001a) identifica três abordagens subjetivistas: a adverbialista, a da proposta da cor virtual, e a do dado sensorial. Nesta última, as cores percebidas são produto da relação entre o percebedor e o dado sensorial. A natureza desta relação é mental, ou seja, o ato de perceber os objetos físicos é realizado no meio mental, como se fosse um arranjo de objetos mentais "fisicamente" localizados.

O subjetivismo adverbialista sustenta que as cores percebidas são entendidas como processos mentais dos próprios percebedores e não propriedades mentais de objetos mentais. Então, a cor azul percebida deve ser referida como percebendo "azulmente", pois não se está percebendo uma qualidade do objeto mental, percebe-se uma qualidade sensorial, um atributo do próprio ato de perceber.

A proposta da cor virtual, nomenclatura sugerida por Ross (2001a), cujo maior defensor é o próprio Hardin, postula que somente as qualidades sensoriais, a saber, os processos mentais ou eventos da experiência visual, realmente existem. As cores seriam então meramente propriedades representadas, ou propriedades físicas virtuais, ou seja, embora representamos visualmente objetos físicos coloridos, eles são incolores na realidade, e sua cor é produto de nosso processamento mental.

Segundo Ross (2001a), o subjetivismo adverbialista deve ser rejeitado tal que dois problemas fundamentais para a organização do espaço visual não encontram soluções dentro desta abordagem: o problema das múltiplas propriedades e o da propriedade de binding. O primeiro diz respeito a como o subjetivismo adverbialista forneceria uma descrição dos processos necessários para descrever a distinção de duas cenas, um círculo vermelho dentro de um quadrado verde, e um círculo verde dentro de um quadrado vermelho. O outro diz respeito a uma propriedade do processamento neural que relata que matizes, brilho e forma são processados em diferentes partes do cérebro, então, uma descrição do espaço visual que seja não-relacional não poderia resolver esta separação da informação visual. Não resolvendo o problema do binding, o percebedor do subjetivismo adverbialista também não poderia resolver o problema das muitas propriedades.

Quanto ao subjetivismo do dado sensorial, todas as objeções atribuídas às linhas de argumentação anteriormente se ajustam aqui, dado que para este a cor é produto do processamento neural, e não uma propriedade física, pois as categorias perceptuais de cor não correspondem e nem são explicadas por alguma propriedade física, mas correspondem e podem ser explicadas em termos de processamento neural. Entretanto, Ross já refutou esta linha de argumentação, rejeitando o subjetivismo do dado sensorial.

O problema da proposta da cor virtual não está nem no problema das muitas propriedades nem no do binding, mas, fundamentalmente, na definição de cor percebida. Maund (1995, apud Ross, 2001a) estabelece que a cor percebida é uma propriedade virtual a partir de um critério de argumentação por eliminação de possibilidades. Definindo-a como uma amplitude de propriedades intrínsecas dos objetos físicos que pudessem corresponder a e explicar as relações representadas no espaço cromático, e não encontrando tal propriedade nos objetos físicos, Maund então conclui que a cor percebida é virtual, não está nos objetos, é apenas um produto do processamento neural. E com isso, Maund não consegue dar uma descrição adequada do impactante aspecto qualitativo da percepção de cores, em que percebemos as cores como uma característica intrínseca dos objetos.

A partir destas objeções e rejeições às abordagens subjetivistas, Ross acredita que forneceu evidências para o Fisicalismo, mais precisamente o que ele denominou de fisicalismo disjuntivo, no qual as cores percebidas são propriedades físicas disjuntivas dos objetos físicos, ou seja, elas não determinam necessariamente, par a par, uma dada categoria de cor, mas agrupam alternativas em suas categorias. De modo diverso ao subjetivismo, o fisicalismo disjuntivo estabeleceria que os processamentos neurais, que explicariam nossas categorias comuns de cor, proporcionariam meramente um modo de acessas as cores físicas. Tal assertiva possibilitaria que os mesmos processamentos neurais se relacionariam a números indefinidos de metâmeros, logo, mesmo que estas propriedades sejam fisicamente distintas, pode-se percebê-las como uma mesma cor percebida.

Em defesa do Subjetivismo

McGilvray (2001), contrargumentando à exposição de Ross (2001a), destaca que a análise do Problema da Localização não se constitui como um problema contra o subjetivismo. O espaço de cores e localizações pode ser estruturado como um esboço representado em um sistema de coordenadas hexadimensional, com as coordenadas de localização altura, azimute, e profundidade (AAP), e com as coordenadas de cores, matiz, luminância e saturação (MLS). Este espaço pode seguir os princípios que o subjetivismo adverbialista, do qual ele é defensor, estabeleceu. Uma representação com este sistema de coordenadas, baseada num esboço retinotópico, pode prover descrições completamente baseadas em termos neurais. Mas ao se utilizar das idéias de Marr (1982), McGilvray (2001) entrou num terreno impróprio para subjetivistas, pois que apesar do modelo computacional de Marr levar em conta somente aspectos da informação retinotópica nas formulações, ele propõe um modelo que pretende dar conta das necessidades adaptativas dos seres sensientes, ou seja, procuram especificar um mundo externo em informações úteis ao seres para manejarem este ambiente em favor de sua sobrevivência.

Revonsuo (2001), por sua vez, coloca que Ross (2001a) acredita que as qualidades fenomênicas são propriedades físicas dos objetos do mundo externo, e então se questiona como algo que é ontologicamente distinto e antecedente ao campo visual fenomênico pode causar algum evento neste. Feito isso, ele interpreta que a argumentação de Ross o leva a igualar o campo visual fenomênico com o campo dos estímulos externos, pois que ele não leva em consideração a teoria causal da percepção, a qual diferencia a cor (que reside na experiência visual consciente), dos correlatos neurais diretos à cor (estados do sistema nervoso que covariam com a experiência visual consciente), do estímulo proximal (na retina), e dos antecedentes causais externos (estímulos distais, ou físicos). O problema de sua argumentação está no início dela, na qual ele postula que se a cor possui uma localização dentro dos fatores da teoria causal da percepção, ela está na experiência visual consciente. Apesar de percebemos apenas a cor, que na cadeia causal perceptiva se localiza nos correlatos neurais à cor, esta possui fortes e estreitas vinculações com uma certa amplitude de radiação luminosa específica. Com este pressuposto inferido através da experiência comum, ele começa a dissertar sobre situações extremadas que supostamente iriam contra o Fisicalismo, como a sinestesia, os sonhos e a acromatopsia, mas que são péssimos exemplos para se trabalhar algum questionamento em cima do funcionamento do sistema perceptual, pois que são situações de disfunção ou de embotamento da atividade consciente, que dizem mais a respeito dos processamentos neurais específicos às áreas corticais lesionadas ou às que ainda estão funcionando apropriadamente do que do sistema visual como um todo.

Os argumentos dos Fisicalistas

Jakab (2001) contradefine o fisicalismo disjuntivo e o coloca como uma abordagem que recai no internalismo que está subentendido nas idéias de Hardin (1988, apud Jakab, 2001), de que as experiências de cores são identificáveis com estados neurais. E para isso, ele sustenta que toda abordagem fisicalista deve manter dentro de seu corpo teórico algum traço de internalismo, pois que deve fornecer uma descrição da experiência perceptual de cor. Entretanto, seus argumentos parecem supor que as cores percebidas devam ser identificadas com qualquer coisa que explique as categorias comuns de cores, mas este é um pressuposto rejeitado pelo fisicalismo disjuntivo (Ross, 2001b).

Entretanto, mesmo entre os que advogam a favor de um fisicalismo, a análise empregada por Ross (2001a) para refutar o subjetivismo não possui amplo consenso. Savage (2001), embora concorde com a univocidade do primeiro argumento, rebate-o de forma que ele não pode ser considerado como um argumento contra a natureza física da cor, pois que a existência de metâmeros não rebate a idéia de que possa existir um conjunto de categorias físicas, já que aparentemente diferentes combinações de freqüências e intensidades que produzem o mesmo efeito perceptual, devam pertencer a uma categoria que corresponda à categoria da cor e explique a sua percepção. Candidatos não faltam para estas categorias físicas, por exemplo, a reflectância dos objetos físicos, os diferentes comprimentos de onda. Segundo os estudos psicofísicos, embora haja um número indefinido de combinações de freqüências e intensidades que aparentam a mesma cor, o conjunto de combinações é extremamente restrito, pois que emparelhamentos de todas as cores possíveis dentro do espaço cromático tridimensional se ajustam a uma curva contínua que possui alguns agrupamentos de maior freqüência que podem ser entendidos como categorias naturais que correspondem e explicam as cores. Embora não sejam categorias físicas naturais, são categorias psicofísicas naturais.

Embora também concordando com Ross quan to à rejeição ao subjetivismo, Cohen (2001) dissolve a argumentação em favor do subjetivismo com a falsidade do silogismo utilizado para extrair conclusões das premissas, as quais ele considera verdadeiras e legítimas. A falha da conclusão subjetivista é que ela não leva em consideração o fato de que, apesar das cores se correlacionarem com e serem explicadas em termos de processamentos neurais, esta propriedade exista não porque as cores são propriedades neurais, mas sim porque são constituídas em termos de relações entre propriedades físicas e propriedades neurais. O autor então sugere que as cores seriam propriedades dos objetos físicos, como disposições, que produzem certas experiências nos percebedores.

Problemas das duas concepções

Hoffman (2001) lança algumas questões tanto para subjetivistas quanto para fisicalistas, mais precisamente para os subjetivistas adverbialistas e para os fisicalistas disjuntivos. Ele desafia os subjetivistas a trazerem outro argumento além da existência dos metâmeros para sustentarem que os objetos físicos são incolores, e que, portanto, a cor está no processamento neural. Existem outras formas de ocorrência de metâmeros, nas formas, movimentos, texturas; existem inúmeros arranjos espaciais que podem levar à mesma forma percebida, assim como há inúmeras combinações de radiações luminosas que podem propiciar mesma cor percebida, mas nem por isso temos de supor que os objetos do mundo externo são sem forma, e que a forma é tão somente produto do processamento neuronal. Segundo sua última assertiva no desafio, isto não necessariamente anula o subjetivismo, mas indicaria que deveria se ir às últimas conseqüências, tanto para a cor quanto para as outras propriedades perceptuais, ou seja, a negação da realidade exterior. Aos fisicalistas disjuntivos, ele sustenta que considerar as cores como propriedades físicas disjuntivas de objetos físicos, necessariamente leva a uma infinidade de trabalho experimental para sustentá-la, como provar que um simples rearranjo de figuras coloridas faça-as parecer com cores completamente diferentes, ou ainda, que um pedaço branco possa aparentar qualquer outra cor através do método de cor pelo movimento; ou que cores possam ser visualizadas em regiões do espaço visual sem que nenhum objeto tangível esteja presente.

Gold (2001), como Hoffman, também coloca problemas nos questionamentos levantados por Ross (2001a). Gold julga que o problema do binding, na verdade, não é somente uma questão que deveria preocupar os subjetivistas, pois que não é respondida adequadamente pelo subjetivismo, nem pelo fisicalismo. Ou seja, o binding, assim como o problema da localização, não é um problema relativo à ontologia da cor, mas sim de qualquer teoria da percepção, pois que são questões que não possuem hipóteses satisfatórias que as expliquem.

Em direção a uma concepção dualista da cor

Rosenthal (2001) embora também rejeite a idéia do subjetivismo, e embora também concorde com o argumento de que o metamerismo não serve como justificativa para a aceitação do subjetivismo, propõe uma teoria de dupla-propriedade, que não cai no erro tanto dos subjetivistas quanto dos fisicalistas, que era considerar tão somente uma das propriedades, subjetiva ou física, como válida. Ele supõe a existência das duas propriedades, a física e a subjetiva, e que elas resguardam diferenças e similaridades. Tal que o vermelho percebido é mais similar ao laranja percebido do que é ao verde percebido, tanto quanto o vermelho físico tem proximidade maior no espaço cromático ao laranja físico do que ao verde físico. Os objetos podem ser considerados coloridos, mesmo que nós não possamos perceber tais cores, como as ultravioletas e as infravermelhas.

Turvey, Whitmyer e Shockley (2001) enveredaram também pelo caminho dos metamerismos aprofundando as análises em torno do que eles chamaram de restrições nômicas, exemplificando-as com o caso do peso percebido e de sua relação com o peso físico. Eles sustentam que, pelo argumento dos subjetivistas que utilizam os metâmeros para provar que a cor é um evento puramente mental, nossa percepção de peso que possui metâmeros (diferentes combinações de propriedades físicas que produzem as mesmas respostas percebidas) exatamente como a visão cores, seriam também somente processos mentais. Os autores também apontam o fato de que estas questões sobre a ontologia da cor podem ser elucidadas simplesmente ao se analisar a origem do sistema de percepção, ou seja com que propósito este sistema foi desenvolvido. No caso do peso, o ser humano não foi construído para ser uma balança de precisão, e sim para sobreviver num mundo em que ele depende de outros objetos do mundo externo, como vegetais, pedras para pegar partes nutritivas dos vegetais, e para atordoar e matar outros animais tanto para alimentação como para sua própria segurança. Então, o crucial para um ser humano é avaliar se um dado objeto pode ou não ser movido, ou seja, que força ele deve empregar e que tamanho de empunhadura deve-se produzir para movimentar tal objeto. Deste modo, o ser humano é um ótimo avaliador da "predisposição para o movimento" dos objetos físicos, e não do peso (massa x força gravitacional). Eles acreditam que o mesmo pode ocorrer com o sistema visual de cores, o ser humano não foi moldado pela seleção natural para discriminar nuances tão sutis de comprimentos de onda, ou talvez, alguma propriedade de reflectância dos objetos físicos. Então talvez, nossa experiência de cor seja uma decorrência de nossa evolução como animais coletores e caçadores, ou seja, a cor física é uma propriedade física dos objetos, e a cor percebida é algo que se refere a esta propriedade física dos objetos que, quando discriminada dentro dos limites espectrais humanos, nos foi útil em alguma época de nossa evolução. E isso invalidaria qualquer referência a uma propriedade disjuntiva, pois a discriminabilidade destas propriedades físicas dos objetos seria função das necessidades ambientais que se interpuseram na história humana; o ser humano possui um sistema visual de cores que discrimina somente as propriedades de reflectância dos objetos físicos que lhe forem úteis.

Uma concepção psicofísica de cor

O sistema visual foi adaptado para ser útil nas. interações com o ambiente (Gibson, 1966, apud Sedgwick, 2001), deve transformar os sinais advindos do ambiente em uma representação interna, cuja estrutura corresponda adequadamente (não necessariamente perfeita) à estrutura do ambiente externo (Fõldiák, 1998). O espaço físico pode ser considerado, em suas relações espaciais, como aproximada mente euclidiano, entretanto, o espaço percebido não tem de ser igualmente euclidiano, possuindo uma geometria distinta, polar, tal que considere o ponto de observação do ser humano (Hershenson, 1999). Entretanto, ao menos, o espaço visual percebido deve guardar estreita ligação com o físico.

O sistema visual foi construído com base na Seleção Natural, ou seja, através do acúmulo de mutações selecionadas através da proliferação (maior taxa de fecundação) e sobrevivência dos mais aptos. A pressão em torno dessa vantagem seletiva é óbvia, os animais que sabem onde estão as suas fontes de alimentação sobrevivem melhor do que aqueles que desconhecem sua localização, os animais que reconhecem predadores e abismos podem escapar da morte, enquanto outros fatalmente estarão destinados ao estômago destes predadores ou ao fundo de mortais quedas (Pinker, 1997).

Marr (1982) propõe que a visão é um processo de produção, a partir de imagens do mundo externo, de uma descrição que é útil para quem vê, e não juncada de informações irrelevantes. Isto depende de se construir estas descrições a partir de coisas e matérias reais da realidade externa. Segundo sua teoria computacional, a mente é um sistema de órgãos de computação, projetados pela seleção natural para resolver os tipos de problemas que os seres enfrentam no curso de sua vida, em especial no caso do ser humano, para entender e superar através de estratégias objetos, animais, plantas e outras pessoas. O sistema visual, de mesma forma, é um módulo de processamento especializado, mas que não é dedicado a alimentar de informação concernente a um tipo específico de comportamento. Ao contrário, ele cria uma descrição geral, expressa em objetos e coordenadas tridimensionais, que possa suprir as necessidades dos diversos módulos de processamento que precisam desta informação para desempenhar suas funções, por exemplo, o sistema motor de controle fino do movimento das mãos precisa de informações precisas sobre a forma, o tamanho e a distância de um objeto para que possa realizar uma tarefa de preensão com a precisão necessária (Pinker, 1997).

O funcionamento dos módulos foi moldado pela seleção natural para resolver os problemas enfrentados pelos seres vivos, que convergiam para um problema maior implícito e oculto à maioria das for mas vivas: maximizar o número de cópias de seus genes que chegariam à geração seguinte. Tanto vegetais quanto animais (e integrantes dos outros reinos, protista, funghi, etc.) foram projetados para sobreviver e reproduzir. E durante as reproduções, um replicação dos genes, estão implicadas algumas cópias erradas, seja de apenas um nucleotídeo do DNA ou de um cromossomo inteiro (deleção, trissomias, etc.), que caso produzam alterações fenotípicas ou comportamentais que contribuam para uma melhor adaptação, tendem a se acumular ao longo de gerações desta espécie. Ou seja, mutações que contribuam para a sobrevivência das espécies tendem a ser selecionadas, de modo natural, seja por uma maior taxa de reprodução ou pela simples sobrevivência de indivíduos mais aptos, e propagados ao longo da espécie (Pinker, 1997).

Logo, a visão de cores, que é um submódulo do módulo maior que é o sistema visual, foi desenvolvida para criar descrições acerca do mundo exterior úteis para quem a possui. De mesmo modo, as propriedades que certas plantas possuem de produzirem superfícies que possuem um dado índice de reflectância espectral também foi gerada a partir de seleção natural, pois possibilitava maiores taxas de sobrevivência, maiores taxas de fertilização por insetos que possuíam visão de cores e as identificavam flores (órgãos reprodutores) dentro do mar de folhas. A conjunção destas propriedades nos indica que a cor, física ou percebida, possui sua existência atrelada à seleção natural.

A cor percebida, então, não pode existir sem que a cor física exista também, a qual deve ser alguma propriedade que se mantenha estável durante as mudanças de iluminação (dada às evidências experimentais com a constância de cor). A propriedade mais indicada é o padrão de reflectância espectral das superfícies dos objetos (Troost, 1998). Então, a visão de cores das abelhas só poderia ter surgido em consonância ao surgimento das flores coloridas. Por exemplo, apesar de não vermos faixas de radiação luminosas de comprimento de onda curto, as radiações ultravioletas, as abelhas as percebem, e as flores se estruturaram de tal forma que seus órgãos reprodutores, além do néctar, uma recompensa para a abelha ajudar a planta a se reproduzir, possuem pigmentação ultravioleta, preciosas indicações de sua localização dentro de um ambiente caótico de verde.

Há ainda animais que produzem pigmentações que podem ser sinais para seus parceiros, que compartilham do mesmo sistema visual para cores. Moluscos possuem complexo sistema de sinais e padrões cromáticos, que são realizados na superfície de seus corpos. Estes sinais só podem ter surgido a partir da seleção natural, ou seja, devem ter contribuído com a adaptação destes animais. Este sistema de comunicação é informativo de inúmeros comportamentos, como raiva, desejo sexual, e também serve bem à camuflagem. De que serviria à dada espécie alterar sistematicamente (em função de estados particulares do organismo) propriedades da superfície de seu corpo sem que não houvesse algum outro ser que pudesse sofrer os efeitos tais mudanças, seja pelo reconhecimento dos sinais de padrões comportamentais, seja por não diferenciar o dado animal do meio circundante, como ocorre na camuflagem? A bioluminescência também se configura como um sistema visual de comunicação intraespecífica, que implica em um emissor/receptor, que produza cores (luzes) e que as perceba.

As propostas de Savage (2001) quanto a um Psicofisicalismo são extremamente consoantes com estas idéias sobre a gênese da visão de cores e o surgimento de formas de vida que se aproveitam desta visão de cores de certos animais. A cor enquanto elemento psicofísico pode dar conta de determinar quais as disjunções que podem ser identificadas com quais cores percebidas, ou categorias comuns de cores, e então poderemos dizer que não há disjunção no fim das contas, apenas há sensibilidades sensoriais suficientemente adaptativas que nos foram naturalmente selecionadas. Ou seja, ambos (psicofisicalismo e fisicalismo disjuntivo) definem as categorias físicas como um conjunto de pares de intensidade-freqüência que podem ser emparelhados a uma dada categoria comum de cor, ou a uma amplitude de relações qualitativas, diferenças e similaridades entre algumas cores, representadas no espaço cromático psicológico. Mas somente as evidências da psicofísica poderiam fornecer os conjuntos de freqüências e intensidades que são identificáveis com uma dada cor. As evidências experimentais mostram que embora haja um número indefinido de combinações intensidade-freqüência que produzem os mesmos efeitos cromáticos, há curvas de ajustes dos emparelhamentos de cores que demonstram fortes padrões de respostas que, por sua vez, mostram que um conjunto de combinações intensidade-freqüência para uma dada cor não coincide inteiramente com o de uma outra cor, demonstrando alguma especificidade na relação da cor percebida com a natureza dos estímulos (Savage, 2001). Deste modo, devemos conceber as cores como propriedades físicas de objetos físicos, como o peso, a forma, e o comprimento. A variabilidade associada à percepção de cor possui relação similar aos erros perceptuais que estão associados a estas outras propriedades físicas, sendo função das necessidades ambientais que não nos criou um sistema visual que funcionasse como um espectrógrafo de precisão. Assim como estas outras propriedades, a cor também possui sua vertente não-física, possui identificação com processamentos neurais, não porque seja exclusivamente produto destes processamentos, mas porque é dependente do funcionamento do sistema nervoso. Este fato apenas nos evidencia que as percepções são propriedades neurais, mas não que as cores o são.

Conclusão

Embora estejamos longe de um consenso sobre a ontologia da cor, lições sobre a evolução e as evidências experimentais da psicofísica, combinadas, podem nos fornecer uma descrição da cor. Ela deve ser considerada uma propriedade física e psicológica. Conclui-se que é um propriedade física após entender que somente as alterações físicas nas propriedades de reflectância espectral da superfície de animais e vegetais possuiriam a estabilidade necessária para produzir sistemas de comunicação em animais e de sinalização em vegetais que pudessem ser percebidos por diferentes seres vivos com diferentes sistemas visuais de sensibilidades cromáticas diferentes, aumentando assim a taxa de reprodução deste ser vivo que teve as propriedades de sua superfície alteradas por uma mutação aleatória. Quanto a ser uma propriedade psicológica, a cor para o ser que a percebe possui propriedades aproximadamente similares à cor física, sendo dependente do tipo de receptor sensorial do ser percebedor. A cor psicológica é fruto também da seleção natural e por isso dependente do nicho ecológico do dado ser vivo. Além disso, é dependente de outro fator, por ser também um módulo de processamento de informação da mente, o sistema de visão de cores é dedicado a fornecer uma descrição econômica, porém útil, do meio externo, o que explica a existência de redundâncias e ambigüidades das categorias de cor percebida, ou seja, o sistema de cores possui tão somente a resolução e precisão que são úteis à sobrevivência de quem as possui.

Alheio a esta discussão sobre o Fisicalismo ou Subjetivismo, é oferecido um Psicofisicalismo da cor (Savage, 2001), em que esta dualidade não é tratada com trivialidade, é encarada como uma dualidade relacionai, na qual a existência de uma, a cor percebida, foi dependente da existência da outra, a cor física (ao longo da evolução). Entretanto não é também um simples fisicalismo, pois as disjunções supostamente necessárias para justificá-lo (Ross, 2001 a) só podem ser determinadas e precisadas pelos procedimentos de uma psicofísica da cor, que finalmente refutaria a disjunção, e encontraria grande regularidade nesta relação.

Artigo recebido para publicação em.....

Aceito em......

Apoio Capes

  • Cohen, J. (2001). Subjectivism, physicalism, or none of the above? Comments on Ross's "The location problem for color subjectivism". Consciousness and Cognition, 10, 94-104.
  • Földiák, R (1998). Learning constancies for object perception. In V. Walsh & J. Kulikowski, Perceptual Constancy: why things look as they do (pp. 144-172). New York: Cambridge.
  • Gold, I. (2001). Spatial location in color vision. Consciousness and Cognition, 10, 59-62.
  • Hershenson, M. (1999). Visual Space Perception: a primer. Cambridge: MIT.
  • Hoffman, D.D. (2001). The data problem for color objectivism. Consciousness and Cognition, 10, 74-77.
  • Jakab, Z. (2001). Commentary on Ross: the location problem for color subjectivism. Consciousness and Cognition, 10, 133-139.
  • Marr, D. (1982). Vision: a Computational Investigation into the Human Representation and Processing of Visual Information. São Francisco: W. H. Freeman.
  • McGilvray, J. (2001). The location problem reconsidered: a reply to Ross. Consciousness and Cognition, 10, 63-73.
  • Pinker, S. (1997). Como a mente funciona. São Paulo: Companhia das Letras.
  • Revonsuo, A. (2001). Putting color back to where it belongs. Consciousness and Cognition, 10, 78-84.
  • Rosenthal, D.M. (2001). Color, mental location, and the visual field. Consciousness and Cognition, 10, 85-93.
  • Ross, P.W. (2001). The location problem for color subjectivism. Conciousness and Cognition, 10, 42-58.
  • Ross, P.W. (2001). Locating color: further thoughts. Consciousness and Cognition, 10, 146-156.
  • Savage, C.W. (2001). In defense of color psychophysicalism. Consciousness and Cognition. 10, 125-132.
  • Schanda, J. (1998). Current CIE work to achieve physiologically-correct color metrics. In W.G.K. Backhaus, R. Kliegel & J.S. Werner (eds.), Color Vision: Perspectives from Different Disciplines (pp. 308-318). Berlin: Walter de Gruyter.
  • Sedgwick, H.A. (2001). Visual space perception. In E.B. Goldstein, Blackwell Handbook of Perception (pp. 129-167). Oxford, UK: Blackwell.
  • Thomas, N.J.T. (2001). Color realism: toward a solution to the "Hard Problem". Consciousness and Cognition, 10, 140-145.
  • Troost, J.M. (1998). Empirical studies in color constancy. In V. Walsh & J. Kulikowski, Perceptual Constancy: why things look as they do (pp. 144-172). New York: Cambridge.
  • Turvey, M.T.; Whitmyer, V. & Shockley, K. (2001). Explaining metamers: right degrees of freedom, not subjectivism. Consciousness and Cognition, 10,105-116.
  • Endereço para correspondência:
    Elton Hiroshi Matsushima
    Programa de Pós-Graduação em Psicologia
    Laboratório de Psicologia Experimental Humana - Bloco D
    Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP
    Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre
    Cep, 14040-901, Ribeirão Preto - SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2001
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: paideia@usp.br