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Relacionamentos de amizade íntima entre jovens adultos

Relaciones de amistad íntima entre adultos jóvenes

Resumos

A literatura é consensual quanto ao importante papel dos amigos no ciclo vital, na maior parte do tempo, para melhorias na qualidade de vida. Este estudo teve como objetivo investigar e descrever características dos relacionamentos íntimos de amizade de jovens adultos. Participaram 98 jovens adultos com idade entre 18 e 30 anos. Os procedimentos de amostragem foram baseados na técnica do Respondent Driven Sampling. Foram utilizados três questionários autoaplicados e os dados foram submetidos a tratamento quantitativo. Os resultados demonstraram uma homogeneidade de características entre amigos íntimos, especialmente para o gênero. O companheirismo despontou como aspecto mais marcante na amizade. Todas as funções da amizade apresentaram correlações positivas entre si. Conclui-se que parece haver um filtro de similaridades entre amigos na adultez jovem e que amizades de boa qualidade em uma determinada função costumam ser de boa qualidade em seu total.

amizade; relações interpessoais; jovens; adultos


La literatura es consensual cuanto a la importancia de la amistad a lo largo del ciclo vital; en la mayor parte del tiempo, para la mejoría de la calidad de vida. Este estudio tuvo como objetivo investigar y describir las relaciones íntimas de amistad de adultos jóvenes. Participaron 98 adultos jóvenes de edades comprendidas entre 18 y 30 años. El muestreo estuvo basado en la técnica del Respondent Driven Sampling. Fueron utilizados tres cuestionarios auto-administrados y los datos fueron analizados cuantitativamente. Los resultados demostraron homogeneidad en las características entre amigos íntimos, especialmente para el género. El compañerismo se destacó como el aspecto más importante de la amistad. Todas las funciones de la amistad mostraron correlaciones positivas entre sí. Se concluye que hay un filtro de similitudes entre amigos en la adultez joven y que amistades que son buenas en un aspecto tienden a ser buenas amistades en su total.

amistad; relaciones interpersonales; jóvenes; adultos


The literature is consensual regarding the importance of friendships throughout the lifecycle; most of the time for improvements in the quality of life. The aim of this study was to investigate and describe intimate friendship relationships between young adults. Participants were 98 young adults aged between 18 and 30. Sampling procedures were based on the Respondent Driven Sampling technique. The instrument was composed of three self-report questionnaires and data were analyzed quantitatively. Results showed homogeneity of characteristics among intimate friends, especially concerning gender. Companionship emerged as the most distinctive aspect of friendships. All friendship functions showed positive correlations with each other. There seems to be a filter of similarities in the friendships of young adults. Also, friendships that show good quality in one specific function tend to be good quality friendships as a whole.

friendship; interpersonal relations; young adults; adults


ARTIGO

Relacionamentos de amizade íntima entre jovens adultos

Intimate friendship relationships between young adults

Relaciones de amistad íntima entre adultos jóvenes

Diogo Araújo DeSousaI; Elder Cerqueira-SantosII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

IIUniversidade Federal de Sergipe, São Cristóvão-SE, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Diogo Araújo De Sousa Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 104. Porto Alegre-RS, Brasil. CEP 90.035-003. E-mail: diogo.a.sousa@gmail.com

RESUMO

A literatura é consensual quanto ao importante papel dos amigos no ciclo vital, na maior parte do tempo, para melhorias na qualidade de vida. Este estudo teve como objetivo investigar e descrever características dos relacionamentos íntimos de amizade de jovens adultos. Participaram 98 jovens adultos com idade entre 18 e 30 anos. Os procedimentos de amostragem foram baseados na técnica do Respondent Driven Sampling. Foram utilizados três questionários autoaplicados e os dados foram submetidos a tratamento quantitativo. Os resultados demonstraram uma homogeneidade de características entre amigos íntimos, especialmente para o gênero. O companheirismo despontou como aspecto mais marcante na amizade. Todas as funções da amizade apresentaram correlações positivas entre si. Conclui-se que parece haver um filtro de similaridades entre amigos na adultez jovem e que amizades de boa qualidade em uma determinada função costumam ser de boa qualidade em seu total.

Palavras-chave: amizade, relações interpessoais, jovens, adultos

ABSTRACT

The literature is consensual regarding the importance of friendships throughout the lifecycle; most of the time for improvements in the quality of life. The aim of this study was to investigate and describe intimate friendship relationships between young adults. Participants were 98 young adults aged between 18 and 30. Sampling procedures were based on the Respondent Driven Sampling technique. The instrument was composed of three self-report questionnaires and data were analyzed quantitatively. Results showed homogeneity of characteristics among intimate friends, especially concerning gender. Companionship emerged as the most distinctive aspect of friendships. All friendship functions showed positive correlations with each other. There seems to be a filter of similarities in the friendships of young adults. Also, friendships that show good quality in one specific function tend to be good quality friendships as a whole.

Keywords: friendship, interpersonal relations, young adults, adults

RESUMEN

La literatura es consensual cuanto a la importancia de la amistad a lo largo del ciclo vital; en la mayor parte del tiempo, para la mejoría de la calidad de vida. Este estudio tuvo como objetivo investigar y describir las relaciones íntimas de amistad de adultos jóvenes. Participaron 98 adultos jóvenes de edades comprendidas entre 18 y 30 años. El muestreo estuvo basado en la técnica del Respondent Driven Sampling. Fueron utilizados tres cuestionarios auto-administrados y los datos fueron analizados cuantitativamente. Los resultados demostraron homogeneidad en las características entre amigos íntimos, especialmente para el género. El compañerismo se destacó como el aspecto más importante de la amistad. Todas las funciones de la amistad mostraron correlaciones positivas entre sí. Se concluye que hay un filtro de similitudes entre amigos en la adultez joven y que amistades que son buenas en un aspecto tienden a ser buenas amistades en su total.

Palabras clave: amistad, relaciones interpersonales, jóvenes, adultos

A amizade é uma forma de relacionamento que praticamente todos vivenciam com diferentes pessoas ao longo da vida. As relações de amizade são um fenômeno complexo e multifacetado com diversas definições na literatura (Bukowski, Newcomb, & Hartup, 1996; Bukowski, Motzoi, & Meyer, 2009; Souza & Hutz, 2007). A dificuldade em se definir a amizade reside não só em seu caráter multifacetado, mas também no fato de que as teorias sobre relacionamentos interpessoais costumam se direcionar às relações familiares e românticas. Os relacionamentos de amizade permanecem "a menos investigada das três áreas, carecendo de um maior número de pesquisas teóricas e empíricas" (Garcia, 2005, p. 285). Faltam teorias específicas, mais robustas e com bases teórica e empiricamente mais consolidadas para a amizade (Garcia, 2005; Souza & Hutz, 2008a).

Relações de amizade são encontradas, se não em todas, pelo menos na maioria das sociedades, e em geral durante as diversas fases da vida. Ainda que se manifestem de maneira diferente a depender do sistema cultural, as amizades trazem sempre presentes alguns aspectos, independente de onde ou em que época do ciclo vital se estabeleçam. Por exemplo, esta é uma forma de relacionamento voluntária que envolve apreço mútuo e reciprocidade. Amigos compartilham interesses, gostos ou outras características em comum. Além disso, amigos são comprometidos um com o outro, apresentam níveis mais altos de cooperação do que não-amigos e se ajudam mutuamente. Assim, a amizade pode ser caracterizada como uma relação bilateral íntima, mútua e voluntária (Bukowski et al., 2009; Krappmann, 1996; Lisboa & Koller, 2003).

Asher, Parker e Walker (1996) descrevem alguns requisitos consensualmente apontados como importantes para a formação e a manutenção de uma amizade. Os requisitos mais relevantes seriam: (a) disposição para investir tempo livre na amizade, (b) companheirismo, (c) reciprocidade, e (d) intimidade. Para além desses quatro, outros aspectos também importantes seriam a expressão adequada de cuidado, preocupação, admiração e afeição, ajuda, aconselhamento, conforto e apoio emocional, demonstração de confiança, lealdade e estratégias de resolução de conflito. Fehr (1996) realizou uma compilação de definições de amizade amplamente utilizadas na área da Psicologia do Desenvolvimento e, a partir dela, conceituou a amizade como "um relacionamento pessoal e voluntário, que propicia intimidade e ajuda, no qual as duas partes gostam uma da outra e buscam a companhia uma da outra" (p. 7).

A amizade se mostra um relacionamento significativo para as pessoas, que promove felicidade e satisfação com a vida por meio de recompensas instrumentais, apoio emocional e companheirismo (Argyle, 2001). Mendelson e Aboud (1999) identificaram e categorizaram seis diferentes funções componentes da amizade: (a) companheirismo estimulante, (b) ajuda, (c) intimidade, (d) aliança confiável, (e) autovalidação, e (f) segurança emocional. A função de companheirismo estimulante diz respeito ao engajamento conjunto em atividades agradáveis, divertidas e estimulantes. A ajuda trata do fornecimento de orientação, aconselhamento, assistência e outras formas de auxílio. A intimidade diz respeito à sensibilidade aos estados e necessidades do outro, proporcionando abertura para a expressão honesta de pensamentos, sentimentos e informações pessoais. A aliança confiável reflete disponibilidade e lealdade contínuas. A autovalidação envolve a função de tranquilizar, encorajar e ajudar o outro a manter uma autoimagem positiva. Por fim, a segurança emocional trata do fornecimento de conforto e confiança em situações novas ou ameaçadoras.

Analisando as definições e caracterizações presentes na literatura, os aspectos típicos dos relacionamentos de amizade podem ser categorizados em três esferas. Primeiro, uma esfera de caráter social, em que estão abarcadas características como companheirismo, lealdade e comprometimento. Segundo, uma esfera de caráter instrumental, em que se encaixam funções de ajuda, aconselhamento e trocas entre amigos. Terceiro, uma esfera de caráter afetivo, envolvendo a intimidade, o apreço mútuo e a afeição características às relações de amizade.

O processo desenvolvimental de um relacionamento de amizade depende da convergência de diferentes fatores: (a) ambientais - por exemplo, proximidade residencial, local onde se passa o dia e aspectos de comunicação na rede social; (b) situacionais - como interação, frequência de contato e disponibilidade; (c) individuais - aqui se encontram os critérios de inclusão e exclusão utilizados para eleger alguém como amigo; e (d) diádicos - entre os quais se destacam o apreço mútuo e a autorrevelação (Fehr, 1996). Dessa forma, as amizades estão sujeitas a constantes mudanças ao longo do ciclo vital, ocasionadas tanto por alterações em aspectos individuais ou interacionais-diádicos, como por diferentes configurações situacionais ou ambientais (Souza & Hutz, 2008b).

Uma vez estabelecido o relacionamento, as diferenças entre os tipos e níveis de amizade são determinadas por incrementos nas características associadas a ela. Por exemplo, os quesitos de intimidade, apoio e autorrevelação tendem a evoluir na medida em que os amigos se tornam mais próximos. Por isso, Souza e Hutz (2008b) defendem que as diferenças entre as amizades são muitas vezes mais quantitativas do que qualitativas. Assim, em um nível mais elevado de amizade - entre os chamados amigos próximos ou melhores amigos - , é encontrado um grau proporcionalmente maior de aceitação, apoio e intimidade.

Os relacionamentos de amizade têm a função de promover afeto, intimidade e confiança. Na infância, o relacionamento com os amigos serve ao processo de socialização saudável, tornando possível a elas experimentar e lidar com aspectos relacionais positivos, como a cooperação e o apoio social; e negativos, como o conflito e a competição (Daudt, Souza, & Sperb, 2007, Garcia, 2005). Para Lisboa e Koller (2003), a experiência de amor e afeto proveniente das relações de amizade é única no ciclo vital. As autoras argumentam, por exemplo, que as relações com os pais carregam uma expectativa social de que pais devem amar seus filhos, o que torna o afeto e a aceitação que uma criança experiencia na relação familiar diferente daqueles demonstrados livremente por um amigo.

Na adolescência, os relacionamentos de amizade proveem a principal fonte de intimidade dos jovens (Pereira & Garcia, 2007). Mais do que com a família, adolescentes passam boa parte dos seus dias com outros jovens, e utilizam muito do seu tempo de lazer em atividades de socialização com os amigos e grupos de pares (Oliveira, Camilo, & Assunção, 2003). De maneira geral, na infância e na adolescência os relacionamentos de amizade promovem o engajamento social, a cooperação e o manejo de conflitos. Além disso, entre amigos, o autoconceito e a autoestima, bem como o conhecimento sobre os outros e sobre o que os cerca são realçados. As amizades servem como recursos desenvolvimentais tanto emotivos quanto cognitivos que, entre outros benefícios, protegem os jovens durante a passagem por experiências negativas (Adams, Santo, & Bukowski, 2011; Bukowski et al., 1996).

Na literatura científica, estudos acerca da amizade infantil e adolescente têm recebido maior atenção, e os jovens adultos e adultos são menos investigados, principalmente no Brasil (Duarte & Souza, 2010; Souza & Hutz, 2008a, 2008b). Percebendo a carência de estudos sobre a amizade na adultez, Souza e Hutz (2008a, 2008b) investigaram essa forma de relacionamento especificamente nesta população. Os autores sustentam que, durante essa fase do ciclo vital, a amizade caracteriza-se por uma homogeneidade em diversos aspectos, como sexo, idade, estado civil, escolaridade, status ocupacional, renda, religião, etnia, traços de personalidade, interesses e atividades compartilhados. Além disso, as amizades no início da idade adulta se estreitam e se fortalecem na medida em que os jovens se afastam das suas famílias (Peron, Guimarães, & Souza, 2010). O número de amigos parece estar em seu auge nos primeiros anos da adultez jovem, reduzindo-se na passagem para a adultez intermediária (DeSousa & Cerqueira-Santos, 2011).

Outros estudos brasileiros recentes também se dedicaram à pesquisa sobre relacionamentos de amizade em populações acima dos 18 anos. Duarte e Souza (2010) conduziram uma pesquisa com universitários com idades entre 18 e 30 anos, por meio da qual identificaram algumas características relevantes à amizade para pessoas nessa faixa etária. Entre essas características, destacaram-se aspectos positivos como a confiança, a intimidade compartilhada, o respeito e a aceitação, e também aspectos negativos, como conflitos e submissão. Gomes e Silva Júnior (2007) acompanharam trabalhadores de cooperativas populares com mais de 20 anos, investigando suas relações de amizade. Os autores discutem que a solidariedade e o comprometimento existentes entre amigos proporcionavam acolhida, força, cuidado e apoio entre os membros das cooperativas, fortalecendo os vínculos e o engajamento na comunidade.

É de grande interesse e relevância que seja estudada a maneira como as relações de amizade se constituem nas diferentes etapas do ciclo vital. Como discutido, amigos desempenham um importante papel para melhorias na qualidade de vida das pessoas. Por exemplo, as relações de amizade se mantêm como grandes provedoras de apoio social na adultez. Tal apoio se mostra um importante recurso de coping, auxiliando a lidar com doenças impactantes como o câncer (Santana, Zanin, & Maniglia, 2008) e doenças coronarianas (Abreu-Rodrigues & Seidl, 2008), assim como a enfrentar crises em geral por meio do fornecimento de suporte emocional e prático/instrumental (DeSousa & Cerqueira-Santos, 2012).

Concorda-se com Souza e Hutz (2007) quanto ao fato de que os relacionamentos de amizade "merecem atenção com o estudo de seus processos e dimensões, e na investigação da percepção da qualidade através das suas funções, satisfação e sentimentos relacionados" (p. 94). Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo investigar e descrever características dos relacionamentos íntimos de amizade de jovens adultos. A adultez jovem foi compreendida como o período entre o final da adolescência e o início dos 30 anos (Rawlins, 1992).

Método

Participantes

Foram recrutados para participar do estudo 124 jovens adultos com idade entre 18 e 30 anos. A coleta de dados teve início com quatro sementes - dois homens e duas mulheres, para fins de comparação e manutenção de uma distribuição igualitária inicial. Por meio da técnica do Respondent Driven Sampling (RDS), foram contatados os 124 prováveis participantes, representando o tamanho da amostra após atingir a quinta onda no desenho da pesquisa. No entanto, 26 pessoas contatadas não puderam participar ou não devolveram os questionários até o prazo estabelecido. A amostra final foi composta, portanto, por 98 participantes (45,9% homens).

Como explicam Goel e Salganik (2009), o RDS é uma nova abordagem de amostragem, concebida para uso em populações de difícil acesso, que vem alcançando grande popularidade internacional. Neiva-Silva (2010) descreve que esse método utiliza tecnologias inovadoras a partir dos princípios da teoria de Markov. Os dados são coletados por meio de um mecanismo de bola de neve, no qual os próprios membros da amostra recrutam novos participantes.

O estudo começa com o recrutamento de poucas pessoas que se encaixem no perfil da população-alvo - as sementes. Depois de sua participação, pede-se que cada semente indique pessoas conhecidas suas que se encaixem no perfil-alvo para participar. A amostragem continua dessa forma até que se alcance o tamanho desejado da amostra. As sementes constituem a chamada 1ª onda, as pessoas recrutadas por elas compõem a 2ª onda, e assim por diante. Esse processo resulta em uma rede de recrutamento com características próprias que anulam possíveis vieses presentes na escolha inicial das sementes (Goel & Salganik, 2009).

Embora a população-alvo deste trabalho não seja uma população de difícil acesso, o delineamento baseado no RDS se mostrou útil porque, como resume Neiva-Silva (2010), ele produz uma amostra final independente daqueles que a iniciaram e traz informações de boa qualidade de forma rápida. Além disso, tal técnica considera a característica de redes sociais da amostra. Existe uma lacuna nos trabalhos sobre relacionamentos de amizade quanto a esse aspecto (Bukowski et al., 1996).

Instrumento

O instrumento foi desenvolvido com base no utilizado por Souza e Hutz (2008a), feitas algumas alterações. Na primeira parte questionam-se quais as três primeiras palavras que vêm à cabeça quando se pensa em amizade e o que é amizade para o participante. Também se pede que o participante indique amizades próximas (definidas como amizades que se destacam das demais e limitadas a doze indicações) e depois especifique entre elas quantas são do sexo masculino e do sexo feminino, e quantas moram atualmente na mesma cidade em que ele. Em seguida, pede-se que o participante indique uma melhor amizade, sobre a qual são requisitadas algumas informações específicas: (a) sexo, (b) tempo de amizade, (c) local onde se conheceram, (d) se residem na mesma cidade, (e) se há outra forma de relação atual com ela, (f) se a pessoa indicada sabe que é a melhor amizade do participante, e (g) a frequência semanal de contato pessoalmente, por telefone, via e-mail e pela internet.

A segunda parte traz os questionários McGill, adaptados para o Brasil por Souza e Hutz (2007) para uso com população adulta. Os questionários McGill são utilizados para avaliar a qualidade da amizade segundo a categorização descrita por Mendelson e Aboud (1999). A versão brasileira apresentou boas propriedades psicométricas em seu estudo de adaptação. A estrutura fatorial encontrada foi similar à original, com seis fatores relativos às seis funções teoricamente subjacentes ao construto da amizade no instrumento. Essa solução explicou 57,6% da variância no estudo, e todos os seis fatores apresentaram bons níveis de consistência interna (alphas de Cronbach entre 0,73 e 0,81). Compõem ainda os questionários duas escalas unifatoriais: uma acerca dos sentimentos positivos (alpha de Cronbach = 0,71) e outra sobre os sentimentos negativos (alpha de Cronbach = 0,84) associados à melhor amizade (Souza & Hutz, 2007). Por fim, a terceira parte do instrumento aborda o participante sobre a existência de outras melhores amizades (limitadas a cinco indicações) e o sexo destas, e colhe informações biossociodemográficas sobre o respondente.

Procedimentos

Coleta de dados. O instrumento era autoaplicado e sua aplicação era realizada individualmente, em local e horário previamente acertados com o participante. As quatro sementes escolhidas (1ª onda) responderam o instrumento e foram requisitadas a indicar, cada uma, dois outros nomes para participar do estudo, preferencialmente entre os que apontaram como amizades próximas no questionário. Esse procedimento teve por finalidade manter o caráter de rede social promovido pelo RDS. As oito pessoas que as sementes indicaram (2ª onda) foram contatadas para agendar horário e local de aplicação do instrumento, caso consentissem em participar.

Seguindo o mesmo procedimento, cada um dos novos respondentes indicou mais dois amigos para participar do estudo, somando 16 componentes para 3ª onda, 32 para a 4ª onda e 64 para a 5ª e última onda. Desde o primeiro contato com os participantes, era garantida a eles a compreensão das características da pesquisa e dos seus direitos como respondente, inclusive o caráter voluntário da participação e o sigilo das informações. A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era requisito para a participação. Nos casos em que o amigo indicado não residia na cidade do estudo, estava viajando ou quando o contato pessoal com ele não foi possível, a aplicação do instrumento foi realizada via e-mail, após contato por telefone para a devida apresentação e o recrutamento para participação na pesquisa. Nesses casos, o termo de consentimento foi enviado para que o participante o assinasse e digitalizasse para devolução ou, quando tal procedimento não se mostrou possível, o consentimento foi firmado via corpo de texto do e-mail.

Análise dos dados. Os dados foram submetidos a tratamento quantitativo. Foram realizadas análises estatísticas descritivas, por meio do levantamento de frequências, médias e desvios-padrão, assim como análises bivariadas (qui-quadrado, teste t de Student e correlação de Pearson). Foram também desenvolvidos gráficos descritivos representativos de determinadas características da amostra. A finalidade desses gráficos foi permitir a análise visual da distribuição dessas características nas redes sociais formadas a partir da amostragem por RDS.

Considerações Éticas

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe (protocolo de aprovação número 338/2010).

Resultados

A faixa etária dos participantes variou dos 18 aos 30 anos (M = 23,01, DP = 6,57). Quanto à escolaridade, a maioria possuía ensino superior incompleto (75,5%). Em consonância com a escolaridade mais frequente, a maior parte da amostra relatou a ocupação de estudante ou estagiário (67,3%). Os demais participantes relataram diversas profissões. Acerca da religião que professam, 46,9% dos participantes se afirmaram católicos. Quanto ao estado de relacionamento, 53% estavam solteiros e os 47% restantes estavam envolvidos em alguma forma de relacionamento estável, seja namoro, noivado ou casamento. Para os comprometidos, o tempo médio de relacionamento foi de 31,6 meses (DP = 30,13 meses).

Houve diferenças significativas na forma como homens e mulheres se distribuíram na rede social de amizades apontadas pelos participantes. Homens costumaram indicar mais homens como amizades próximas e mulheres, mais mulheres. Em termos de frequência, 74,1% dos homens foram indicados por outros homens e 22,2% por mulheres - os 3,7% restantes foram as duas sementes do sexo masculino. Em contrapartida, 71,4% das mulheres foram indicadas por outras mulheres e 25,7% por homens - as outras 2,9% foram as duas sementes do sexo feminino, χ2 = 30,07, gl = 2, p < 0,001.

Analisando a configuração das redes sociais quanto à idade dos participantes, pôde-se notar uma tendência a apontar pessoas com idades próximas como amigos íntimos entre as ondas da amostragem. Formaram-se agrupamentos de pessoas mais jovens e de pessoas mais velhas nas redes. Realizou-se uma ANOVA para fins de comparação das médias de idade dos participantes provenientes de cada semente do estudo, e as diferenças encontradas entre os grupos foram significativas, F(3,94) = 17,60, p < 0,001. Houve diferenças entre a semente A e as sementes B e D, entre a semente A e a semente C, e entre as sementes B e D e a semente C. A semente A gerou uma rede com idade média de 25,59 anos (DP = 2,00), maior média entre as quatro sementes. A semente D gerou uma média de 24,08 anos (DP = 3,37), que não se diferenciou significativamente da média da semente B de 23,15 anos (DP = 2,05). Por fim, a menor média, 20,53 anos (DP = 2,19), foi gerada pela semente C.

Por outro lado, quanto ao estado de relacionamento dos participantes, não foram encontradas diferenças significativas entre as indicações daqueles que se declararam solteiros e daqueles que disseram estar envolvidos em algum relacionamento estável - namoro, noivado ou casamento. Em termos de frequência, 55,8% dos solteiros foram indicados por outros solteiros e 40,4% por compromissados - os 3,8% restantes foram duas sementes solteiras. Em contrapartida, 43,5% dos compromissados foram indicados por outros compromissados e 52,2% por solteiros - os outros 4,3% foram duas sementes compromissadas. Essas diferenças não alcançaram significância estatística, χ2 = 0,13; gl = 2; p = 0,937.

Acerca das três primeiras palavras que lhes vinham à cabeça quando pensavam em relacionamentos de amizade, a maioria dos participantes (65,3%) citou "companheirismo" e palavras relacionadas ao seu campo semântico (e. g. cumplicidade, parceria, fraternidade e irmandade). Em segundo lugar, veio "confiança" (44,9%), seguida de "sinceridade" (29,6%) e "respeito" (24,5%). Outras palavras citadas frequentemente foram "lealdade/compromisso" (22,4%), "alegria/diversão/felicidade" (19,4%), "amor" (17,3%), "afeto/carinho" (15,3%) e "apoio/ajuda" (15,3%).

A média do número de amizades íntimas dos participantes foi de 7,82 (DP = 2,85), com mínimo de duas amizades e máximo de 12 (número limite oferecido no questionário). A média dessas amizades que se destacam residindo na mesma cidade em que o participante foi de 5,88 (DP = 3,21).

Quanto às melhores amizades elencadas pelos participantes, apenas 8,2% deles (n = 8) disseram não ter melhor ou melhores amigos. A maior parte da amostra disse ter um (9,2%, n = 9) ou mais de um melhor amigo (82,6%, n = 81). Dentre os que relataram ter melhores amigos, a média de melhores amizades apontadas foi de 3,67 (DP = 1,64), com mínimo de uma melhor amizade e máximo de seis (número limite oferecido no questionário).

Os demais resultados versam sobre a melhor amizade escolhida pelo participante (nos casos em que o indivíduo relatava não ter melhor ou melhores amizades, pedia-se que, ainda assim, ele escolhesse uma amizade que mais se destacasse). A Tabela 1 traz um resumo das características das melhores amizades avaliadas. O tempo de melhor amizade variou entre um mínimo de 13 meses e máximo de 360 meses. Com relação à idade dos participantes, aqueles que moravam na mesma cidade dos seus melhores amigos foram significativamente mais jovens: tiveram uma média de 22,64 anos (DP = 3,14); enquanto que os que moravam em cidades diferentes tiveram uma média de 23,93 anos (DP = 2,67), t96,98 = 1,91; p = 0,060.

Na análise das qualidades da melhor amizade, foram criados índices com base nas indicações dadas por Souza e Hutz (2007). Para cada função da amizade investigada (segurança emocional, intimidade, aliança confiável, companheirismo, ajuda e autovalidação), foi criado um índice com amplitude de 0 a 20, uma vez que cada fator é composto por cinco itens do instrumento que podem receber um valor de zero a quatro cada, segundo uma escala Likert que vai de "nunca" (0) a "sempre" (4). A escala de sentimentos positivos e a escala de sentimentos negativos em relação à amizade foram avaliadas como fatores únicos cada uma. Dessa forma, foram criados dois índices: o índice de sentimentos positivos em relação à melhor amizade (ISPA), com uma amplitude de 0 a 52, correspondendo aos 13 itens da escala; e o índice de sentimentos negativos (ISNA), com uma amplitude de 0 a 72.

Na amostra, o fator aliança confiável obteve a maior média dentre as funções da amizade (M = 19,20, DP = 1,58), seguido do fator intimidade (M = 17,41, DP = 2,50). O terceiro fator com maior média foi o companheirismo (M = 17,24, DP = 2,33), seguido dos fatores segurança emocional (M = 16,84, DP = 2,91) e autovalidação (M = 16,53, DP = 3,14). O fator com menor índice médio na amostra total foi o fator ajuda (M = 15,95, DP = 3,03). Para o ISPA, a média da amostra foi de 50,57 (DP = 2,57), e para o ISNA, 13,78 (DP = 7,38).

A Tabela 2 apresenta as análises de correlação de Pearson acerca da idade, número de amizades íntimas, melhores amizades e funções e qualidades da melhor amizade dos participantes, trazendo os valores e a significância dessas correlações. O número de amizades íntimas apresentou uma correlação negativa significativa com a idade dos participantes. De forma similar, foi encontrada uma correlação negativa significativa entre a idade e o número de amigos íntimos na mesma cidade. Considerando apenas as melhores amizades elencadas, também houve uma correlação negativa significativa com a idade, embora mais fraca.

A aliança confiável demonstrou uma correlação positiva significativa com o tempo de melhor amizade e uma correlação negativa significativa com a frequência de contato pessoal com o melhor amigo. A ajuda também se correlacionou positivamente de maneira significativa com o contato com a melhor amizade. Por fim, a autovalidação se correlacionou significativamente de forma positiva com a idade dos participantes (Tabela 2).

Todas as seis funções da amizade demonstraram correlações positivas significativas entre si. Quanto aos sentimentos em relação à melhor amizade, o ISPA se correlacionou positivamente de forma significativa com as funções intimidade, companheirismo, aliança confiável e ajuda. Além disso, o ISPA ainda se correlacionou negativamente de forma significativa com o ISNA. O ISNA, por sua vez, correlacionou-se significativamente apenas com a função companheirismo, com valência negativa (Tabela 2).

Discussão

Com relação às amizades íntimas elencadas pelos participantes, os resultados demonstraram um percentual significativo de amizades com pessoas do mesmo sexo. Como anteriormente referido, entre adultos, a amizade se caracteriza por uma homogeneidade em diversos aspectos, dentre eles o sexo (Souza & Hutz, 2008b). Os dados encontrados no presente estudo quanto a esse quesito são similares aos achados empíricos de outro estudo com amostra brasileira de adultos (Souza & Hutz, 2008a).

Outros aspectos como a idade, a cidade onde residem, a escolaridade e a ocupação demonstraram o mesmo padrão de homogeneidade entre amigos adultos. Na análise das redes, foram perceptivos agrupamentos de pessoas mais jovens e de pessoas mais velhas nas indicações de amizades dos participantes. Quanto ao local onde moram, a maioria dos participantes reside na cidade de realização do estudo (86,9%). Nas questões de escolaridade e ocupação, a maioria da amostra foi composta por pessoas de ensino superior incompleto (75,5%), que relatavam ocupações de estudante ou estagiário (67,3%).

Por outro lado, alguns dados do presente estudo foram de encontro a esse filtro de similaridade. Aspectos como o estado de relacionamento e a religião não demonstraram homogeneidade na amostra. Pela análise das redes, por exemplo, os participantes que estavam comprometidos indicavam amizades "não comprometidas" tão frequentemente quanto indicavam outros amigos comprometidos, e vice-versa.

Tais resultados poderiam sugerir que a amizade entre adultos realmente segue uma homogeneidade, mas talvez não de forma tão abrangente, existindo aspectos que escapariam a essa tendência. No entanto, essas diferenças também podem ter se dado por conta de questões específicas à forma de amostragem utilizada - o RDS. Por exemplo, o estudo de Souza e Hutz (2008a) se baseou em uma amostragem por conveniência com maior número de participantes universitários, encontrando resultados diversos nesse quesito. Novos estudos são necessários para se acrescentar à literatura da área dados acerca dessas questões.

As palavras mais citadas pelos participantes como as primeiras que lhes vinham à cabeça quando pensavam em relacionamentos de amizade estiveram de acordo com os estudos discutidos na revisão da literatura acerca de quais as características essenciais constituintes dessa forma de relacionamento interpessoal (Asher et al., 1996; Bukowski et al., 2009; Duarte & Souza, 2010; Krappmann, 1996; Mendelson & Aboud, 1999). Essas palavras podem ser identificadas entre as três esferas de caráter da amizade discutidas: social (companheirismo, confiança, sinceridade, honestidade, respeito, lealdade, compromisso), instrumental (apoio, ajuda) e afetiva (amor, afeto, carinho). Embora os dados do presente estudo não permitam generalizações, eles podem ser analisados como exemplos de que a representação que jovens adultos têm do que é ser amigo parece andar em conjunto com o entendimento teórico acerca dos relacionamentos de amizade.

Neste estudo, os participantes mais jovens indicaram mais amigos íntimos que aqueles mais velhos. Este dado esteve em consonância com a ideia de que o número de amigos está em seu auge nos anos iniciais da vida adulta e vai se reduzindo com o avanço da idade (DeSousa & Cerqueira-Santos, 2011). A relação encontrada entre um maior número de amigos íntimos morando na mesma cidade para os participantes mais jovens sugere que boa parte das amizades mais íntimas é formada antes da idade adulta. Assim, levanta-se a hipótese de que, por diversos motivos relacionados a características dessa fase do ciclo vital, as pessoas podem se mudar da cidade onde vivem, mas ainda carregar com elas as suas amizades antigas, o que teria levado os participantes mais velhos a indicar menos amigos residindo nas mesmas cidades em que eles.

A média do tempo de melhor amizade dos participantes foi de mais de nove anos. Considerando que a média de idade foi de 23 anos, a média do tempo de melhor amizade atingiu mais de um terço da média de idade dos participantes. Percebe-se que, para um relacionamento ser considerado melhor amizade, as pessoas costumam levar em consideração que ele seja um relacionamento duradouro. Se compararmos, por exemplo, o tempo de melhor amizade à média do tempo dos relacionamentos conjugais dos participantes que estavam comprometidos (pouco mais de dois anos e meio), nota-se que, nesta amostra, as melhores amizades foram relacionamentos de duração mais longa que os relacionamentos amorosos. Embora os dados não possam ser generalizados para a população em geral, este resultado sugere que existem diferenças quanto ao tempo de duração para tipos diferentes de relacionamentos interpessoais.

Com respeito aos locais onde os participantes conheceram seus melhores amigos, os contextos mais indicados foram aqueles que propiciam elevada frequência de contato, como colégio, família e vizinhança. Esses ambientes são férteis à formação de amizades e ao seu desenvolvimento, proporcionando, inclusive, a passagem do status de amizade próxima ao de melhor amizade (Souza & Hutz, 2008a). Tratando especificamente do colégio como local mais mencionado, Bukowski et al. (1996) afirmam que os anos escolares propiciam o desenvolvimento de amizades duradouras em função do surgimento de aspectos como lealdade e confiança, decorrentes do desenvolvimento social, afetivo e cognitivo dos indivíduos durante essa fase.

Além disso, a maioria dos participantes morava na mesma cidade que sua melhor amizade. Para Souza e Hutz (2008a), a proximidade residencial é um fator ambiental importante para a formação da amizade e também para seu desenvolvimento, incluindo a passagem do status de amizade próxima para melhor amizade. Na amostra estudada, os participantes residentes em cidades distintas dos seus melhores amigos foram significativamente mais velhos. Pode-se novamente propor a hipótese de que parte das amizades mais próximas é formada antes da idade adulta e, por vezes, as necessidades da adultez levam o indivíduo a se mudar, fazendo com que passem a residir em uma cidade diferente daquela do seu melhor amigo.

Outro resultado encontrado indicou que, na amostra, quanto maior o tempo em que o participante e sua melhor amizade se conheciam, mais forte era função de aliança confiável. Esse resultado sustenta a ideia de que amizades mais antigas se fortalecem, demonstrando qual especificamente é a característica fortalecida - neste caso, a lealdade e disponibilidade frente ao melhor amigo. Houve também uma correlação inversa entre a função de aliança confiável e o contato pessoal com a amizade. Esse achado pode ser interpretado da seguinte forma: uma melhor amizade com maior nível de aliança entre os amigos dispensa contatos muito frequentes, pois ambos já se sabem leais e comprometidos um com o outro. Já a função de ajuda se mostrou diretamente relacionada à frequência de contato com a melhor amizade, tanto pessoal quanto por telefone. Isso provavelmente porque, para solicitar ajuda do amigo, é necessário entrar em contato com ele - ao passo que o comprometimento da aliança confiável, depois de firmado, não precisa ser reiterado constantemente.

O fato de todas as seis funções da amizade terem apresentado correlações positivas significativas entre si e com o índice geral de funções da amizade dá suporte à seguinte premissa: quanto maior o nível da melhor amizade em determinada função essencial desse tipo de relacionamento, provavelmente também maior serão os níveis dessa mesma amizade em outras funções. Boas amizades em determinado aspecto na verdade costumam ser boas amizades em seu total, e amizades que carecem de uma das funções também tenderão a apresentar outros aspectos fragilizados. Ainda que elas possam ser separadas para fins de análise, todas as funções são recorrentes nos relacionamentos de amizade e trazem uma relação bastante forte entre elas (Duarte & Souza, 2010).

As funções mais diretamente relacionadas aos sentimentos positivos em relação à melhor amizade foram as funções de companheirismo e intimidade, seguidas das funções de aliança confiável e ajuda. Já as funções de segurança emocional e autovalidação não apresentaram relações fortes com os sentimentos positivos para com a melhor amizade. Novos estudos podem tentar investigar o porquê dessas diferenças entre as funções específicas da amizade e os sentimentos positivos experimentados pelas pessoas em relação ao amigo.

Como poderia se esperar, os sentimentos positivos associados à amizade também se mostraram inversamente relacionados aos sentimentos negativos. Por outro lado, é bastante interessante o resultado que apontou que o índice de sentimentos negativos se correlacionou negativamente apenas com a função companheirismo. Conforme esse achado, os sentimentos negativos em relação ao amigo, de forma geral, não parecem influenciar nas funções da amizade ou vice-versa. Por exemplo, melhores amizades mais fortes podem apresentar o mesmo nível de sentimentos negativos que amizades mais frágeis. Esse resultado sugere que é possível sentir afetos negativos pelos amigos sem que isso afete o quanto as amizades respondem à maioria de suas funções.

Considerações Finais

O presente estudo se propôs a investigar os relacionamentos de amizade íntima da rede social de jovens adultos. Atentou-se à necessidade apontada por Garcia (2005) de maior número de pesquisas teóricas e empíricas acerca dos relacionamentos de amizade no Brasil e à carência discutida por Bukowski et al. (1996) sobre a consideração da noção de rede social nas pesquisas sobre amizade.

Com relação à configuração das relações de amizade íntima dentro das redes sociais, foram encontrados resultados condizentes com a ideia do filtro de similaridade e homogeneidade entre amigos adultos (Souza & Hutz, 2008b) em diversos quesitos, principalmente para o sexo das amizades próximas; embora os dados também tenham apontado para algumas diferenças. Essa contradição pode estar relacionada à técnica de amostragem utilizada para recrutamento dos participantes, diferente daquelas utilizadas por outros estudos sobre o tema com adultos (Duarte & Souza, 2010; Souza & Hutz, 2008a). Novas investigações podem ajudar a esclarecer essas diferenças.

O presente trabalho apresenta limitações. A principal limitação diz respeito ao fato de que a amostra, embora possibilite a análise dos relacionamentos de amizade dentro de uma rede social, não é representativa da população de jovens adultos em geral. Assim, generalizações não podem ser realizadas sem ressalvas e as conclusões tiradas a partir da discussão dos resultados devem sempre levar em consideração possíveis peculiaridades da amostra. Essa limitação deve ser encarada como incentivo para futuras pesquisas na área. Em especial, estudos que utilizem técnicas de amostragem aleatória e investiguem amostras representativas da população geral seriam de grande interesse para aumentar o poder de generalização de achados na área e a compreensão das diferenças entre os resultados de estudos mais focais.

Novas investigações podem ainda focalizar outros componentes do desenvolvimento humano no estudo dos relacionamentos de amizade. Por exemplo, características individuais como a personalidade dos indivíduos e suas histórias ontogenéticas. Além disso, outro aspecto importante não abarcado a fundo neste estudo diz respeito ao papel da internet e das relações cibernéticas e redes sociais virtuais nos relacionamentos de amizade. Estudos demonstram que o emprego da internet afeta diferentes aspectos das amizades de jovens, como a rede de amigos, o contato, a comunicação, a intimidade e a proximidade (Pylro, 2007). Assim, seriam proveitosos trabalhos que investigassem em profundidade o papel do mundo on-line nos relacionamentos de amizade na adultez e na adultez jovem, uma vez que as expectativas relacionadas à amizade variam ao longo do ciclo vital (Bukowski et al., 2009).

Os resultados apresentados suscitam novas questões e implicam a necessidade de que investigações futuras analisem de forma mais detalhada alguns pontos trabalhados aqui, bem como cubram outros aspectos não abarcados no presente trabalho. Os participantes deste estudo guardam algumas características contextuais próprias e os resultados encontrados podem estar condicionados a esse contexto. Novos estudos com populações em situação de vulnerabilidade social, populações não-urbanas, ou populações de diferentes classes sociais, por exemplo, podem encontrar resultados distintos, sendo assim válido sugerir que replicações abordem diferentes contextos de desenvolvimento humano para os relacionamentos de amizade na adultez jovem.

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Recebido: 25/01/2011

1ª revisão: 23/03/2012

2ª revisão: 20/04/2012

Aceite final: 27/08/2012

Diogo Araújo DeSousa é mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Elder Cerqueira-Santos é Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe.

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  • Endereço para correspondência:
    Diogo Araújo De Sousa
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Jan 2011
    • Aceito
      27 Ago 2012
    • Revisado
      20 Abr 2012
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