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Pai e mãe na conjugalidade: aspectos conceituais e validação de construto

Padre y madre en la conyugalidad: aspectos conceptuales y validación de constructo

Resumos

Com base na teoria do laço indissolúvel, este estudo teve como objetivo a validação da escala Pai e Mãe na Conjugalidade (PMC), a partir da percepção dos filhos sobre o pai e a mãe, referente a diversos componentes desse construto. A PMC, composta por onze pares de itens, distinguindo pai e mãe na mesma variável, é parte integrante de um instrumento mais amplo, o Questionário sobre a Conjugalidade dos Pais (QCP), constituído de 60 itens. A amostra não-probabilística foi composta por 1.612 jovens, 678 homens e 934 mulheres, entre 18 e 29 anos. As análises apresentaram evidência empírica de validação da referida escala, como constituída de uma única dimensão que apresenta, todavia, um primeiro componente interpretado como explícito e um segundo como implícito, nas subescalas pai e mãe com alfas de Cronbach, respectivamente, de 0,85 e 0,86. A fita de Möbius é proposta para modelação da dimensionalidade explícito-implícita.

pais; família; validade do teste; psicometria


Basado en la teoría del lazo indisoluble, este trabajo tiene como objetivo la validación de la escala Padre, Madre en la Conyugalidad (PMC), desde la percepción de los hijos sobre el padre y la madre, referente a diversos componentes de esa construcción. La PMC compuesta por once pares de artículos, distinguiendo padre y madre en la misma variable, es parte integrante de un instrumento más amplio, el CCP - Cuestionario sobre la Conyugalidad de los Padres (CCP), constituido de 60 artículos. La muestra no probabilística es compuesta por 1.612 jóvenes, 678 hombres y 934 mujeres, entre 18 y 29 años. Los análisis presentan evidencia empírica en el sentido de validación de la referida escala, como constituida de una única dimensión que presenta, sin embargo, un primer componente interpretado como explícito y un segundo como implícito, en las subescalas padre y madre con alfas de Cronbach, respectivamente, de 0,85 y 0,86. La cinta de Möbius es propuesta para modelación de la dimensionalidad explícito-implícita.

padres; familia; validación de test; psicometria


Based on the theory of the indissoluble link, this study aims to validate the scale Father and Mother as a Couple scale (FMC), addressed to marital relations between parents as perceived by their sons and daughters, referring to various components of this construct. The FMC, consisting of eleven pairs of items, and distinguishing father and mother in the same variable, is part of a broader instrument, the Questionnaire on Parents as a Couple (QPC), comprising 60 items overall. The non-probability sample consists of 1,612 youth, 678 men and 934 women, between 18 and 29 years. The analyses presented empirical evidence favoring the validation of this scale as consisting of a single dimension which has, however, been considered as comprising the first principal component interpreted as explicit, and the second one as implicit, both in the father and mother subscales with Cronbach's alphas, respectively, .85 and .86. The Möbius strip is proposed for modeling the explicit-implicit dimensionality.

parents; family; test validity; psychometrics


ARTIGO

Pai e mãe na conjugalidade: aspectos conceituais e validação de construto1 1 Agradecimentos: Os autores agradecem a colaboração do Prof. Orestes Diniz Neto, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, e do Prof. Virgílio Gomes do Nascimento, do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Sociedade Educacional Fluminense, por terem coletado dados, respectivamente, em Belo Horizonte e na Baixada Fluminense. Agradecem também a colaboração da designer Isabel Elia Ziviani, pelo trabalho gráfico com as figuras e tabelas. Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Padre y madre en la conyugalidad: aspectos conceptuales y validación de constructo

Cilio Ziviani; Terezinha Féres-Carneiro; Andrea Seixas Magalhães

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brazil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cilio Ziviani Departamento de Psicologia Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea, Rio de Janeiro, RJ CEP 22.453-900 E-mail: cilio.ziviani@gmail.com

RESUMO

Com base na teoria do laço indissolúvel, este estudo teve como objetivo a validação da escala Pai e Mãe na Conjugalidade (PMC), a partir da percepção dos filhos sobre o pai e a mãe, referente a diversos componentes desse construto. A PMC, composta por onze pares de itens, distinguindo pai e mãe na mesma variável, é parte integrante de um instrumento mais amplo, o Questionário sobre a Conjugalidade dos Pais (QCP), constituído de 60 itens. A amostra não-probabilística foi composta por 1.612 jovens, 678 homens e 934 mulheres, entre 18 e 29 anos. As análises apresentaram evidência empírica de validação da referida escala, como constituída de uma única dimensão que apresenta, todavia, um primeiro componente interpretado como explícito e um segundo como implícito, nas subescalas pai e mãe com alfas de Cronbach, respectivamente, de 0,85 e 0,86. A fita de Möbius é proposta para modelação da dimensionalidade explícito-implícita.

Palavras-chave: pais, família, validade do teste, psicometria

RESUMEN

Basado en la teoría del lazo indisoluble, este trabajo tiene como objetivo la validación de la escala Padre, Madre en la Conyugalidad (PMC), desde la percepción de los hijos sobre el padre y la madre, referente a diversos componentes de esa construcción. La PMC compuesta por once pares de artículos, distinguiendo padre y madre en la misma variable, es parte integrante de un instrumento más amplio, el CCP - Cuestionario sobre la Conyugalidad de los Padres (CCP), constituido de 60 artículos. La muestra no probabilística es compuesta por 1.612 jóvenes, 678 hombres y 934 mujeres, entre 18 y 29 años. Los análisis presentan evidencia empírica en el sentido de validación de la referida escala, como constituida de una única dimensión que presenta, sin embargo, un primer componente interpretado como explícito y un segundo como implícito, en las subescalas padre y madre con alfas de Cronbach, respectivamente, de 0,85 y 0,86. La cinta de Möbius es propuesta para modelación de la dimensionalidad explícito-implícita.

Palabras clave: padres, familia, validación de test, psicometria

O presente estudo é parte de uma investigação sobre o lugar que o casamento ocupa no projeto de vida de adultos jovens que ainda não se casaram, partindo da vivência que os mesmos tiveram da conjugalidade de seus pais. Especificamente, trata-se aqui da escala composta por onze pares de itens que integram um questionário mais amplo constituído por 60 itens que avaliam diferentes aspectos identificados como relevantes na vivência dessa conjugalidade. A identificação prévia desses indicadores baseou-se na experiência clínica com casais e família, na literatura pertinente, e nos pressupostos teóricos que passamos a explicitar.

Cada sujeito, ao nascer, ocupa um lugar predestinado, pois, desde o momento da concepção, já está marcado pelo olhar dos pais, pelos seus ideais e pelos mitos familiares que se inscrevem e estruturam o psiquismo. Assim, a ordem genealógica inscreve o sujeito na humanidade, fornece referências e elementos para a construção de identidades. Para tanto, é necessário que o sujeito se aproprie de sua história, de sua marca, que ocupe seu lugar ativamente (Magalhães & Féres-Carneiro, 2007).

Podemos afirmar que a criatividade e a saúde emocional do sujeito são evidenciadas pela forma como ele reconhece seu destino e o transmuta, imprimindo sua autoria, integrando o que lhe foi transmitido em um movimento original e criativo. A diferença, no plano dos cuidados parentais e do reconhecimento sociocultural, reflete-se no plano simbólico pelo encontro da subjetividade do pai com a subjetividade da mãe. Esse encontro de subjetividades define a relação intersubjetiva entre pai e mãe, e entre estes e os filhos. É nesse contexto de trabalho psíquico que se deve buscar a compreensão da tessitura de construção-desconstrução dos laços psíquicos de filiação e de afiliação e das alianças inconscientes (Benghozi, 2010; Kaës, 2009).

É importante fazer a distinção teórica entre os laços intersubjetivos conjugal e parental. No laço intersubjetivo conjugal pode ser admitida a separação, haja vista a frequente separação de casais na contemporaneidade. Mas se o casal, além de conjugal, for também parental, o laço, nessa condição de pai e mãe, é indissolúvel. Tal como nas três condições da indissolubilidade do laço entre pais, filhos e irmãos, o desenlace da conjugalidade não implica no desenlace da parentalidade. A postulação teórica da indissolubilidade do laço intersubjetivo fica, portanto, acrescida da indissolubilidade do casal parental. Propomos, assim, a teoria familiar do laço indissolúvel entre os membros do casal parental, tendo como fundamento a noção de indissolubilidade do laço entre pais, filhos e irmãos (Benghozi & Féres-Carneiro, 2001; Kaës, 1993/2003a, 1993/2003b).

A conjugalidade implica o entrelaçamento de dois "eus", duas subjetividades, para a constituição de uma identidade compartilhada, em cuja direção acena o ideal de um projeto conjugal marcado pelo mito de continuidade geracional. Constituída a partir dos modelos parentais, a conjugalidade destina-se ao desdobramento na parentalidade, dando continuidade à transmissão geracional. Conjugalidade e parentalidade estão, assim, imbricadas na origem e no destino (Magalhães, 2009).

O casal fundamenta-se na lógica do um e um são três: a sua dinâmica encerra, ao mesmo tempo, duas individualidades e uma conjugalidade. O casal contém dois sujeitos, duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade ou identidade conjugal. Mas como ser dois sendo um? Como ser um, sendo dois? Essa dupla indagação (Féres-Carneiro, 1998) encontra resposta teórica na lógica do casal proposta por Caillé (1991) na qual um e um são três, pois cada casal cria seu modelo único, o "absoluto do casal".

A definição de casal, portanto, contempla os dois parceiros e seu modelo único, seu absoluto. Além disso, a conjugalidade impõe que o modelo seja um todo autoreferencial, no qual um nível reenvia ao outro sem ingerência externa (Caillé, 1991). Para o autor, essa recursividade autoreferente faz com que o absoluto do casal seja algo que se volta para si mesmo. Daí propormos a fita de Möbius (Möbius, 1886) para representar a característica conjugal da autoreferência do ponto de vista da lógica, como formulado por Priest (2010). O autor propõe o dialeteísmo como solução comum a todos os paradoxos de autoreferência, ou seja, como a visão em que há contradições verdadeiras (dialetheia) (Priest, 2006, 2008).

A partir deste enquadre teórico para a díade conjugal, apresentamos uma metodologia envolvendo estatísticas sobre diferenças entre parceiros da referida díade. Para tanto, acompanhamos Tukey (1969), ao caracterizar a análise de dados como uma handmaiden, uma serviçal da teoria psicológica e do pesquisador, em seu trabalho de detetive, na investigação empírica. Esta posição investigativa é enfatizada por Abelson (1995) ao argumentar que a habilidade para se produzir narrativas estatísticas com credibilidade não é diferente da exigida de um bom detetive, pois na pesquisa o investigador deve solucionar um caso de interesse, similar ao whodunit do homicídio misterioso, mas voltado para a questão do howcummit - por que os dados se apresentam com essa específica configuração? Ao se reportarem a Abelson (1995), dizendo que o analista de dados é um advogado que usa a estatística como argumento para uma teoria, Judd & Kenny (2010) concluem que a análise de dados bem-sucedida exige uma teoria causal, na qual a correlação passa a desempenhar papel fundamental.

Igualmente, o pesquisador do papel da transmissão psíquica familiar no processo de subjetivação da descendência do casal parental, ora assemelha-se a um detetive, buscando articular pistas teóricas e dados clínicos, ora assume a atitude de um arqueólogo, reconstruindo a história ancestral da subjetividade. Essa atitude investigativa instiga-nos a buscar, no legado transmitido, os elementos para uma metapsicologia familiar (Magalhães & Féres-Carneiro, 2005). Mas como identificar o whodunit, como enfocar o indivíduo, costumeiramente desaparecido nas agregações sucessivas promovidas pelas estatísticas? Iniciamos, por uma incursão na Filosofia, a demonstração da possibilidade de como nunca perder de vista o indivíduo, tomado como figura, contrastado com a Estatística mantida como fundo.

Ao discutir princípios de Justiça, Aristóteles (Aristotle, 1984) propõe que há um intermediário para o desigual. Esse intermediário é o igual - onde há um mais e um menos, há também o igual. A partir dessa discussão dos desiguais, concebemos a média como a divisão em partes iguais, e propomos reconceituá-la para efeito das análises estatísticas exemplificadas neste trabalho. A vantagem dessa reelaboração conceitual é entender a média aritmética como aquela quantidade abstrata, correspondente à divisão do todo a ser distribuído em partes exatamente iguais. Caberá, assim, a cada sujeito sua cota igualitária, em relação à qual sua posição será maior (sinal positivo) ou menor (sinal negativo). Como a soma das diferenças é necessariamente zero, o escore do sujeito é quantitativamente idêntico à soma de todos os demais - pois estes, como um todo, detêm o mesmo valor numérico. Todavia, simultaneamente, ele se apresenta como qualitativamente diferente, dado que o sinal é oposto.

Neste primeiro passo, fica neutralizada a quantidade para ceder lugar à qualidade, definida pelo sentido imposto pelo sinal positivo ou negativo (Ziviani, 1998a). Os números, neste contexto, como quantidade, passam a ser qualificados, levando-nos à viabilização da proposta hegeliana da medida como quantidade qualificada (Hegel, 1812/1966) a partir da concepção da média como cota igualitária aufgehoben ("suprassumida"). A diferença entre a posição de cada sujeito, dentro da distribuição da qual participa, e a cota igualitária que lhe cabe, permite-nos identificar sua contribuição para o resultado estatístico final. Isso faz com que cada um tenha sua individualidade preservada e identificável, todo o tempo, nas correlações utilizadas pelos modelos estatísticos.

Esse destaque é particularmente pertinente à análise de dados de observações não-independentes (Judd & Kenny, 2010), em relação às quais, no caso presente, há o nível individual do sujeito filho ou filha ao distinguir a percepção do pai da percepção da mãe (nível 1, na análise multinível); e o supra-individual para o qual a percepção desse sujeito se volta, ou seja, o nível do seu pai e de sua mãe como casal conjugal (nível 2). O desafio é a análise simultânea desses dois níveis. Nela, o primeiro passo estatístico é centrar as variáveis em torno de zero - ao se fazer isso, restam apenas as diferenças que qualificam os resultados de cada sujeito como positivo (acima do zero) ou negativo (abaixo do zero), decorrente da subtração, de cada escore, da média aritmética ou, como propomos aqui, da cota igualitária que cabe a cada um na divisão do todo em partes iguais. Isso faz com que a média aritmética seja matematicamente zero - mas um zero que, longe de ser um 'nada' - Nichts para Hegel (1812/1966) - passa a ser o ponto referencial fundamental gerador das 'puras' diferenças individuais.

A questão metodológica básica é a não-independência das observações, pois saem do mesmo sujeito, na mesma variável, dois juízos. Bastaria isso para se usar a análise de medidas repetidas. Entretanto, o juízo é sobre pai e mãe. Como tal, o desenho de medidas repetidas é, adicionalmente, consequência metodológica logicamente necessária, decorrente da pressuposição teórica da indissolubilidade do laço no casal parental. Em outras palavras, independentemente da possível dissolubilidade do laço conjugal, a partir da sempre preservada individualidade dos cônjuges, pai e mãe correlacionam-se. A correlação é a expressão empírica da conjugação de ambos. Enfim, como paralogismo, "cônjuge independente" não existe, conceitualmente, no presente trabalho. Vejamos como essa conceituação se traduz na prática.

Ao examinar dezesseis trabalhos publicados em torno da questão de porque casamentos mudam e se deterioram, Kenny (1998) verificou a presença de efeitos da conjugalidade (couple effects) definidos segundo a extensão pela qual os membros de um casal concordam ou são similares entre si, podendo ser medida simplesmente correlacionando-se suas respostas. Além disso, prossegue Kenny, uma "correlação de concordância, em si mesma, representa a quantidade de variância compartilhada entre marido e esposa" e, consequentemente, "não faz sentido elevar ao quadrado a correlação porque ela já é uma medida de variância" (p. 412). Essa conclusão nos levou a considerar, conceitualmente, o próprio coeficiente de correlação como unidade de análise da não-independência dos membros do casal conjugal.

Com fundamentação nessas considerações, neste trabalho, pai e mãe são analisados como casal e, ao mesmo tempo, preservados como indivíduos. Trata-se, assim, da resposta à indagação inicial de como, no casal, ser um sendo dois, e de como, simultaneamente, ser dois sendo um. Este estudo se justifica pela carência de instrumentos voltados para a avaliação de variáveis diádicas, isto é, escores vindos de um e de outro cônjuge ou parceiro (Kenny, Kashy, & Cook, 2006), analisados simultaneamente tanto no nível individual (pai distinguido de mãe e vice-versa) quanto no nível diádico (casal conjugal).

Assim, com base na teoria familiar do laço indissolúvel entre os membros do casal parental e entre os pais, filhos e irmãos, o presente trabalho tem como objetivo a validação da escala PMC - Pai e Mãe na Conjugalidade, a partir da percepção dos filhos sobre o pai e a mãe, referente a diversos componentes deste construto.

Método

Participantes

A amostra não-probabilística é composta por 1.612 jovens entre 18 e 29 anos de idade (M = 22,23, DP = 3,25), tanto de homens (42%, N = 678) quanto de mulheres (58%, N = 934), dentre os quais 1.424 (88%) se declararam solteiros. Os participantes foram recrutados na cidade do Rio de Janeiro (27%, N = 437), na denominada Baixada Fluminense ou arredores (62%, N = 993) e em Belo Horizonte (11%, N = 182). A maioria se encontrava matriculada no terceiro grau (65%, N = 1.049). Mais da metade (59%, N = 949) relatou pertencer à classe média, classe média alta, ou superior, com pais casados (61%, N = 976). Uma minoria relatou viver fora da casa dos pais (20%, N = 328).

Instrumento

Trata-se dos onze pares de itens da escala Pai e Mãe na Conjugalidade (PMC), componentes do Questionário sobre a Conjugalidade dos Pais (QCP) (Féres-Carneiro, Ziviani, & Magalhães, 2007), constituído de 60 itens. Ineditamente estudada no presente trabalho, a PMC é constituída de 22 itens Likert de cinco categorias, listados em Ziviani, Féres-Carneiro, & Magalhães (2009), distinguindo pai (onze itens) e mãe (onze itens) na mesma variável. Difere, assim, dos demais itens do QCP, dirigidos a "meus pais" (Ziviani, Féres-Carneiro, & Magalhães, 2011). Nos resultados, os itens da PMC são referidos pelo número que indica sua posição na inserção no QCP. Além dos itens do QCP, na investigação original (Féres-Carneiro, Ziviani, & Magalhães, 2007) foi utilizada também a Ficha de Avaliação Biográfica (FAB), para o levantamento de dados gerais sobre os sujeitos e suas famílias, tais como idade, gênero, escolaridade, orientação sexual, constituição familiar, situação conjugal dos pais, classe social e participação na renda familiar.

Procedimento

Coleta de dados. O questionário, incluindo a FAB, foi respondido individualmente. As respostas foram codificadas, a consistência da digitação foi sistematicamente verificada e foram examinadas as omissões por meio do módulo específico do IBM SPSS (2010). Entre estes, nada foi encontrado que pudesse ser considerado como variância sistemática. As omissões, item a item na escala, apresentam-se bem abaixo de 1%. Esta proporção cresce no caso de se analisar, como no presente trabalho, nas correlações, apenas as pessoas que não omitiram item algum - incluir as restantes 1.612 - 1.479 = 133 pessoas implicaria em adotar, para estas, algum tipo de estimativa do dado omisso. O que se torna desnecessário, pois ao estudá-las o padrão encontrado sinaliza na direção de classificá-las como omissões ao acaso, isto é, não sistemáticas.

Análise dos dados. Inicialmente repetimos, aqui, a estratégia de análise dos dados utilizada por Ziviani, Féres-Carneiro e Magalhães (2011) em relação aos itens do Questionário sobre a Conjugalidade dos Pais (QCP) dirigidos a "meus pais": análise de componentes principais, verificando-se que a estrutura de variância circumplexa, com cross-loading de itens nos dois primeiros componentes, observada no trabalho referido, foi aqui replicada. Todavia, temos no caso presente duas fontes de não-independência das observações. A primeira decorre da teoria da indissolubilidade do laço, pois as observações são sobre pai e mãe. A segunda decorre do fato de as observações terem sido apresentadas pelo mesmo sujeito, prescrevendo análises de medidas repetidas. Essa dupla condição de não-independência levou-nos a eleger o próprio coeficiente de correlação como medida de variância, conforme referido em Kenny (1998) no contexto da pesquisa com díades conjugais. Daí a estratégia de decomposição desse coeficiente, para desvelar seu aspecto qualitativo e sua fundamentação lógica. Para comparação entre médias-pai e médias-mãe, o T-teste para amostras emparelhadas, além da análise de variância para medidas repetidas, na qual a variável independente principal é o próprio sujeito, poderia ser utilizado. Mas, de fato, nada de substantivo acrescentaria, pois, tal como ressalta Field (2009), ao exemplificar a conversão do T-Teste para uma correlação, "todos os procedimentos estatísticos são basicamente os mesmos, são apenas versões mais elaboradas ou menos elaboradas do coeficiente de correlação!" (p. 343).

Considerações Éticas

O projeto de pesquisa contemplou todos os cuidados éticos, tendo sido aprovado sob o número 05/2004, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Departamento de Psicologia da universidade onde foi desenvolvido. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por cada participante, no qual declarou sua concordância em relação ao futuro uso dos dados em ensino, pesquisa e publicações científicas. Foi oferecida a oportunidade de devolução do resultado ao sujeito que, no caso de se interessar, deveria escrever seu nome, endereço eletrônico e telefone.

Resultados e Discussão

A Figura 1 ilustra a maneira pela qual a não-independência das observações é considerada. A escala referente ao pai é tratada independentemente da escala referente à mãe, justamente para permitir o exame da interdependência entre uma escala e outra.


Observa-se pelo exame da Figura 1 que, tanto para o pai quanto para a mãe, há um segundo componente presente no resultado das análises de componentes principais. As cargas do Componente 1 são altas em todos os itens, de forma que, nos dois gráficos, não há item algum perto do cruzamento dos eixos - todos se encontram à direita ao longo do eixo horizontal. Os componentes C1 e C2 explicam 43% e 10% da variância para a subescala Pai, e para a subescala Mãe, 42% e 11%, respectivamente.

A Tabela 1 apresenta os resultados da constituição qualitativa, passo a passo, da correlação produto momento de Pearson entre o item Meu pai demonstrava ser uma pessoa feliz e o item Minha mãe demonstrava ser uma pessoa feliz, como exemplos do procedimento analítico adotado. Os 1.479 sujeitos atribuíram 5.526 unidades de felicidade ao pai. Da mesma forma, foram atribuídas 5.703 unidades de felicidade à mãe. A divisão desses totais em cotas iguais implica em dividi-los pelo número de sujeitos, 1.479. O resultado é a cota igualitária de 5.626/1.479 = 3.80 para cada atribuição ao pai e de 5.763/1.479 = 3.85 à mãe. Esses dois resultados correspondem à média aritmética, ou cota igualitária, de cada distribuição. Essa cota igualitária é subtraída de cada valor codificado como 1, 2, 3, 4, ou 5. Essas diferenças, positivas e negativas, em relação à cota da igualdade constituem as duas primeiras colunas à esquerda da Tabela 1, respectivamente para o Pai e para a Mãe: 1 - 3.80=-2,80 na coluna Pai; 1 - 3,85=-2,85 na coluna Mãe.

A coluna N da Tabela 1 apresenta o número de casais conjugais em cada combinação qualitativa de diferenças positivas e negativas. A soma do produto Pai × Mãe obtida, nas respectivas categorias, após a multiplicação pelo número de casais, difere de zero e poderá ser distribuída, em partes iguais, entre os 1.479 casais. Essa cota conjugal igualitária decorre da covariância conjugal do casal de pais. "Casal" porque a individualidade do Pai, na multiplicação com a individualidade da Mãe, resulta no produto "Casal". A conjugalidade entre pai e mãe é operacionalizada por esse produto.

Na Tabela 1, o conjunto Diferenças padronizadas reexpressa as diferenças em unidades do desvio padrão (escores "z"). Os produtos Pai × Mãe somados, após se levar em conta o número de casais parentais em cada condição qualitativa, resulta em 923,21. Este valor constitui o acervo de unidades de felicidade conjugal a ser distribuído em partes iguais aos 1.479 casais. A cota igualitária da distribuição é de 0,624 para todos os casais. Há, entretanto, quatro categorias qualitativamente distintas - 357 casais com pai e mãe negativos, 164 com pai negativo e mãe positiva, 138 com pai positivo e mãe negativa, e 820 com pai positivo e mãe positiva, resultando os subtotais + 604,39, - 58,22, - 68,72 e + 445,76, respectivamente.

Na Figura 2, verifica-se que as categorias qualitativas descritas na tabela 1 apresentam uma sintaxe: constituíram-se na porta lógica da equivalência. Na matriz do lado esquerdo da Figura 2, a letra V significa verdadeiro e a letra F significa falso na proposta wittgensteiniana apresentada no parágrafo 5.101 do Tratado Lógico-Filosófico (Wittgenstein, 1922/2010). Fazendo-se p corresponder a Pai e q corresponder à Mãe, pode-se parafrasear que "se pai, então mãe; e se mãe, então pai" (p. 56 e p. 125, respectivamente, da edição bilíngue inglês-alemão). No nosso exemplo, a situação qualitativa "se pai feliz, então mãe feliz" retorna verdadeira (V, verdadeira), o mesmo acontecendo para "se pai infeliz, então mãe infeliz". As duas outras possibilidades, na condição sintática da equivalência lógica, retornam falso para "se pai infeliz, então mãe feliz" e "se pai feliz, então mãe infeliz". Ou vice-versa. Ambas sinalizam negativamente a conjugalidade; os pais estão conjugados, mas negativamente.


A contrapartida empírica da conjugalidade saudável aponta para a condição pai feliz e mãe feliz. São 820 casais (55%) nessa condição. Na condição oposta, na qual ambos, pai e mãe, são percebidos como infelizes, estão 357 casais (apenas 24%). Entretanto, como se pode verificar no lado direito da Figura 2, foram estes os casais que mais contribuíram positivamente para a correlação: 65%, comparando-se com seus opostos (48%), e com os casais cuja percepção dos filhos os coloca como contraditórios, contribuindo com ( - 6% e - 7%).

Na Tabela 2 encontram-se resultados apresentados segundo a concepção preconizada na introdução, a partir do referencial téorico de Caillé (1991), Féres-Carneiro (1998), Féres-Carneiro e Diniz-Neto (2010) e Kaës (1993/2003a, 1993/2003b, 2009), da convivência simultânea da individualidade (pai na linha, mãe na coluna - ou vice-versa) com a conjugalidade (operacionalizada pela correlação, em negrito, na diagonal principal). A matriz da Tabela 2, portanto, é de duplo conteúdo. Apresenta, à esquerda e na horizontal, os coeficientes de correlação entre os itens da subescala Pai e, à direita e na vertical, os coeficientes de correlação entre os itens da subescala Mãe. Na diagonal principal encontram-se as correlações, intra-item, entre pai e mãe, na mesma variável. O arranjo dessas correlações, calculadas pelo IBM SPSS 19 (2010) utilizando N - 1 = 1.478 sujeitos, constitui o design final sugerido para o escalonamento psicométrico da conjugalidade entre pai e mãe - trata-se da consideração simultânea de ambas as escalas, com o objetivo de modelar a reflexão e a autoreferência no casal conjugal. As médias, com os respectivos desvios-padrão, nas margens da Tabela 2 são consideradas como referência técnica da distribuição, em partes iguais, da soma dos escores dos sujeitos.

Imagine-se agora a Tabela 1 apresentando a constituição da correlação r = 0,337, observada na Tabela 2. Refere-se ao item 06 falava mal ('Meu pai falava mal da família da minha mãe') correlacionado com o item 41 falava mal ('Minha mãe falava mal da família do meu pai'). Esse número '0,337' é o resultado da divisão, em partes iguais, da soma das contribuições de cada casal de pais para a conjugalidade parental total. Assim, essa soma será, necessariamente, igual à multiplicação de cada parte de 0,337 pelos 1.479 sujeitos participantes, isto é, 0,337 × 1.479 = 498,42. Ora, esse número é praticamente a metade de '923,21', cuja divisão em partes iguais é a correlação entre os itens 53 felicidade e 09 felicidade. Isso significa que as contribuições negativas são, proporcionalmente, muito maiores. Praticamente, para cada contribuição positiva que acrescenta, fazendo com que a correlação final cresça, haverá uma contribuição negativa que retira, fazendo com que a correlação final tenda para zero. Esse não desprendimento das famílias de origem nas duas condições contraditórias poderia ser examinado à luz das considerações teóricas sobre a contradição fundamental do laço conjugal exposta na introdução. O desprendimento dos laços parentais de origem é uma pré-condição para a criação de estrutura inédita derivada da transformação dos modelos parentais de cada parceiro, tal como discutido por Benghozi (2010), Féres-Carneiro (1998), Kaës (2009) e Magalhães (2009).

Na Figura 3 encontram-se as cargas dos componentes C1 e C2, tanto para a subescala Pai quanto para a subescala Mãe. No canto superior esquerdo observa-se que as cargas entre os itens e o primeiro componente (C1), classificadas da maior para a menor, variam entre,822 (48 satisfação, 'Meu pai demonstrava satisfação com o casamento') e,442 (13 agredia, 'Meu pai agredia minha mãe fisicamente') para a subescala Pai, e entre,807 (33 satisfação, 'Minha mãe demonstrava satisfação com o casamento') e,372 (04 assumia, 'Minha mãe assumia responsabilidade pelo que dizia ou fazia') para a subescala Mãe. Todos os onze itens, por conseguinte, correlacionam-se com a primeira dimensão, ou primeiro componente principal, C1, da escala Pai e Mãe na Conjugalidade (PMC).


No canto superior direito da Figura 3 temos a classificação decrescente para o segundo componente principal, C2. Verifica-se que os dois itens com as maiores cargas, posicionados nos dois extremos das subescalas, são itens que podem ser considerados como exclusivos ao casal conjugal. Na subescala Pai, o item 13 agredia ('Meu pai agredia minha mãe fisicamente'), com carga,552 (e carga simultânea de,442 em C1) e o item 40 desejo ('Meu pai demonstrava desejo pela minha mãe'), com carga - ,438 (e carga,670 em C1). Na subescala Mãe, o item 24 agredia ('Minha mãe agredia meu pai fisicamente'), com carga,621 (e carga simultânea de,423 em C1) e o item 17 desejo ('Minha mãe demonstrava desejo pelo meu pai'), com carga - ,347 (e carga,613 em C1). Verifica-se, portanto, que as maiores cargas no segundo componente, simultaneamente com cargas também altas no primeiro componente, são dos itens relativos ao afeto, positivo (desejo) ou negativo (agredia). Além disso, verifica-se diferença entre pai e mãe quanto ao item ocupante da posição central da hierarquia descendente das correlações no segundo componente, C2. Na subescala Pai, o item que funciona como uma "dobradiça" para a reflexão, uns sobre os outros, nos itens abaixo e acima dele, é o indicador referente à assunção de responsabilidade, o item 39 assumia ('Meu pai assumia responsabilidade pelo que dizia ou fazia'), com carga,001, enquanto que na subescala Mãe é o indicador relacionado à confiança, item 27 confiar ('Minha mãe parecia confiar no meu pai') que ocupa a posição central com carga,008.

Verifica-se ainda que as quatro maiores cargas no componente C2 são de itens com cargas igualmente altas no primeiro componente, C1. O mesmo pode-se observar em relação aos dois itens de maior carga negativa: tanto 17 desejo ('Minha mãe demonstrava desejo pelo meu pai') quanto 33 satisfação ('Minha mãe demonstrava satisfação com o casamento') têm cargas altas no primeiro componente -,61 e,81 respectivamente. Esse cross-loading sugere a indagação: como considerar itens teoricamente relevantes que se correlacionam com duas dimensões ortogonais e independentes ao mesmo tempo?

Consideramos, neste trabalho, apenas um encaminhamento para essa questão, que diz respeito à sua representação, atendendo à configuração denominada originalmente circumplex por Guttman (1954/1955) - ou seja, a substituição da verticalização das cargas fatoriais pela configuração circular, na qual perde o sentido a noção de hierarquia. Propomos também a fita de Möbius (Möbius, 1886) como um análogo funcional para modelar esse tipo de circumplexo, especialmente quanto à proposição do adjetivo explícito para nomear o papel que os itens desempenham no primeiro componente, ou fator, representante do construto "conjugalidade", e o adjetivo implícito para nomear o papel que os mesmos itens desempenham no segundo componente do mesmo construto.

Torna-se, assim, ainda mais importante a característica lógica da fita de Möbius, a de modelação da autoreferência postulada por Caillé (1991) em relação ao casal. Trata-se da demonstração, no plano da lógica, defendida por Priest (2010), na qual "dentro é fora, e fora dentro; verdade é falsidade, e falsidade verdade" (p. 43). Na Figura 3, a referência à fita de Möbius situa-se na encruzilhada entre os componentes C1 e C2 e, simultaneamente, entre a subescala Pai e a subescala Mãe, com o ponto de inflexão determinado empiricamente pela análise de componentes principais, dividindo cada escala em duas metades, com o item 39 assumia (Meu pai assumia responsabilidade pelo que dizia ou fazia) representando esse ponto de inflexão para a subescala Pai e o item 27 confiar (Minha mãe parecia confiar no meu pai) para a subescala Mãe, respectivamente com cargas 0,001 e 0,008. No escore de componentes as respostas a esses itens praticamente desaparece, pois são multiplicadas por peso muito próximo de zero.

Além disso, há uma terceira razão para se adotar novamente a fita de Möbius, além das duas já mencionadas. O presente trabalho, ao mesmo tempo em que admite, para o casal conjugal, a dissolubilidade do laço intersubjetivo, propõe a indissolubilidade do laço para o casal parental. Ainda que separados, ex-marido e ex-esposa, não obstante o laço conjugal desfeito, continuam inexoravelmente unidos pelo laço indissolúvel como casal parental. A fita de Möbius modela essa segunda condição. Imaginemos usar uma tesoura para separar, cortando pela linha horizontal que separa itens na Figura 3, os itens referentes ao pai (listados verticalmente na metade superior da tabela) dos itens referentes à mãe (idem, na metade inferior). Este corte simbolizaria a separação tanto do casal conjugal quanto do casal parental. Imaginemos agora os itens colocados na forma circumplexa, isto é, circular, com os itens pai e mãe lado a lado ao longo da fita de Möbius. Ao cortarmos com a tesoura, ao longo dessa fita, seguindo a linha de separação entre itens Pai e itens Mãe, o casal conjugal estará separado, mas não o casal parental, pois a fita se separaria em duas se não fosse uma fita de Möbius (devido à união das duas pontas ter sido feita após torção de 180 graus, em uma das superfícies, antes de ser colada na outra).

Finalmente cabe indagarmos se temos uma escala fidedigna e válida para avaliar pai e mãe na conjugalidade. A magnitude da consistência interna alfa de Cronbach, como se pode verificar na Tabela 2, é suficientemente alta (,86 para Pai e,85 para Mãe, com 11 itens pareados) para se concluir que o conjunto é fidedigno. Falamos "conjunto" porque não consideramos válida, face à teoria da indissolubilidade do laço intersubjetivo, uma eventual escala que viesse a somar escores Pai com escores Mãe. A soma não faria a distinção entre as correlações inter-itens Pai e inter-itens Mãe da correlação considerada autoreferente, entre pai e mãe no mesmo item, apresentada, item a item, na diagonal da matriz da Tabela 2. A diferença entre escores Pai e escores Mãe tampouco faria essa distinção e teria, adicionalmente, os agravantes relacionados à subtração das correlações (Furr, 2011). Além disso, ambos os procedimentos prejudicariam o alcance da nossa finalidade de jamais perder de vista o aspecto qualitativo, ligado ao sujeito individual, seja qual for a estatística envolvida. As escalas devem, portanto, ser mantidas separadas e as relações entre uma e outra deverão ser explicitadas, futuramente, em modelos multinível - especialmente no que diz respeito ao alfa de Cronbach (1951), inadequado quando as observações estão nested, isto é, "aninhadas" apresentando dois níveis como no presente trabalho (Nezlek, 2011). Tornar-se-á, então, possível a investigação sistemática da essência da conjugalidade tal como empiricamente definida aqui: a não-independência subjetiva entre indivíduos entrelaçados indissoluvelmente em destino compartilhado.

Do ponto de vista estritamente psicométrico, consideramos que as análises exemplificadas apresentam evidência empírica no sentido da validação da escala Pai e Mãe na Conjugalidade como constituída de uma única dimensão. Esta dimensão, todavia, passa a apresentar uma dupla face: a do componente C1, medindo conjugalidade explícita, e a do componente C2, ortogonal ao primeiro, medindo conjugalidade implícita. Tais componentes apresentam-se de forma independente, uma vez que a correlação entre eles é matematicamente zero, como consequência da análise de componentes principais utilizada. Ressaltamos que forma alguma de análise fatorial exploratória produziria cargas fatoriais com ambas as características, como referido por Ziviani, Féres-Carneiro e Magalhães (2011).

A comparação de definições de validade para testes psicológicos com a visão mais contemporânea, segundo Primi, Muniz e Nunes (2009) permite identificar uma reorganização e renovação em termos conceituais. Ao sintetizarem a definição de validade que enfatiza o significado interpretativo e o uso do teste, concluem que "essa definição associa validade a uma sindicância científica que averigua os sentidos atribuídos aos escores do teste e também as consequências atuais ou potenciais do uso interpretativo dos escores" (p. 247). Assim, entendemos que a evidência psicométrica apresentada preenche as expectativas em relação à validação dos sentidos atribuídos aos escores.

Procuramos fazer com que, a partir da concepção aristotélica da média, seguida da possibilidade da medida hegeliana na psicologia (Ziviani, 1998b) e da representação de algo ser e não ser ao mesmo tempo (Ziviani, 1998a), tomada como dialetheia por Priest (2006) na lógica contemporânea, oferecesse os fundamentos filosóficos para a metodologia aqui preconizada, particularmente em relação aos opostos tomados como contraditórios que, por "serem únicos", não se confundem com os contrários, podendo-se "chegar até à equivalência lógica" (Priest, 2008, p. 78). Acreditamos que essa metodologia, assim fundamentada filosoficamente, não apenas permite ao pesquisador investigar o howcummit de Abelson (1995) - o porquê de os dados se apresentarem com determinada configuração, mas também permite a identificação do whodunit - a qualidade da participação de cada sujeito, indo além da simples magnitude dessa participação nas estatísticas utilizadas.

Considerações Finais

Procuramos orientar nossos esforços epistemológicos voltados para a validação da escala Pai e Mãe na Conjugalidade tendo em mente a pergunta apresentada por Sireci (2009): "Se o uso deste teste, com a finalidade para a qual uso agora, for questionado em juízo, haverá evidência suficiente para persuadir o juiz ou o júri e ganhar a causa?" (p. 31). Entendemos que o uso do procedimento metodológico aqui descrito permite responder que "sim": o sujeito estará sempre identificado individualmente como figura, no meio dos demais participantes nas correlações, nas estatísticas adotadas como fundo.

Entendemos que a contribuição principal deste estudo é destacar a estrutura da variância do construto "pai e mãe na conjugalidade", viabilizada pela adequabilidade dos itens que possibilitou oferecer à grande maioria dos sujeitos a identificação, no casamento de seus pais, de cada uma das situações referidas. Cada sujeito, psicologicamente, respondeu confirmando ou negando a situação referida pelo item de forma consistente com sua afirmação ou negação face às demais situações descritas nos outros itens. Isso se torna possível com base na proposta teórico-metodológica da indissolubilidade do laço, que é corroborada pela clínica de casais e famílias.

Contudo, ainda que a metodologia prescrita pela teoria da indissolubilidade do laço tenha permitido desvelar a estrutura básica dessa covariância, o estudo encontra sua maior limitação ao não estender a análise por toda a gama de recursos disponíveis, do "T-teste" à análise multinível, além da utilização da chamada Exploratory Structural Equation Modeling (Asparouhov & Muthén, 2009; Marsh et al., 2010), que viabiliza incorporar expressamente no modelo o cross-loading de itens.

Ziviani, C. (1998b). Hegel e a medida em psicologia. Revista Ciências Humanas, (21), 257-304.

Recebido: 01/07/2011

1ª revisão: 23/11/2011

2ª revisão: 17/01/2012

Aceite final: 17/05/2012

Cilio Ziviani, Professor Visitante da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil

Terezinha Féres-Carneiro, Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasi

Andrea Seixas Magalhães, Professora Assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Cilio Ziviani
    Departamento de Psicologia
    Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
    Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea, Rio de Janeiro, RJ
    CEP 22.453-900
    E-mail:
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    Agradecimentos: Os autores agradecem a colaboração do Prof. Orestes Diniz Neto, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, e do Prof. Virgílio Gomes do Nascimento, do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Sociedade Educacional Fluminense, por terem coletado dados, respectivamente, em Belo Horizonte e na Baixada Fluminense. Agradecem também a colaboração da designer Isabel Elia Ziviani, pelo trabalho gráfico com as figuras e tabelas. Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Jul 2011
    • Aceito
      17 Maio 2012
    • Revisado
      17 Jan 2012
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