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Crenças normativas sobre a agressão: validação de uma escala e considerações acerca de diferenças de gênero

Normative beliefs about aggression: a scale validation and consideration about gender differences

Resumos

Crenças normativas são definidas como um tipo de crença auto-reguladora dos comportamentos socialmente apropriados. Este estudo objetivou adaptar para o contexto brasileiro a Escala de Crenças Normativas sobre a Agressão, bem como observar como essas crenças diferem quanto ao gênero. Contou-se para tanto com uma amostra de 201 adolescentes (M = 15 anos, DP = 2,0) estudantes do ensino fundamental da rede pública de João Pessoa (PB). Os resultados indicaram a adequabilidade da medida e a existência de uma solução multifatorial: Aprovação Geral da Agressão, Agressão Verbal mediante Fraca Provocação, Agressão Física mediante Fraca Provocação e Agressão Física mediante Forte Provocação. Dentre estes quatro fatores, os garotos apresentaram médias estatisticamente superiores, em comparação com as garotas, nos três primeiros. Para análise desses resultados deve-se considerar o tipo e a situação do conflito presente em cada fator, além dos distintos roteiros comportamentais, masculinos e femininos, assumidos pelos avaliadores de cada situação.

Crenças normativas; Agressão; Validação; Diferenças de gênero


Normative beliefs are defined like a type of self-regulated belief of the socially appropriate behaviors. This study aimed to validate for the Brazilian context the Normative Beliefs about Aggression Scale, as well as to observe how those beliefs differs as for the gender. A sample of 201students for the 5th to 8th grade, from João Pessoa (PB), participated in this study, and their mean age was 15 years (SD = 2,0). The results indicated the measure reliability, with a multifactorial solution composed by: General approval of the Aggression, Verbal Aggression by Weak Provocation, Physical Aggression by Weak Provocation and Physical Aggression by Strong Provocation. Among these factors, the boys presented statistically higher means in the three factors. For analysis of those results it should be taken into account the type and the situation in which the conflict happens for each factor, as well as the different behavioral scripts, for male and female, assumed by the appraisers of each situation.

Normative beliefs; Aggression; Validation; Gender Differences


PESQUISAS EMPÍRICAS

Crenças normativas sobre a agressão: validação de uma escala e considerações acerca de diferenças de gênero

Normative beliefs about aggression: a scale validation and consideration about gender differences

Marcilio Lira de Souza Filho; Alessandra Gusmão Trajano de Araújo; Flávio Lúcio Almeida Lima; Deliane Macedo Farias de Sousa

Universidade Federal da Paraíba

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcilio Lira de Souza Filho Rua Enfermeira Ana Maria Barbosa de Almeida, 187, Bancários João Pessoa - PB, CEP: 58052-270 E-mail: liradesouza@yahoo.com.br

RESUMO

Crenças normativas são definidas como um tipo de crença auto-reguladora dos comportamentos socialmente apropriados. Este estudo objetivou adaptar para o contexto brasileiro a Escala de Crenças Normativas sobre a Agressão, bem como observar como essas crenças diferem quanto ao gênero. Contou-se para tanto com uma amostra de 201 adolescentes (M = 15 anos, DP = 2,0) estudantes do ensino fundamental da rede pública de João Pessoa (PB). Os resultados indicaram a adequabilidade da medida e a existência de uma solução multifatorial: Aprovação Geral da Agressão, Agressão Verbal mediante Fraca Provocação, Agressão Física mediante Fraca Provocação e Agressão Física mediante Forte Provocação. Dentre estes quatro fatores, os garotos apresentaram médias estatisticamente superiores, em comparação com as garotas, nos três primeiros. Para análise desses resultados deve-se considerar o tipo e a situação do conflito presente em cada fator, além dos distintos roteiros comportamentais, masculinos e femininos, assumidos pelos avaliadores de cada situação.

Palavras-chave: Crenças normativas; Agressão; Validação; Diferenças de gênero.

ABSTRACT

Normative beliefs are defined like a type of self-regulated belief of the socially appropriate behaviors. This study aimed to validate for the Brazilian context the Normative Beliefs about Aggression Scale, as well as to observe how those beliefs differs as for the gender. A sample of 201students for the 5th to 8th grade, from João Pessoa (PB), participated in this study, and their mean age was 15 years (SD = 2,0). The results indicated the measure reliability, with a multifactorial solution composed by: General approval of the Aggression, Verbal Aggression by Weak Provocation, Physical Aggression by Weak Provocation and Physical Aggression by Strong Provocation. Among these factors, the boys presented statistically higher means in the three factors. For analysis of those results it should be taken into account the type and the situation in which the conflict happens for each factor, as well as the different behavioral scripts, for male and female, assumed by the appraisers of each situation.

Key-Words: Normative beliefs; Aggression; Validation; Gender Differences.

Introdução: Os altos índices de violência e de agressão entre adolescentes e crianças têm despertado o interesse de pais, educadores e de muitos estudiosos, de modo que, durante as três últimas décadas, muito se tem estudado sobre a agressão humana (Anderson & Bushman, 2002). Os diversos aspectos relacionados à agressão vêm sendo amplamente explorados, desde suas novas manifestações, (Tropp, 2004; Werner, Hill & Nixon, 2003), passando pelo papel da mídia no comportamento agressivo de crianças e de adolescentes (Anderson & Bushman, 2001; Andrade, 2003; Henington, Nughes, Cavell & Thompson, 1998), e até mesmo os processos cognitivos subjacentes que levam as pessoas a se comportarem agressivamente (Golden, Jackson, Peterson-Rohne & Gontkovsky, 1996; Huesmann & Guerra, 1997; Sprott, Spangenberg & Fisher, 2003).

Revisando a literatura, Anderson e Bushman (2002) definem a agressão humana como sendo qualquer comportamento direcionado a outro indivíduo com a intenção de causar um dano imediato, que pode ser físico ou não. Estes autores fazem uma diferenciação entre a agressão e o comportamento violento, sendo este último definido como uma agressão cuja meta consiste em um dano extremo como, por exemplo, a morte. Eles salientam ainda que, toda violência é agressão, mas nem toda agressão pode ser classificada como violência. Este trabalho irá se deter na análise das crenças sobre a agressão por ser, em geral, manifesta e observada com maior freqüência quando comparada à violência.

Mas, o que subjaz a conduta agressiva? O que faz com que essa conduta se expresse de forma tão consistente em muitas pessoas?

Muitos comportamentos humanos são influenciados pelas crenças que cada pessoa carrega consigo e as têm como verdades que norteiam seu agir (Fishbein & Ajzen, 1975). Conforme Bem (1973), as crenças desempenham um papel importante nos assuntos humanos; o acesso que as pessoas fazem a elas , na maioria das vezes, é tão automático que se torna ordinariamente imperceptível, isto é, cada indivíduo faz uso de suas crenças sem tomar conhecimento de tal feito, e isso se encontra imbricado em suas mais diversas operações.

Anderson e Bushman (2002) afirmam que as crenças representam um papel de prontidão para a agressão, e que os indivíduos que as têm favoráveis à agressão acreditam que podem desenvolver, eficazmente, certos atos agressivos (auto-eficácia) e que estes produzirão os resultados desejados (eficácia do resultado), sendo que estas pessoas terão maior tendência em optar por comportamentos agressivos do que as que não são tão confiantes na eficácia de tais ações.

Dentre os tipos de crenças que influenciam no comportamento podem-se destacar as crenças normativas. Huesmann e Guerra (1997) definem as crenças normativas como sendo auto-reguladoras dos comportamentos socialmente adequados, como relacionadas à percepção das normas sociais, mesmo não necessariamente consistentes com elas. Além da conceituação, os autores também ofereceram um instrumento de medida, a Normative Beliefs about Aggression Scale (NOBAGS), que se propõe a avaliar as crenças normativas, e, ainda que esse tipo de crença teoricamente assuma fundamental importância na compreensão das condutas agressivas, no Brasil não foram encontrados estudos que contemplassem o seu construto tal como definido e operacionalizado por Huesmann e Guerra (1997).

Há que se levar em conta a existência de uma sobreposição das crenças normativas do indivíduo com as normativas de seus amigos, de seus grupos sociais e instituições societais, o que explicita o seu caráter eminentemente social; pois essas diferentes instâncias articulam-se, contribuindo na formação, manutenção ou modificação dessas crenças.

As crenças normativas são utilizadas quando o indivíduo se encontra frente a uma situação na qual ela deve decidir sobre como vai se comportar, mas sua escolha exige um comportamento socialmente desejável, fazendo com que a decisão seja na direção da congruência entre sua crença e seu comportamento.

Pode-se observar a influência das crenças normativas quando se observa, por exemplo, uma situação que envolve a agressão. Quando surge a oportunidade de se manifestarem agressivamente, as pessoas que possuem crenças favoráveis à agressão têm mais propensão de aceitar e empreender um comportamento agressivo, pois suas crenças funcionam como uma predição de tal comportamento. Por outro lado, naquelas em que as crenças são relativamente fracas acerca da agressão, é menos provável que evoquem o comportamento agressivo.

O contexto situacional contribui para que o comportamento aconteça, uma vez que é nesse momento que as crenças se intensificam e são utilizadas mais facilmente (Bjorkqvist, 1994; Giles, 2003). É através desse processo que a norma é evocada e usada para guiar o comportamento, levando a pessoa a imaginar formas de lograr seu objetivo. Até mesmo as pessoas que acreditam que, em certas ocasiões, comportar-se de maneira não agressiva seria pouco importante, o fazem por ser isto socialmente desejado. Ou seja, elas não emitem o comportamento por acreditarem que não devem fazê-lo, mas porque ele é apropriado (Sprott, Spangenberg & Fisher, 2003). Em resumo, o que se observa é que, na maioria das vezes, as pessoas fundamentam os seus comportamentos naquilo que julgam ser socialmente aceito e normativo, o que possivelmente acontece para criar uma impressão favorável ao grupo.

As crenças normativas podem afetar a maneira como as pessoas percebem os comportamentos dos outros. Quanto mais elas aprovam a agressão, mais sensíveis ficam para perceber a hostilidade, mesmo quando esta não é apresentada. Ademais, as crenças normativas atuam como um filtro para eliminar os comportamentos inapropriados do repertório dos indivíduos. Consequentemente, as crenças normativas contrárias a agressão seriam um fator de proteção contra a manifestação agressiva em diversas situações.

Como todos os demais elementos sociais, a agressão e as crenças sobre ela são fenômenos multideterminados. Uma entre as diversas variáveis utilizadas para compreender os referidos fenômenos é o gênero. Tal variável é fortemente influenciada pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido (Gouveia, 2002). O processo de socialização iniciado precocemente por pais, pares e educadores pode potencializar os determinantes biológicos, ou diminuí-los (Health Canada, 1996). Os pais tendem a tratar diferenciadamente seus filhos, encorajando-os ou desencorajando-os a certos comportamentos de acordo com o sexo. Igualmente, na fase da socialização escolar, os colegas tendem a recompensar comportamentos "apropriados" e a punir os "inapropriados", de acordo com o sexo, moldando como as crianças adotam e internalizam suas visões sociais de gênero. A mídia também promove um determinado papel, reforçando muitos estereótipos de comportamentos e habilidades características do gênero masculino e feminino (Anderson & Bushman, 2001; Andrade, 2003; Buss & Shackelford, 1995).

Homens e mulheres diferem em suas tendências agressivas, especialmente quanto à agressão física e aos comportamentos mais violentos, como homicídios e latrocínios, estando eles mais propensos a manifestá-los (Archer, 2004; Campbell & Muncer, 1994; Craig, 1998; Henington, Nughes, Cavell & Thompson, 1998; Odgers & Moretti, 2002). Parece, em princípio, que a agressão direta é preferida pelos homens, enquanto que a indireta é a escolhida pelas mulheres (Archer & Latham, 2004; Xie, Farmer &Cairns, 2003). Muitas dessas divergências são conseqüências dos diferentes processos de socialização que cada indivíduo passa durante a vida (Buss & Shackelford 1995; Gouveia, 2002; Health Canada, 1996; Kulis, Marsiglia & Hecht, 2002). Em suma, são as peculiaridades do processo de socialização que, em grande medida, promovem os distintos padrões comportamentais, masculinos e femininos, bem como as suas crenças associadas. Tais diferenças precisam ser melhor compreendidas e este estudo buscou contribuir neste sentido.

Objetivos

Este trabalho teve como objetivos: (a) adaptar a Escala de Crenças Normativas Sobre a Agressão (NOBAGS) para uso no contexto brasileiro, analisando seus parâmetros de validade e precisão; e (b) observar como as crenças normativas acerca de comportamentos agressivos diferem entre garotos e garotas.

Método

Amostra

Para o presente estudo participaram 201 adolescentes, alunos provenientes da segunda fase do ensino fundamental (de 5ª a 8ª séries) de uma escola da rede municipal da cidade de João Pessoa (Paraíba), situada em um de seus bairros populares. As turmas nas quais os alunos foram contatados pertenciam ao turno da manhã e em cada sala havia em média 30 alunos.

A idade dos participantes variou entre 11 e 19 anos, sendo a média de 15 anos (DP = 2,0). Foi feito um esforço no sentido de que a amostra não ficasse desproporcional quanto ao sexo, de modo que 54% dos participantes eram do masculino e 46% do feminino. A amostra pode ser definida como não-probabilística e classificada como intencional, pois os participantes respondiam voluntariamente quando solicitados a colaborarem com a pesquisa.

Instrumento

Construída e validada nos Estados Unidos, a Normative Beliefs about Aggression Scale (NOBAGS) (Huesmann & Guerra, 1997) é um instrumento desenvolvido para mensurar a percepção de crianças, adolescentes e jovens adultos sobre o quanto comportamentos agressivos são aceitáveis em variadas condições de provocação e mesmo se não existem condições específicas de provocação.

Este instrumento é composto por 20 itens, que variam entre severidade da provocação, severidade de resposta, gênero do provocador e o gênero do respondente. Os primeiros oito itens são breves enredos onde um indivíduo (A) é verbalmente agressivo com outro indivíduo (B); estes enredos variam de acordo com o gênero da pessoa envolvida (o mesmo sexo e o sexo oposto). Após cada um dos enredos, a primeira pergunta ao respondente é se é certo ou errado B responder a A com agressão verbal (gritos, insultos) (por exemplo, Suponha que um garoto diz uma ofensa a uma garota; você acha que é errado a garota gritar com ele?), e depois se é certo ou errado B responder com agressão física (bater) (por exemplo, Suponha que um garoto diz uma ofensa a uma garota; você acha que é errado a garota bater nele?).

Na seqüência, quatro itens envolvem enredos em que, dessa vez, um indivíduo A agride fisicamente (batendo) o indivíduo B. Da mesma forma que anteriormente, existem variações quanto o gênero do agressor e do agredido e é perguntado ao respondente o quanto é correto B responder a A com uma agressão física (por exemplo, Imagine que um garoto bata em outro garoto, João; você acha que é errado João bater de volta nele?).

Os últimos oito itens não envolvem enredos, nem especificam o gênero, mas tratam de questões sobre agressão física e/ou verbal, nas quais o respondente tem que dizer se acha certo ou errado o conteúdo da frase, (por exemplo, Em geral, é certo bater em outra pessoa?; Em geral, é errado gritar e dizer insultos aos outros?). Dez das 20 perguntas são lidas com a expressão reversa "é errado", enquanto as outras dez questões começam com "é certo".

Para respondê-lo, a pessoa deve indicar o quanto considera o comportamento descrito como certo ou errado. Cada um dos itens é respondido numa escala de quatro pontos, com os seguintes extremos: 1 = Muito Errado e 4 = Muito Certo. Quanto maior a pontuação, maior será também a disposição a aceitar a agressão.

Na versão inglesa as questões são apresentadas de forma muito clara e objetiva. Mesmo assim, os itens foram atentamente traduzidos para o português, buscando-se adequar o conteúdo semântico do item original ao idioma português. A tradução foi inicialmente feita por um perito em língua inglesa com conhecimento na área de Psicologia e, em seguida, avaliada por outro psicólogo bilíngüe. Depois, procedeu-se a sua validação semântica. Para tanto, considerou-se uma amostra de 30 crianças da 4ª série do ensino fundamental da rede pública de ensino de João Pessoa (PB), justamente por corresponderem a um estrato inferior ao da população-alvo em termos da capacidade de compreensão verbal. Por suposto, caso esse grupo demonstrasse uma compreensão adequada do significado dos itens do instrumento, o grupo de interesse, adolescentes da mesma rede de ensino, também a teria.

Em uma aplicação coletiva era pedido, inicialmente, que as crianças tentassem responder individualmente aos vinte itens da NOBAGS. Num segundo momento, pedia-se para que eles tentassem reproduzir verbalmente os itens com outras palavras ou explicar seu significado. Isso foi feito coletivamente e suas verbalizações registradas por escrito.

Com base nas informações obtidas a partir dessa validação semântica, em que se procurou analisar quais os itens que ofereciam maior ou menor dificuldade de compreensão, pôde-se perceber que as últimas questões, itens onde não havia provocação explícita, foram bem compreendidas. Entretanto, observou-se certa dificuldade no entendimento dos 12 primeiros itens. Em função disso, decidiu-se atribuir personagens fictícios a todos eles. A versão original utiliza um único personagem nos casos em que agressor e agredido são do mesmo sexo. Na adaptação feita, para cada situação de provocação foram criados personagens fictícios tanto para o agressor, quanto para o agredido (por exemplo, Suponha que Carlos diz uma ofensa a Renata; você acha que é errado Renata gritar com Carlos?; Imagine que Maurício bata em João; você acha que é certo João bater de volta em Maurício?). Isso, como se constatou em observações posteriores, facilitou sensivelmente a compreensão das questões do instrumento, agora apto a ser aplicado na população-alvo deste estudo para análise empírica de sua estrutura conceitual.

Procedimento

O instrumento foi aplicado coletivamente em sala de aula. Os aplicadores, estudantes de psicologia treinados para a realização dessa coleta de dados, de ambos os sexos, visando garantir um mínimo de respostas enviesadas, deram as mesmas instruções de maneira uniforme a todos os participantes, seguindo assim um procedimento padrão. As instruções enfatizavam como responder a escala, pedindo-se que as respostas fossem dadas individualmente e que não se deixasse nenhum item em branco. Ademais, era informado que não seria necessário identificar-se. Os participantes levaram entre 10 a 30 minutos para responder a todas as questões.

Análise dos dados

Para efetuar a tabulação e as análises dos dados, foi utilizada a versão 11.5 do SPSSWin (Statistical Package for the Social Sciences). Além das estatísticas descritivas, úteis para apresentar características sócio-demográficas (sexo e idade) dos respondentes, utilizou-se a Analise Fatorial Exploratória, para verificar a validade conceitual do instrumento; foram também calculados os índices de consistência interna (Alfa de Cronbach), para avaliar sua precisão; e, finalmente, o teste t de Student, para comparar as médias entre os sexos para cada um dos fatores da NOBAGS.

Resultados

Buscando atingir o objetivo de adaptar para o contexto brasileiro a Escala de Crenças Normativas sobre a Agressão (Huesmann & Guerra, 1997), o conjunto dos 20 itens que a compõem foi submetido a uma análise fatorial dos Eixos Principais (PAF), com rotação ortogonal (varimax). Por não dispor de base teórica para definir tal estrutura no contexto brasileiro e como a sua versão original é apresentada com diversas sub-escalas, compostas pelas mais variadas combinações entre os itens, decidiu-se não estabelecer o número de fatores a serem extraídos.

Uma vez que os dados se mostraram adequados [KMO = 0,87; Teste de Esfericidade de Bartlett, x2 (190) = 1724,17, p = 0,001] para realização de uma Análise Fatorial, ela foi efetuada e foram identificados claramente quatros fatores, com eigenvalue superior a 1,00, explicando 61,8% da variância total. Os 20 itens, conjuntamente, apresentaram consistência interna (Alfa de Cronbach) de 0,90. Os resultados dessa análise estão reunidos na tabela 1.

O primeiro fator, denominado de Aprovação Geral da Agressão, é o que mais explica a variância, contribuindo com 35,51%; reuniu oito itens que indagam sobre o quanto é correto ou errado agir agressivamente de forma generalizada, sem que haja um enredo justificador. Seu índice de consistência interna (Alfa de Cronbach) foi de 0,84. Suas cargas fatoriais variaram de 0,46 (Em geral, é errado gritar e dizer insultos aos outros) a 0,75 (É comumente errado empurrar outra pessoa se ela está em volta de você).

O segundo fator, nomeado Agressão Verbal mediante Fraca Provocação explicou 12,46% da variância. É constituído de quatro itens que expressam o quanto os respondentes consideram certo gritar com outrem, mediante provocação oral. Este fator apresentou um Alfa de Cronbach de 0,85. A menor carga fatorial foi igual a 0,66 (Imagine que Cristina diz um palavrão a Maria; você acha que é errado Maria gritar com Cristina?) e a maior 0,82 (Suponha que Marcelo diz uma ofensa (um palavrão) a Pedro; você acha que é errado Pedro gritar com Marcelo?).

O terceiro fator foi identificado como Agressão Física Mediante Fraca Provocação. Esse explicou 7,62% da variância total e possui quatro itens agrupados. Seu conteúdo trata do quanto os respondentes julgam ser correto bater nas pessoas em decorrência de uma agressão verbal. Seu índice de consistência interna foi igual a 0,82. Demonstrou cargas fatoriais variando entre 0,45 (Imagine que Rosa disse uma ofensa (um palavrão) para Antônio. Você acha que é certo Antônio bater em Rosa?) e 0,80 (Imagine que Cristina diz um palavrão a Maria; você acha que é errado Maria bater em Cristina?).

Finalmente, Agressão Física Mediante forte Provocação corresponde ao quarto fator e explica 6,2% da variância. Também consta de quatro itens que questionam se é certo revidar uma agressão física com outra. O Alfa de Cronbach apresentado foi de 0,82 e as cargas deste fator variaram de 0,48 (Imagine que Mônica bata em Eduardo; você acha que é errado Eduardo bater de volta em Mônica?) a 0,78 (Suponha que Sara bata em Luciana; você acha que é certo Luciana bater de volta em Sara?).

Uma vez conhecida a estrutura fatorial da NOBAGS, tem-se agora respaldo empírico a respeito da configuração conceitual das crenças normativas. Dessa maneira, pôde-se partir para execução do segundo objetivo, que visava avaliar em que medida as crenças normativas sobre a agressividade variam em função do gênero. Neste sentido, calcularam-se as médias dos garotos e garotas em cada um dos fatores da NOBAGS e, em seguida, procedeu-se a um teste t de Student para verificar se esses dois grupos apresentariam médias estatisticamente distintas entre si. Os resultados dessa análise podem ser visualizados na Tabela 2.

Como pode ser observado na tabela acima, o fator Aprovação Geral da Agressão apresentou médias estatisticamente diferentes entre o sexo masculino e feminino, tendo o primeiro obtido média superior (M = 1,66; DP = 0,50) ao segundo (M = 1,50; DP = 0,48), com t (189) = 2,21; p = 0,03.

No fator Agressão Verbal mediante Fraca Provocação também se observou uma média superior do sexo masculino (M = 2,22; DP =0,71) quando comparada à média do sexo feminino (M = 1,96; DP =0,68), com t (192) = 2,54; p = 0,01.

Quanto à média do terceiro fator, Agressão Física mediante Fraca Provocação, assim como nos dois primeiros, os adolescentes do sexo masculino (M = 1,69; DP = 0,70) obtiveram uma média superior em relação às adolescentes do sexo feminino (M = 1,46; DP = 0,58), com t (190) = 2,43; p = 0,02.

Entretanto, o fator Agressão Física mediante Forte Provocação apesar de apresentar média superior para o sexo masculino (M = 2,20; DP = 0,80) em comparação ao feminino (M = 2,02; DP = 0,72) , esta não foi estatisticamente diferente, com t (195) = 1,60; p = 0,11.

Discussão

Este trabalho está pautado na importância atribuída à utilização de um instrumento adequado para realizar avaliações a respeito das crenças normativas sobre a agressão que pode se constituir em ferramenta útil para a compreensão das condutas agressivas, sobretudo entre adolescentes. Isso poderá tornar-se de grande utilidade aos profissionais ligados ao atendimento dessa clientela, a exemplo dos educadores, pedagogos e psicólogos educacionais.

Na adaptação da escala original da NOBAGS, efetuada neste estudo, foi possível perceber a sensível diferença no entendimento dos respondentes após a atribuição de personagens fictícios aos itens. Neste sentido, pode-se dizer que ela é de fácil aplicação e compreensão, podendo ser aplicada em contexto coletivo num tempo médio de 15 minutos.

As análises efetuadas demonstraram que a escala possui qualidades psicométricas satisfatórias. No que se refere à validade de construto, a estrutura fatorial observada foi composta por quatro fatores condizentes, em boa medida, ao observado por Huesmann e Guerra (1997): (I) no primeiro incluíam-se as crenças gerais sobre situações que não envolviam nenhum tipo de provocação; (II) no segundo, foram incluídas as crenças sobre o quão é correto responder agressivamente de maneira verbal quando ocorre uma provocação também verbal; (III) já no terceiro fator, reuniram-se as crenças sobre responder fisicamente frente a uma situação de provocação verbal; e, finalmente, (IV) no quarto fator, agruparam-se as sentenças nas quais as agressões físicas eram respondidas de maneira equivalente, ou seja, com outras agressões físicas.

Essa configuração fatorial indica a validade da medida decorrente da observação empírica na amostra considerada. Não obstante, cabe mencionar que seus proponentes (Huesmann & Guerra, 1997) sugerem a possibilidade de lidar com diversas sub-escalas, além das representadas pelos fatores aqui expostos, compostas pelas diferentes combinações entre seus itens, entre as quais poder-se-ia citar, por exemplo, a aprovação geral da retaliação (itens de 1 a 12), aprovação da retaliação contra homens (itens de 1 a 4, 9 e10), aprovação da retaliação contra mulheres (itens de 5 a 8, 11 e 12).

No que tange aos indicadores de precisão da medida, todos os fatores apresentaram índices de consistência interna superiores a 0,80, maiores inclusive que os encontrados por Huesmann e Guerra (1997), o que indica satisfatória fidedignidade do instrumento.

Com relação às diferenças de gênero, observou-se nos resultados que praticamente em todos os fatores da NOBAGS os garotos apresentaram médias estatisticamente superiores às das garotas. A única exceção foi referente à Agressão Física mediante Forte Provocação em que, embora os adolescentes do sexo masculino também tenham apresentado média superior, esta elevação não foi significativa.

Considerando a relevância que as crenças assumem sobre as condutas (Fishbein & Ajzen, 1975), entre elas as agressivas, pode-se afirmar que os achados aqui apresentados seguem na mesma direção daqueles que apontam para a existência de uma maior incisividade da agressividade masculina (Archer, 2004; Buss & Shackelford, 1995; Campbell & Muncer, 1994; Craig, 1998). Essa diferença provavelmente acontece em decorrência dos fatores envolvidos no processo de socialização a que a amostra em questão encontra-se envolvida, onde padrões comportamentais que envolvam ser destemido, corajoso, valente, são preponderantemente atribuídos aos meninos; ao passo que ter recato, docilidade, amabilidade, paciência, são, em grande medida, padrões esperados das meninas. Gouveia (2002), neste mesmo sentido, comenta que, enquanto que o menino é educado para a ação, a menina é educada para o diálogo.

Não se deve deixar de considerar que existem razões plausíveis para duvidar de quanto, de fato, é relevante uma discussão isolada sobre quem é mais agressivo, homem ou mulher (Bjorkqvist, 1994). É necessário levar em conta o tipo e a situação do conflito. Como foi aqui apresentado, nos casos em que são sofridas agressões físicas e o revide ocorre da mesma forma, garotos e garotas não diferiram entre si, ao menos em nível cognitivo ou avaliativo. Ao que parece, a natureza do estímulo deflagrador do comportamento agressivo, neste caso, não tenderia a provocar julgamentos díspares em avaliadores de gêneros distintos. Uma possível razão para tal poderia ser atribuída ao caráter de auto-preservação (que em boa parte independe de gênero) que estaria por trás do revide nesta circunstância específica, ou seja, deve-se revidar para não sofrer danos físicos ou morais de maiores proporções.

Em suma, pode-se concluir que a NOBAGS mostrou possuir boas qualidades psicométricas, além de ter facilitado a compreensão de diferenças intergrupais (ao menos no que diz respeito a diferenças de gênero), motivando assim o prosseguimento de estudos que possam aprofundar as informações a respeito das crenças normativas sobre a agressão. Em estudos futuros seria interessante explorar acerca das fontes formadoras das crenças normativas, bem como o poder explicativo desse tipo de crenças sobre os comportamentos agressivos propriamente ditos.

Recebido para publicação em 21/07/2004 e aceito em 26/10/2005.

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  • Endereço para correspondência:

    Marcilio Lira de Souza Filho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      26 Out 2005
    • Recebido
      21 Jul 2004
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