Dentre as profissões formais no Brasil, a docência do Ensino Fundamental e Médio encontra-se entre uma das que apresentam os maiores índices de desgaste emocional para os trabalhadores (Reis, Araújo, Carvalho, Barbalho, & Silva, 2006). Por meio de um estudo epidemiológico, Codo (1999) apontou que 26% dos professores escolares brasileiros apresentavam níveis inadequados de tensão emocional. Estudos mais recentes retratam que esses índices ainda parecem estar presentes no cotidiano do professor (Carlotto, 2010, 2011; Penteado & Pereira, 2007; Reinhold, 2006), corroborando a ideia lançada pela Organização Internacional do Trabalho (Organisation Internationale du Travail {OIT}, 1981), de que a docência é uma profissão de alto risco físico e mental.
Levando em consideração esse panorama, que não é uma realidade apenas brasileira, pesquisadores nacionais e internacionais têm demonstrado que as condições adversas da docência afetam significativamente os índices de bem-estar psicológico e qualidade de vida dos professores (Kyriacou, 2003; Penteado & Pereira, 2007; Xavier & Morais, 2007). O bem-estar psicológico é compreendido como uma avaliação pessoal do indivíduo sobre suas experiências de tensão emocional, depressão, ansiedade, sintomas somáticos, insônia, habilidades sociais e habilidades para lidar com situações adversas (Goldberg et al., 1997). A qualidade de vida, por sua vez, é compreendida como "a percepção do indivíduo sobre sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (The WHOQOL Group, 1994, p. 17). O decréscimo de satisfação nestes dois indicadores compromete significativamente a forma como os professores exercem as suas funções (Gil-Monte, Carlotto, & Câmara, 2011).
A literatura tem demonstrado que as condições adversas da docência, responsáveis pela diminuição nos índices de bem-estar psicológico e de qualidade de vida dos professores, se encontram distribuídas em diversas categorias, tais como: (1) administrativas (alta demanda de trabalho; baixa autonomia; baixa participação nas decisões administrativas da escola; pouco tempo para realização das tarefas); (2) financeiras (baixo salário e necessidades de vários postos de trabalho); (3) ergonômicas (ruídos excessivos na sala de aula; baixa-luminosidade; número inadequado de alunos por sala de aula) e (4) sociais (desprestígio social; violência; drogas no contexto escolar; relação deteriorada com colegas de trabalho), dentre outras (Carlotto, 2011; Nunes Sobrinho, 2006). É importante salientar, porém, que a forma como as características do trabalho repercutem no profissional varia tanto de contexto para contexto quanto de pessoa para pessoa (Sadir, Bignotto, & Lipp, 2010). O impacto dos estressores ocupacionais nos sujeitos difere, em parte, pela possibilidade de utilização de recursos psicossociais, que favorecem estratégias de coping diante de situações aversivas (Lazarus & Folkman, 1984; Margis, Picon, Cosner, & Silveira, 2003). Dentre tais recursos, o sentido de vida (SV) vem sendo considerado como um aspecto que auxilia no enfrentamento de situações consideradas adversas e potencializa os níveis de bem-estar psicológico e qualidade de vida dos indivíduos (Ho, Cheung, & Cheung, 2010).
Sentido de Vida e suas Relações com Aspectos de Saúde
O sentido de vida (SV), enquanto construto psicológico, foi inicialmente teorizado e divulgado pela Logoterapia (Frankl, 1946/2004). Ao longo de sua obra, Frankl (1978, 2003, 1946/2004) sugeriu que a busca por sentido era a principal motivação do ser humano, e que o SV seria um componente fundamental tanto para o bem-estar psicológico quanto para o bem-estar subjetivo das pessoas.
Sentido de vida pode ser definido como a percepção de ordem e coerência na própria existência, aliada à busca e ao cumprimento de metas/objetivos significativos, que resulta na sensação de realização existencial (Reker, 2000; Steger, 2009). Para Frankl (1946/2004), seria imprescindível que as pessoas tivessem clara noção sobre o propósito da própria existência e, mais que isto, que agissem no mundo em consonância com esta percepção, constituindo um senso de coerência existencial.
Desde as suas primeiras publicações, os pressupostos teóricos e filosóficos da Logoterapia e Análise Existencial têm sido amplamente discutidos e mensurados empiricamente na literatura norte-americana e européia. Décadas de pesquisas têm corroborado os principais postulados de Frankl, demonstrando que o SV é um importante preditor de saúde física (Jim & Andersen, 2007), de bem-estar psicológico e de qualidade de vida (Fillion et al., 2009; Ho et al., 2010; Melton & Schulenberg, 2008). Já a falta de sentido tem sido relacionada com maiores níveis de depressão (Mascaro & Rosen, 2006), ideação suicida (Edwards & Holden, 2001), drogadição (Henrion, 2002), dentre outros.
O funcionamento do SV na saúde mental e física das pessoas é complexo. Algumas hipóteses sugerem que o SV, enquanto processo cognitivo, é um recurso central na autorregulação e na autopercepção, auxiliando na utilização de comportamentos adaptativos e oferecendo uma sensação de significado existencial. O SV, por si só, não regula o comportamento, porém, direciona os sujeitos para que, por meio da utilização de seus recursos psicossociais, estes possam superar mais facilmente os eventos estressores por meio de decisões congruentes com um organizado sistema de valores pessoais (McKnight & Kashdan, 2009).
Apesar de haver uma ampla literatura demonstrando o papel preditor e moderador do SV na saúde física e psicológica das pessoas, tais estudos se centram, em sua maioria, em amostras de estudantes e idosos, sendo que estudos em amostras ocupacionais ainda são escassos (Halama & Bakosova, 2009; Ho et al., 2010; Mascaro & Rosen, 2005). Considerando os benefícios deste recurso à saúde física e psicológica dos sujeitos, a investigação de índices de SV em profissionais é relevante por diversas razões. Em geral, o trabalho assume um papel imprescindível na construção da identidade dos sujeitos, podendo ser uma das principais fontes de sentido e direcionar o ser à sensação de realização existencial (Frankl, 2003). Diversos estudos empíricos sugerem que tal pressuposto é consistente, demonstrando que o trabalho tem sido um dos principais preditores de SV em diversas amostras e em diversas faixas etárias (Rosso, Dekas, & Wrzesniewski, 2010; Steger & Dik, 2009).
Outro importante aspecto a considerar em estudos ocupacionais é o fato de que sujeitos com maiores índices de SV tendem a apresentar maior nível de bem-estar no trabalho e maior comprometimento profissional (De Klerk, 2005). Além disso, como um recurso protetivo, o SV auxilia na adequada utilização de recursos de coping e manejo de situações de estresse, protegendo os sujeitos de eventos e sentimentos negativos vivenciados no trabalho (Bonebright, Clay, & Ankenmann, 2000; Mascaro & Rosen, 2006). Considerando os professores como um grupo profissional que, em geral, apresenta altos níveis de desgaste emocional, o presente estudo teve por objetivo avaliar os índices de SV, de bem-estar psicológico (BEP) e de qualidade de vida (QV) em uma ampla amostra de professores escolares, e observar como o SV poderia atuar como variável moderadora da relação entre o BEP e a QV geral.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 517 professores de 57 escolas públicas e particulares da cidade de Campina Grande, Paraíba, Brasil. Os professores, assim como as instituições escolares, foram escolhidos por meio de amostra não randomizada, por conveniência. Buscou-se homogeneizar os dados frente às variáveis 'sexo', 'nível de ensino' (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio) e 'tipo de escola' (pública e particular). Do total da amostra, 252 professores foram entrevistados em escolas públicas (estaduais e municipais) e 265 em escolas particulares. Além disso, 168 profissionais eram professores do Ensino Fundamental I, 173 do Ensino Fundamental II, e 176 do Ensino Médio. Quanto às características biossociodemográficas da amostra, observou-se que 66,3% pertencem ao sexo feminino, 54,9% são casados e 50,5% possuem remuneração de um a três salários mínimos. No tocante a idade, observou-se uma variação entre 18 e 65 anos (M = 36,52; DP = 10,46).
Instrumentos
1) Questionário de Qualidade de Vida (WHOQOL-Bref). O WHOQOL-Bref apresenta estrutura fatorial composta por quatro domínios - físico, psicológico, social e ambiental - e um fator geral (qualidade de vida geral). O domínio físico refere-se a aspectos da saúde orgânica, levantando informações sobre dor e desconforto; energia e fadiga; mobilidade; necessidade de assistência médica, etc. O domínio psicológico diz respeito a afetos positivos, memória, concentração, autoestima, imagem corporal e aparência. O domínio social investiga as relações interpessoais e redes de apoio social. O domínio ambiental trata de questões relativas à segurança física e proteção, recursos financeiros, transporte, moradia, entre outros. O fator geral é uma medida que engloba a satisfação com a saúde e com a qualidade de vida como um todo. O instrumento é composto por 26 itens em escala tipo Likert, com variação de cinco pontos, em quatro medidas distintas: intensidade (nada/extremamente), capacidade (nada/completamente), frequência (nunca/sempre) e avaliação (muito insatisfeito/muito satisfeito; muito ruim/muito bom). No presente estudo, o WHOQOL-Bref apresentou teste de esfericidade de Bartlett χ2 = 4365,973 e KMO = 0,92, com p < 0,001. Todos os domínios da escala, bem como o fator 'qualidade de vida geral' apresentaram índices de consistência interna satisfatórios (domínio físico: α = 0,80; domínio psicológico: α = 0,75; domínio social: α = 0,70; domínio ambiental: α = 0,75; qualidade de vida geral: α = 0,90).
2) Questionário de Saúde Geral (QSG-12). O QSG-12 (Sarriera, Schwarcz, & Câmara, 1996) diz respeito à versão reduzida do instrumento original General Health Questionnaire (Goldberg, 1972). A versão reduzida é composta por 12 itens, com escala tipo Likert de frequência (mais que o habitual; muito menos que o habitual), variando de um a quatro pontos, visando a avaliar índices de bem-estar psicológico. Neste estudo, o QSG-12 apresentou teste de esfericidade de Bartlett χ2 = 1568,645 e KMO = 0,86, com p < 0,001. Considerando o interesse pelo escore global da escala, que avalia o nível de bem-estar psicológico, utilizou-se a versão unidimensional do instrumento (Borges & Argolo, 2002). O fator, constituído pelos doze itens do questionário, foi intitulado 'bem-estar psicológico' (BEP), e apresentou índice satisfatório de consistência interna (α = 0,82).
3) Teste de Propósito de Vida (PIL-Test-12). O PIL-Test, originalmente desenvolvido por Crumbaugh e Maholick (1964), tem por objetivo mensurar o nível de SV dos sujeitos. A versão utilizada neste estudo refere-se a uma adaptação do instrumento original, a qual reduziu a escala de 20 para doze itens (Aquino, 2009). O questionário possui escala Likert variando de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). O índice de KMO (0,86) e o Teste de Esfericidade de Bartlett (x² = 1320,883, p < 0,001) apresentam resultados satisfatórios. Para os objetivos do presente estudo, utilizou-se a versão unifatorial da escala que avalia o escore global de SV (Aquino, 2009). O fator, nomeado 'sentido de vida', foi composto por todos os itens do instrumento, e apresentou consistência interna satisfatória (α = 0,82).
4) Questionário sociodemográfico. Esse instrumento visou levantar informações sóciodemográficas, tais como idade, gênero, estado civil, grau de escolaridade, carga-horária, nível de ensino, dentre outros.
Procedimento
Coleta de dados. Inicialmente, foi realizado um contato com os diretores das instituições a serem abordadas, no intuito de obter consentimento na participação dos professores. Em datas agendadas, foram explicados aos professores das instituições de ensino visitadas os objetivos do projeto, apresentando-lhes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) juntamente com os questionários a serem respondidos. Os que aceitaram participar do estudo, responderam aos instrumentos em um espaço físico fornecido pelas escolas.
Análise dos dados. Para tabulação e análise dos dados foi utilizado o Predictive Analysis Software (PASW) versão 19. Inicialmente, foram calculadas análises descritivas de distribuição de frequências, medidas de tendência central (média, mediana e desvio-padrão). Posteriormente, os sujeitos foram classificados em diferentes grupos (baixo índice, intermediários e alto índice) de acordo com os seus escores nas variáveis 'qualidade de vida' (QV), 'sentido de vida' (SV) e 'bem-estar psicológico' (BEP). A classificação dos sujeitos nos grupos foi realizada por meio do desvio-padrão (DP) e da mediana. Sujeitos com escores iguais ou menores que um DP abaixo da mediana compuseram o grupo 'baixo índice'; sujeitos com escores entre um DP abaixo e um DP acima da mediana foram considerados 'intermediários'; e sujeitos com escores maiores ou iguais a um DP acima da mediana compuseram o grupo 'alto índice' (MacCalum, Zhang, Preacher, & Rucker, 2002). Quanto maior a pontuação em cada escala, mais positivo foram os índices avaliados pelos instrumentos.
Testes não paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis avaliaram as diferenças nos níveis de SV, BEP e QV geral em relação ao sexo, ao tipo de escola em que o professor leciona (pública e/ou particular), bem como em relação aos diferentes níveis de ensino (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio). Os testes não paramétricos foram escolhidos em detrimento dos testes paramétricos devido a não normalidade dos dados, avaliada pelos testes Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk.
Posteriormente, foram avaliadas as relações entre o SV com a QV e com o BEP. Foram conduzidas seis regressões lineares simples tendo como preditor o fator geral do PIL-Test-12 'sentido de vida', e como variáveis dependentes os cinco domínios do WHOQOL-Bref e o fator 'bem-estar psicológico' do QSG-12. Por fim, com o objetivo de avaliar o papel moderador do SV na relação entre a QV geral e o BEP, foram utilizadas análises de moderação, conforme sugerido por Baron e Kenny (1986). Assim, realizou-se uma regressão hierárquica em dois passos: inicialmente, verificou-se a predição do BEP (variável independente, VI) e do SV (variável moderadora, MOD) na QV geral (variável dependente, VD). Nesta etapa, as variáveis foram centralizadas (escores transformados em valor Z) com vistas a minimizar problemas de multicolinearidade dos dados (Aguinis, 1995). Posteriormente, criou-se uma variável de interação (o produto da variável independente pela variável moderadora, BEP e SV) para avaliar sua predição na QV geral. Por fim, foram realizadas duas regressões lineares simples entre o BEP (VI) e a QV geral (VD) para cada grupo de SV (alto SV e baixo SV).
Considerações Éticas
O presente estudo foi realizado após parecer positivo do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) (protocolo no 0374.0.133.000-07).
Resultados
Os resultados encontrados em cada uma das escalas utilizadas estão descritos na Tabela 1. As estatísticas descritivas referentes ao PIL-Test-12 demonstram que um total de 18,6% dos professores apresentaram baixos índices de SV. No que se refere ao QSG-12, 12,8% dos professores estudados apresentaram baixos índices de BEP. Já para os índices de QV, as estatísticas descritivas demonstraram que um total de 17,4% apresentou baixos índices no domínio físico; 18,4% no domínio psicológico; 16,6% no domínio social e 13,2% no domínio ambiental. Já para o domínio 'qualidade de vida geral', esse valor subiu para 20,3% (Tabela 1).
Tabela 1 Escores Obtidos nos Indicadores de Sentido de Vida, Bem-Estar Psicológico e Qualidade de Vida
PIL-Test-12 (Escala de 1 a 7 pontos) | |||||||||
Fator | N | Média | Mediana | DP | Frequência de Participantes por Intervalo n (%) | ||||
x <- 1DP | -1 DP < x < +1 DP | x >+1 DP | |||||||
Sentido de vida | 517 | 5,80 | 6,00 | 0,78 | 96 (18.6%) | 389 (75,2%) | 32 (6,2%) | ||
QSG-12 (Escalas de 1 a 4 pontos) | |||||||||
Fator | N | Média | Mediana | DP | Frequência de Participantes por Intervalo n (%) | ||||
x <- 1 DP | -1 DP < x < +1 DP | x >+1 DP | |||||||
Bem-estar psicológico | 517 | 2,86 | 2,83 | 0,52 | 66 (12,8%) | 359 (69,4%) | 92 (17,8%) | ||
WHOQOL-Bref (Escala de 0 a 100 pontos) | |||||||||
Fatores | N | Média | Mediana | DP | Frequência de Participantes por Intervalo n (%) | ||||
x <- 1DP | -1DP < x < +1DP | x >+1 DP | |||||||
QV Física | 517 | 69,3 | 71,4 | 14,7 | 90 (17,4%) | 377 (72,9%) | 50 (9,7%) | ||
QV Psicológica | 517 | 69,5 | 70,8 | 13,9 | 95 (18,4%) | 359 (69,4%) | 63 (12,2%) | ||
QV Social | 517 | 69,9 | 75,0 | 18,6 | 86 (16,6%) | 392 (75,8%) | 39 (7,5%) | ||
QV Ambiental | 517 | 54,5 | 54,5 | 14,2 | 68 (13,2%) | 358 (69,2%) | 91 (17,6%) | ||
QV geral | 517 | 74,5 | 80,0 | 13,5 | 105 (20,3%) | 393 (76,0%) | 19 (3,70%) |
Nota. PIL-Test-12 = Teste de Propósito de Vida. QSG-12 = Questionário de Saúde Geral. WHOQOL-Bref = Questionário de Qualidade de Vida. QV = Qualidade de vida.
Após análise das estatísticas descritivas das escalas, buscou-se avaliar diferenças significativas entre os índices de QV, BEP e SV em relação ao sexo, ao tipo de escola em que o professor leciona (pública e/ou particular), bem como em relação aos diferentes níveis de ensino (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio). Não foram encontradas diferenças significativas em nenhum dos indicadores.
Sentido de Vida e suas Relações com o Bem-Estar Psicológico e a Qualidade de Vida
Com o objetivo de avaliar as relações entre o SV com o BEP e com a QV, foram realizadas seis regressões lineares simples, sendo o sentido de vida a variável independente. O sentido de vida apresentou-se como variável preditora para todos os indicadores avaliados, com tamanho do efeito (r 2 ) variando de 23% a 51% (Tabela 2). Os dados demonstram que, para os indicadores do WHOQOL-Bref, o SV explicou 27% da variabilidade do domínio físico; 51% do domínio psicológico; 25% do domínio social; 23% do domínio ambiental; e 42% da QV geral. No que se refere ao índice de BEP, o SV foi responsável por explicar 24% de sua variabilidade (Tabela 2).
Tabela 2 Regressões Lineares Simples entre Sentido de Vida na Qualidade de Vida e no Bem-Estar Psicológico
Sentido de Vida (PilTest-12) | |||||||
B o(SE) | B (SE) | r | r 2 | F | p | ||
WHOQOL-Bref | Físico | 1,52 (0,17) | 0,39 (0,28) | 0,52 | 0,27 | 187,795 | < 0,001 |
Psicológico | 0,81 (0,13) | 0,51 (0,22) | 0,71 | 0,51 | 530,069 | < 0,001 | |
Social | 1,04 (0,21) | 0,47 (0,36) | 0,50 | 0,25 | 170,272 | < 0,001 | |
Ambiental | 1,27 (0,16) | 0,35 (0,03) | 0,48 | 0,23 | 157,461 | < 0,001 | |
QV geral | 1,23 (0,12) | 0,41 (0,02) | 0,65 | 0,42 | 379,514 | < 0,001 | |
QSG-12 | BEP | 0,97 (0,15) | 0,33 (0.02) | 0,49 | 0,24 | 165,180 | < 0,001 |
Notas: SE = Erro Padrão. QSG-12 = Questionário de Saúde Geral. WHOQOL-Bref = Questionário de Qualidade de Vida. QV = Qualidade de vida. BEP = Bem-estar psicológico. Valor de p referente a todos os indicadores do modelo de regressão (Bo; r; r2; e F).
Considerando a relação entre a QV geral e o BEP (β = 0,45, t (516) = 11,38, p < 0,001; r 2 = 0,20), buscou-se avaliar se o SV poderia moderar essa relação. Para isso, foi analisado em que medida as linhas de regressão linear entre a QV geral e o BEP eram significativas para sujeitos com baixo SV e os sujeitos com alto SV. Primeiramente, realizou-se uma regressão hierárquica com dois passos. No primeiro passo, utilizou-se a QV geral como variável dependente (VD); o BEP como variável independente (VI) e SV como variável moderadora (MOD), estas duas últimas centralizadas (Aguinis, 1995). No segundo passo, foi inserida a interação entre BEP e SV, isto é, criou-se um termo de interação, multiplicando-se o BEP pelo SV.
Tanto o BEP (β = 0,33, t{516} = 7,53, p < 0,001) quanto o SV (β = 0,21, t(516) = 4,70, p < 0,001) foram preditores de QV geral. Mais importante, a interação entre o BEP e o SV foi, também, um preditor significativo de QV geral (β = -0,08, t{516} = 1.99, p < 0,05), sugerindo um efeito moderador do SV na relação entre BEP e QV geral. Para averiguar o sentido dessa moderação, dividiu-se a variável SV em duas categorias - alta e baixa - tendo por base um desvio-padrão acima e um desvio-padrão abaixo da mediana (Tabela 1). Realizou-se então, uma regressão linear simples para cada grupo (Alto SV e Baixo SV). Os resultados demonstraram que a relação entre o BEP e QV geral era significativa para os professores com baixo SV (β = 0,51, t{95} = 5,753, p < 0,001). Em contrapartida, essa mesma relação não foi significativa para os professores com alto SV, (β = 0,17, t{31} = 0,927, p > 0,35) (Figura 1). Tais resultados demonstram que o SV moderou totalmente a relação entre o BEP e QV geral.

Figura 1 Efeito Moderador do Sentido de Vida na Relação entre Bem-Estar Psicológico e Qualidade de Vida Geral
Os professores do grupo 'Alto SV' apresentaram, por meio dos testes Mann-Whitney, índices significativamente maiores em todos os domínios do WHOQOL-Bref (físico: U = 184,00, r = -0,66, p < 0,001; psicológico: U = 33,00, r = -0,73, p < 0,001; social: U = 402,00, r = -0,55, p < 0,001; ambiental: U = 256,50, r = -0,62, p < 0,001; QV geral: U = 476,500, r = -0,53, p < 0,001) e no fator geral 'BEP' do QSG-12 (U = 376,50, r = -0,56, p < 0,001).
Discussão
As estatísticas descritivas apresentadas para cada um dos construtos avaliados demonstrou que a maior parte dos professores apresentou índices positivos de SV, BEP e QV. Ainda assim, uma parcela importante apresentou índices negativos nestes mesmos indicadores, sendo 18,6% dos professores com índices negativos em SV, 12,8% com índices negativos em BEP e 20,3% com índices negativos em QV geral.
Especificamente em relação aos índices de SV, os dados encontrados aqui não possibilitam comparações com estudos nacionais, visto não haver publicações na área que tenham avaliado tal construto em professores e tampouco em outras categorias profissionais. Apesar disto, é possível perceber que um número considerável de professores não se sente realizado existencialmente o que, provavelmente, afeta na execução do trabalho destes profissionais (Clark, 1995; De Klerk, 2005).
No que se refere aos baixos índices de BEP, alguns autores têm demonstrado que esta variável encontra-se fortemente relacionada às disposições para enfrentar os desafios da vida, influenciando a forma como os sujeitos respondem às demandas pessoais e sociais (Keyes, Shmotkin, & Ryff, 2002). Considerando que o QSG-12 avalia o bem-estar psicológico por meio de indicadores de autoeficácia, ansiedade e depressão, é possível que esta significativa parcela de profissionais apresente-se com reduzida capacidade de enfrentar as dificuldades e desafios do ambiente escolar.
Já em relação aos índices de QV encontrados neste estudo, estes estão em consonância com outros estudos nacionais, realizados em diferentes cidades das regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil, nos quais as médias (e seus respectivos desvios-padrão) obtidas em cada um dos indicadores foram bastante similares (Fernandes & Rocha, 2009; Penteado & Pereira, 2007; Xavier & Morais, 2007). Considerando todos os índices, pôde-se perceber que, em média, um em cada seis professores avaliados apresenta degradação em pelo menos um importante indicador do bem-estar. A junção destes indicadores aponta, mais uma vez, para a necessidade de se olhar atentamente para a saúde dos docentes escolares em todo o Brasil. Isto se torna mais explícito ao considerar que estes índices são ainda maiores caso sejam avaliados, também, os professores que, por motivo de saúde, acabaram por se afastar dos seus cargos e, portanto, não participaram das pesquisas reportadas.
Estudar e elaborar estratégias preventivas e protetivas à saúde do professor refere-se a uma preocupação em nível individual, assim como em nível social, considerando que professores com menores índices de bem-estar psicológico apresentarão, também, um déficit significativo na sua produtividade laboral, que repercute diretamente na qualidade da educação (Damásio, Silva, Melo, & Aquino, 2010; Gil-Monte et al., 2011).
No que se refere à relação entre os índices de SV, de BEP e de QV com as variáveis sociodemográficas (sexo, tipo de instituição e nível de ensino), não foram encontradas diferenças significativas em nenhum dos grupos. Em relação à variável sexo e os níveis de saúde/doença em professores, estes resultados ainda não são claros na literatura nacional. Estudos que avaliaram aspectos positivos em professores escolares são escassos. Entretanto, no que se refere à avaliação de psicopatologia ocupacional, estudos têm demonstrado inconsistência frente às diferenças de gênero. Silva, Damásio e Melo (2009), em consonância com o estudo de Rossa (2004), por exemplo, não encontraram diferenças significativas nos índices de estresse percebido em relação ao sexo, em professores escolares. No que se refere aos índices de burnout, alguns estudos encontraram diferenças significativas entre homens e mulheres, sendo que as mulheres apresentaram maior nível de burnout quando comparadas com os homens (Carlotto, 2011; Carlotto & Moraes, 2010; Rossa, 2004). Considerando que tanto as variáveis de psicopatologia ocupacional quanto as de BEP, QV e SV dos professores apresentam, em alguma medida, relação com aspectos particulares do ambiente de trabalho, do contexto cultural, social e político bem como características pessoais dos participantes (Chakur, 2005), discrepâncias assim podem ser consideradas legítimas, e não serem compreendidas como inconsistências empíricas (Grayson & Alvarez, 2008; Silva & Carlotto, 2003).
No que se refere ao tipo de escola (pública ou privada) e ao nível de ensino (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II, e Ensino Médio), também não foram encontradas diferenças significativas em relação aos índices de SV, de BEP e de SV nesta amostra. Em geral, as escolas públicas e níveis de ensino mais elevados, no Brasil, apresentam-se como mais favoráveis à aparição de indicadores psicopatológicos em professores (Carlotto, 2010, 2011). Isto se dá, principalmente, devido ao fato de que tanto as escolas públicas quanto níveis de ensino mais elevados, em geral, apresentam maior quantidade de estressores (Carlotto & Moraes, 2010; Lopes & Pontes, 2007). Neste estudo, porém, os resultados obtidos apresentam limitações, visto que grande parte dos professores trabalha em ambos os tipos de instituições públicas e particulares, simultaneamente, e em mais de um nível de ensino, não sendo possível classificá-los corretamente.
Sentido de Vida e suas Relações com o Bem-Estar Psicológico e Qualidade de Vida
Inicialmente, foram realizadas regressões lineares simples com o objetivo de avaliar o papel do construto SV nos indicadores de BEP e QV. Os resultados encontrados corroboram a literatura internacional, a qual salienta que o SV é um importante indicador do funcionamento psicológico positivo (Ho et al., 2010; Nakamura & Csikzentmihalyi, 2003), e uma variável importante para uma vida satisfatória (Scollon & King, 2004; Steger, Oishi, & Kesebir, 2011).
Considerando as relações entre SV, BEP e QV, buscou-se avaliar em que medida o SV poderia atuar como variável mediadora da relação do BEP com a QV geral. Os resultados demonstraram que o SV atuou como variável moderadora da relação do BEP com a QV geral dos professores. Além disso, professores com maiores níveis de SV apresentaram índices significativamente maiores em todos os domínios da QV e de BEP.
Os dados da análise de moderação sugerem que os professores com baixo índice de SV consideram o BEP como fonte indispensável de QV geral. Já para sujeitos com altos índices de SV, o BEP não foi uma variável determinante nos índices de QV geral. Uma vez que as pessoas com altos índices de SV apresentam maior nível de satisfação com as diversas esferas da sua vida, uma única faceta em específico (neste caso, o BEP) não se torna determinante na avaliação da QV geral, que envolve a satisfação com uma série de outros aspectos, tais como o contexto ambiental, as relações sociais e a saúde física.
Estes resultados corroboram alguns estudos internacionais que têm demonstrado que o SV parece ser um fenômeno cognitivo (percepção de realização existencial) que afeta positivamente aspectos motivacionais (busca e concretização de objetivos pessoais) e emocionais (maiores níveis de afetos positivos) ao longo do ciclo vital (Halama & Bakosova, 2009), tanto em situações saudáveis de vida, quanto em situações de sofrimento psicológico (McKnight & Kashdan, 2009). O SV parece agir, portanto, por meio de duas vias: tanto como uma variável preditora de maiores índices de BEP e de QV, bem como um recurso protetor, possibilitando aos sujeitos uma maior capacidade de apresentar índices de satisfação com sua QV mesmo quando seus índices de BEP não estão elevados.
De acordo com Mascaro e Rosen (2006), o SV é capaz de ressignificar as situações adversas, atuando como um recurso apaziguador (buffer) modificando, durante a etapa de avaliação (Lazarus & Folkman, 1984), a percepção e/ou significado de eventos estressores (Halama & Bakosova, 2009; Mascaro & Rosen, 2006), reduzindo ou eliminando o impacto destes. Também é plausível considerar que os professores com maiores índices de SV percebam a vida de maneira mais otimista. Visto que o sentido de vida encontra-se positivamente relacionado com construtos tais como fé, amor, felicidade, otimismo e esperança (Ho et al., 2010; Melton & Schulenberg, 2008; Steger, 2009), e é considerado um aspecto imprescindível no processo de resiliência (Schulenberg & Melton, 2010), a presença desse recurso parece otimizar a satisfação dos professores com os diversos aspectos de sua vida.
Considerando que o SV apresentou-se como uma variável preditora e moderadora de QV e de BEP, intervenções pautadas nos pressupostos teóricos da Logoterapia, visando conscientizar os professores diante de aspectos existenciais, pode ser uma poderosa ferramenta para trabalhar aspectos de saúde desses profissionais. A literatura internacional demonstra que estratégias de desenvolvimento de SV são plausíveis, e que os benefícios podem ser percebidos em diversas esferas. Fillion et al. (2009), por exemplo, desenvolveram, com um grupo de enfermeiros, uma intervenção psicoeducativa baseada na Logoterapia, com o objetivo de auxiliar tais profissionais a desenvolver a busca de sentido existencial. Enquanto efeitos indiretos, buscou-se o aumento da satisfação no trabalho e da QV, bem como a redução dos índices de burnout dos participantes. Nesse estudo, avaliações qualitativas demonstraram que a intervenção foi potencialmente significativa. Apesar disso, os autores consideraram necessária a realização de uma avaliação mais criteriosa do processo e do impacto da intervenção. Proposta similar é apresentada por Clark (1995), onde o autor discute como intervenções baseadas na temática 'sentido da vida' podem ser utilizadas na redução do estresse ocupacional e no aumento da autoeficácia de funcionários de diversos níveis empresariais. Pensar em intervenções como essas para docentes que, em geral, vivem sob constante pressão, pode ser uma alternativa eficaz na melhoria das condições de saúde desses profissionais.
Este estudo apresenta algumas limitações que precisam ser ressaltadas. Primeiramente, os participantes fazem parte de uma amostra não randomizada, o que limita as conclusões e generalização dos achados. A impossibilidade de classificar adequadamente os professores em profissionais de escolas públicas e/ou privadas e em relação aos níveis de ensino também trouxe limitações na interpretação dos resultados. Para futuros estudos, sugere-se que os profissionais respondam em quais tipos de escola e em quais níveis de ensino lecionam, ao invés de sugerir uma autoclassificação em apenas uma categoria. Em relação aos instrumentos utilizados, é importante salientar que, apesar de serem medidas mundialmente utilizadas, com adequadas propriedades psicométricas, tratam-se de instrumentos genéricos sobre sentido de vida, bem estar psicológico e de qualidade de vida. Medidas de caráter ocupacional, que avaliassem, por exemplo, bem-estar no trabalho, ou qualidade de vida no trabalho, poderiam trazer informações mais precisas sobre o impacto da docência nos níveis de bem-estar destes profissionais. Uma vez que as medidas são genéricas, não se sabe até que ponto a docência por si só está influenciando os níveis de sentido de vida, bem-estar psicológico e qualidade de vida da amostra estudada. Por fim, para futuras investigações, seria enriquecedor avaliar quais aspectos estão relacionados com a presença ou ausência de sentido de vida na população estudada (as fontes de sentido dos sujeitos), visto que esta informação facilitaria a execução de intervenções que tenham como objetivo potencializar aspectos humanístico-existenciais dos sujeitos.
Considerações Finais
O presente estudo teve por objetivo avaliar os índices de SV, de BEP e de QV em uma ampla amostra de professores escolares, e observar como o SV poderia atuar como variável moderadora da relação entre o BEP e a QV geral. As estatísticas descritivas demonstram que uma parcela importante dos docentes apresentou índices negativos em todos os construtos avaliados. Tais dados vêm sendo replicados há pelo menos duas décadas, em diversos Estados do Brasil, o que reforça a necessidade de se pensar em políticas públicas de atenção à saúde destes profissionais.
Os dados apresentados também demonstraram que o SV apresentou-se como variável preditora de BEP e de QV, assim como variável moderadora da relação entre estas duas últimas variáveis. A interação encontrada sugere que, caso os índices de SV fossem menores, os profissionais apresentariam piores índices de BEP e de QV. Conforme apresentado ao longo deste estudo, intervenções focadas em aspectos existenciais desta classe profissional podem ser uma estratégia eficaz para otimizar indicadores de BEP e de QV. No Brasil, porém, a ênfase dada ao construto SV, bem como a outros indicadores pessoais positivos é, até o momento, bastante escassa. Salienta-se, portanto, a necessidade de se buscar compreender quais são os principais aspectos pessoais que podem servir como fatores de proteção à saúde dos trabalhadores, para que se possa pensar em estratégias preventivas e protetivas utilizando como base as capacidades do próprio sujeito.
Rômulo Lustosa Pimenteira de Melo é mestrando em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Paraíba.
Joilson Pereira da Silva é Professor Adjunto do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe.