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Adaptação da escala de homofobia implítica e explícita ao contexto brasileiro

Adaptation of the implicit and explicit homophobia scale to the Brazilian context

Resumos

O grande número de atitudes agressivas e comportamentos discriminatórios reportados com relação aos homossexuais tem sido amplamente discutido. Estudos recentes têm mostrado que o preconceito se modificou, tornando-se mais sutil. No entanto, são escassos os estudos que procuram enfatizar essa modificação no que diz respeito ao preconceito frente a estes grupos minoritários. Assim, o objetivo deste estudo foi adaptar a Escala de Homofobia Implícita e Explícita para o contexto brasileiro. Participaram desta pesquisa 231 estudantes universitários, com idade variando de 17 a 55 anos (M = 24,0; DP = 5,38), sendo a maioria (51,5%) do sexo masculino. Estes responderam à escala mencionada e questões sócio-demográficas. Os resultados da análise fatorial confirmatória corroboraram a estrutura bi-fatorial da medida. Conjuntamente, o instrumento apresentou consistência interna (alfa de Cronbach = 0,87), mostrando-se uma medida fidedigna para utilização neste contexto.

Homofobia Explícita; Homofobia Implícita; Validação; Preconceito


The great number of aggressive attitudes and discriminatory behavior reported toward homosexuals has been widely discussed. Recent studies have shown that the prejudice has changed, becoming more subtle. However, the researches that try to emphasize this change in relation to the prejudice toward these minority groups are insufficient. Therefore, this study aimed at adapting the Explicit and Implicit Homophobia Scale to the Brazilian context. A sample of 231 university students participated in this research, ages varying from 17 to 55 years old (M = 24.0; SD = 5.38), mostly males (51.5%). They have answered the above-mentioned scale as well as socio-demographic questions. The results of the confirmatory factor analysis corroborated the bi-factorial structure of the instrument. The measure has also presented a satisfactory internal consistency (Cronbach's Alpha = .87).

Explicit homophobia; Implicit homophobia; Validation; Prejudice


Adaptação da escala de homofobia implítica e explícita ao contexto brasileiro

Adaptation of the implicit and explicit homophobia scale to the Brazilian context

Carla de A. Marinho; Ethyenny F. M. Marques; Daniela R. de Almeida; Anderson R. B. de Menezes; Valeschka M. Guerra

Universidade Federal da Paraíba

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carla de Ataíde Marinho Rua Profa. Maria Sales, 461, Ap. 201, Tambaú João Pessoa, PB, 58039-130 E-mail: carla_ataide@yahoo.com.br; cataide@bol.com.br

RESUMO

O grande número de atitudes agressivas e comportamentos discriminatórios reportados com relação aos homossexuais tem sido amplamente discutido. Estudos recentes têm mostrado que o preconceito se modificou, tornando-se mais sutil. No entanto, são escassos os estudos que procuram enfatizar essa modificação no que diz respeito ao preconceito frente a estes grupos minoritários. Assim, o objetivo deste estudo foi adaptar a Escala de Homofobia Implícita e Explícita para o contexto brasileiro. Participaram desta pesquisa 231 estudantes universitários, com idade variando de 17 a 55 anos (M = 24,0; DP = 5,38), sendo a maioria (51,5%) do sexo masculino. Estes responderam à escala mencionada e questões sócio-demográficas. Os resultados da análise fatorial confirmatória corroboraram a estrutura bi-fatorial da medida. Conjuntamente, o instrumento apresentou consistência interna (alfa de Cronbach = 0,87), mostrando-se uma medida fidedigna para utilização neste contexto.

Palavras-chave: Homofobia Explícita; Homofobia Implícita; Validação; Preconceito.

ABSTRACT

The great number of aggressive attitudes and discriminatory behavior reported toward homosexuals has been widely discussed. Recent studies have shown that the prejudice has changed, becoming more subtle. However, the researches that try to emphasize this change in relation to the prejudice toward these minority groups are insufficient. Therefore, this study aimed at adapting the Explicit and Implicit Homophobia Scale to the Brazilian context. A sample of 231 university students participated in this research, ages varying from 17 to 55 years old (M = 24.0; SD = 5.38), mostly males (51.5%). They have answered the above-mentioned scale as well as socio-demographic questions. The results of the confirmatory factor analysis corroborated the bi-factorial structure of the instrument. The measure has also presented a satisfactory internal consistency (Cronbach's Alpha = .87).

Key-words: Explicit homophobia; Implicit homophobia; Validation; Prejudice.

Freqüentemente, a mídia tem reportado notícias que envolvem algum tipo de preconceito.Há uma definição do preconceito enquanto uma antipatia, sentida ou expressa, que tem base em uma generalização falha e inflexível, dirigida a um grupo como um todo ou a um indivíduo, membro deste grupo. De forma mais abrangente, Camino e Pereira (2000) o definem enquanto uma "forma de relação intergrupal em que, no quadro específico das relações de poder entre os grupos, se desenvolvem e se expressam atitudes negativas, depreciatórias e comportamentos hostis e discriminatórios aos membros de um grupo por serem membros desse grupo" (p.56).

De acordo com Myers (1995) existe uma diferença entre os termos Preconceito e Discriminação: Preconceito seria uma atitude injustificável contra um grupo e seus membros individuais, enquanto discriminação se refere a uma conduta negativa contra os mesmos. Ainda de acordo com este autor, a conduta discriminatória é freqüentemente derivada de atitudes preconceituosas, porém as atitudes preconceituosas nem sempre produzem atos hostis.

Para Martínez (1996) existem três níveis de explicações sobre o preconceito: a) sócio-cultural, que localiza a origem do preconceito na organização social; b) individualista, que afirma que as causas do preconceito advêm dos processos psicológicos individuais; e c) intergrupais, onde a base do preconceito está na maneira como os indivíduos pertencentes a grupos diferentes se relacionam.

Face às formas atuais de punições previstas por lei em diversos países, aplicadas a quem manifesta qualquer tipo de discriminação, a expressão da mesma tem assumido contornos diferenciados, a saber: uma forma explícita e discriminatória e uma sutil ou implícita (Camino & Pereira, 2000). Segundo Myers (1995), no preconceito sutil as pessoas suprimem, conscientemente, os pensamentos e sentimentos preconceituosos. De acordo com Castillo, Rodríguez, Torres, Pérez, Rodríguez e Martel (2003), uma pressão social normativa direcionada à igualdade e tolerância pode ter transformado a expressão do preconceito, em geral, em algo mais sutil e sofisticado, assim como se deu a evolução das formas de preconceito racial. Para Castillo e cols. (2003), os novos racistas acreditam que a discriminação contra grupos minoritários é inapropriada, manifestando-se contrários a ela; não obstante, ao mesmo tempo, apóiam um ponto de vista crítico e negativo sobre os costumes, crenças e valores destes grupos, considerando-os diferentes e inferiores aos próprios costumes e valores. Tomando como base o estudo do preconceito racial, manifesto e sutil, realizado por Pettigrew e Meertens (1995), Castillo e cols. (2003) propuseram que esta diferenciação entre o preconceito explícito e o preconceito implícito também existe com relação aos homossexuais.

Especificamente no que diz respeito ao preconceito sexual direcionado a tal grupo minoritário, este possui algumas diferentes denominações. O termo heterossexismo é utilizado de forma mais geral, como um sistema ideológico que nega e estigmatiza o comportamento, a identidade, o relacionamento e a comunidade homossexual, como sendo inferiores à heterossexualidade (Herek, 2004a; Herek, Kimmel, Amaro & Melton, 1991). Por outro lado, Herek (2000) propõe o uso do termo preconceito sexual, referindo-se a atitudes negativas frente a um indivíduo devido à sua orientação sexual. Homofobia, o termo mais comumente utilizado, é derivado do grego "homos", que quer dizer "o mesmo" e "phobikos", que significa "ter medo e/ou aversão a", tendo sido utilizado pela primeira vez, oficialmente, por George Weinberg, em 1972 (Blumenfeld, 2004). O termo é usado para definir o medo e a repulsa face às relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Homofobia inclui preconceito, discriminação, abuso verbal e atos de violência originados por esse medo e ódio (Blumenfeld, 2004; Herek, 2004a).

Pessoas com orientações homossexuais ou bissexuais são, há muito, estigmatizadas. Com o surgimento do movimento político a favor dos gays, no final dos anos 60, no entanto, a visão da homossexualidade como sendo imoral, criminosa e doentia tem sofrido uma crescente reavaliação. Com a afirmação da Associação Americana de Psiquiatria de que a homossexualidade não era uma doença mental, em 1973, foram iniciados diversos estudos acerca das atitudes fortemente negativas de heterossexuais frente aos homossexuais (Herek, 2004b).

No entanto, o preconceito sexual ainda permanece difundido em diversos países e, em especial, nos Estados Unidos. Os heterossexuais têm apresentado uma maior tolerância frente às lésbicas e gays em anos recentes, especialmente no que diz respeito aos direitos civis e à discriminação no trabalho. A maioria dos norte-americanos adultos continua a ver a homossexualidade como imoral, mas há uma tendência a uma menor demonstração desta condenação (Herek, 2004b).

Há quem sugira que a homossexualidade tem sido o principal ponto de discussão entre liberais e conservadores nos Estados Unidos: iniciativas de liberais no que diz respeito ao casamento homossexual, a presença de gays no exército, aos direitos dos homossexuais, e a legislação que criminaliza a discriminação tem provocado uma forte reação conservadora. Resultados de pesquisas recentes nos Estados Unidos mostraram que 48% dos participantes acreditam que relacionamentos homossexuais são moralmente errados e 64% acreditam que casamentos homossexuais não deveriam ser reconhecidos pela lei (Haidt & Hersh, 2001).

Da mesma forma, o comportamento homossexual ainda é considerado ilegal na China. Em um estudo comparativo entre chineses e ingleses, 78% dos participantes chineses afirmaram que a homossexualidade não deve ser permitida naquele país, contra 76% dos ingleses que concordaram que esta deveria ser permitida. Em ambos os países, as mulheres demonstraram maior aceitação da homossexualidade do que os homens (Inglaterra: t = 8,71, p < 0,001; China: t = 2,26, p < 0,05) (Higgins, Zheng, Liu & Sun, 2002).

Contrariamente, desde 1944, a Suécia aprovou a descriminalização da homossexualidade, fazendo com que esta orientação sexual esteja sujeita a menos restrições legais do que nos Estados Unidos, por exemplo. Além disso, os princípios éticos que guiam os programas de educação sexual na Suécia procuram promover a tolerância com relação à homossexualidade (Weinberg, Lottes & Shaver, 2000).

Esta verdadeira "guerra cultural", como denominam Haidt e Hersh (2001), se reflete em ações violentas e discriminatórias direcionadas aos homossexuais. De acordo com Reyk (1996), a violência direcionada a gays e lésbicas é um fenômeno mundial. Sua fonte está baseada no heterossexismo, negando ou estigmatizando qualquer forma não heterossexual de comportamento, identidade, relacionamento ou comunidade. Para este autor, o heterossexismo é categorizado em dois tipos: o heterossexismo psicológico é uma manifestação das atitudes e ações de um indivíduo, enquanto que o heterossexismo cultural é aquele manifesto através dos costumes e instituições sociais, tais como a religião e o sistema legal. É a dinâmica entre estas duas formas que acabam por fornecer o motivo para a violência contra estes grupos minoritários.

A violência contra lésbicas e gays também pode ser considerada, em parte, resultante de uma construção social de masculinidade e dos comportamentos associados e encorajados nesta construção. Para Reyk (1996), comportamentos agressivos e violentos são características presentes nas muitas formas que jovens do sexo masculino definem o que é ser um homem. Nos casos relatados de violência, a agressão física é comumente acompanhada de agressão verbal. Freqüentemente, a predisposição a este tipo de comportamento violento pode estar associada ao tédio, inquietação, um certo nível de intoxicação e pressão do grupo de amigos (Reyk, 1996).

A vivência de situações de agressão e violência pode trazer conseqüências psicológicas que perduram por muito tempo, após os efeitos físicos imediatos terem se dissipado. Herek (1991) faz uma revisão acerca das conseqüências psicológicas que esta experiência pode trazer. Ser alvo de discriminação, por exemplo, gera sentimentos de tristeza, ansiedade, além de insatisfação com a comunidade de pertença. Ao sofrer uma violência física, eleva-se o nível de stress psicológico: além dos sentimentos imediatos de negação e medo, freqüentemente surgem sentimentos de raiva, tristeza, auto-piedade, culpa e inadequação. Sentimentos de perda, rejeição, humilhação e depressão também são comuns. Reações comportamentais e somáticas incluem distúrbios no sono, choro incontrolável, agitação, uso de drogas e deterioração dos relacionamentos interpessoais (Herek, 1991). Além disso, a vivência dos chamados "crimes de ódio" pode vir a modificar a visão que a pessoa tem de si mesma: ser um homossexual ou bissexual pode ser posteriormente vivenciado como uma fonte de perigo, dor e punição, e não de intimidade, amor e comunidade (Herek, Gillis & Cogan, 1999).

A propósito, uma pesquisa realizada por Herek, Gillis e Cogan (1999) encontrou que os homossexuais denunciam apenas cerca 36% deste tipo de crime, contra 70% de outros tipos de crimes, não relacionados à sua orientação sexual. A explicação disso pode ser relacionada tanto a necessidade de privacidade e da não exposição de sua vida pessoal, o que ocorreria com a denúncia do crime, como com a existência de uma homofobia internalizada por estes homossexuais. Esta implica em um conflito intrapsíquico entre o que as pessoas acham que deveriam ser (heterossexuais) e como elas vivenciam sua própria sexualidade (homossexual ou bissexual) (Herek, 2004a).

Neste sentido, o presente estudo objetiva verificar se o preconceito de estudantes universitários frente a homossexuais também se apresenta nas formas explícita e implícita e, especificamente, adaptar a medida de homofobia, proposta por Castillo e cols. (2003) para o Brasil e verificar a existência de diferenças de gênero com relação a este construto.

Escala de homofobia implícita e explícita

Para medir a homofobia implícita e explícita, Castillo e cols. (2003) desenvolveram a Escala de Homofobia Implícita e Explícita, que procura integrar estes dois tipos de preconceito frente aos homossexuais. Originalmente em língua espanhola, esta medida teve por base a escala de preconceito racial manifesto e sutil de Pettigrew e Meertens (1995). A sub-escala de homofobia explícita, formada por dez itens, procura expressar idéias acerca dos homossexuais como pessoas diferenciadas ou que não necessitam de leis especiais para terem seus direitos protegidos e inclui a questão do nível de contato com relação aos homossexuais (por exemplo, "Homossexuais e heterossexuais nunca se sentirão à vontade uns com os outros, ainda que sejam realmente amigos" e "Se no futuro tiver uma filha, não me importaria que esta fosse lésbica e tivesse relações sexuais com alguém do próprio sexo"). Diferentemente, a sub-escala de homofobia implícita, composta por sete itens, demonstra uma certa simpatia e admiração pelos homossexuais, mesmo afirmando diferença entre os valores expressos por este grupo e os próprios (por exemplo, "Acredito que os valores religiosos e éticos dos homossexuais são diferentes dos heterossexuais" e "Frequentemente, sinto admiração pelos homossexuais que conheço"). Nesses itens, elaborados como sentenças afirmativas, os respondentes deveriam indicar sua concordância ou discordância em uma escala Likert de sete pontos, com os seguintes extremos 1= Discordo Totalmente e 7 = Concordo Totalmente.

Um estudo realizado por Castillo e cols. (2003) envolvendo 232 estudantes universitários da Espanha encontrou que esta divisão entre preconceito explícito e implícito pode ser verificada na homofobia, demonstrando certa semelhança de estruturas com o preconceito racial.

Dessa forma, como objetivo específico, o presente estudo pretende comprovar a estrutura bi-fatorial conhecida, que contempla os dois tipos de homofobia: explícita e implícita, de acordo com a proposta de Castillo e cols. (2003). Além disso, será verificada a existência de diferenças significativas nas médias de homens e mulheres nas sub-escalas explícita e implícita.

Método

Amostra

Participaram deste estudo 231 estudantes de uma universidade pública do estado da Paraíba. Do total de respondentes, 51,5% eram do sexo masculino; 54% católicos. A idade variou de 17 a 55 anos, com uma média de 24 anos (DP = 5,38). A amostra foi considerada não probabilística, ou seja, foi escolhido intencionalmente o grupo a ser estudado (Cozby, 2003). Dentre os estudantes contatados, foram consideradas apenas as pessoas que aceitaram participar voluntariamente.

Material

Foi usada a Escala de Homofobia Implícita e Explícita, desenvolvida por Castillo e cols. (2003);.formada por 17 itens, que devem ser respondidos em uma escala tipo Likert de sete pontos, onde 1 = Discordo Totalmente e 7 = Concordo totalmente. Este instrumento foi traduzido por um profissional de letras e um professor de Psicologia, especialista no estudo do preconceito frente aos homossexuais, cuja língua nativa é a espanhola. No original, como na versão em língua portuguesa proposta neste estudo, há duas sub-escalas - implícita e explícita, com dois fatores cada. Dos 17 itens que compõem o instrumento, 10 caracterizam a homofobia explícita ("Por sua própria condição os/as homossexuais nunca alcançarão o mesmo nível de desenvolvimento pessoal que os heterossexuais") e 7 a homofobia implícita ("Creio que os valores religiosos e éticos dos homossexuais são diferentes daqueles dos heterossexuais"). No estudo original de Castillo e cols. (2003), na sub-escala de homofobia explícita, o fator rechaço apresentou um índice de consistência interna (Alfa de Cronbach) de 0,62 e o de intimidade um alfa de 0,67, sendo de 0,71 o alfa geral da sub-escala explícita. Por outro lado, a sub-escala de homofobia implícita (alfa = 0,63) apresentou alfas de 0,62 para o fator diferença de valores e 0,77 para o de sentimentos positivos.

Um estudo piloto, realizado visando verificar a facilidade de compreensão dos itens no contexto brasileiro, foi feito com a participação de 10 estudantes universitários de um curso da área de saúde na cidade de João Pessoa. Sugeriu-se que aqueles itens problemáticos ou ambíguos fossem assinalados pelos respondentes e que estes opinassem sobre a sua melhor redação. Não foram sugeridas modificações, fazendo com que todos passassem ao instrumento final. Além disso, foram incluídas questões como sexo, idade, religião, etc., com o intuito de melhor descrever e caracterizar os participantes do estudo.

Procedimento

O instrumento foi aplicado mediante um procedimento padrão, realizado por estudantes treinados para tal fim. Estes se apresentaram nas salas de aulas de uma universidade pública na cidade de João Pessoa e, após solicitar a permissão do professor da disciplina, explicaram o objetivo da pesquisa bem como a necessidade de que os participantes assinassem um termo de consentimento livre e esclarecido para participar do estudo. A todos foi assegurado o anonimato das respostas, que seriam tratadas em conjunto. Foram necessários, em média, 20 minutos para o preenchimento do instrumento.

Análise dos dados

Foram realizadas análises do poder discriminativo dos itens, para retirar os que não diferenciassem sujeitos com magnitudes próximas. Além disso, foram feitas análises fatoriais exploratórias e confirmatórias, com o intuito de verificar a estrutura fatorial do instrumento, e testes t de Student, para verificar a existência de diferenças nas médias dos participantes de acordo com o sexo.

Resultados

A fim de estabelecer o poder discriminativo dos itens, foi realizado o teste t de Student, como demonstrado na Tabela 1.

Como pode ser observado, todos os 17 itens apresentaram-se discriminativos, sendo considerados satisfatórios para a análise fatorial. Assim, inicialmente, foi verificada a adequabilidade da amostra à análise fatorial, tendo sido obtidos os seguintes índices: KMO = 0,87 e Teste de Esfericidade de Bartlett χ2 = 1227,38; p < 0,001, que sugerem a adequação para efetuar tal análise.

Com o objetivo de identificar a estrutura bi-fatorial de cada sub-escala, foi realizada a análise fatorial dos eixos principais (PAF), sendo encontrados quatro fatores com eigenvalue superior a 1,00. No entanto, uma análise gráfica do scree plot permitiu concluir por uma solução bi-fatorial. No que diz respeito a homofobia explícita, houve um fator com eigenvalue de 2,88, correspondendo a 28% da variância explicada. Para a homofobia implícita, o fator encontrado apresentou um eigenvalue de 2,19, explicando 31,2% da variância.

Análise Fatorial Confirmatória

Foi também realizada uma análise fatorial confirmatória, visando verificar a estrutura bi-fatorial do inventário, e o modelo testado pode ser observado na Figura 1.


Como é possível observar na figura 1, em relação ao conteúdo dos tipos de homofobia, a solução com os dois fatores foi estabelecida. No geral, o modelo teórico se ajustou satisfatoriamente aos dados: a razão x2/gl foi de 1,96, com um GFI de 0,90, um AGFI de 0,86 e o RMR de 0,22. Além disso, os fatores explícito e implícito apresentaram-se positivamente correlacionados entre si (r = 0,79, p < 0,001).

No que diz respeito ao índice de consistência interna (Alfa de Cronbach), tem-se um alfa de 0,79 para o fator homofobia explícita, enquanto para o de homofobia implícita ele é de 0,74. Considerando que os fatores são diretamente correlacionados, foi realizado o cálculo da consistência interna geral do instrumento, sendo encontrado um índice de 0,87; tem-se, portanto parâmetros satisfatórios, apresentando a escala validade de construto em sua adaptação a uma amostra brasileira.

Homofobia implícita e explícita e sua relação com o gênero

Além dos parâmetros psicométricos da escala, também foram realizadas análises para verificar a ocorrência de diferenças de gênero com relação ao construto estudado. A tabela 2 apresenta as médias de homens e mulheres nas respectivas sub-escalas da homofobia, implícita e explícita, e na homofobia geral.

Como descrito na tabela 2, verificou-se uma diferença nas médias de homens e mulheres na sub-escala de homofobia implícita e homofobia geral. As mulheres tiveram menores pontuações médias de homofobia implícita (M = 3,85; DP = 1,20) do que os homens (M = 4,33; DP = 1,24), t (218) = 2,93, p < 0,01. Da mesma forma, os participantes do sexo masculino apresentaram maiores escores médios (M = 4,01; DP = 1,07) do que os do sexo feminino (M = 3,68; DP = 1,04), t (217) = 2,33, p < 0,05. Com relação a homofobia explícita, não foram encontradas diferenças entre as médias dos participantes do sexo masculino e feminino [t (218) = 1,60, n.s.].

Discussão

O presente estudo procurou conhecer os parâmetros psicométricos da Escala de Homofobia Implícita e Explícita no contexto brasileiro. As análises estatísticas efetuadas permitiram a comprovação de sua validade de construto, apresentando índices satisfatórios de bondade de ajuste na análise fatorial confirmatória realizada. Faz-se necessário, no entanto, enfatizar que uma das possíveis limitações desta pesquisa é a redução de sua amostra a estudantes universitários. Nesse sentido, espera-se que novos estudos possam ser realizados, com a aplicação deste instrumento na população geral, aprofundando o conhecimento acerca do construto medido.

Os parâmetros psicométricos encontrados corroboraram a estrutura bi-fatorial da medida; não obstante, foram refutados os achados de Castillo e cols. (2003) acerca da existência de dois fatores em cada uma das sub-escalas. Neste contexto, os fatores rechaço e intimidade, da sub-escala de homofobia explícita, assim como os fatores diferença de valores e sentimentos positivos, da sub-escala de homofobia implícita não foram verificados, fazendo com que os itens de ambas as sub-escalas se agrupassem em um único conjunto, de forma a expressar uma idéia geral acerca do preconceito sutil e manifesto frente aos gays e às lésbicas.

Além disso, como demonstrado no presente estudo, com relação a homofobia implícita e a geral, os homens apresentaram maior pontuação do que as mulheres, corroborando os achados de Higgins, Zheng, Liu e Sun (2002). Estes resultados também podem ser relacionados aos apresentados por Whitley e Kite (1995), que sugerem terem os homens atitudes mais negativas com relação à homossexualidade devido a crenças fortes acerca dos papéis sociais de homens e mulheres. Além disso, Kilianski (2003) propõe a "Teoria da Identidade Exclusivamente Masculina", que sugere a existência de um ideal masculino do eu, composto basicamente por características e traços considerados socialmente masculinos, que serviria de base para as atitudes e julgamentos, tanto frente às mulheres como aos gays.

No geral, ambos os sexos apresentaram pontuações médias acima do ponto médio da escala de resposta, indicando concordância com as atitudes homofóbicas expressas pelos itens. Estes resultados demonstram que, no geral, as pessoas apresentam forte preconceito com relação aos homossexuais, o que corrobora os achados de Herek (1991). Se a liberdade dos homossexuais depende de julgamentos morais favoráveis, então está claro que em muitas sociedades eles ainda serão condenados às penalidades legais e sociais, pois a hostilidade frente a este grupo minoritário é amplamente difundida e profunda, alimentada por preconceitos religiosos arraigados na comunidade (Ten, 1999).

Sugere-se que, em pesquisas futuras, esta escala seja aplicada a amostras comparativas de heterossexuais e homossexuais, de forma a averiguar a existência de uma homofobia internalizada por estes grupos, como sugerido por Herek, Cogan, Gillis e Glunt (1998). Caberia, também, procurar conhecer a base destas atitudes homofóbicas, mediante o estudo de construtos como os valores humanos, que funcionam como padrões de orientação para as ações, escolhas, julgamentos e atitudes, vistas como as crenças avaliativas mais importantes (Gouveia, 2003; Tamayo, 1997). Também valeria a pena conhecer o papel do construto denominado motivação interna e externa para responder sem preconceito (Plant & Devine, 1998), o que pode ser especialmente importante para compreender as diferenças encontradas nas pontuações médias de homens e mulheres, tanto na homofobia implícita como na geral. Como a homofobia é uma expressão de preconceito, sua manifestação é vista de forma negativa pela sociedade (Plant & Devine, 1998), sendo importante enfatizar que aspectos internos ou externos motivam os participantes a responderem de forma não preconceituosa.

Finalmente, pode-se dizer que, pela evidente escassez de instrumentos que meçam os índices de preconceito contra homossexuais no contexto brasileiro, o presente estudo de adaptação torna-se útil para medir a Homofobia. Sua importância social se deve a urgência da apresentação de propostas a respeito de uma forma concreta de promover o respeito às diferenças, sejam essas étnicas, raciais, religiosas ou sexuais.

Artigo aceito para publicação em 28/07/2004; aceito em 06/12/2004.

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  • Endereço para correspondência:
    Carla de Ataíde Marinho
    Rua Profa. Maria Sales, 461, Ap. 201, Tambaú
    João Pessoa, PB, 58039-130
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      06 Dez 2004
    • Recebido
      28 Jul 2004
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