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CARACTERIZAÇÃO E GÊNESE DE UMA TOPOSSEQUÊNCIA LATOSSOLO AMARELO-PODZOL ORIGINADO DE MATERIAL DA FORMAÇÃO BARREIRAS - ESTADO DE ALAGOAS

Resumos

Características morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas foram determinadas em 5 perfis ao longo de uma topossequência numa depressão fechada de Latossolo Amarelo até Podzol em tabuleiro a 60 km de Maceió, Estado de Alagoas, no sentido de elucidar os principais processos envolvidos na formação dos solos. A formação dos solos está diretamente relacionada às condições de drenagem devido as posições que eles ocupam no relevo. O Latossolo Amarelo ocupa a posição de transição tabuleiro-encosta, o que permite uma boa drenagem e intenso intemperismo, enquanto que no outro extremo menos intemperizado ocorre o Podzol, ocupando posições de depressão no relevo, de drenagem imperfeita. Os solos Podzólico Amarelo Latossólico, Podzólico Amarelo com fragipãs e Podzólico Acinzentado, ocupam posições intermediárias no relevo com mineralogia essencialmente caulinítica. As formações especiais, fragipã, duripã e lamelas de concentração de ferro são também relevo (drenagem) dependente, aumentando seu desenvolvimento a medida que a drenagem tende a ficar mais imperfeita.

pedogênese; topossequência; drenagem; tabuleiro; duripã; fragipã


Morphological, physical, chemical and mineralogical characteristics studies were carried out in a Yellow Latosol - Grey Podzol toposequence developed from the Barreiras Formation, in the so-called "Tabuleiro Region" in Maceió, Alagoas State, Brazil. The aim of this study was to help understanding the pedological differences among the soils in the toposequence. The observations suggested that the soil formation processes were controled by drainage conditions due to the position of the profiles in the landscape, with very good drainage and kaolinite/gibbsite mineralogy on one side, and in the other, were the Podzol occurs, prevail poor drainage and kaolinite/vermiculite-mica mineralogy. The Yellow Podzolic Latosol, Yellow Podzolic and Gray Podzolic soils occur interposed in the landscape and the soil formation process is drainage dependent. The an fragipan, duripan and the iron concentration are also drainage related.

pedogenesis; toposequence; drainage; tabuleiro; duripan; fragipan


CARACTERIZAÇÃO E GÊNESE DE UMA TOPOSSEQUÊNCIA LATOSSOLO AMARELO-PODZOL ORIGINADO DE MATERIAL DA FORMAÇÃO BARREIRAS - ESTADO DE ALAGOAS

J.L.I. DEMATTÊ; J.A. MAZZA; J.A.M. DEMATTÊ

Depto. de Ciência do Solo-ESALQ/USP, C.P. 9, CEP: 13418-900, Piracicaba, SP.

RESUMO: Características morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas foram determinadas em 5 perfis ao longo de uma topossequência numa depressão fechada de Latossolo Amarelo até Podzol em tabuleiro a 60 km de Maceió, Estado de Alagoas, no sentido de elucidar os principais processos envolvidos na formação dos solos. A formação dos solos está diretamente relacionada às condições de drenagem devido as posições que eles ocupam no relevo. O Latossolo Amarelo ocupa a posição de transição tabuleiro-encosta, o que permite uma boa drenagem e intenso intemperismo, enquanto que no outro extremo menos intemperizado ocorre o Podzol, ocupando posições de depressão no relevo, de drenagem imperfeita. Os solos Podzólico Amarelo Latossólico, Podzólico Amarelo com fragipãs e Podzólico Acinzentado, ocupam posições intermediárias no relevo com mineralogia essencialmente caulinítica. As formações especiais, fragipã, duripã e lamelas de concentração de ferro são também relevo (drenagem) dependente, aumentando seu desenvolvimento a medida que a drenagem tende a ficar mais imperfeita.

Descritores: pedogênese, topossequência, drenagem, tabuleiro, duripã, fragipã

CHARACTERIZATION AND GENESIS OF A YELLOW LATOSOL-PODZOL TOPOSEQUENCE DEVELOPED FRON THE BARREIRAS FORMATION OF THE ALAGOAS STATE, BRAZIL

ABSTRACT: Morphological, physical, chemical and mineralogical characteristics studies were carried out in a Yellow Latosol - Grey Podzol toposequence developed from the Barreiras Formation, in the so-called "Tabuleiro Region" in Maceió, Alagoas State, Brazil. The aim of this study was to help understanding the pedological differences among the soils in the toposequence. The observations suggested that the soil formation processes were controled by drainage conditions due to the position of the profiles in the landscape, with very good drainage and kaolinite/gibbsite mineralogy on one side, and in the other, were the Podzol occurs, prevail poor drainage and kaolinite/vermiculite-mica mineralogy. The Yellow Podzolic Latosol, Yellow Podzolic and Gray Podzolic soils occur interposed in the landscape and the soil formation process is drainage dependent. The an fragipan, duripan and the iron concentration are also drainage related.

Key Words: pedogenesis, toposequence, drainage, tabuleiro, duripan, fragipan

INTRODUÇÃO

Extensas áreas da Formação Barreiras cobrem grande parte dos Estados Nordestinos, particularmente Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte, onde o uso atual, na região mais úmida, é dominantemente ocupado pela cana-de-açúcar. Em termos de granulometria o material desta formação é bastante heterogêneo, sendo o mais argiloso no Estado de Alagoas, tendendo a mais arenoso no Rio Grande do Norte. É um material sedimentar, bastante espesso, muito intemperizado e de maneira geral bem drenado (Jacomine et al.., 1973).

Os solos originados deste sedimento são os mais diversos, mas dominantemente com perfis latossólicos, de baixa saturação por bases, elevado teor de alumínio, podendo ter severas deficiências de micronutrientes principalmente cobre e zinco. O relevo em geral é plano a suave ondulado, uniforme de interflúvios longos, muito favoráveis a mecanização. Devido ao processo erosivo, vales profundos foram formados, podendo atingir material rochoso inclusive do Pré-Cambriano. A paisagem formada pelos vales profundos e as partes altas e planas da formação Barreiras deu origem ao termo regionalizado de "relevo de Tabuleiro" para a porção mais plana. Nesta região, principalmente nos tabuleiros de Alagoas, nota-se que no relevo aparentemente plano e uniforme há um micro relevo representado por depressões de tamanho e forma variáveis, regra geral com drenagem imperfeita, onde se forma o Podzólico Acinzentado ou, numa situação de pior drenagem, o Podzol. Nas áreas menos deprimidas e de boa drenagem há formação do Latossolo Amarelo de textura argilosa a muito argilosa. Entre este solo e o Podzol ou o Podzólico Acinzentado, há formação de solos intermediários, além de horizontes específicos como o fragipã, duripã e as lamelas de óxido de ferro.

Embora vários trabalhos façam a caracterização de tais solos, principalmente no aspecto macromorfológico, químico e físico (Panoso, 1969; Jacomine, 1974; Lima, 1981); poucos pesquisadores investigaram as causas das diferenciações pedológicas inclusive a formação de solos intermediários como Lucas et al. (1984). Mais recentemente Demattê et al. (1994) observaram em solos desenvolvidos da Formação Barreiras na região Amazônica que os Podzóis hidromórficos se formaram através da degradação dos Latossolos Amarelos.

O objetivo deste trabalho é o de proceder a caracterização morfológica, física e química dos perfis da citada topossequência. Para tanto, adotou-se uma área da Fazenda São José, região próxima de Maceió, Estado de Alagoas. Como hipótese de trabalho, partiu-se do princípio de que o material de origem dos solos seja homogêneo e que as variações das propriedades dos solos estão correlacionadas com as variações da drenagem.

MATERIAL E MÉTODOS

Escolha do local e dos solos: Após um reconhecimento prévio nas áreas mapeadas pela Prospecção Pedológica Engenharia e Consultoria (1991), observou-se uma repetitividade de sequência de solos nas áreas de tabuleiro, sempre associado com as depressões. Escolheu-se uma área da Fazenda São José, pertencente a Usina Triunfo que ao mesmo tempo fosse representativa e que ilustrasse a região e que não fosse extensa para evitar justamente maiores variabilidades dos fatores de formação dos solos.

A área escolhida tem de interflúvio a interflúvio 8 km (Figura 1), em tabuleiro de 4 km e especificamente na associação tabuleiro-depressão 500 m. Foram descritos e amostrados 5 perfis ao longo de uma linha de drenagem em função da variação topográfica. Além da morfologia, foram coletadas amostras para realização de análises físicas, químicas e mineralógicas. Os separados do solo foram determinados pelo método do densímetro, empregando-se o hexametafosfato de sódio como agente dispersante; o carbono orgânico foi determinado pela oxidação com bicromato de potássio; o cálcio, magnésio e alumínio trocáveis foram extraídos com solução de cloreto de potássio normal e determinados por titulação. O potássio foi determinado pelo método fotométrico diretamente no extrato do solo obtido com ácido clorídrico 0,05 N e a acidez trocável (H+Al) pelo método volumétrico com extração pelo acetato de cálcio normal a pH 7,0.

Figura 1
- Principais aspectos geológicos, geomorfológicos e localização dos perfis da área de estudo.

Os perfis selecionados e analisados foram os seguintes: Perfil 1: LA - Latossolo Amarelo muito argiloso; Perfil 2: PAL: Podzólico Amarelo latossólico argiloso; Perfil 3: PA - Podzólico Amarelo com fragipã textura média/muito argilosa; Perfil 4: PC - Podzólico Acinzentado com fragipã, textura média/muito argilosa; Perfil 5: Pd - Podzol com duripã textura arenosa/média.

Foi também coletado um perfil do PAL em área recentemente desmatada, com o intuito de observar as variações das propriedades do solo quando cultivado com cana-de-açúcar. A CTC da fração argila sem matéria orgânica foi calculada atribuindo-se o valor de 2000 mmolcdm-3 g de argila para a matéria orgânica. O ataque sulfúrico foi feito de acordo com o método descrito em EMBRAPA (1979). Em horizontes selecionados foi identificado o mineral de argila. Para isso, a amostra de solo recebeu tratamento adequado (Jackson, 1969), para eliminação dos agentes cimentantes e dispersão do solo. Após a obtenção da fração argila, por sifonação, amostras foram saturadas com K e com Mg. Após a eliminação dos cloretos, foram preparadas lâminas orientadas e irradiadas no intervalo de 3 e 32 2q, usando tubo de cobre.

A região estudada situa-se aproximadamente a 60 km de Maceió, Estado de Alagoas, na direção noroeste, em terras pertencentes a Usina Triunfo, na Fazenda São José. Climaticamente a região é caracterizada por apresentar um período seco e quente, coincidindo com os meses de setembro a janeiro e um período chuvoso intenso no período maio a agosto, porém com temperatura média de 26°C. A quantidade de chuvas no ano está na faixa de 1450 mm.

Geomorfologicamente a região é caracterizada por uma associação de tabuleiros (termo regional utilizado para designar a porção mais plana da paisagem) e vales profundos. Os tabuleiros apresentam interflúvios planos, geralmente entalhados por canais de margens abruptas. Localmente, estão dissecados em forma de colinas convexas de topos concordantes, formando uma topografia ondulada. Os topos tabulares em geral coincidem com os sedimentos cenozóicos do Grupo Barreiras, enquanto que os modelados de dissecação homogênea se desenvolvem através desses sedimentos atingindo eventualmente as rochas do embasamento cristalino. A cobertura é composta por material de textura heterogênea, dominantemente argilosa na área de estudo, tendo na base encouraçamentos ferruginosos retrabalhados. Este material superficial tem características de latossolo e se encontra muito lixiviado, com declividade de 0 a 3%. As escarpas são íngremes e os vales largos, de fundo chato. Nesta área dessecada ocorrem colinas de topos abaulados, eventualmente aguçados.

Observa-se que os tabuleiros são de natureza argilosa a muito argilosa, aparentemente homogêneos, profundos, de topografia plana a suavemente ondulada. As bordas são íngremes, com encostas escarpadas e profundas, com diferença de nível entre 60 a 100 m (Figura 1). No final das escarpas pode ocorrer material do complexo cristalino. Aparentemente os tabuleiros são homogêneos quanto a topografia e os solos. Entretanto, num exame mais acurado, observa-se que ao longo do relevo plano ocorrem pequenas depressões, muitas vezes numa pequena variação de nível, de 1 a 2 metros e numa pequena extensão, 1000 a 2000 metros. A drenagem dos solos nesta associação "área plana com depressão" é alterada, passando de uma drenagem moderada a imperfeita na depressão. Consequentemente, as características do solo, nesta sequência, são também modificadas. O uso atual dos tabuleiros nesta região é basicamente a cana-de-açucar, cultivada por mais de 15 anos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Morfologia e granulometria: Na região dos tabuleiros, apesar de apresentar uma topografia plana a suave ondulada e aparentemente uniforme, possui uma característica bastante peculiar relacionada a um micro relevo formado por depressões de formato irregular, tendendo a circular. Os latossolos, no caso representado pelo perfil 1 (Figura 2) ocupa as posições de transição no limite entre a escarpa e o tabuleiro. Curiosamente, é esta a posição de melhor drenagem interna, onde a água pode-se movimentar para a escarpa ou para as depressões caracterizada pelo micro-relevo. O perfil que aí se desenvolve, tem características latossólicas, e o seu exame (TABELA 1) não evidenciou índices de encharcamento temporário. Chama a atenção, entretanto, pequenas pontuações de cores tendendo para o cinza na transição dos horizontes A para o B. Aliás tal característica é comum nos latossolos desta região, inclusive em perfis de mata. Indo em direção às depressões desenvolve os solos com características de drenagem imperfeita, perfis 4 e 5 (Figura 2), evidenciado pelas cores acromáticas de elevada tonalidade com mosqueados. Entre os perfis 1 e 4, desenvolve-se os perfis intermediários de drenagem moderada.

Figura 2
- Esquema sem escala de sequência de solos amostrados em função da posição de ocorrência no relevo.

É inevitável que a medida que se dirige do perfil 1 ao perfil 5, posição mais alta a posição mais baixa, haverá maior concentração de umidade nesta direção, ocasionando tanto pelo escoamento superficial como pelo fluxo subsuperficial, o que irá influir diretamente no processo genético dos solos que aí ocorrem.

Morfologicamente estes solos têm uma característica em comum, relacionado a consistência no estado seco. De maneira geral, e isto se aplica a maioria dos solos de tabuleiro do Estado de Alagoas, eles desenvolvem uma consistência muito dura a extremamente dura, fazendo com que se tenha uma falsa idéia de compactação. Esta consistência muito desenvolvida é mais caracterizada nos horizontes superficiais de textura média a argilosa. Devido a este elevado grau de consistência e associado ao uso agrícola, a estrutura dos horizontes A é modificada, regra geral sendo maciça, muito coesa. Nos horizontes B, prncipalmente dos perfis 1 a 3, a estrutura passa a ser em blocos subangulares, porém de grau moderado a fraco.

O desenvolvimento radicular em profundidade nestes solos é pobre, decrescendo, entretanto, do perfil 1 e 2 aos perfis localizados nas depressões. Nos horizontes inferiores destes perfis as raízes tendem a se desenvolver apenas nas fraturas existentes.

Outro aspecto morfológico que chamou a atenção na topossequência, foi a formação de horizontes densos (Figura 2), inicialmente quebradiços, no caso do fragipã dos perfis 3 e 4 e posteriormente completamente endurecidos, no caso dos duripãs nos perfis 4 e 5. Aparentemente a formação destas camadas está associada a posição de ocorrência dos perfis no relevo. Nas depressões, posição dos perfis 4 e 5 há acumulação do ferro, já discutido, e seguramente da sílica amorfa, que agirá também como cimento provocando a formação destas camadas endurecidas. A profundidade e o grau de desenvolvimento destas camadas depende, portanto, da topografia, tendo em vista que a formação desses horizontes é comandada pela deficiência de drenagem com os consequentes ciclos de umedecimento (com saturação) - secagem e oxidação - redução como observado também por Jacomine (1974). Nestas variações do lençol freático, desenvolve mosqueados típicos de material plíntico (TABELA 1), aliás precursor das lamelas de laterita.

A argila dispersa em água (TABELA 2) tem refletido o caráter de evolução dos solos. A maior dispersão das argilas nos horizontes superficiais está relacionada ao teor de matéria orgânica. A medida que se dirige para horizontes mais inferiores, a argila dispersa tende a zero nos perfis 1 e 2 (perfis mais intemperizados), fazendo-se entretanto, presente nos demais perfis, menos intemperizados. Aliás a relação silte/argila reflete justamente este caso. No perfil 1 ela é extremamente baixa, aumentando nos demais perfis com valores máximos no P5.

Os dados morfológicos e granulométricos do perfil recém desmatado quando comparados com o perfil similar (perfil 2) não indicam alterações profundas. Morfologicamente, a acentuada coesão da determinação da consistência no estado seco é a mesma, sendo muito duro nos horizontes mais inferiores. As raízes tendem a se concentrar na superfície, apesar da área ter sido de mata. Em profundidade no horizonte Bt, ocorre um pouco de cerosidade. A argila dispersa em água nos horizontes mais inferiores tende a zero como no P2, e a relação silte/argila está na mesma faixa.

Químicas: Quimicamente todos os perfis estudados são dessaturados (distróficos e/ou álicos) e alterados pelo uso agrícola. O teor de carbono orgânico no geral decresce em profundidade, com valores na superfície na faixa de 14,4 e 10,3 gkg-1 nos perfis de melhor drenagem e de 16,8 a 19,0 gkg-1 nos perfis de drenagem mais imperfeita (TABELA 3). Tais valores não diferem muito de dados encontrados em solos argilosos cultivados também com cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (Demattê, 1993). Por outro lado, compa-rando-se um perfil recém desmatado com o perfil 2, observa-se uma redução da matéria orgânica na camada superficial de 14,3 a 10,3 gkg-1. Em profundidade a alteração se manifestou até a altura do horizonte Bt1. A redução do teor de matéria orgânica de um solo com mata quando comparado com um solo cultivado se deve ao aumento da taxa de decomposição da matéria orgânica estabilizada devido ao desequilíbrio ocasionado pelo cultivo (Sanchez, 1976). Outro fato característico, se refere a presença de matéria orgânica em profundidade nos planos de clivagem, principalmente nos perfis 4 e 5.

Os solos sob vegetação natural em geral são pobres em fósforo. Entretanto, devido as atividades agrícolas de adubação, o teor deste nutriente tende a aumentar em concentração nos horizontes superficiais. Os teores passaram de 2 mgdm-3, no perfil recém desmatado, para valores em torno de 40 mgdm-3 no P2. Neste aspecto, houve um enriquecimento dos solos. A concentração deste nutriente na superfície se deve a sua pouca mobi-lidade no solo. Da mesma maneira que o fósforo, os solos de tabuleiro são pobres em potássio e com as adubações houve um sensível enriquecimento.

Os demais cátions trocáveis, cálcio e magnésio, também podem ser alterados com as práticas de calagem, não muito comum nesta região canavieira do Brasil. Comparando-se o perfil recém desmatado com o similar P2, pode-se notar um ligeiro empobrecimento em termos de Ca e Mg, tendo como principal consequência o aumento do teor de alumínio no P2. Enquanto o perfil sob mata é distrófico o P2 é álico.

A CTC do solo tem refletido as características dos perfis e do ambiente de drenagem. Nos solos de melhor drenagem (P1 a 3) ela decresce em profundidade numa direta correlação com o teor de matéria orgânica, uma vez que o teor de argila não é alterado significativamente nos horizontes inferiores (TABELA 2). Os valores da CTC estão na faixa de 26 a 27 mmol cdm-3 de solo para o LA (perfil 1, solo mais intemperizado) e 48 a 55 mmolcdm-3 de solo para o PA (perfil 3, menos intemperizado). Entretanto, quando se observa o valor da CTC para os perfis de menor drenagem, nota-se que são mais elevados do que o P1 ou P2 tanto para os horizontes superficiais como subsuperficiais, indicando um menor intemperismo.

Mineralogia: Tomando-se os horizontes inferiores para a comparação entre os perfis (TABELA 4), pode-se observar que eles refletem a tendência do intemperismo. No LA o valor da CTC da fração argila está na faixa de 26 a 30 mmolc dm-3, passando para 56 a 68 mmolcdm-3 no PAL, na faixa de 86 no PA e valores acima de 10 mmolcdm-3 nos perfis PC Pd. Considerando que tais valores refletem uma composição mineralógica representado por caulinita/gibbsita no LA, caulinita no PA e mistura caulinita e minerais 2:1 no perfil 5. Isto indica que os perfis mais intemperizados são os representados pelos latossolos e os menos intemperizados pelos perfis PC e Pd.

Sendo o perfil de melhor drenagem, a dessicalicatização é mais intensa e a tendência é a formação de minerais menos ativos, como a caulinita, que domina, com pouca contribuição de gibbsita. A medida que a drenagem vai ficando mais restrita, a hidrólise é parcial e há uma tendência a dessilicatização intermediária (Jackson, 1965), ou monossilicatização (Melfi & Pedro, 1978), com dominância de caulinita, passando para uma bissilicatização nos perfis de drenagem imperfeita, como ocorrência de minerais 2:1, no caso micas e os interestratificados 10 a 14A. Nesta sequência, o índice Ki passa da faixa de 1,6 do LA para 2,6 no Pd.

As diversas observações relacionadas aos aspectos pedológicos permitem algumas considerações. Em termos de material de origem, no caso material da Formação Barreiras, até a profundidade estudada (2,00 m) aparentemente ele é uniforme sem evidências de deposições. A textura do material é argilosa a muito argilosa, haja visto os teores de argila dos perfis 1 ao 4, com valores entre 540 e 670 gkg-1. A relação areia fina sobre areia grossa (TABELA 2) não mostra nenhuma discrepância que possa indicar alguma heterogeneidade de material. Portanto, pode-se tomar como válida a afirmação de que os processos de formação dos solos na sequência do perfil 1 ao 5 (Figura 2) se deveu basicamente a influência do relevo, ou mais especificamente da drenagem interna. Nesta sequência, observa-se a formação um horizonte melhor estruturado, no caso o Bt dos perfis PAL e PA, possivelmente pela ação do fluxo lateral (Moniz & Buol, 1982) e também por translocação de argila conforme constatado em exame morfológico. Há início da diminuição progressiva do teor de argila nos horizontes superficiais. O gradiente textural tende a aumentar do perfil LA ao Pd. Nos perfis PC e Pd, devido ao encharcamento mais prolongado, além da translocação das argilas, ocorre a destruição parcial destas argilas num processo de degradação (Miller, 1983) confirmado por cores de gleização normalmente presentes no topo do horizonte B. Com isso, desenvolve-se horizontes de intensa lixiviação e perda de argila (horizonte E) dos perfis PC e Pd. Aliás, no perfil PC é comum notar línguas de penetração do horizonte E no horizonte argílico (Figura 2), o que vem corroborar com a destruição parcial do Bt. Além do mais, no horizonte E pode-se constatar pontuações mais argilosas semelhantes ao horizonte Bt.

Neste aspecto, a ação da matéria orgânica é fundamental. Nos perfis PC e Pd ela está desestabilizada onde ocorre preenchimento das fendas dos horizontes inferiores, mal ligada a matéria mineral. Associado a este fato há a formação do Bh no perfil Pd.

Outra característica marcante nesta sequência se refere a formação dos nódulos e lamelas de óxido de ferro, delgadas e irregulares no PAL e PA e mais espessa e contínua no PC e Pd. As condições físico-químicas que permitem o desenvolvimento das camadas ferruginosas, como indicam Alexander & Cady (1962) e Lucas et al. (1984), mudam também progressivamente. Esta mudança já se inicia com o decréscimo do teor de argila no PAL e PA. A formação dos fragipãs, inicialmente delgados e heterogêneos (perfis PAL e PA), culminam com camadas espessas de duripã no perfil Pd, seguindo a mesma tendência das camadas ferruginosas.

Devido ao encharcamento temporário, pouco espesso e localizado próximo a superfície do perfil PAL (este influenciado pelo lençol freático) ocorre favorecimento da alternância umectação-dessecação, para a destruição parcial ou total dos compostos minerais (processo de acidólise segundo Melfi & Pedro, 1978). Neste processo, a importância da ação da matéria orgânica é fundamental como demonstravam Duchaufour (1977) e Pedro (1979) na desestabilização e transporte dos compostos minerais, principalmente nos perfis PL e Pd. As áreas mais argilosas na massa dos horizontes E nada mais seriam do que relíquias de horizontes mais argilosos.

O conjunto de informações aqui obtidos, leva a pensar que a sequência Latossolo-solos Podzólicos-Podzóis, se desenvolve sobre os mesmos alteritos do sedimento Barreiras. As diferenças de textura entre os diversos solos seriam devidas não a descontinuidade litológica, mas sim a processos de dissoluções, migrações e neoformações in-fluenciados pelos fluxos hídricos no solo.

CONCLUSÕES

Um dos principais fatores de formação dos solos desta topossequência é o relevo representado pela drenagem. Aparentemente os solos estudados são originados de um mesmo material de origem, no caso da Formação Barreiras, com o Latossolo Amarelo sendo o membro de melhor drenagem e o Podzol, o representante de pior drenagem. Entre estes extremos desenvolveram o Podzólico Amarelo latossólico, o Podzólico Amarelo com fragipã, e o Podzólico Acinzentado com fragipã e/ou duripã. O desenvolvimento das formações especiais fragipã, duripã e as lamelas de óxidos de ferro, tendem a se desenvolver a medida que a drenagem fica mais restrita. A composição mineralógica do Latossolo é representada pela caulinita/gibbsita, enquanto que o Podzol é representado pela caulinita e minerais de grade 2:1. O aumento do gradiente textural do P1 ao P5 se deve a destruição parcial ou total dos minerais de argila devido ao encharcamento temporário, auxiliado pela desestabilização da matéria orgânica. Com mais de 15 anos de cultivo com cana-de-açúcar, os solos ficaram mais empobrecidos em bases e matéria orgânica.

Recebido para publicação em 20.10.94

Aceito para publicação em 04.07.95

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 1999
  • Data do Fascículo
    Jan 1996

Histórico

  • Aceito
    04 Jul 1995
  • Recebido
    20 Out 1994
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