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Princípios teóricos e possibilidades do Rorschach no Brasil

RESENHA

Princípios teóricos e possibilidades do Rorschach no Brasil

Erika Tiemi Kato Okino

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Érika Tiemi Kato Okino Av. Bandeirantes, 3900 CEP 14.040-901. Ribeirão Preto-SP, Brasil E-mail: erikatko@ffclrp.usp.br

Pasian, S. R. (Org.) (2010). Avanços do Rorschach no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo.

O médico psiquiatra Hermann Rorschach, nascido em Zurique em 8 de novembro de 1884, era conhecido entre seus colegas de trabalho por ser uma pessoa gentil, muito inteligente, com raciocínio rápido e ótimas qualidades, enquanto companheiro, psiquiatra e pesquisador. A seriedade com que se dedicava aos seus pacientes e aos seus estudos resultou na elaboração de um método que se mostrou valioso como instrumento de pesquisa e de avaliação psicológica, nomeado como Psicodiagnóstico de Rorschach (Rorschach, 1967). Visto que faleceu muito jovem, em 1922, seus sucessores, em diversos países do mundo, foram responsáveis pelo seguimento de seus estudos e pesquisas em relação aos fundamentos teóricos do método, desde a década de 1930 até os dias atuais.

O reconhecimento técnico-científico desse método ultrapassou os limites da língua alemã e passou a ser investigado em outros países até que, em 1943, houve o primeiro Congresso sobre o Rorschach. Em 13 de setembro de 1952, em Bern (Suíça), foi fundada a Sociedade Internacional de Rorschach e Métodos Projetivos, mais conhecida como ISR (International Society of Rorschach and Projective Methods) que vem promovendo periódicos congressos internacionais, em diferentes locais do mundo.

Dada a relevância desse método projetivo no campo das investigações sobre personalidade, no Brasil e no mundo, o livro tratado nesta resenha reúne, sob coordenação da professora Sonia Regina Pasian, quatro primeiros capítulos com elementos teóricos e técnicos do Método de Rorschach e, em outros quatro capítulos, estudos de aplicação específica do Rorschach, no contexto da saúde e das organizações.

No capítulo 1, intitulado Fundamentação teórica do Rorschach, Latife Yazigi desenvolve um histórico sobre a fundamentação teórica do método, apontando como Hermann Rorschach conseguiu integrar sua sensibilidade clínica ao rigor de sua prática de investigação, resultando em uma técnica embasada em dados empíricos e não em deduções teóricas. No decorrer do capítulo, a autora descreve que, apesar do fato de o método de Rorschach constituir-se, inicialmente, em um instrumento de pesquisa, uma vez que visava a problemas teóricos, a prática clínica de Rorschach vislumbrou possibilidades diagnósticas, assim como de investigação da personalidade do indivíduo. Ainda neste capítulo, a autora apresenta os dez princípios gerais com os quais Piotrowski (1957) fundamentou a perceptanálise do método de Rorschach, além do conceito de técnica projetiva atribuído ao instrumento, enfatizando a importância desses conceitos para o desenvolvimento do Sistema Compreensivo de Exner.

As inúmeras pesquisas realizadas com o Método de Rorschach, em diversos países, confirmam a importância do método, enquanto instrumento de avaliação de personalidade ao longo do tempo. Desse modo, o capítulo 2 deste livro em foco, Reflexões sobre princípios e padrões normativos do Rorschach, de autoria de Sonia Regina Pasian e Sonia Regina Loureiro, aborda importantes possibilidades técnicas, em termos da metodologia utilizada no desenvolvimento de estudos normativos do Rorschach, possibilitando a posterior sistematização de informações precisas e referenciadas dentro de um panorama sociocultural específico, de forma a garantir a sua adequada utilização. As autoras apresentam argumentos de importantes pesquisadores sobre o Método de Rorschach, os quais sugerem que a diversidade de sistemas interpretativos e de contextos socioculturais em que o método de Rorschach é utilizado pode ocasionar uma limitação nas generalizações interpretativas. Dessa forma, as autoras discutem possibilidades técnicas viáveis para o desenvolvimento de investigações normativas do Rorschach e apontam dados da literatura que reafirmam a importância da fundamentação empírica, assim como Rorschach já praticava, para a preservação da cientificidade do método (Fensterseifer & Werlang, 2008; Villemor-Amaral & Pasqualini-Casado, 2006).

No capítulo 3, Estabilidade temporal do Sistema Compreensivo do Rorschach: Um estudo com adultos da cidade de São Paulo, os autores, Antônio Carlos Pacheco e Silva Neto e Eda Marconi Custódio, apresentam a investigação da estabilidade temporal em variáveis do Sistema Compreensivo do Rorschach de 39 adultos, residentes na cidade de São Paulo. Os resultados da fidedignidade intercodificadores e da estabilidade temporal (Pearson - teste/reteste) são apresentados em comparação com dados de pesquisas de reconhecida importância na literatura internacional. Estes achados reafirmam adequadas qualidades psicométricas ao Método de Rorschach no contexto brasileiro, confirmando-o como instrumento consistente na avaliação das características estáveis da personalidade.

A Perspectiva transcultural do Método de Rorschach, de autoria de Ana Cristina Resende e Irani Iracema de Lima Argimon, constitui o capítulo 4. As autoras apresentam as possibilidades de aplicação do Método de Rorschach, em diversos contextos socioculturais, apresentando estudos que o confirmam enquanto método livre de culturas, porém, sensível às mesmas, além de mostrar consistência nos dados normativos em diferentes países. Esta aplicabilidade é reforçada com reflexões de pesquisadores proeminentes da área sobre questões transculturais, multiculturais e também aspectos de estudos normativos intrínsecos à investigação contemporânea do Rorschach. São apresentados os conceitos teóricos a respeito da universalidade do Método de Rorschach e sua aplicabilidade em contextos socioculturais diversos. Também são apresentadas as estratégias de Dana (2005), em nove passos, visando à operacionalização das interpretações multiculturais do método e, consequentemente, à validação das interpretações dos dados do Sistema Compreensivo do Rorschach, em diferentes culturas.

Numa perspectiva mais aplicada, o capítulo 5, A percepção das figuras de autoridade no Rorschach de gerentes empresariais, de autoria de Seille Cristine Garcia-Santos e Blanca Susana Guevara Werlang, apresenta a possibilidade de utilização do Método de Rorschach no contexto das organizações, em especial, para a avaliação de profissionais que ocupam cargos de alto nível dentro de organizações empresariais, historicamente investidas de autoridade e poder. Buscando o manejo das figuras de autoridade, as autoras utilizaram o cartão IV do Rorschach e verificaram que este manejo é fundamental para o desempenho interpessoal necessário ao trabalho gerencial de sucesso.

Também na perspectiva aplicada, os autores, Daniela Arroyo Esquivel, Guilherme Russowsky Brunoni, Luiz Antônio Nogueira Martins e Latife Yazigi, apresentam, no capítulo 6, Estresse situacional avaliado pelo método de Rorschach em residentes de primeiro ano de Ortopedia, dados da literatura a respeito da rotina de vida de residentes em Medicina, visto que esses jovens profissionais são impelidos a lidar com situações estressantes do trabalho, situacionais e pessoais. Tendo como base a fundamentação teórica do Sistema Compreensivo de Rorschach, no qual as respostas aos sombreados (FY) configuram-se como indicadores da presença de estresse situacional, os autores descrevem uma investigação que objetivou a avaliação desse estresse em residentes de Ortopedia, a partir de um trabalho analítico das respostas de sombreado difuso, o qual engloba uma diversidade de sentimentos relacionados ao medo, à ansiedade e à capacidade de modulação do afeto.

No capítulo 7, intitulado A identidade do transexual no processo de transgenitalização, os autores, Roberto Menezes de Oliveira, Deise Matos do Amparo, Frederico Ocampo Abreu e Antonio Carlos Nunes de Carvalho Júnior, apresentam reflexões teóricas a respeito da construção da identidade transexual, caracterizada como a situação de desacordo entre o sexo anatômico e a identidade (ligada ao sexo oposto). Esses conceitos são cuidadosamente apresentados e, posteriormente, ilustrados por meio do relato de caso clínico de um transexual masculino, avaliado pelo Método de Rorschach, em momento anterior e posterior à cirurgia de redesignação sexual.

Para finalizar os trabalhos na perspectiva aplicada, os autores, Luciana Aparecida Sobirai Diaz, Maria Luiza de Mattos Fiore, Thaís Cristina Marques, Juliana Leonel, Lucas de Francisco de Carvalho e Latife Yazigi, apresentam, no capítulo 8, A expressão da agressividade no transtorno de personalidade Borderline: Um estudo por meio do Rorschach Sistema Compreensivo. A proposta desse trabalho foi relatar os resultados de uma investigação que objetivou comparar tendências agressivas de pessoas com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) com outros transtornos de personalidade. Para isso, foram comparados 36 protocolos do Rorschach de pacientes com TPB e 66 protocolos do Rorschach de indivíduos com outros transtornos da personalidade ou do Eixo I, segundo DSM IV, verificando-se mecanismos de expressão da agressividade e da impulsividade.

Esta obra reflete o esforço conjunto de um grupo de pesquisadores compromissados com o desenvolvimento de estratégias técnico-científicas subsidiadoras dos processos de avaliação psicológica. A compilação dos trabalhos aqui reunidos reflete os cuidados da organizadora, no sentido de fortalecer as evidências empíricas sobre os aspectos psicométricos e clínicos do Psicodiagnóstico de Rorschach, enquanto um método válido e preciso para avaliação da personalidade. Foram resgatados, nesta obra, princípios que o próprio Hermann Rorschach destacava em relação aos cuidados metodológicos por ele adotados em todo o seu percurso profissional, o que conferiu grande credibilidade ao seu trabalho, presente e atual por quase um século de empenho na compreensão e na ajuda aos seres humanos.

Recebido:10/11/2010

1ª revisão: 07/02/2011

Aceite final: 24/02/2011

Erika Tiemi Kato Okino é Doutora em Psicologia e Psicóloga do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.

  • Dana, R. H. (2005). Multicultural assessment: Principles, application, and example Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
  • Fensterseifer, L., & Werlang, B. S. G. (2008). Apontamentos sobre o status científico das técnicas projetivas. In A. E. Villemor-Amaral & B. S. G. Werlang (Orgs.), Atualização em métodos projetivos para avaliação psicológica (pp. 15-33). São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Piotrowski, Z. A. (1957). Perceptanalisys New York: Macmillan.
  • Rorschach, H. (1967). Psicodiagnóstico São Paulo: Mestre Jou.
  • Villemor-Amaral, A. E., & Pasqualini-Casado, L. (2006). A cientificidade das técnicas projetivas em debate. Psico-USF, 11(2), 185-193.
  • Endereço para correspondência:

    Érika Tiemi Kato Okino
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    CEP 14.040-901. Ribeirão Preto-SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011
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