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Investindo na qualidade da publicação dos resultados de pesquisa: desafios de uma sociedade em transformação

EDITORIAL

Investindo na qualidade da publicação dos resultados de pesquisa: desafios de uma sociedade em transformação

Cada vez mais a publicação científica tem sido valorizada como critério de avaliação dos programas de pós-graduação e do nível de excelência da própria Universidade. Isso transparece de forma cristalina nos índices e rankings divulgados em âmbito internacional. Recentemente, uma consultoria de educação, denominada Quacquarelli Symonds, publicou o primeiro ranking regional de universidades da América Latina (Universities in Latin American, 2011). Esse ranking é composto pelas 200 melhores universidades latino-americanas. Desse total, 65 são instituições brasileiras, 35 são do México, 25 da Argentina, 25 do Chile e 20 da Colômbia. A Universidade de São Paulo (USP) figura no topo desse ranking, evidenciando sua reconhecida vocação de pesquisa. Parte desse resultado sem dúvida é devida ao patamar de qualidade alcançado pelos pesquisadores na divulgação dos resultados obtidos com projetos de investigação científica. O referido ranking é constituído por uma combinação de medidas que incluem dimensões como reputação, produção e difusão de conhecimento científico, bem como a qualidade das publicações nas quais são disseminados os resultados de pesquisa.

De acordo com a aferição da Times Higher Education, a USP tornou-se a única universidade latino-americana a figurar na lista das 200 melhores instituições de ensino superior do planeta (Universities in Latin American, 2011). Esse resultado é bastante expressivo, se considerarmos que a posição assumida em 2011 (178) assinala uma expressiva mudança em relação a do ano passado (232). O fomento à pesquisa, a colaboração internacional e o reconhecimento da comunidade científica foram os fatores responsáveis por essa evolução.

Evidentemente, essas conquistas estão vinculadas ao fato da USP ser a maior Universidade do Estado mais rico do Brasil. Mas o que salta aos olhos, nos vários rankings divulgados, é que a excelência em pesquisa alavanca o patamar alcançado pela Universidade como um todo, tendo impacto benéfico em suas outras missões sociais, a saber: ensino e extensão de serviços à comunidade. Desse modo, fica evidenciada a sinergia entre os componentes do tripé que sustenta a Academia: ensino, investigação científica e extensão universitária. Um aspecto que não podemos deixar de mencionar é o investimento maciço que a USP tem feito nos últimos anos para qualificar e aprimorar os periódicos vinculados às suas unidades e programas de pós-graduação. A Comissão de Credenciamento e Apoio Financeiro mantém um programa permanente de incentivo às revistas, o Programa de Apoio às Publicações Científicas Periódicas da USP, que tem proporcionado a sustentabilidade tão reivindicada pelos editores científicos. A Paidéia é um dos periódicos que têm sido contemplados reiteradamente com aportes financeiros desse Programa, o que permitiu cultivar as condições favoráveis para que empreendêssemos um salto de qualidade.

O conhecimento disseminado sob a forma de artigo original de pesquisa representa a versão mais sofisticada e elaborada de divulgação científica. Na era contemporânea, conhecimento consolidado é conhecimento publicado. Mas, atualmente, já não basta publicar; é preciso que o estudo publicado seja citado, ou seja, reconhecido pelos pares da comunidade científica. Por essa razão, publicar em revistas com excelente fator de impacto constitui uma meta do pesquisador atual, preocupado em ampliar a visibilidade do seu trabalho.

A Paidéia entende que o conhecimento publicado é patrimônio da Psicologia, na medida em que é produzido, aferido e autenticado por um coletivo de pares, e que se destina a aperfeiçoar a sociedade e enriquecer a humanidade. Esse patrimônio é formado e continuamente transformado dentro do conjunto múltiplo e diversificado de perspectivas teóricas e metodológicas que caracterizam a Psicologia como área de conhecimento. Essa diversidade teórico-metodológica, epistemológica e temática que permeia a área aumenta a responsabilidade do Conselho Editorial e dos consultores ad hoc, que têm a missão social de avaliar e aprimorar os manuscritos submetidos pelos autores. Investir na qualidade da publicação dos resultados oriundos de pesquisa científica é um dos desafios de uma sociedade em rápido processo de transformação como a nossa. Mais do que nunca, a ciência ocupa uma função estratégica no concerto das nações em desenvolvimento.

Este fascículo da Paidéia é aberto pelo artigo Habilidades verbais e recursos imagéticos na coerência narrativa de eventos autobiográficos, de Luciano da Silva Alencastro, Luciano Ferreira Piccoli e William Barbosa Gomes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os autores investigaram diferenças nas manifestações verbais e imagéticas na narrativa de eventos relacionados à memória autobiográfica e nos estilos cognitivos que caracterizam o processo de recordação. Participaram do estudo 82 estudantes universitários dos cursos de psicologia, letras, biomedicina e odontologia, que responderam a questionários sobre memória autobiográfica, estilos cognitivos visual-verbal e imaginação.

A seguir, o artigo O papel dos estados afetivos sobre os processos cognitivos de assimilação e acomodação, da autoria de Maura Ribeiro Alves, Renata Ferrarez Fernandes Lopes e Ederaldo José Lopes, da Universidade Federal de Uberlândia, investiga se o humor positivo induz ativação da função assimilativa e se o humor negativo aciona processos cognitivos dirigidos pela função acomodativa. O estudo seguiu um delineamento experimental, perfazendo amostra de 32 participantes, de ambos os sexos. Os autores concluem que os estados afetivos atuam sobre a seleção e regulação dos processos cognitivos de assimilação e acomodação.

Na sequência, a adoção e seus desdobramentos constituem o tema do artigo Construção e validação de instrumento para prática interventiva na adoção, da autoria de Katia Cristina Bandeira Dugnani e Susi Lippi Marques, da Universidade Federal de São Carlos. As autoras descrevem a construção de um instrumento para obtenção de informações sistematizadas, posteriormente, poderão ser utilizadas em programa de orientação com pais adotantes tardios. Foram evidenciadas medidas psicométricas apropriadas, o que permite concluir que se trata de um instrumento útil para processos de intervenção junto às famílias que vivenciam a adoção tardia, visando a auxiliar os diversos profissionais que lidam com esta modalidade de adoção.

Dando prosseguimento à pauta de temas candentes à intervenção do psicólogo, o estudo intitulado Uso de álcool entre adolescentes escolares: um estudo-piloto, de Luana Dallo, da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília, e Raul Aragão Martins, da Universidade Estadual Paulista, campus de São José do Rio Preto, analisa o consumo de álcool entre alunos do ensino médio de três escolas de uma cidade do oeste do Paraná. Foi aplicada a escala AUDIT (Alcohol Use Disordens Identification Test), complementada com o levantamento de informações sobre nível socioeconômico, religião e o beber problemático de familiar. Os pesquisadores concluem que muitos participantes da amostra bebem excessivamente, não havendo diferenças significativas entre classes sociais, sexo e escola, e apontam que os dados obtidos podem auxiliar o fomento a políticas públicas que visem a assistir à juventude neste âmbito.

O artigo Habilidades sociocomunicativas de bebês no primeiro ano de vida: um estudo longitudinal, de Fabíola de Sousa Braz Aquino e Nádia Maria Ribeiro Salomão, da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, investiga as principais habilidades sociocomunicativas evidenciadas por bebês em três momentos do primeiro ano de vida e suas diferentes configurações em cada idade, a partir de delineamento longitudinal. Os resultados evidenciam que as habilidades sociocomunicativas dos bebês estudados foram se reconfigurando nas faixas etárias subsequentes, permitindo identificar, principalmente aos 12 meses, a existência de habilidades comunicativas intencionais.

A seguir, o estudo O envelhecimento na perspectiva de homens idosos, assinado por Lilian Maria Borges, da Universidade Católica de Brasília e Eliane Maria Fleury Seidl, da Universidade de Brasília, aborda as percepções de homens idosos quanto às limitações e aos ganhos vinculados ao envelhecimento e aos fatores de proteção da saúde na velhice, a partir de entrevistas realizadas com 13 idosos. Os dados foram analisados qualitativamente e organizados em dois eixos temáticos: “resultados do envelhecimento” e “saúde na velhice”. Os resultados obtidos podem auxiliar o planejamento de estratégias de promoção da saúde junto a essa população.

O artigo Do vazio mental ao vazio corporal: um olhar psicanalítico sobre as comunidades virtuais pró-anorexia, de Melina Vianna Fava, da Universidade Federal de São Carlos, e Rodrigo Sanches Peres, lotado na Universidade Federal de Uberlândia, analisa, via registro documental, o conteúdo presente em sites de cunho testemunhal, que enaltecem e estimulam práticas sintomáticas dos transtornos alimentares. Em abordagem psicanalítica, os autores alinham a anorexia nervosa ao conceito nosográfico de vazio mental, considerando também aspectos socioculturais que contribuem para a instalação e manutenção do quadro psicopatológico.

Na sequência, o estudo Questionário de Hábitos de Estudo para estudantes universitários: validação e precisão, de André Luiz Moraes Ramos, Anelise de Barros Leite Nogueira, Denise Pereira de Alcântara Ferraz, Lígia Maria Teixeira de Faria Brezolin, Luciana Maria Pinto e Wilson de Freitas Muniz, da UNISAL, aborda a construção de um instrumento para avaliação de hábitos de estudo, cujos participantes foram graduandos de uma instituição de ensino superior. O estudo teve por objetivo mensurar os parâmetros psicométricos de precisão e validade do questionário. As propriedades psicométricas do instrumento foram consideradas satisfatórias.

Ainda em torno da educação, o estudo seguinte, Escola e desenvolvimento psicossocial segundo percepções de jovens com TDAH, assinado por Édison de Britto Rangel Júnior e Helga Loos, da Universidade Federal do Paraná, trata das percepções de adolescentes e jovens adultos com diagnóstico de TDAH sobre o papel da escola em seu desenvolvimento psicossocial. Os dados coligidos evidenciam a precariedade da escola no trato com tais alunos, assim como a morosidade de seus operadores na busca de alternativas que desenvolvam as potencialidades desse alunado, facilitando sua adaptação ao ambiente escolar.

Fechando os estudos empíricos, o artigo Reinserção familiar de adolescentes: processos malsucedidos, da autoria de Aline Cardoso Siqueira, da Universidade Federal de Santa Maria, Lucianna Tortorelli Massignan e Débora Dalbosco Dell’Aglio, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, versa sobre o fracasso na reinserção familiar e a decorrente reinstitucionalização de adolescentes, a partir do relato de casos e entrevistas informais com profissionais neles envolvidos. A análise evidencia semelhanças nos processo de reinserção, ausência de uma avaliação prévia da situação familiar das pessoas envolvidas, considerando sua motivação e preparação de seus parentes no processo, assim como a falta de um acompanhamento sistemático no período de reinserção por parte do corpo profissional.

Descortinando os estudos teóricos, em A constituição do símbolo e o processo analítico para Winnicott, Leopoldo Fulgencio, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, discute o processo de simbolização de acordo com Winnicottt e Klein, a partir de uma incursão pela obra destes autores a respeito do tema. O autor evidencia que o fundamento da simbolização, para o primeiro, está na expansão da área dos fenômenos transicionais, ao passo que, para Klein, as equações simbólicas decorrem da defesa contra a angústia despertada pelas relações objetais.

A seguir, no estudo A desconstrução do conceito de dislexia: conflito entre verdades, Giselle Massi, da Universidade Tuiuti do Paraná, e Ana Paula de Oliveira Santana, da Universidade Federal de Santa Catarina, analisam criticamente o conceito de dislexia a partir da literatura das ciências biológicas e humanas. As autoras argumentam que as ciências médicas constroem a dislexia como patologia, ao passo que as humanidades a desconstroem por meio de conceitos como heterogeneidade e diferenças socioculturais. A análise empreendida propõe que os profissionais que atuam nessas áreas revelam-se “cúmplices” ou “críticos” de uma dessas vertentes possíveis de interpretação da realidade.

Encerrando a seção, o artigo Descrição das propostas do Ministério da Educação na avaliação da deficiência intelectual, de Aline Aparecida Veltrone e Enicéia Gonçalves Mendes, da Universidade Federal de São Carlos, analisa as recomendações oficiais do Ministério da Educação para identificação da deficiência intelectual em escolares, via leitura crítica de documentos legais e normativos deste órgão do governo acerca da temática. O material coligido revela que no Brasil há, no momento, uma indefinição legal a respeito das diretrizes oficiais sobre como identificar alunos com deficiência intelectual, o que traz sérias implicações para a prática de educadores e psicólogos.

A seguir, apresenta-se o relato de experiência profissional intitulado Intervenção psicológica em terminalidade e morte: relato de experiência, assinado por Beatriz Schmidt, Letícia Macedo Gabarra e Jadete Rodrigues Gonçalves, lotadas na Universidade Federal de Santa Catarina. O trabalho discute a atuação do psicólogo em situações de morte no contexto hospitalar, em particular, seu papel frente ao processo de terminalidade do doente e as vicissitudes para os familiares. Prossegue-se com a comunicação breve Mapeamento comportamental: observação de crianças no parque da pré-escola, de Luana dos Santos Raymundo, Ariane Kuhnen e Lia Brioschi Soares, da Universidade Federal de Santa Catarina, que versa sobre a aplicação do mapeamento comportamental centrado no contexto recreativo de uma instituição escolar. Trata-se de uma técnica característica do campo da Psicologia Ambiental, que relaciona o comportamento investigado com o local onde ele ocorre.

O fascículo encerra-se com a resenha O Brasil homossexual em retrato: articulações entre direitos humanos, literatura e arte, de Fabio Scorsolini-Comin, lotado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro. O autor apresenta a coletânea Retratos do Brasil homossexual: Fronteiras, subjetividades e desejos, organizada por Horácio Costa e colaboradores, publicada pela Editora da Universidade de São Paulo e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

O conjunto de publicações enfeixadas neste fascículo constituem uma amostra do elevado nível de excelência alcançado pela produção científica nacional. Desejamos a todos os leitores uma proveitosa leitura.

Manoel Antônio dos Santos

Editor

  • Universities in Latin American: The struggle to make the grade. (2011, 8 de outubro). The Economist. Recuperado em 10 novembro 2011, de http://www.economist.com/node/21531468?frsc=dg%7Ca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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