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Leitura mediada com enfoque sociocognitivo: avaliação de uma pesquisa-intervenção

La lectura mediada con enfoque socio cognitivo: evaluación de una investigación-intervención

Resumos

Este estudo teve como objetivo avaliar a efetividade de um programa dirigido a diversificar a prática docente de contar histórias e a promoção indireta da compreensão infantil dos estados mentais e do processamento de informação social. Participaram 5 docentes e 57 alunos com média de 6 anos de idade de uma escola pública. As docentes foram capacitadas e pré e pós-avaliadas por questionários que investigaram concepções sociocognitivas e o impacto da capacitação sobre a prática de leitura mediada. Aspectos sociocognitivos e a atribuição dos termos mentais infantis foram avaliados mediante a análise da leitura de dois livros. Foi utilizado um diário de campo para documentar as observações semanais. Evidenciou-se aperfeiçoamento docente na seleção de livros e na exploração dos termos mentais nas narrativas e, quanto aos alunos, diferenças significativas quanto à linguagem mentalista e aprimoramento do processamento de informação social. Conclui-se pela viabilidade de se implementar a leitura mediada com enfoque sociocognitivo na escola.

teoria da mente; cognição social; formação de professores; leitura


El objetivo fue evaluar la efectividad del programa destinado a la diversificación de prácticas de enseñanza de narración y promoción indirecta de comprensión infantil de estados mentales y procesamiento de información social. Participaron cinco profesores y 57 estudiantes con edad promedia de 6 años en una escuela pública. Profesores fueron evaluados antes y después de la capacitación por cuestionarios que investigaron el impacto de la formación socio-cognitivo en la práctica de lectura mediada. Aspectos sociocognitivos y asignación de términos mentales de los niños fueron evaluados mediante análisis de la lectura de dos libros. Se utilizó un diario de campo para documentar observaciones semanales. Hubo evidencias de mejora de la enseñanza: selección de libros, explotación de relatos y condiciones mentales, para los alumnos, diferencias significativas en lenguaje mental y mejora del procesamiento de información social. Los resultados confirmaron la viabilidad de la aplicación del enfoque socio-cognitivo de lectura mediada en la escuela.

teoría de la mente; cognición social; formación de profesores; lectura


This study's objective was to evaluate the effectiveness of a program designed to diversify teachers' storytelling practices and indirectly promote children's understanding of mental states and social information processing. Five teachers and 57 students, aged six years old on average, attending a public school, participated in the study. Teachers were trained and pre- and post-tested through questionnaires addressing social-cognitive conceptions and the impact of qualification on their mediated reading practices. The social-cognitive aspects and the attribution of children's mental terms were evaluated during the reading of two books. A field diary was used to document weekly observations. The results revealed teaching improvement in selecting books and in exploring mental terms during narratives. In regard to the students, significant differences were found in the use of mental language and social information processing. The conclusion is that conducting mediated reading with a social-cognitive focus is feasible in schools.

theory of mind; social cognition; teacher education; reading


ARTIGO

Leitura mediada com enfoque sociocognitivo: avaliação de uma pesquisa-intervenção

Mediated reading with a social cognitive approach: assessment of a research intervention

La lectura mediada con enfoque socio cognitivo: evaluación de una investigación-intervención

Marisa Cosenza RodriguesI; Nathalie Nehmy RibeiroI; Priscila Campos CunhaII

IUniversidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora-MG, Brasil

IIUniversidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marisa Cosenza Rodrigues. Praça Jarbas de Lery, 37/103. CEP 36.016-390. Juiz de Fora-MG, Brasil. E-mail: rodriguesma@terra.com.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar a efetividade de um programa dirigido a diversificar a prática docente de contar histórias e a promoção indireta da compreensão infantil dos estados mentais e do processamento de informação social. Participaram 5 docentes e 57 alunos com média de 6 anos de idade de uma escola pública. As docentes foram capacitadas e pré e pós-avaliadas por questionários que investigaram concepções sociocognitivas e o impacto da capacitação sobre a prática de leitura mediada. Aspectos sociocognitivos e a atribuição dos termos mentais infantis foram avaliados mediante a análise da leitura de dois livros. Foi utilizado um diário de campo para documentar as observações semanais. Evidenciou-se aperfeiçoamento docente na seleção de livros e na exploração dos termos mentais nas narrativas e, quanto aos alunos, diferenças significativas quanto à linguagem mentalista e aprimoramento do processamento de informação social. Conclui-se pela viabilidade de se implementar a leitura mediada com enfoque sociocognitivo na escola.

Palavras-chave: teoria da mente, cognição social, formação de professores, leitura

ABSTRACT

This study's objective was to evaluate the effectiveness of a program designed to diversify teachers' storytelling practices and indirectly promote children's understanding of mental states and social information processing. Five teachers and 57 students, aged six years old on average, attending a public school, participated in the study. Teachers were trained and pre- and post-tested through questionnaires addressing social-cognitive conceptions and the impact of qualification on their mediated reading practices. The social-cognitive aspects and the attribution of children's mental terms were evaluated during the reading of two books. A field diary was used to document weekly observations. The results revealed teaching improvement in selecting books and in exploring mental terms during narratives. In regard to the students, significant differences were found in the use of mental language and social information processing. The conclusion is that conducting mediated reading with a social-cognitive focus is feasible in schools.

Keywords: theory of mind, social cognition, teacher education, reading

RESUMEN

El objetivo fue evaluar la efectividad del programa destinado a la diversificación de prácticas de enseñanza de narración y promoción indirecta de comprensión infantil de estados mentales y procesamiento de información social. Participaron cinco profesores y 57 estudiantes con edad promedia de 6 años en una escuela pública. Profesores fueron evaluados antes y después de la capacitación por cuestionarios que investigaron el impacto de la formación socio-cognitivo en la práctica de lectura mediada. Aspectos sociocognitivos y asignación de términos mentales de los niños fueron evaluados mediante análisis de la lectura de dos libros. Se utilizó un diario de campo para documentar observaciones semanales. Hubo evidencias de mejora de la enseñanza: selección de libros, explotación de relatos y condiciones mentales, para los alumnos, diferencias significativas en lenguaje mental y mejora del procesamiento de información social. Los resultados confirmaron la viabilidad de la aplicación del enfoque socio-cognitivo de lectura mediada en la escuela.

Palabras clave: teoría de la mente, cognición social, formación de profesores, lectura

Sob a ótica contemporânea da ciência da prevenção, programas proativos implementados nas escolas devem focalizar estratégias que priorizem o incremento de fatores de proteção tanto individuais quanto contextuais. Tais programas tendem a produzir efeitos benéficos, como a minimização de problemas emocionais, sociais e comportamentais nas crianças (Murta, 2007). Em particular, há evidências de efeitos significativos de intervenções promotoras do desenvolvimento de habilidades psicossociais (Cunha & Rodrigues, 2010). A promoção do desenvolvimento sociocognitivo, ou seja, a estimulação da capacidade infantil de compreensão do mundo social insere-se como uma das possíveis vertentes.

Nesse âmbito, assume relevância a área da teoria da mente, definida, de maneira geral, como aquela dedicada a investigar a habilidade das crianças de explicar e de predizer suas ações, seus estados mentais e o dos outros, tais como pensamentos, desejos, emoções e intenções (Lyra, Roazzi, & Garvey, 2008). Estimulados por psicólogos do desenvolvimento e cognitivistas interessados em explicar quando e como a criança adquire essa compreensão sociocognitiva, consideráveis progressos vêm sendo conquistados nesse domínio do conhecimento. Contudo, estudos envolvendo suas implicações concretas no cotidiano infantil ainda merecem especial atenção. Nesse sentido, como ressalta Souza (2008), a relação entre linguagem e teoria da mente, bem como aspectos relacionados à escolarização, como discutem Rodrigues e Pires (2010), parecem bastante promissores. Astington e Baird (2005) e Astington e Pelletier (2000) argumentam que a linguagem é o elemento que dá suporte ao desenvolvimento da compreensão dos estados mentais.

Várias pesquisas de intervenção (Domingues & Maluf, 2010) indicam que o desenvolvimento da teoria da mente pode ser facilitado nas crianças por meio do uso apropriado da linguagem. Justificando a importância da sua estimulação na infância, Valério (2008) salienta que parte do sucesso nas relações sociais depende das habilidades de reconhecer, de imaginar e de compreender os próprios estados mentais e os de outras pessoas. Para Souza (2008), deve-se ampliar o olhar e pensar de que forma as interações sociais iniciais da criança podem contribuir ou não para o desenvolvimento de uma teoria da mente. A linguagem cotidiana é importante nesse sentido, pois tende a fomentar a utilização de termos voltados para os estados mentais (Rodrigues & Pires, 2010). Pesquisas evidenciam que a família e a escola podem viabilizar o favorecimento desta linguagem por meio de um recurso bastante acessível e potencialmente rico: os livros de histórias infantis (Adrian, Clemente, & Villanueva, 2007; Meins, Fernyhough, Johnson, & Lidstone, 2006). Nesse contexto, destacam-se as situações interativas estabelecidas durante a leitura de livros infantis na medida em que podem estimular a criança a identificar e a explorar termos referentes aos estados mentais dos personagens, em dois diferentes estilos de narrativas, a narrativa por imagem (Sabbagh & Callanan, 1998) e a textual (Dyer, Shatz, & Wellman, 2000).

No que tange ao contexto escolar e, de modo mais específico, à intencionalidade da prática pedagógica, torna-se necessário considerar, de modo preliminar, a importância das concepções e práticas docentes (Sadalla, 1998; Zohar, Degani, & Vaakinin, 2001). Paiva e Del Prette (2009) argumentam ainda que o sistema de crenças docentes tende a influenciar o processo de ensino-aprendizagem ao mediar as decisões pedagógicas e as interações estabelecidas com os alunos. A partir dos resultados obtidos em seu estudo, os quais indicaram crenças docentes desfavoráveis às capacidades sociocognitivas infantis (por exemplo: compreender intenções e emoções próprias e alheias), bem como concepções intuitivas e assistemáticas em relação à atividade de "contar histórias", Rodrigues e Tavares (2009) destacam a importância de propostas de capacitação junto aos professores. Como argumenta Marchiori (2001), se, por um lado, as crenças são fundamentais e guiam o comportamento humano, por outro lado, o processo de substituir crenças antigas e muito arraigadas por um conjunto de concepções inovadoras torna-se de fundamental importância para a mudança da prática educacional nas escolas, ainda que as novas crenças sejam fomentadas de maneira relutante e gradual.

Os livros de histórias necessitam ser reconhecidos e valorizados, segundo Fontes e Cardoso-Martins (2004) e Rodrigues (2008), pois são valiosas ferramentas para o desenvolvimento e a aprendizagem infantis. Sobre a utilização dessa atividade e do seu desenvolvimento, que insere algumas variações metodológicas, encontra-se diversificada terminologia na literatura: leitura mediada (Ferraz, 2008), leitura compartilhada (Garcez, 2000), leitura dialógica (Whitehurst et al., 1988) e leitura interativa (Fontes & Cardoso-Martins, 2004). A concepção de Ferraz (2008), aqui adotada, sintetiza a essência da sua aplicação no contexto de sala de aula, na medida em que define a prática de leitura mediada como um processo de construção educativa conjunta, por meio do qual o professor e seus alunos, relacionando com seus conhecimentos prévios, podem compartilhar sentidos mais amplos e complexos da realidade. Destaca-se a relevância do papel ativo da criança na ampliação do vocabulário, bem como na construção de relações de sentido inseridas nas narrativas que esta atividade pode propiciar (Whitehurst et al., 1988). Garcez (2000) salienta que o educador, como mediador, necessita considerar os recursos técnicos e cognitivos envolvidos nesse tipo de leitura. Ressalta-se, contudo, que evidências empíricas mais robustas, indicando o impacto de programas envolvendo a leitura interativa, são mais recorrentes na literatura psicológica do que em outras áreas do conhecimento (Rodrigues, 2008).

Fontes e Cardoso-Martins (2004), por exemplo, evidenciaram efeito positivo de um programa de leitura interativa sobre o desenvolvimento da linguagem oral de pré-escolares de nível socioeconômico baixo: na etapa de pós-avaliação, constataram que as crianças do grupo experimental excederam todas as medidas de compreensão de história e vocabulário. No âmbito internacional e no que tange ao escopo do presente artigo, Peskin e Astington (2004) avaliaram se a exposição de crianças da educação infantil à linguagem metacognitiva proporcionaria maior compreensão de estados mentais. Durante quatro semanas, pais, professores e pesquisadores leram 70 livros a cada participante, evidenciando-se que expor crianças a esse tipo de vocabulário conduz a uma produção mais expressiva de atribuição de verbos metacognitivos.

Atualmente, há um consenso indicando clara viabilidade quanto à utilização dos livros infantis como recurso e fonte facilitadora da compreensão infantil dos estados mentais, uma vez que os mesmos apresentam, em texto e/ou imagens, pistas que remetem a estados de crença, desejo, intenção e emoção (Adrian et al., 2007; Dyer et al., 2000; Rodrigues, Oliveira, Rubac, & Tavares, 2007; Rodrigues & Tavares, 2009). Conjugando fundamentos do modelo proposto por Crick e Dodge (1994) com a exploração dialogada de livros de histórias, Teglasi e Rothman (2001) implementaram um programa de quinze semanas que objetivou aprimorar o processamento de informação social infantil.

A leitura mediada das narrativas foi conduzida considerando-se estas seis perguntas: (1) O que está acontecendo? (2) O que os personagens estão pensando e sentindo? (3) Quais as intenções e metas dos personagens? (4) O que os personagens alcançam com suas ações? (5) Como os personagens executam e monitoram o próprio comportamento? e (6) Quais são as lições aprendidas? Participaram grupos de crianças de 4 a 6 anos, pré e pós-avaliadas pelos professores quanto às características de hostilidade e provocação. Os resultados foram positivos, indicando redução de condutas antissociais e de externalização, sobretudo em crianças identificadas como agressivas. Estudos subsequentes têm indicado a eficácia do referido programa (Rahill & Teglasi, 2003).

Motivadas por esses resultados, Rodrigues e Tavares (2009) apresentaram uma proposta de capacitação docente que visou ampliar as concepções das professoras sobre o desenvolvimento sociocognitivo infantil e aprimorar o trabalho de leitura mediada em sala de aula. O presente estudo constitui um desdobramento dessa proposta e teve como objetivo avaliar a efetividade de um programa dirigido a diversificar a prática docente de contar histórias e a promoção indireta da compreensão infantil dos estados mentais e do processamento de informação social

Método

Participantes

O estudo foi realizado em uma escola pública de uma cidade do interior de Minas Gerais. Participaram 57 alunos (30 meninos e 27 meninas) do 1º ano do ensino fundamental, com idade média de 6 anos, e cinco professoras com curso superior, média de 42 anos de idade e 5 anos de experiência docente.

Instrumentos

Para a coleta de dados e implementação do programa, foram utilizados os recursos descritos a seguir.

Questionário Caracterização sociocognitiva do pré-escolar. Elaborado por Rodrigues (2004), visou delimitar as concepções das educadoras sobre características do desenvolvimento sociocognitivo infantil, incluindo aspectos evolutivos da teoria da mente e do processamento de informação social. Compõe-se de vinte e sete itens divididos em nove temáticas, a saber: (1) aspectos gerais da teoria da mente, (2) postulados básicos da teoria da mente, (3) tarefas de crença falsa e distinção aparência realidade, (4) importância da brincadeira de faz de conta, (5) desenvolvimento das emoções, (6) capacidade de empatia, (7) compreensão das intenções, (8) aspectos referentes ao processamento de informação social, e (9) consequências do comportamento agressivo. O instrumento utiliza uma escala de resposta do tipo Likert com alternativas que variam entre "sim", "não", "parcialmente" e "não sei". As perguntas são, em sua maioria, antecedidas de exemplos do cotidiano das crianças, afirmações teóricas simplificadas e indagações dirigidas a avaliar a percepção docente quanto às capacidades e potencialidades sociocognitivas das crianças pré-escolares. Como exemplo, abaixo é reproduzida a pergunta 6:

Nossa mente é ativa, pode modificar, enriquecer ou distorcer a realidade. O que vivemos no passado pode afetar o que vivemos no presente. João fica triste e assustado quando tem que andar de bicicleta com seus amigos porque quase já foi atropelado por um carro por não ter conseguido frear a tempo. Em sua opinião, os amigos pré-escolares de João (5 e 6 anos), já são capazes de compreender que essa experiência negativa pode afetar a vontade de João de andar de bicicleta com eles?

Questionário Avaliativo 1. Contém quatro questões abertas, foi utilizado para avaliar a percepção das professoras quanto à efetividade e à adequação do conteúdo teórico-prático trabalhado na capacitação.

Questionário Avaliativo 2. Composto por sete perguntas semiabertas, objetivou avaliar, de forma global, as percepções, opiniões e sugestões docentes em relação à adequação do plano de capacitação e sua convergência com a prática diferenciada de leitura implementada.

No desenvolvimento do programa, foram utilizados 38 livros de histórias infantis, pré-analisados por Rodrigues et al. (2007), cujas narrativas apresentavam uma gama expressiva de termos mentais e relevantes pistas sociais. Para documentar os desdobramentos das reuniões e observações do trabalho docente em sala de aula, organizou-se um diário de campo que focalizou três eixos/categorias de registro: (a) aspectos vinculados ao planejamento e mediação da leitura em sala de aula, (b) interatividade professor-aluno, (c) percepção docente quanto ao envolvimento das crianças no decorrer do trabalho. Foram também utilizados os livros A Bruxinha e o Godofredo (Furnari, 2007): narrativa por imagem destinada a crianças leitoras e pré-leitoras, utilizado para avaliar a linguagem infantil referente aos estados mentais; e Lúcia já vou indo (Penteado, 1998): narrativa textual rica em pistas sociais (Rodrigues & Oliveira, 2009), recurso que objetivou subsidiar a avaliação do processamento de informação social infantil.

Avaliação sociocognitiva de respostas infantis pós-exploração dialogada de narrativa textual (Rodrigues & Stersa, 2009). Instrumento utilizado para avaliar o repertório sociocognitivo de respostas das crianças após a leitura dialogada do livro Lúcia já vou indo, apresenta uma escala avaliativa de desempenho do tipo Likert de resposta: (1) muito bom, (2) bom, (3) regular, (4) fraco, (5) muito fraco e (6) ausente. Ao final, há um espaço para anotações pertinentes. Envolve nove aspectos sociocognitivos de avaliação das respostas infantis construídos a partir da sequência, já descrita, dos seis componentes propostos por Teglasi e Rothman (2001).

Procedimento

Coleta de dados. No grupo de docentes: aplicou-se coletivamente o questionário Caracterização sociocognitiva do pré-escolar. Em seguida, realizou-se a capacitação docente proposta no estudo de Rodrigues e Tavares (2009), que prevê utilização de meio magnético e de livros de histórias, subdividindo-se em quatro módulos: (1) atualização de informações sobre capacidades sociocognitivas infantis (4 horas de duração), (2) fundamentos da teoria da mente e sua relação com a linguagem (4 horas), (3) noções básicas sobre o processamento de informação social (4 horas), e (4) vivências práticas com a leitura mediada de livros de histórias infantis com enfoque sociocognitivo (8 horas). A capacitação ministrada pelas pesquisadoras totalizou 20 horas distribuídas ao longo de três meses, mediante um encontro semanal. Aplicou-se o Questionário Avaliativo 1 no último encontro. No período de abril a novembro, as docentes implementaram o programa de leitura mediada junto aos seus alunos, com acompanhamento/orientação semanal das pesquisadoras, além de observação assistemática do trabalho por duas bolsistas, com os livros infantis em sala de aula. Tais procedimentos objetivaram fornecer elementos para as discussões e para o aperfeiçoamento da proposta. Ressalta-se que as observações e os registros oriundos dessas atividades complementares ao estudo convergem para um modelo híbrido mais qualitativo de coleta de dados (Alves-Mazzotti & Gewandsznajder, 1998), documentando-se por meio de anotações breves, as falas e os diálogos com foco nos três eixos anteriormente referidos. Ao final do ano letivo, aplicou-se coletivamente o Questionário Avaliativo 2.

Quando ao grupo de crianças, após solicitar à escola a lista de alunos para caracterização dos participantes e obter a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos pais, estabeleceu-se contato inicial em sala de aula. Posteriormente, e após um bom rapport, iniciou-se a pré-avaliação individual com a presença de duas pesquisadoras. Um livro infantil por imagem foi apresentado à criança, que foi solicitada a contar a história a partir da sequência das ilustrações, sendo as narrativas gravadas e transcritas. Visando à identificação de ocorrência de palavras e de expressões voltadas para os estados mentais, os relatos foram codificados e analisados por uma pesquisadora e duas bolsistas que discutiram as eventuais discordâncias considerando a seguinte taxonomia: termos cognitivos, emocionais, de desejo/intenção e perceptivos. A definição e a categorização de tais termos constam no estudo de Rodrigues, Ribeiro e Cunha (2009): (1) termos cognitivos (expressões que remetem ao conhecimento, memória, sonho, realidade versus pretensão); (2) termos emocionais (expressam comportamentos emocionais, como abraçar, e emoções ou sentimentos atuais, como amor); (3) termos de desejo/intenção (palavras como "desejar", "querer" e "gostaria", indicando volição, motivação ou pedido/ação na direção de um objeto); e (4) termos perceptivos (fazem referência às percepções atuais com base nos cinco sentidos: visão, audição, paladar, olfato e tato).

Após a leitura do primeiro livro, procedeu-se à leitura da narrativa textual, explorando-se, de forma dialogada, os seis componentes propostos por Teglasi e Rothman (2001), anteriormente explicitados, bem como as pistas oferecidas pelas ilustrações dos livros, tais como: expressão de medo e tristeza dos personagens ("Por que Lúcia está chorando tanto, o que aconteceu com ela?"; "Por que a libélula ficou com pena de Lúcia?"). Destaca-se que a mediação envolveu também a exploração da convergência entre figura e estado mental dos personagens. Essa leitura viabilizou o preenchimento por duas bolsistas (uma interventora e outra observadora) do instrumento Avaliação sociocognitiva de respostas infantis pós-exploração dialogada de narrativa textual, discutindo-se as discordâncias. Finalizada a pré-avaliação das crianças, iniciou-se a implementação do programa pelas docentes em sala de aula com a mediação semanal de dois livros infantis. Ao término do ano letivo, realizou-se a pós-avaliação individual das crianças com releitura dos dois livros citados.

Análise dos dados. Os questionários avaliativos (1 e 2) aplicados junto às docentes foram submetidos à análise de conteúdo (Bardin, 2008). Quanto ao questionário Caracterização sociocognitiva do pré-escolar, a análise dos dados foi descritiva, registrando-se as frequências das respostas das docentes e apuração dos respectivos percentuais. De forma complementar, realizou-se uma análise qualitativa das observações e do acompanhamento semanal do trabalho docente, filtrada pelos três eixos de registros contemplados no diário de campo. No que se refere ao grupo de crianças, para sondar os efeitos da intervenção, os dados foram comparados entre a pré e pós-avaliação por meio do teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras dependentes, considerando-se: (1) a frequência de atribuição linguística para cada categoria de termo mental apurada, separadamente, em relação à leitura dos livros e ao escore bruto referente ao total de termos evocados nas quatro categorias; e (2) os escores brutos obtidos pela soma dos resultados de cada item da escala avaliativa para as nove habilidades que compõem o instrumento Avaliação sociocognitiva de respostas infantis pós-exploração dialogada de narrativa textual. Adotou-se nível de significância de 5%.

Considerações Éticas

O presente estudo contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) (Parecer n° 057/2008).

Resultados e Discussão

Grupo de Docentes

As opiniões docentes obtidas do questionário Caracterização sociocognitiva do pré-escolar foram analisadas e descritas por temática. Quanto às concepções sobre aspectos gerais da teoria da mente (por exemplo: conhecimento de que os estados psicológicos são internos e podem influenciar o comportamento), as respostas oscilaram predominantemente entre as alternativas "sim" (53%) e "parcialmente" (40%), sugerindo que as docentes compreendem que as crianças dessa faixa etária reconhecem a existência de conteúdos mentais não observáveis. Esse dado afina-se com a literatura na área, indicando que, por volta dos 3 anos de idade, as crianças já têm um conhecimento de conexões cognitivas sobre a mente (Flavell, Miller, & Miller, 1999).

Quanto ao desenvolvimento da teoria da mente, as docentes opinaram, em sua maioria (53%), que as crianças nessa faixa etária adquiriram parcialmente, e 33% consideraram que as mesmas já possuem tal habilidade. Com base na sequência evolutiva delineada pelos autores referidos, esse dado pode indicar limitado conhecimento das docentes quanto à existência da compreensão de estados mentais por parte das crianças. 47% das docentes opinaram que as crianças dessa faixa etária já possuem a capacidade de compreender que pessoas podem ter crenças contraditórias à realidade (crença falsa) e são capazes de fazer distinção entre aparência e realidade, 26% acreditam que essa capacidade seria parcial nessa idade, 26%, que ainda não teriam tal capacidade. Contudo, no tocante à capacidade da criança de avaliar que uma pessoa pode ter uma crença que diverge da realidade (crença falsa), foram obtidas em sua maioria respostas afirmativas (80%).

Quanto à capacidade infantil de compreender as próprias emoções e as dos outros, as opiniões das educadoras oscilaram predominantemente entre "sim" (47%) e "parcialmente" (47%), afinando-se, em parte, com estudos de Bretherton e Breeghly (1982) e de Pons, Harris e de Rosnay (2004), os quais indicam que, a partir dos 2 anos de idade, as crianças já são capazes de utilizar termos emocionais referentes a si próprias e a outras pessoas. A percepção do desenvolvimento e da compreensão das intenções infantis oscilou entre "parcialmente" (53%) e "sim" (40%), evidenciando uma visão ainda limitada quanto à capacidade das crianças de 6 anos de já terem capacidade de compreender intenções próprias e alheias. Feinfield, Lee, Flavell, Green e Flavell (1999) demonstram que essa habilidade emerge por volta dos 3 a 4 anos de idade, já estando consolidadas aos 5 anos.

Todas as participantes conceberam que as crianças possuem um esquema cognitivo que permite pensar antes de agir e assim agir de forma mais compreensível e adequada com avaliação das consequências no plano social. Por outro lado, a maioria (60%) opinou que as crianças que apresentam comportamento agressivo demonstram dificuldades de considerar as consequências de seus comportamentos para si e para os outros. Esse quadro é plenamente convergente com os estudos na área do processamento de informação social (Crick & Dodge, 1994; Vasconcellos, Picon, Prochnow, & Gauer, 2006), os quais sustentam esse eixo de caracterização.

A análise de conteúdo realizada a partir do Questionário Avaliativo 1 permitiu derivar quatro categorias globais, todas indicando respostas afirmativas às perguntas e opiniões favoráveis ao programa de capacitação: (1) Capacitação foi exitosa, (2) Avaliação positiva, (3) Avaliação favorável e (4) Ampliação da carga horária da capacitação. Tais categorias podem ser exemplificadas pelas falas de três professoras:

A história em quadrinhos tornou o trabalho mais interessante. A capacitação permitiu que refletíssemos e aprendêssemos formas diferentes de trabalhar com as nossas crianças... Forneceu um conhecimento ampliado sobre elas e sobre a leitura diferenciada dos livros de histórias... (Participante 2)

A capacitação foi muito proveitosa, pude compreender que o uso de termos mentais mais sofisticados, ligados à cognição, emoção e intenção podem auxiliar a criança a desenvolver sua capacidade de compreensão do outro... Compreendi questões complexas que permeiam o universo infantil interno e passei a redirecionar minhas reflexões e atitudes sobre elas e sobre o potencial das narrativas. (Participante 4)

Aumentamos o nosso vocabulário de termos mentais e a nossa percepção sobre as possibilidades de utilizá-las com as crianças no dia-a-dia da sala de aula. Como sugestão, acho que a carga horária poderia ser ampliada com mais livrinhos e mais tempo para discussões, foi muito bom! (Participante 3)

Em síntese, a avaliação do grupo das docentes foi bastante positiva, havendo consenso de que a capacitação viabilizou não só uma ampliação da visão quanto ao desenvolvimento sociocognitivo infantil, como também uma ótica diferenciada sobre a utilização dos livros infantis em sala de aula.

A análise qualitativa oriunda do registro, envolvendo o acompanhamento semanal realizado ao longo do ano letivo com foco nos três eixos já referidos, sugere indicadores positivos em quatro direções. Quanto às reuniões observou-se: (a) expressivo aprimoramento da prática docente quanto à seleção e aos critérios sociocognitivos na escolha dos livros infantis, e (b) aprendizagem quanto à identificação e ao desenvolvimento da exploração sociocognitiva de situações nas narrativas que oferecem pistas sociais e identificação de termos referentes aos estados mentais. As observações em sala de aula indicaram: (a) crescente aperfeiçoamento da exploração das narrativas, contemplando, de forma híbrida, a autodescoberta das crianças e instrução mais tutorada pelas docentes, como discutem Spinillo e Lautert (2008), e (b) aprimoramento do manejo relativo à interação da criança e do grupo de professoras que passou a mediar de forma mais pró-ativa e reflexiva os conflitos interpessoais que emergiram no desenvolvimento da atividade no cotidiano escolar.

Algumas falas registradas durante esse acompanhamento podem exemplificar essa evolução: "Agora percebo que a escolha de um bom livro de história é importante para as crianças... Fui percebendo que cada livro tem características diferentes de trabalho tendo que ser explorados de maneira diferenciada" (Participante 1); "Aprendi a explorar palavras mais diversificadas, e as crianças ficam perguntando o que significa e participam mais" (Participante 3); "Aprendi que as expressões faciais dos personagens são importantes e ajudam as crianças a entenderem os sentimentos, as intenções... Quando se conta a história dessa forma, a criança internaliza os termos e palavras usadas" (Participante 4); "Antes realmente não tinha pensado nessa forma de fazer com que a criança aprenda e utilize novas palavras para as emoções... É gratificante ver um aluno falando a palavrinha trabalhada na leitura da história" (Participante 5).

Os dados qualitativos aqui apresentados são reforçados pela análise de conteúdo realizada sobre as opiniões constantes no Questionário Avaliativo 2, aplicado ao final do trabalho. Tal análise permitiu delimitar seis categorias globais: (1) Convergência entre a capacitação e a prática docente, (2) Indica sugestões, (3) Percepção positiva quanto à relevância da proposta, (4) Não relatam dificuldades para desenvolver a leitura mediada, (5) O acompanhamento semanal contribuiu para uma prática reflexiva, e (6) Sugestões práticas.

Todas as respostas e complementos obtidos indicam a valorização da proposta diferenciada de leitura mediada, como pode ser verificado na seguinte fala: "O projeto, no meu caso, enriqueceu ainda mais minha forma de trabalhar com os livros, com as reuniões pude ver os pontos que eu precisava melhorar ou modificar..." (Participante 1). Abaixo, são reproduzidas outras falas que atestam este fato.

O que modificou foi a ênfase na literatura... Não encontrei dificuldades, muito pelo contrário, é uma forma muito rica que estimula a participação dos alunos... o trabalho coletivo dos professores e capacitadores é de importância fundamental para rever, adequar e confirmar as ações exitosas, o projeto poderia incluir as família. (Participante 2)

Aprendemos um jeito novo de contar histórias e a aprendizagem foi gradativa e significativa... Não considero que tivemos dificuldades, a compreensão social foi facilmente alcançada através desse trabalho... sugiro colocar os livros dentro do planejamento e dos projetos da escola". (Participante 3)

Como dito acima, os resultados foram claramente favoráveis à proposta inicial do projeto, permitindo indicar, com base na percepção desse grupo de docentes, ser possível e desejável a incorporação desse tipo diferenciado de leitura interativa no cotidiano da prática docente.

Grupo de Crianças

Quanto à atribuição de termos mentais pelo grupo de crianças, durante a leitura do livro, conforme mostra a Tabela 1, o total de termos mentais evocados na pós-avaliação foi significativamente superior ao da pré-avaliação (p < 0,001). Os dados obtidos tendem a reforçar outros estudos na área uma vez que, durante a leitura do livro infantil, foi atribuída uma expressiva quantidade e diversidade de termos mentais (Adrian et al., 2007; Valério, 2008).

Conforme a tabela referida, na pré e pós-avaliação, a categoria de termos mais expressiva foi a de desejo/intenção, seguida das categorias de termos cognitivos, emocionais e perceptivos. Houve diferença significativa entre a pré e a pós-avaliação nas quatro categorias de termos mentais; a atribuição de termos de desejo/intenção, cognitivos e emocionais aumentou, e a de termos perceptivos diminuiu. Como o programa focalizou a exploração de termos mentais mais diferenciados, oferecendo expressões alternativas como "contente", "feliz", "radiante" para "alegre", esperava-se que houvesse uma diminuição quanto à atribuição dos termos perceptivos, uma vez que são considerados mais simples e refletem ações comportamentais mais observáveis, como "olhar" e "pegar". Esse dado sugere um efeito positivo do programa e reforça as afirmativas de Rodrigues e Pires (2010) e Valério (2008), as quais ressaltam que, por meio da linguagem, as crianças tendem a aprimorar o conhecimento e a compreensão acerca dos estados mentais.

Na pós-avaliação, as crianças ampliaram significativamentea atribuição de termos voltados para desejo/intenção. Tal resultado diverge dos que foram obtidos por Pires (2010) e Rodrigues et al. (2009) na medida em que os termos de desejo/intenção foram os menos evocados na leitura de livros por imagem. Quanto aos termos cognitivos, apurou-se ampliação igualmente significativa (p < 0,001), identificando-se 29 termos diferentes na pré e 31 na pós-avaliação. Esse resultado converge, em parte, com o estudo realizado por Peskin e Astington (2004), o qual evidenciou, após um programa de intervenção envolvendo a leitura de livros por pais e professores, incremento da linguagem metacognitiva das crianças.

A diferença no tocante aos termos emocionais também foi significativa (p < 0,001), com atribuição inicial de 50 palavras distintas de termos emocionais e 61 termos diferentes, após o programa. Na primeira etapa, os termos emocionais identificados como positivos apresentaram 236 ocorrências (39%), e na segunda etapa identificou-se um total de 257 (35%). Obteve-se um total de 370 ocorrências (60%) de termos emocionais negativos, na primeira fase, e 462 (63%), na segunda. Os termos emocionais considerados neutros, tais como "sentir" e "emocionado" foram menos frequentes. Como se esperava, na pós-avaliação, os termos perceptivos foram menos evocados, uma vez que a estrutura do plano de intervenção focalizou, prioritariamente, a ampliação de termos mentais que fazem referência ao estados subjetivos em detrimento aos voltados para os comportamentos e ações observáveis dos personagens.

De forma complementar, como explicitado anteriormente, avaliou-se, por meio do instrumento sociocognitivo de respostas infantis, o processamento de informação social. A análise comparativa (pré e pós-intervenção) dos dados, realizada pelo teste de Wilcoxon, evidenciou diferença significativa para cada um dos nove aspectos avaliados (p < 0,001), indicando que houve um refinamento quanto às habilidades sociocognitivas entre a pré e pós-avaliação. Resultado semelhante foi obtido para o escore total do instrumento.

Quanto ao reconhecimento de pistas externas (primeiro item do instrumento, voltado para o componente avaliativo "O que está acontecendo?"), a avaliação do repertório de respostas sociocognitivas infantis da narrativa apresentada indicou desempenhos: "muito bom" (49%), "bom" (35%) e "regular" (14%) na pré-avaliação; e, 60%, 28% e 12%, respectivamente, na pós-avaliação. Na etapa preliminar, a avaliação das respostas das crianças quanto ao reconhecimento de pistas internas ("O que os personagens estão pensando e sentindo?") oscilou entre "bom" (35%), "muito bom" (30%) e "regular" (24%); na etapa posterior à implementação, "muito bom" (54%) e "bom" (33%). Constatou-se que, além das crianças tenderem a fornecer informações mais relevantes e detalhadas sobre o contexto da história, elas avançaram na observação e atenção para os estados internos dos personagens, corroborando dados obtidos por Teglasi e Rothman (2001).

Após a intervenção, evidenciou-se também um aprimoramento quanto aos itens avaliativos reconhecimento e compreensão dos sentimentos dos personagens, considerando-se que o desempenho de 80% das crianças foi avaliado como "muito bom", e quanto ao reconhecimento e compreensão dos pensamentos dos personagens, 65% "muito bom" e 19% "bom". Esses dados reforçam a opinião de Rahill e Teglasi (2003) quanto à necessidade de se explorar, do ponto de vista sociocognitivo, as convergências entre as ilustrações e os termos mentais presentes nas narrativas. A avaliação do quinto item - reconhecimento e compreensão das intenções/metas dos personagens - indicou 40% das respostas como "boa", 28% "muito boa" e 21% "regular", obtendo-se, na pós-avaliação, uma clara evolução: 72% para "muito boa" e 23% para "boa", o mesmo ocorrendo em relação ao sexto aspecto avaliado - identificação e compreensão das consequências das ações e planos dos personagens - que oscilou, na primeira etapa, entre 38% "boa", 26% "muito boa" e 28% "regular", evoluindo, na segunda, para 68% "muito boa" e 23% "boa".

Para Faria (2008) e Teglasi e Rothman (2001), é importante para o desenvolvimento da compreensão social infantil, incentivar docentes a questionar sobre os planos e metas dos personagens, criando alternativas possíveis para suas escolhas. Tais opiniões afinam-se com o aperfeiçoamento infantil obtido em relação ao item aspectos envolvendo a execução e o monitoramento do comportamento dos personagens, pois obteve-se uma avaliação preliminar "boa" (49%) e "muito boa" (37%); e na fase pós-intervenção, "muito boa" (86%) e "boa" (14%). Essa direção prospectiva de resultados também evidenciou-se quando comparadas as avaliações do desempenho infantil quanto à percepção e compreensão das lições aprendidas pelos personagens e a capacidade de elaborar alternativas para os problemas vivenciados pelos personagens e de transposição para vida cotidiana (oitavo e nono itens).

Rahill e Teglasi (2003) demonstraram que a exploração mediada da leitura infantil pode viabilizar uma avaliação mais acurada e menos impulsiva das soluções para os problemas e dilemas vivenciados pelos personagens, ajudando a criança a aprimorar, de forma indireta, seu desempenho social. Os dados quantitativos e os subsídios qualitativos do presente estudo (ressalta-se que as docentes relataram diminuição de conflitos entre as crianças) sugere, com a devida cautela, que o trabalho implementado pelas educadoras possivelmente tenha exercido um efeito positivo indireto sobre o desenvolvimento social das crianças, como evidenciaram Rahill e Teglasi (2003) e como preconiza a literatura atual envolvendo as interfaces entre teoria da mente, linguagem e desenvolvimento social (Souza, 2008).

Considerações Finais

O conjunto dos resultados permite indicar que a intervenção foi efetiva em relação à diversificação da prática docente com os livros de histórias infantis favorecendo, indiretamente, tanto a linguagem referente aos estados mentais quanto o apuro do processamento de informação social das crianças. As avaliações das educadoras e o acompanhamento do trabalho sugerem que as docentes adquiriram um novo olhar não só sobre o desenvolvimento dos alunos acerca das suas características e potencialidades sociocognitivas, mas também em relação à leitura mediada. O trabalho implementado com esse tipo de leitura interativa no cotidiano da prática docente possibilita futuras direções para pesquisas tanto no âmbito preventivo do desenvolvimento social quanto no tocante ao desempenho escolar, na medida em que pode contribuir, indiretamente, para outros aspectos relacionados à escolarização, tal como a compreensão leitora.

Destacam-se, entre as limitações do presente estudo, os seguintes aspectos: ausência de uma medida de linguagem que pudesse controlar o risco de um ganho linguístico mais amplo nesse período do desenvolvimento infantil, falta de um grupo de comparação, caráter assistemático da observação do trabalho das educadoras. Nessa direção, ressalta-se o caráter de intervenção da pesquisa, desenvolvida ao longo de um ano letivo dentro de sala de aula, com a participação efetiva das docentes e com uma ferramenta ainda pouco explorada na prática pedagógica. Esse panorama traduz, por si só, desafios e cuidados metodológicos importantes que devem ser levados em consideração, em futuras pesquisas. Destaca-se ainda a relevância de que sejam empreendidos programas de intervenção com esse foco em outros contextos educativos, pela sua proposta pró-ativa, bem como outras investigações envolvendo as possíveis relações indiretas entre a promoção da linguagem referente aos estados mentais e o favorecimento de outros aspectos do desenvolvimento infantil, tal como o desenvolvimento social.

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Recebido: 08/06/2011

1ª revisão: 13/10/2011

2ª revisão: 03/01/2012

Aceite final: 23/04/2012

Marisa Cosenza Rodrigues é Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Nathalie Nehmy Ribeiro é mestranda em Psicologia do Desenvolvimento Humano e Processos Sócio-Educativos pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Priscila Campos Cunha é mestranda em Psicologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Jun 2011
    • Aceito
      23 Abr 2012
    • Revisado
      03 Jan 2012
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