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Os primórdios da amizade na infância: a perspectiva materna

El inicio de la amistad en la infancia: la perspectiva materna

The beginning of friendship in childhood: mothers' perspective

Resumos

A investigação da origem ontogenética da amizade apresenta dificuldades conceituais e metodológicas. O presente artigo investigou como mães de crianças entre um e três anos percebiam as primeiras amizades de seus filhos. Vinte mães entre 24 e 48 anos foram entrevistadas com base em um roteiro pré-estabelecido. Os resultados indicaram que o conceito de amizade das mães era muito positivo. A rede de amigos dos filhos era formada por crianças da família, da vizinhança ou de comunidades religiosas. A principal atividade compartilhada com amigos foi o brincar. As mães facilitavam o encontro dos filhos com amigos ou amigos em potencial e serviam de mediadoras entre os padrões sócio-culturais e essas amizades, contribuindo para a sua construção de acordo com as expectativas sócio-culturais. As primeiras amizades foram identificadas por volta dos 18 meses. Pode-se concluir que as mães participavam ativamente da formação das primeiras amizades dos filhos.

Amizade; Infância; Mães; Relações interpessoais


La investigación del origen ontogenético de la amistad presenta dificultades conceptuales y metodológicas. Este artículo investigó cualitativamente cómo las madres de niños desde uno hasta tres años perciben las primeras amistades de sus hijos. Veinte madres entre 24 y 48 años fueron entrevistados con base en un plan preestablecido. Los resultados indicaron que el concepto de amistad de las madres era muy positivo. La red de amigos de sus hijos era formada por niños de la familia, del barrio o de comunidades religiosas. La principal actividad compartida con los amigos era jugar. Madres facilitaban el encuentro de sus hijos con amigos o amigos potenciales y sirvieron como mediadoras entre los padrones socio-culturales y estas amistades, contribuyendo para su construcción en conformidad con las expectativas socio-culturales. Las primeras amistades se formaron alrededor de los 18 meses. Se concluyó que las madres participaban activamente en la formación de las primeras amistades de sus hijos.

Amistad; Infancia; Madres; Relaciones interpersonales


The investigation of the ontogenetic friendship origin presents conceptual and methodological difficulties. This article investigated how mothers of children between one and three years old perceived their children's first friendships. Twenty mothers between 24 and 48 years old were interviewed based on a pre-established script. Results indicate that the mothers' concept of friendship was very positive. Their children's friends network was formed by children from the family, neighborhood or religious communities. The main activity shared with friends was playing. Mothers facilitate the encounter of their children with friends or potential friends and served as mediators between socio-cultural patterns and friendships, contributing to the construction of these friendships in accordance to socio-cultural expectations. The first friendships were identified at around 18 months. It is concluded that mothers actively participated in the formation of their children's first friendships.

Friendship; Childhood; Mothers; Interpersonal relations


PESQUISAS EMPÍRICAS

Os primórdios da amizade na infância: a perspectiva materna

The beginning of friendship in childhood: mothers' perspective

El inicio de la amistad en la infancia: la perspectiva materna

Glauce Reis da Silva; Agnaldo Garcia

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Agnaldo Garcia Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento Av. Fernando Ferrari, 514 CEP 29075-910. Vitória-ES, Brasil E-mail: agnaldo.garcia@pq.cnpq.br

RESUMO

A investigação da origem ontogenética da amizade apresenta dificuldades conceituais e metodológicas. O presente artigo investigou como mães de crianças entre um e três anos percebiam as primeiras amizades de seus filhos. Vinte mães entre 24 e 48 anos foram entrevistadas com base em um roteiro pré-estabelecido. Os resultados indicaram que o conceito de amizade das mães era muito positivo. A rede de amigos dos filhos era formada por crianças da família, da vizinhança ou de comunidades religiosas. A principal atividade compartilhada com amigos foi o brincar. As mães facilitavam o encontro dos filhos com amigos ou amigos em potencial e serviam de mediadoras entre os padrões sócio-culturais e essas amizades, contribuindo para a sua construção de acordo com as expectativas sócio-culturais. As primeiras amizades foram identificadas por volta dos 18 meses. Pode-se concluir que as mães participavam ativamente da formação das primeiras amizades dos filhos.

Palavras-chave: Amizade. Infância. Mães. Relações interpessoais.

ABSTRACT

The investigation of the ontogenetic friendship origin presents conceptual and methodological difficulties. This article investigated how mothers of children between one and three years old perceived their children's first friendships. Twenty mothers between 24 and 48 years old were interviewed based on a pre-established script. Results indicate that the mothers' concept of friendship was very positive. Their children's friends network was formed by children from the family, neighborhood or religious communities. The main activity shared with friends was playing. Mothers facilitate the encounter of their children with friends or potential friends and served as mediators between socio-cultural patterns and friendships, contributing to the construction of these friendships in accordance to socio-cultural expectations. The first friendships were identified at around 18 months. It is concluded that mothers actively participated in the formation of their children's first friendships.

Keywords: Friendship. Childhood. Mothers. Interpersonal relations.

RESUMEN

La investigación del origen ontogenético de la amistad presenta dificultades conceptuales y metodológicas. Este artículo investigó cualitativamente cómo las madres de niños desde uno hasta tres años perciben las primeras amistades de sus hijos. Veinte madres entre 24 y 48 años fueron entrevistados con base en un plan preestablecido. Los resultados indicaron que el concepto de amistad de las madres era muy positivo. La red de amigos de sus hijos era formada por niños de la familia, del barrio o de comunidades religiosas. La principal actividad compartida con los amigos era jugar. Madres facilitaban el encuentro de sus hijos con amigos o amigos potenciales y sirvieron como mediadoras entre los padrones socio-culturales y estas amistades, contribuyendo para su construcción en conformidad con las expectativas socio-culturales. Las primeras amistades se formaron alrededor de los 18 meses. Se concluyó que las madres participaban activamente en la formación de las primeras amistades de sus hijos.

Palabras clave: Amistad. Infancia. Madres. Relaciones interpersonales.

A origem ontogenética da amizade é um tema complexo. Quanto mais jovem a criança, mais difícil se torna sua investigação, devido a questões conceituais, referentes ao conceito de amizade nessa faixa etária, e metodológicas, uma vez que os primeiros relacionamentos sociais da criança remontam ao período no qual a criança ainda não fala, e o emprego de procedimentos usualmente utilizados nas pesquisas sobre amizade (como a nomeação de amigos) não é viável.

Crianças desde os seis meses de idade já se associam com pares de mesma idade (Whaley & Rubenstein, 1994) e trocas sociais entre crianças já ocorrem durante o primeiro ano de vida (Eckerman & Whatley, 1977). Padrões de interação social relativamente estáveis foram observados já no segundo ano de vida (Andrews & Krantz, 1982). Em relação às amizades, Vandell e Mueller (1980) sugerem que crianças entre um e três anos já têm os elementos básicos para sua construção. Howes (1983) observou amizades, caracterizadas pela preferência mútua e o compartilhamento de afeto positivo, desde a infância inicial (um a três anos). Howes (1988) encontrou amizades em crianças entre 16 e 33 meses que tendiam a ser estáveis no tempo, 51% das crianças apresentaram amizades recíprocas, as quais se mantiveram ao longo do período de um ano em que o estudo foi realizado. Segundo a autora, as crianças buscavam o outro, mantinham proximidade em relação a ele e dividiam afetos positivos, considerados indicativos de uma relação de amizade.

Whaley e Rubenstein (1994) examinaram, a partir de gravação de vídeos, como um grupo de amigos entre um e três anos (22-36 meses) interagia entre si e desenvolvia relações de amizade. Encontraram cinco dimensões características da amizade entre as crianças: ajuda, intimidade, fidelidade, divisão e similaridade, freqüentemente exibidas de forma não-verbal. Os autores sugerem que a consciência da amizade começa antes do quarto ano e que o desenvolvimento das habilidades sociais é um processo de refinamento.

Alguns autores investigaram amizades em crianças a partir de dois anos. Baumgartner e Camaioni (1995) incluíram as amizades entre os relacionamentos observados na primeira infância (2 a 4 anos), levando em conta o comportamento individual, a proximidade e o grau de intimidade com o outro, partilha, conflitos e comportamento pró-social. Baumgartner, Bombi e Cannoni (2000) também incluíram amizades entre os relacionamentos observados na primeira infância (2 a 4 anos).

As amizades entre crianças pequenas são identificadas a partir de interações preferenciais em relação às demais. Neste sentido, Piotto e Rubiano (1999) investigaram as diferenças entre as interações de pares privilegiados, neutros e preteridos, através de gravações em vídeo de 14 crianças que freqüentavam o período maternal de uma creche. A análise dos dados mostrou que os parceiros privilegiados associaram-se acima da média do grupo, foram estáveis, mantiveram seqüências associativas e desenvolveram mais atividades envolvendo faz-de-conta. Já os pares neutros desenvolveram mais atividades envolvendo "regras" e os preteridos mais atividades funcionais.

Howes (1996) reconhece limitações no estudo das amizades de crianças de um a três anos, havendo a necessidade de relatos dos pais e professores e inferências a partir do comportamento da criança. Contudo, algumas conclusões podem ser enumeradas. No fim do primeiro ano, crianças formam relacionamentos diferenciais com seus pares, selecionando uma criança em particular entre os companheiros de brincadeira, interagindo mais freqüentemente com ela e de modo distinto. Entre os 12 e 18 meses de idade, apresentam interações diferenciadas com pares específicos. Coordenações sociais prolongadas não são comuns até o fim do segundo ano. Entre pares bem familiarizados, regularidades na interação social às vezes emergem dos 13 aos 15 meses. Assim, para surgirem relacionamentos específicos, a criança deve ter oportunidades de interagir com a outra em brincadeiras e os pares devem estar suficientemente bem familiarizados para construir interações regulares.

Para definir amizade nessa faixa etária, de acordo com Howes (1996), três aspectos têm sido considerados necessários: companhia (incluindo proximidade e interação mútua), intimidade e afeto. A companhia refere-se a passar tempo juntos, isto é, como preferência social ou proximidade. Quando crianças preferem parceiros em particular, ou se mantêm próximas, são consideradas amigas. Companhia pode ser também definida como brincar juntas, de modo mais complexo que proximidade. Dentro de creches, amizades estabelecidas entre crianças pequenas são mantidas por diversos anos. Crianças muito jovens buscam a companhia de pares em particular e essas preferências são estáveis. Quando adultos professores e pais falam sobre esses relacionamentos, rotulando-os como amizades, em parte devido a essa estabilidade. Crianças que são amigas percebem o outro como um parceiro de brincadeiras. Interação recíproca é um segundo critério (em adição à proximidade) para a identificação das amizades. As primeiras amizades criam um contexto social caracterizado pela confiança entre os parceiros, tendo habilidades sociais como base. Na infância inicial, tem-se definido amizade com base nas manifestações comportamentais de afeto mútuo, apoio emocional e brincadeira simbólica (intimidade). Esta pode servir como auto-revelação para sustentar conversações íntimas, usando a fantasia para comunicar informações sobre elas mesmas. Proximidade e complexidade em brincadeiras são mais facilmente observáveis que apoio emocional e intimidade, sendo mais usados para definir as primeiras amizades.

Cooney e Selman (1978) consideraram a amizade na primeira infância altamente transitória e instável. Amizades recíprocas são mais comuns a partir de três ou quatro anos (Vaughn e cols., 2000).

A família e a escola representam os dois principais ambientes de desenvolvimento humano na sociedade contemporânea (Dessen & Polonia, 2007). A família exerce diferentes influências sobre as amizades na infância. Os pais afetam as amizades dos filhos por meio da estruturação de sua vida diária (Alles-Jardel, Fourdrinier, Roux, & Schneider, 2002), por meio de suas próprias amizades (Uhlendorff, 1996; Simpkins & Parke, 2001), por meio de seus conflitos (Kitzmann & Cohen, 2003), da qualidade da relação entre pais e filhos (Freitag, Belsky, Grossmann, Grossmann, & Scheuerer-Englisch, 1996) e das propriedades do apego na infância (Chisholm, 1998). Diferentes orientações teóricas, como a teoria do apego e aprendizagem social, colaboram para a compreensão das relações entre amizade e família. A semelhança entre os relacionamentos com pais e amigos também se dá quanto às regras sociais. Regras empregadas com amigos próximos se assemelharam às regras utilizadas com os pais, incluindo complacência, facilitação social, administração de informação, comportamento pró-social, lealdade e administração de sentimentos (Bigelow, Tesson, & Lewko,1992). Finalmente, os conflitos entre os pais afetam de forma negativa a qualidade das amizades dos filhos (Kitzmann & Cohen, 2003). Estratégias de facilitação de amizades foram observadas em mães de crianças com e sem deficiência mental (Turnbull, Pereira, & Blue-Banning, 1999). Pouco tem sido investigado quanto à percepção dos pais (pais e mães) em relação às primeiras amizades de seus filhos ou sobre o que fazem para facilitar essas amizades.

Corsaro (1985) investigou as relações entre amizade e cultura dos pares na infância, particularmente em crianças de idade pré-escolar. Segundo Corsaro e Eder (1990), a cultura dos pares é um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses compartilhados que crianças produzem e compartilham na interação com pares. Algumas investigações realizadas no Brasil têm abordado o conceito de cultura de pares. Carvalho e Pedrosa (2002) discutiram o conceito de cultura em relação à microcultura do grupo de brinquedo, adotando o conceito de cultura de pares de Cosaro (1985) ao investigar a criação e a transmissão de normas e maneiras de brincar entre crianças. A cultura dos pares também foi abordada por Delgado e Muller (2005), ao discutirem metodologias investigativas com as crianças e suas culturas, considerando-as como agentes ativos que constroem as próprias culturas e contribuem para a produção do mundo adulto. Delgado (2006) destaca o conceito de reprodução interpretativa, ressaltando que as crianças não se limitam a interiorizar a cultura adulta, mas tornam-se parte dessa cultura, contribuindo para sua reprodução através das negociações com adultos e da produção criativa com outras crianças. Finalmente, Martins-Filho (2007) analisa as relações entre adultos e crianças (tanto nas relações de conflito e tensão como nas de maior harmonia) e estas entre si no ambiente de creche, destacando seu papel de atores sociais ativos. Estes estudos, contudo, não tomam as relações de amizade como foco de investigação.

Rizzo e Corsaro (1999) procuraram interpretar o desenvolvimento do conceito de amizade de acordo com o processo de internalização de Vygotsky (crianças de 4 a 6 anos). Segundo os autores, ao longo do desenvolvimento, mudanças nas demandas sócio-ecológicas provocam mudanças nas atividades práticas, no desenvolvimento do conhecimento e nas habilidades sociais da criança.

Apesar de Howes (1996) apontar a necessidade de relatos de pais e professores no estudo da amizade de crianças de um a três anos, reconhece que a amizade nessa faixa etária tem-se baseado em manifestações comportamentais relacionadas à companhia, intimidade e afeto mútuo. Há, assim, o predomínio da utilização de métodos de observação na investigação da amizade nos primeiros três ou quatro anos de vida (Baumgartner & Camaioni, 1995; Baumgartner, Bombi, & Cannoni, 2000; Howes, 1983; Howes, 1988; Piotto & Rubiano, 1999; Whaley & Rubenstein, 1994). Pouco tem sido investigado quanto à percepção dos pais (pais e mães) em relação às primeiras amizades de seus filhos ou sobre o que fazem para facilitar essas amizades.

Na busca de um modelo teórico, as contribuições de dois autores mostram-se relevantes para compreender os primórdios da amizade na infância: Hinde (1997) e Vygotsky (1930/1989). Tendo em vista um modelo estrutural da amizade no início da infância, quatro elementos da estrutura proposta por Hinde (1997) se mostram importantes: relacionamentos, grupo social, ambiente físico e estrutura sócio-cultural. Dentro da obra de Vygostky, o conceito de zona de desenvolvimento proximal pode contribuir para a compreensão de como as mães podem servir de elo mediador entre a sociedade e o desenvolvimento da criança.

Segundo Silva e Davis (2004), Vygotsky considera desenvolvimento e aprendizagem como dois processos genética e funcionalmente distintos, ainda que relacionados. A aprendizagem criaria processos internos impulsionando o desenvolvimento, formando uma zona de desenvolvimento proximal. Assim, haveria dois níveis diferentes de desenvolvimento no indivíduo, um efetivo que indica o que a criança saberia fazer sozinha, sem auxílio de outra pessoa, e um proximal, representado por aquilo que ainda não consegue fazer sozinha, mas somente se tiver auxílio de outras pessoas.

Segundo Litowitz (1993), a zona de desenvolvimento proximal representaria a diferença entre o que a criança pode fazer por si própria e aquilo que pode fazer em colaboração com outro com maior conhecimento. Segundo o mesmo autor, além da transmissão de conhecimento cultural, papéis sociais relativos a esse conhecimento também seriam internalizados.

Ao interagir com parceiros mais habilidosos, estes trariam ferramentas intelectuais da sociedade para o alcance das crianças, promovendo o desenvolvimento cognitivo e a internalização do conhecimento. O desenvolvimento individual dependeria da interação com outras pessoas em atividades envolvendo valores da sociedade, ferramentas intelectuais e instrumentos culturais (Rogoff, Mosier, Mistry, & GÖncü, 1993).

O objetivo da presente pesquisa foi investigar como mães de crianças com idade entre um e três anos percebiam e interferiam nas primeiras amizades de seus filhos. Os objetivos específicos foram: identificar e descrever as primeiras amizades dos filhos, as atividades realizadas com os amigos e os seus respectivos locais de encontro, as redes de amigos e o papel facilitador das mães.

Método

O presente trabalho é um estudo qualitativo e basicamente descritivo da amizade de crianças entre um e três anos a partir do olhar das mães.

Participantes

Participaram da pesquisa vinte mães com idades entre 24 e 48 anos, com filhos de 1 a 3 anos (14 a 46 meses) no momento da entrevista, residentes nos municípios de Vitória-ES e Vila Velha-ES. Das vinte mães, nove tinham filhas e onze tinham filhos. As participantes foram recrutadas a partir de indicações de alunos de um Programa de Pós-graduação. Como critério para indicação, essas mães deveriam ter filhos entre um e três anos, não havendo restrições quanto à escolaridade ou nível sócio-econômico. Dez mães tinham curso superior completo, quatro não tinham o ensino fundamental completo e seis tinham o ensino médio completo. Doze mães tinham um filho, cinco tinham dois, duas tinham três e uma tinha cinco filhos. Seis crianças freqüentavam creche/escola havia seis meses (três casos) ou um ano (outros três casos). Das vinte crianças, cinco eram cuidadas exclusivamente pelas mães. As restantes tinham outros cuidadores: onze delas tinham babás e quatro eram cuidadas pelas avós.

Procedimento

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com as mães, seguindo-se um roteiro previamente elaborado, composto por 24 questões. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas quanto à percepção das mães das primeiras amizades de seus filhos. O roteiro de entrevista constava de duas partes. Na primeira parte, foram coletados dados sobre a mãe (data de nascimento, estado civil, nível de escolaridade e ocupação profissional) e a criança (data de nascimento, posição da criança entre os irmãos, se freqüentava creche ou escola e se tinha outro cuidador, além da mãe).

Na segunda parte, as questões procuraram investigar a definição de amizades por parte das mães e a importância atribuída à amizade e ao fato dos filhos terem amigos. Um grupo de questões buscou levantar dados sobre a rede de amigos do filho ou filha (número de amigos, sexo, idade, origem ou proveniência por exemplo, se eram da escola, da família, da vizinhança, da igreja, entre outros). Ao citar um amigo, também foram argüidas quanto aos motivos por que consideravam essas crianças como tais. Em seguida, procurou-se investigar a relação da própria mãe com esses amigos, se conhecia os pais desses amigos e que tipo de relação mantinha com eles. Ainda responderam questões quanto às atividades compartilhadas com essas crianças, aos locais e à freqüência de encontros e à existência de um melhor amigo. Em seguida, falaram sobre os episódios que recordavam como os mais marcantes dessa amizade e de outras. Quanto ao papel da mãe na facilitação da amizade, foi perguntado se o filho(a) pedia para encontrar o amigo e como a mãe reagia e se procurava facilitar o encontro e como. Algumas situações específicas de facilitação foram investigadas, como o papel da mãe de contatar os amigos dos filhos para participar de festas ou levar o filho a eventos sociais. Perguntou-se ainda sobre os relatos da própria criança sobre possíveis amigos ou referências a amigos. Ainda foi investigado o primeiro amigo do filho ou filha e como tal amizade teve início. Finalmente, as mães comentaram se viam algo de negativo nessas amizades. O conteúdo das respostas foi analisado de modo qualitativo (análise de conteúdo).

Cabe salientar que a presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participação em pesquisa.

Resultados

Conceito de amizade

Ao se referirem à amizade de modo abstrato, as mães destacaram seu caráter positivo e seu potencial para aproximar as pessoas, permitindo sua identificação (sintonia, afinidade, empatia, identidade, compatibilidade), o compartilhar (de pensamentos, afetos, sonhos, atividades, conhecimentos, problemas, intimidade) e a comunicação (sinceridade, diálogo). Esse caráter positivo também foi evidenciado ao apontarem tolerância, compreensão, falta de competição e de cobranças, reciprocidade, liberdade de escolha, confiança e apoio como característicos da amizade. A amizade ainda foi considerada divertida e prazerosa e de grande valor (fundamental, de extrema importância, base ou suporte na vida do ser humano). Ela também foi associada a emoções positivas (afeto, amor e saudade). O mesmo caráter positivo é atribuído às amizades na vida dos filhos. Todas as mães participantes consideraram importante que os filhos tivessem amigos para seu desenvolvimento cognitivo, emocional e social.

O lado negativo da amizade

Os pontos negativos não faziam parte do conceito de amizade das mães, mas surgiram de casos concretos das amizades dos filhos, como exceções. Oito mães apresentaram como aspectos negativos da amizade dos filhos uma possível influência negativa devido a comportamentos impróprios, incluindo a agressividade (brigar, morder, empurrar, puxar o cabelo, machucar fisicamente). Ainda reconheceram como fatores de risco as diferenças de idade e de gênero (um amigo mais velho poderia antecipar comportamentos impróprios para a idade e, devido à maior força física, poderia representar um perigo para o menor). Em casos concretos de amizades consideradas nocivas, as mães procuraram afastar o filho desse amigo.

A rede de amigos

A rede de amigos do filho (ou filha) era diversificada quanto ao número (de um a dez amigos), ao sexo (de ambos os sexos) e à idade (crianças da mesma idade ou mais velhas, de um a doze anos). A maioria das participantes (16) considerou que os filhos tinham amigos. Em um primeiro momento, para quatro mães, os filhos eram muito jovens para ter amigos. Porém, no decorrer da entrevista, falaram de pessoas de quem os filhos gostavam muito e com quem brincavam, tratando-os como amigos. Como critérios para as mães considerarem outras crianças como amigas estava o desejo da criança de estar com a outra, a alegria com sua presença, a preferência por ela, a demonstração de cuidado para com ela, o compartilhar de atividades, a reciprocidade, manifestações afetivas de carinho e o fato de nomeá-la como amigo. Ocorreram também casos de amizade entre irmãos (doze mães tinham apenas um filho). A Tabela 1 indica o número, o gênero e as idades dos amigos citados.

Apesar das observações de algumas mães, todas nomearam amigos dos filhos. As nove meninas tinham 15 amigas e 12 amigos. Os 11 meninos tinham 16 amigas e 33 amigos. A maioria dos amigos (48) tinha entre um e quatro anos. Apenas 28 dos amigos tinham entre 4 e 12 anos. Todos os amigos citados eram também crianças.

A origem dos amigos

Os amigos eram provenientes de diferentes ambientes sociais. A maioria era da igreja (13), da família (como irmãos ou primos) (12), ou da vizinhança (12). Em menor proporção, eram da escola (4), da aula de natação (3) ou do parque (2). Algumas vezes, um mesmo amigo tinha sua origem atribuída a mais de um ambiente social, como ser vizinho e freqüentar a mesma igreja. A rede mostrou-se diversificada quanto à origem dos amigos. De modo geral, a família da criança faz a mediação entre a criança, a igreja e a vizinhança.

O melhor amigo

A maioria das mães (12) reconheceu a presença de um melhor amigo ou um amigo em especial na vida dos filhos, referindo-se a uma (8) ou duas crianças (4). Para duas mães, os filhos não têm um melhor amigo e outras duas disseram não ter condições de responder. Entre os critérios para identificar um melhor amigo estavam a afinidade, a preferência, um compartilhar diferenciado, a defesa do amigo, maior proximidade ou contato, menos brigas, maior manifestação de afetividade e maior companheirismo (brincar juntas). As que não reconheceram um amigo em especial justificaram pela instabilidade na preferência por algum amigo. Essa preferência por um amigo em particular mudava com freqüência, com a criança falando mais de um amigo em um dia e, em outros dias, de outro.

A relação entre os pais

A família exerce um papel importante nas amizades. Com exceção de uma mãe (os amigos eram do parque, local onde a criança ia com a babá que, por sua vez, era amiga das outras babás), as restantes conheciam os pais dos amigos dos filhos, o que consideraram fundamental. As mães apresentaram diferentes níveis de amizade com os pais dos amigos citados. Metade relatou uma forte amizade entre as famílias. Algumas, além de muito amigas, eram também madrinhas dos filhos dos amigos. As outras dez tinham uma relação mais distante, considerando-os apenas "conhecidos". Nestes casos, os encontros aconteciam em festas de aniversários, na escola ou na natação. As mães tinham uma relação mais próxima com outras mães. Em geral, a rede de amigos das crianças estava diretamente ligada à rede social dos pais, incluindo pessoas que freqüentavam a mesma igreja, faziam parte da mesma família ou eram vizinhos.

Atividades compartilhadas

A única atividade compartilhada pelos amigos citada por todas as mães foi brincar, incluindo correr, pular, brincar de esconde-esconde ou com brinquedos. Brincavam de imitar um ao outro, inventavam brincadeiras e as ensinavam ao amigo. Ainda cantavam, dançavam e gritavam juntos, por vezes utilizando alguns instrumentos. Outras atividades incluíam balançar na rede, desenhar, pintar e rabiscar, conversar, tomar banho juntas e assistir televisão. Algumas crianças ainda faziam algumas refeições juntas, como café da manhã, almoço e lanche. Em alguns casos, participavam de programas organizados pelas famílias, da mesma classe de escola dominical na igreja, estudavam na mesma escola e partilhavam de atividades escolares.

Locais e freqüência de encontro

As crianças se encontravam com amigos em diferentes locais: parque do condomínio, praia, casa (das duas crianças), igreja, em locais de festas (incluindo aniversários), casa dos avôs, na escola, em passeios eventuais, em viagens, restaurantes, aulas de natação, na rua ou praça e em shopping centers. A freqüência de encontros variou bastante. Estes foram eventuais (26), diários (18), semanais (14), de duas a três vezes por semana (10), quinzenais (8) ou mensais (3). Os principais locais de encontro foram a casa da criança (19 no caso dos amigos não irmãos e 3 no caso de irmãos como amigos), parque ou praça (13), igreja (9), aniversário ou festa (6), viagem (5), praia (4), shopping (4), passeio eventual (3), escola (3), aula de natação (3), restaurante (3), rua ou vizinhança (2), casa dos avós (2). A freqüência e os locais de encontro estavam diretamente ligados a atividades da família.

Referência a amigos na sua ausência

Conforme o relato das mães, as crianças não somente compartilhavam atividades com os amigos, mas também se referiam a eles em sua ausência. Dezesseis mães relataram que seus filhos já haviam demonstrado amizade por outra criança em sua ausência (em casa ou em outros locais). Treze relataram que seus filhos falavam de amigos da escola, da vizinhança, da igreja ou da família (as outras sete tinham filhos de um e dois anos, que ainda não falavam sobre os amigos). Assim, demonstravam a falta que sentiam deles (especialmente após a separação) e a expectativa de ver um amigo quando sabiam que iriam encontrá-lo ou desejavam estar ou falar com ele. Ainda lembravam do amigo para compartilhar algo que estava sendo comprado ou mostrado. Em alguns casos, davam o nome de um amigo a um brinquedo ou inventavam estórias com os amigos. Finalmente, relatavam acontecimentos com os amigos, como brincadeiras e os incluíam em orações. Por vezes, isso era desencadeado por algo ligado ao amigo, como um presente ou uma fotografia.

O primeiro amigo

Segundo a maioria das mães, os amigos faziam parte do mundo social de seus filhos desde cedo. Dezenove mães falaram do primeiro amigo do filho e do início da amizade. Houve certa diversidade quanto à identidade do primeiro amigo. Este podia ser um irmão ou irmã mais velha, um primo ou vizinho mais velho ou de idade próxima. Familiares e vizinhos foram citados como os primeiros amigos da criança. Assim, a proximidade física e por parentesco parecem facilitar as primeiras amizades. Outras mães citaram crianças de idade próxima e do mesmo gênero, sem indicar relações de parentesco ou de proximidade (vizinhos).

O contexto social e ambiental da primeira amizade

As primeiras amizades se dão dentro de um contexto social (incluindo os relacionamentos associados) e ambiental específico. Como contexto social, três mães citaram suas amizades como um precursor e facilitador das amizades dos filhos. Nestes três casos, as amigas tinham filhos com idades próximas e do mesmo gênero que sua criança. As amizades das mães também estavam associadas a um contexto social mais amplo em torno das primeiras amizades dos filhos. Em quatro casos, o primeiro amigo surgiu da amizade entre as mães que freqüentavam a mesma igreja. Em outro, devido à amizade entre os pais, os filhos se encontravam com freqüência e passaram a estudar juntos na mesma sala na escola. Assim, a amizade e a pertença a um mesmo grupo estavam na origem da primeira amizade dos filhos. A proximidade por vizinhança (e não por parentesco), associada à presença de outras crianças, parece ter influenciado várias amizades. Neste caso, a amizade da mãe ou do pai com vizinhos (também com filhos) ou com os filhos desses vizinhos facilitou as amizades dos seus próprios filhos com essas crianças. Em um caso, a amizade das babás e sua proximidade (vizinhas) facilitou a amizade das crianças sob seus cuidados.

Em alguns casos, mães e filhos participavam de dois grupos diferentes, como a igreja e a vizinhança: as mães (vizinhas) iam juntas à igreja com os filhos e também se encontravam uma na casa da outra. A amizade também se relacionava com o parentesco (em dois casos as mães eram primas e amigas, aproximando os filhos também). Em cinco casos, o primeiro amigo foi um irmão ou um primo. O contexto social e o ambiental estão intimamente interligados. Os três principais contextos para as primeiras amizades foram a família, a igreja e a vizinhança, geralmente associadas a uma amizade prévia entre adultos ou decorrente do encontro das crianças.

Situando as amizades no desenvolvimento da criança

Em geral, as mães destacaram dois momentos no desenvolvimento das amizades dos filhos: o início do contato social (por vezes, desde o nascimento) e o começo da amizade propriamente dita (entre um e dois anos de idade). Quando as mães já se conheciam, era comum que seus filhos se relacionassem desde muito cedo (quatro casos). Em um caso, o primeiro amigo foi o próprio irmão, tendo a primeira amizade fora de casa começado por volta dos dois anos de idade. Em outro, a primeira amiga foi uma irmã, com menos de um ano. Uma única mãe não se recordou quando a primeira amizade surgiu.

Há certa variação quanto ao momento em que o início da amizade é percebido, o que pode ser decorrente das diferentes concepções de amizade por parte das mães e também das diferenças individuais entre as crianças. A amizade, de acordo com as mães, seria precedida por um relacionamento mais unilateral, desenvolvendo-se juntamente com a capacidade das crianças de se comunicar e falar. Em média, a amizade surgiria entre um e dois anos de idade.

O primeiro amigo podia ser uma criança com idade próxima ou mais velha da família (irmãos ou primos) ou de fora. O contexto social e ambiental da primeira amizade também foi diversificado, comumente relacionado à amizade entre as mães. O contexto social e o ambiente físico geralmente estavam ligados à família, à casa da criança e do amigo ou a uma igreja.

Episódios marcantes

Para as mães, os episódios marcantes das primeiras amizades dos filhos foram de natureza positiva. Estes episódios referiam-se a comportamentos sociais valorizados em nossa sociedade e cultura, como a manifestação de preferência ou lealdade por outra criança, ou de comportamento pró-social ou de apoio em relação ao outro (geralmente do próprio filho, como manifestação de preocupação, de cuidado ou partilha). O companheirismo e a presença dos amigos desde muito cedo na vida dos filhos foram lembrados, assim como experiências novas partilhadas entre amigos. Manifestações de afeto indicando a intensidade ou profundidade dos laços sociais também foram marcantes. Neste sentido, a alegria do encontro com o amigo e a tristeza com a separação foram destacadas. As manifestações de afeto por vezes se sobrepõem a um comportamento pró-social, como o cuidado. Neste caso, consideramos os comportamentos pró-sociais como atos de cuidado com o outro e as manifestações de afeto como a verbalização do afeto ou gestos tradicionalmente vistos como expressando afeto, como abraçar e beijar. Finalmente, ainda foram mencionadas a criatividade envolvida no relacionamento com os companheiros (como inventar novas brincadeiras), a autoridade (sobre outra criança) e a lembrança dos amigos (quando longe deles).

Poucas mães relataram episódios marcantes de natureza negativa. Uma flagrou a filha beijando a boca do amigo. Outra contou que a filha havia xingado e escorraçado uma amiga de casa, surpreendendo a mãe com seu linguajar. Outra mencionou a surpresa de ter encontrado o filho e o amigo (um primo) nus, beijando-se na boca e se abraçando.

Coerente com o conceito de amizade apresentado, os episódios marcantes das amizades dos filhos geralmente foram de natureza positiva. Poucas vezes os episódios marcantes foram negativos, associados a episódios agressivos, mas, principalmente à presença de atividade de ordem sexual entre as crianças. Flagrar o filho aos beijos e outras intimidades com o amigo, do sexo oposto ou não, foi algo marcante e desagradável para as mães.

Facilitação das amizades pelas mães

Para facilitar as amizades, treze mães declararam atender as solicitações dos filhos para reunir-se com seus amigos. As mães também procuravam levar seus filhos aos mesmos locais freqüentados por seus amigos e facilitavam o encontro na própria casa ou na casa do amigo. Encontros em datas especiais (como festas) foram relatados como uma oportunidade para convidar, em nome dos filhos, os amigos e suas famílias, além de outras pessoas (da escola, parque, igreja, vizinhos, primos e conhecidos, adultos com filhos e familiares) para possibilitar aos filhos conhecerem novas pessoas e estimulá-los a fazer novas amizades. Dezoito mães levariam seus filhos não somente às festas dos amigos, mas a outras também, desde que fossem convidados. As duas exceções se referiram à possibilidade de serem convidadas por mães com as quais elas não tivessem um bom relacionamento. Em diversas situações as mães procuram facilitar o contato dos filhos com outras crianças, o que era favorecido pela amizade entre os pais. As mães, assim, desempenhavam o importante papel de procurar manter as amizades dos filhos ou possibilitar o estabelecimento de novas amizades.

Discussão

A amizade foi considerada, na maioria das vezes, como positiva no discurso das mães, altamente idealizada, com ênfase no apoio social, na cooperação e nos aspectos afetivos, o que também foi observado nos episódios marcantes relatados. As referências à agressividade e sexualidade não faziam parte dessa amizade idealizada, mas foram acrescentadas em função de acontecimentos específicos na vida da mãe e da criança. Revisões recentes da literatura sobre amizade na infância, contudo, têm revelado que a amizade comporta aspectos socialmente considerados positivos, como apoio social e cooperação, mas igualmente conflito, agressividade e competição (Garcia, 2005).

A rede inicial de amigos incluía crianças da mesma idade e gênero e aquelas mais velhas e de gênero diferente. Aparentemente, em um primeiro momento na vida, a possibilidade de ter amigos de mesma idade e gênero é menor (o que é facilitado ao ingressar na vida escolar). Contudo, as mães revelaram buscar amigos com idades próximas às do filho ou filha e do mesmo gênero, chegando a considerar diferenças de idade e gênero como fatores de risco para a criança. Apesar de a amizade ser considerada um relacionamento baseado na livre escolha dos parceiros, a composição da rede de amigos ou parceiros na infância inicial é, em grande parte, dependente dos pais, que permitem ou não o contato dos filhos com outras crianças e adultos. Assim, as primeiras amizades se deram em um contexto mais ligado à família, à igreja e à vizinhança enquanto em crianças mais velhas a escola tende a ser privilegiada (Garcia, 2006). Possivelmente, os primeiros amigos percebidos pela mãe seriam as pessoas mais próximas à criança, o que poderia, eventualmente, aumentar suas chances de sobrevivência, de um ponto evolutivo/adaptativo. Assim que possível, contudo, as mães dariam preferência a amigos de idade próxima e mesmo gênero, possivelmente para evitar o risco de ter amigos de outro gênero e mais velhos.

A maioria reconheceu amizades dos filhos desde aproximadamente os 18 meses (entre um e dois anos de idade), o que está próximo da literatura sobre o tema (Baumgartner & Camaioni, 1995; Baumgartner e cols., 2000). As mães também tenderam a considerar as amizades estáveis, o que aparece nas narrativas de episódios marcantes e na consideração de melhores amigos, entre outros, o que estaria de acordo com Howes (1988).

Apesar de não haver uma ampla literatura sobre o compartilhar objetos como uma forma de comportamento pró-social entre crianças de um a três anos, as mães viam esses episódios como marcantes. Mesmo que possam ser encontrados em crianças mais novas, a literatura os relata como típicos da idade de quatro anos (Werebe & Baudonniere, 1988). As mães parecem considerar as amizades de seus filhos como recíprocas, o que também seria esperado em crianças mais velhas (Guralnick & Groom, 1988; Vaughn e cols., 2000; Vaughn, Colvin, Azria, Caya, & Krzysik, 2001).

A família mostrou um papel de destaque no mundo social da criança, de diferentes modos. A escolha dos primeiros amigos é fortemente influenciada pelos pais. A criança depende deles para entrar em contato com outras crianças. Eles restringem as opções possíveis (ambientes específicos), facilitando o contato com os que consideram mais promissores como amigos. Agem, assim, organizando a vida dos filhos, o que também foi observado por Doll (1993) e Alles-Jardel e cols. (2002). A liberdade de escolha, típica das amizades, está praticamente ausente nas primeiras amizades, dependendo da família (no caso específico, das mães).

Segundo os dados obtidos, as mães ainda reconheceram as próprias amizades como um fator relevante para as amizades dos filhos, fato também observado por Uhlendorff (1996) e Simpkins e Parke (2001). As amizades dos pais disponibilizavam contatos com os filhos dos amigos. As mães, segundo seus próprios relatos, também atuaram como "coadjuvantes" das relações dos filhos, interferindo diretamente nos momentos de interação, co-atuando com eles nas cenas com outras crianças, procurando facilitar as relações sociais. Em muitos momentos, a mãe falava pela criança, interpretando seus desejos e possíveis intenções, representando-a diante de outros parceiros sociais, utilizando-se de padrões sociais e culturais para a amizade. As mães também indicaram um papel relevante na facilitação de encontros, o apoio às amizades emergentes, entre outros.

Na busca de um modelo teórico, as contribuições de dois autores mostram-se relevantes para se compreender os primórdios da amizade na infância: Hinde (1997) e Vygotsky (1930/1989). Tendo em vista um modelo estrutural da amizade no início da infância, quatro elementos da estrutura proposta por Hinde (1997) se mostram importantes: relacionamentos, grupo social, ambiente físico e estrutura sócio-cultural.

As concepções (positivas) de amizade das mães refletem as estruturas sócio-culturais (padrões culturais relativos à amizade). Ao influenciar as relações sociais do filho ou filha ainda jovem, as mães (assim como outros adultos) se norteariam pelas estruturas sócio-culturais em torno da amizade, servindo de mediadores entre a cultura e os relacionamentos da criança. Indicam as normas aceitáveis e os padrões para as amizades, mesmo que de forma não consciente. Nas primeiras amizades, os três grupos sociais que se destacam em torno da criança são a família, os vizinhos e o grupo religioso. Estes grupos não apenas abrigam os primeiros amigos da criança, como também trazem consigo normas e valores ligados ao comportamento social em geral e às amizades, em particular.

Esta participação das mães na amizade dos filhos ocorre desde muito cedo na vida dos filhos e antecede o desenvolvimento do conceito de amizade propriamente dito por parte das crianças, cuja internalização (Rizzo e Corsaro, 1999), baseando-se em um conceito de Vygotsky, ocorreria por volta dos quatro anos de idade. Apesar da necessidade e da relevância da presença de outras crianças, o desenvolvimento das primeiras amizades aparentemente não conta apenas com a participação dos pares ou é afetada somente pela cultura dos pares.

Outra dimensão do modelo de Hinde (1997) refere-se ao ambiente físico. Cada grupo social mencionado nas respostas parece eleger um determinado local de encontro ou relacionamento. A igreja representa, ao mesmo tempo, um grupo de pessoas (uma comunidade) e um local específico (um edifício). As casas, como referência espacial e ambiente físico mais diretamente ligado às famílias, ocupam um lugar de destaque. As crianças têm a própria casa ou a casa de outras pessoas como espaço de interação. Vizinhos também representam pessoas fisicamente próximas à criança que compõem sua rede social.

Finalmente, os relacionamentos dos pais afetam as amizades dos filhos, incluindo sua rede de relações e as atividades compartilhadas. Os relacionamentos das mães afetaram diretamente as relações sociais de seus filhos. Elas se mostraram agentes ativos da socialização dos filhos, percebendo suas amizades de modo particular, em função de seu papel social e de fatores culturais. As mães não apenas observavam os filhos, mas interpretavam seus atos, desejos e expectativas de acordo com sua própria cultura. Assim, servem de ponte ou mediação entre tradições sociais e culturais de um grupo e o comportamento dos filhos.

De uma perspectiva do desenvolvimento, pode-se sugerir que as mães tendam a aproximar as amizades em formação dos filhos dos padrões sócio-culturais da amizade, ou seja de como a sociedade concebe a amizade. Em vários momentos, as mães pareceram otimistas em relação às amizades dos filhos, citando comportamentos pró-sociais ou manifestações afetivas que seriam esperadas em crianças mais velhas. Este aparente "erro" de avaliação pode ter um papel sócio-cultural (e emocional) importante, incentivando a aproximação do comportamento dos filhos de padrões culturalmente aceitos pela sociedade na qual se inserem. Ao destacarem, reconhecerem o valor e estimularem, nos filhos, as propriedades emergentes de relações sociais como a amizade, que indicariam um novo nível de desenvolvimento, as mães contribuiriam para a socialização da criança de acordo com as expectativas sócio-culturais. As mães interpretariam essas relações (comportamentos e linguagem) e serviriam de mediadoras entre as crianças e as expectativas sociais e culturais.

Dessa forma, estariam criando um tipo de zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1930/1989) para as relações sociais, atuando como coadjuvantes nas primeiras amizades dos filhos, aproximando-os dos parceiros, falando por eles, interpretando suas intenções e emoções. Com o passar do tempo, essas relações já poderiam se dar sem a presença da mãe nas amizades de crianças maiores.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky tem sido de grande interesse para os educadores como mediadores entre a cultura e o desenvolvimento da criança. A amizade, como um tipo de relação social imerso em uma determinada cultura, também estaria sujeito a sua transmissão por meio de mediadores, no caso a figura materna. Assim, as mães serviriam de elo mediador entre a sociedade e o desenvolvimento da criança. O papel mediador da mãe (como instrutora) provocaria a aprendizagem gradual de padrões culturais do comportamento com amigos, impulsionado o desenvolvimento social, através de processos internos, formando uma zona de desenvolvimento proximal. Isto significa que, neste momento do desenvolvimento das relações de amizade, as crianças se relacionam com outras crianças (amigos em potencial) com o auxílio das mães. Com o passar do tempo, contudo, elas passarão a fazê-lo sem a sua presença.

De acordo com Litowitz (1993), é importante ressaltar que, além da transmissão de conhecimento cultural, papéis sociais na díade e posições dialógicas relativas a esse conhecimento também são transmitidos. Além disso, ao interagir com parceiros mais habilidosos (no caso a mãe), esta traria não apenas ferramentas intelectuais da sociedade para o alcance da criança, mas também seus valores e instrumentos culturais (Rogoff e cols., 1993).

Assim, as mães ajudariam a criar um caminho para o desenvolvimento desses padrões de amizade (e outras formas de relações sociais). Ao testemunhar a emergência de episódios típicos de fases seguintes do desenvolvimento, atribuiriam a eles especial valor e os estimulariam, favorecendo o avanço do filho para níveis mais complexos de relações sociais em geral e das amizades, em particular. Os episódios marcantes nas amizades dos filhos parecem ser dessa natureza.

Possivelmente, as mudanças na vida social da criança a partir do final do primeiro ano de vida já revelem algumas propriedades emergentes de amizades, e algumas mães reconheceriam essa forma de relacionamento social a partir de um número maior ou menor de propriedades presentes (atribuindo, assim, o início das amizades ao final do primeiro ano ou somente a partir dos dois anos de vida). De forma geral, parecem atribuir uma competência social maior que a esperada aos filhos. Esta aparente avaliação muito positiva, ao atribuir ao filho traços mais avançados que os esperados, pode ter significado social, cultural e evolutivo importante. Dessa forma, elas promoveriam o desenvolvimento social ao destacar e reconhecer certos comportamentos dos filhos, percebidos como fatos marcantes.

Antes que a criança seja capaz de compreender socialmente a amizade, sua mãe interpreta uma relação com outra criança como amizade. Antes que possa falar, a mãe fala pela criança, interpretando-a e guiando-a de acordo com expectativas culturais para a amizade. De forma geral, as mães identificaram precocemente várias propriedades das amizades dos filhos, indicando uma tendência a ver e valorizar nos filhos traços de amizade assim que surgem. Ao interpretar estes relacionamentos como amizades, contribuíram para inserir a criança socialmente, reconhecendo dimensões que serão mencionadas por crianças de quatro anos, como o brincar, as atividades em comum e a proximidade como fatores para as amizades.

Pode-se concluir que as mães participavam ativamente da formação das primeiras amizades de seus filhos, no sentido de facilitar ou mesmo buscar o encontro com amigos em potencial e também servindo de mediadoras entre as estruturas sócio-culturais e as relações sociais, em particular as amizades, de seus filhos.

Artigo recebido em 07/05/2008.

Aceito para publicação em 27/11/2008.

Trabalho baseado na dissertação de mestrado da primeira autora sob a orientação do segundo autor.

Glauce Reis da Silva é mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo.

Agnaldo Garcia é Professor Adjunto do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo.

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  • Endereço para correspondência:

    Prof. Dr. Agnaldo Garcia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      27 Nov 2008
    • Recebido
      07 Maio 2008
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