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Reflectância espectral e mineralogia de materiais formados sobre diabásio

Spectral reflectance and mineralogy of soil materials developed from diabase

Resumos

O presente estudo teve por objetivo caracterizar diferentes fases de intemperismo de um solo e relacioná-las com seu comportamento espectral. Um perfil pedológico desenvolvido sobre diabásio da região de Capivari-SP, foi descrito morfologicamente, identificando-se seis fases de alteração. Os atributos analisados foram granulometria, composição química e mineralógica. A reflectância espectral do solo foi avaliada em laboratório através de espectrorradiômetro na faixa de 300 a 2500 nm. O perfil apresentou grau de intemperismo moderado, o que foi evidenciado pela alta relação silte/argila observada abaixo do horizonte Bi. Os horizontes subsuperficiais também apresentaram alto teor de nutrientes, especialmente P, Ca e Mg, que estavam relacionados com a presença em subsuperfície de saprolito com razoável reserva de minerais intemperizáveis. A evolução dos minerais primários iniciou pela formação de óxidos de ferro e de argilas 2:1, como vermiculita ou vermiculita-esmectita, que foram transformadas em caulinita e gibbsita em direção ao topo do perfil. Na medida em que ocorreram alterações na composição mineralógica no perfil, foram verificadas variações nos dados espectrais. Basicamente a reflectância foi influenciada diferenciadamente pela ocorrência de óxidos de ferro, diferentes tipos de argilas e minerais primários como piroxênios e magnetita.

caulinita; reflectância espectral; gibbsita; rocha básica; vermiculita-esmectita


The aim of this study was to characterize soil materials with different degrees of weathering and then associate their composition with their spectral behavior. One pedological profile developed from diabase was studied in Capivari-SP, Brazil. The morphological description allowed to separate six phases of rock-soil alteration. Afterwards, granulometry, chemical and mineralogical analysis were carried out. The soil spectral reflectance was evaluated with a laboratory spectroradiometer using the wavelength range of 300 to 2500 nm. The profile was moderately weathered as evidenced by a high silt/clay ratio, found below the Bi horizon. Subsurface horizons also presented high nutrient status, especially for P, Ca and Mg, which was related to the occurence of saprolite with an abundance of easily weathered minerals. The mineral evolution began with the precipitation of iron oxides and 2:1 clay minerals, like vermiculite and vermiculite-smectite, and this led to the formation of kaolinite and gibbsite in the upper part of the soil profile. Spectral behavior generally was in conformity with their mineralogical composition, pointing out to the presence of iron oxides, various groups of clays and primary minerals, such as pyroxenes and magnetite.

caolinite; spectral reflectance; gibbsite; basic rock; vermiculite-smectite


Reflectância espectral e mineralogia de materiais formados sobre diabásio

Celso Augusto Clemente1*; José Alexandre Melo Demattê1; Álvaro Luiz Mafra2,4; Sérgio Ricardo Portes Bentivenha3,5

1Depto. de Solos e Nutrição de Plantas - USP/ESALQ, C.P. 9 - CEP: 13418-900 - Piracicaba, SP.

2Pós-Graduando do Depto. Solos e Nutrição de Plantas - USP/ESALQ.

3Depto. de Ciências Florestais - USP/ESALQ.

4Bolsista CNPq.

5Bolsista CAPES.

*Autor correspondente <caclemen@carpa.ciagri.usp.br>

RESUMO: O presente estudo teve por objetivo caracterizar diferentes fases de intemperismo de um solo e relacioná-las com seu comportamento espectral. Um perfil pedológico desenvolvido sobre diabásio da região de Capivari-SP, foi descrito morfologicamente, identificando-se seis fases de alteração. Os atributos analisados foram granulometria, composição química e mineralógica. A reflectância espectral do solo foi avaliada em laboratório através de espectrorradiômetro na faixa de 300 a 2500 nm. O perfil apresentou grau de intemperismo moderado, o que foi evidenciado pela alta relação silte/argila observada abaixo do horizonte Bi. Os horizontes subsuperficiais também apresentaram alto teor de nutrientes, especialmente P, Ca e Mg, que estavam relacionados com a presença em subsuperfície de saprolito com razoável reserva de minerais intemperizáveis. A evolução dos minerais primários iniciou pela formação de óxidos de ferro e de argilas 2:1, como vermiculita ou vermiculita-esmectita, que foram transformadas em caulinita e gibbsita em direção ao topo do perfil. Na medida em que ocorreram alterações na composição mineralógica no perfil, foram verificadas variações nos dados espectrais. Basicamente a reflectância foi influenciada diferenciadamente pela ocorrência de óxidos de ferro, diferentes tipos de argilas e minerais primários como piroxênios e magnetita.

Palavras-chave: caulinita, reflectância espectral, gibbsita, rocha básica, vermiculita-esmectita

Spectral reflectance and mineralogy of soil materials developed from diabase

ABSTRACT: The aim of this study was to characterize soil materials with different degrees of weathering and then associate their composition with their spectral behavior. One pedological profile developed from diabase was studied in Capivari-SP, Brazil. The morphological description allowed to separate six phases of rock-soil alteration. Afterwards, granulometry, chemical and mineralogical analysis were carried out. The soil spectral reflectance was evaluated with a laboratory spectroradiometer using the wavelength range of 300 to 2500 nm. The profile was moderately weathered as evidenced by a high silt/clay ratio, found below the Bi horizon. Subsurface horizons also presented high nutrient status, especially for P, Ca and Mg, which was related to the occurence of saprolite with an abundance of easily weathered minerals. The mineral evolution began with the precipitation of iron oxides and 2:1 clay minerals, like vermiculite and vermiculite-smectite, and this led to the formation of kaolinite and gibbsite in the upper part of the soil profile. Spectral behavior generally was in conformity with their mineralogical composition, pointing out to the presence of iron oxides, various groups of clays and primary minerals, such as pyroxenes and magnetite.

Key words: caolinite, spectral reflectance, gibbsite, basic rock, vermiculite-smectite

INTRODUÇÃO

As rochas básicas são consideradas um importante material de origem de solos, contribuindo para sua fertilidade em função do predomínio de minerais facilmente intemperizáveis e ricos em cátions, destacando-se os feldspatos calco-sódicos e piroxênios (Resende et al., 1995).

O conhecimento dos fatores responsáveis pela transformação dos minerais e formação dos solos a partir das rochas básicas vem sendo estudado em diversas condições na Bacia do Paraná (Formoso & Pintande, 1978; Levi & Melfi, 1972; Melfi & Levi, 1971; Moniz et al., 1973;). Mais recentemente, na região de Piracicaba, onde as rochas básicas aparecem sob a forma de diques e sills de diabásio, alguns trabalhos foram efetuados caracterizando detalhadamente a evolução dos minerais e as respectivas alterações nos elementos presentes no solo (Clemente & Marconi, 1994; Demattê & Marconi, 1991; Demattê et al., 1991; Marconi, 1991).

A avaliação do comportamento espectral de solos é relativamente recente no Brasil e tem sido empregada como uma ferramenta auxiliar, visando identificar seus constituintes, auxiliando no levantamento e classificação de solos (Epiphanio et al., 1992). Em alguns casos, tem se encontrado relação entre a reflectância espectral e os atributos físico-químicos dos solos (Demattê, 1995; Valeriano et al., 1995). Seu emprego na caracterização das alterações mineralógicas durante a pedogênese é um procedimento pouco aplicado nos estudos de intemperismo das rochas (Demattê et al., 1999). Essa técnica pode contribuir neste sentido, salientando a praticidade e rapidez no preparo das amostras.

O objetivo deste trabalho foi avaliar uma seqüência de alteração intempérica de um diabásio, visando caracterizar os materiais formados nos seus atributos físicos, químicos e mineralógicos e relacioná-los com o comportamento espectral dos solos.

MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo localiza-se no município de Capivarí-SP, às margens da Rodovia do Açúcar, km 135, em posição de meia encosta, com relevo local ondulado e relevo regional suave ondulado a ondulado. O solo é formado a partir de diabásio pertencente as Intrusões Básicas Tabulares (Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1981). Essa rocha forma um dique com aproximadamente 500 m de largura, sendo circundada por folhelhos da Formação Itararé. O clima regional é mesotérmico úmido subtropical com inverno seco, tipo Cwa, segundo Köppen. A precipitação média anual varia de 1100 a 1700 mm, concentradas nos meses de verão (Brasil, 1960). A vegetação original na região era floresta latifoliada tropical (Ranzani et al., 1966). Atualmente esses solos são cultivados com cana-de-açúcar.

A sequência de intemperismo foi estudada ao longo de um perfil abrangendo os horizontes pedológicos, a camada de alteração e o substrato rochoso. Inicialmente efetuou-se a descrição morfológica do solo, separando-se os horizontes e identificando-se cor, textura, estrutura e consistência (Lemos & Santos, 1996).

As amostras de terra referentes aos diferentes materiais retirados do perfil foram secas em estufa a 45°C, procedendo-se a caracterização física, química e mineralógica, de acordo com Camargo et al. (1986). A granulometria do solo foi determinada pelo método do densímetro. As determinações químicas efetuadas na terra fina seca ao ar foram pH em água e CaCl2, carbono orgânico, P, Ca2+, Mg2+, K+, H+ + Al3+e CTC. O teor de Fe total foi quantificado no extrato obtido pelo ataque sulfúrico. A identificação dos minerais foi feita por difratometria de raios-X na forma orientada para a fração argila e na forma de pó para o silte (Camargo et al., 1986). Os minerais presentes na rocha foram identificados por microscopia ótica em lâminas delgadas. A caracterização mineralógica dos diferentes materiais foi complementada pela observação em microscópio eletrônico de varredura e por análise com microssonda.

Os dados espectrais dos solo foram determinados em laboratório através do espectrorradiômetro IRIS ("Infra-Red Intelligent Spectroradiometer"), (GER, 1996), que apresenta resolução espectral de 2 nm entre 300 e 1000 nm e de 4 nm entre 1000 e 2500 nm, o que inclui as faixas do visível e infravermelho próximo. As amostras de terra fina seca ao ar foram moídas e peneiradas em malha de 0,1 mm e dispostas em placas de petri de 9 cm de diâmetro. O sensor foi posicionado verticalmente à 27 cm do alvo. Foi utilizada como fonte de radiação uma lâmpada halógena de 650 W e refletor parabólico com feixe não colimado. Essa lâmpada foi posicionada à 61 cm da amostra, com ângulo zenital de 15o. Foi utilizada como padrão uma placa branca com 100 % de reflectância calibrada pela Labsphere (1996). A razão entre o fluxo radiante refletido na amostra de solo e o fluxo radiante refletido pela placa padrão gera o fator de reflectância bidimensional (Nicodemus et al., 1977). Os dados espectrais passaram por um "software" denominado CONVIRIS, para calibração dos dados radiométricos. Foram realizadas 3 leituras para cada amostra, cuja média foi utilizada no trabalho, estando em conformidade com Demattê et al. (1999).

As feições de absorção presentes nas curvas espectrais foram avaliadas descritivamente (Figura 1) procedendo-se sua classificação de acordo com os tipos de curvas determinados por Stoner & Baumgardner (1981). As avaliações quantitativas foram intensidade de reflectância média, largura e profundidade das feições de absorção. A área correspondente às concavidades em diferentes faixas espectrais relacionadas com os constituintes do solo, foi determinada pelo método das pesagens.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Descrição morfológica do solo

O perfil de solo formado a partir do diabásio apresenta a porção superior correspondente ao horizonte Ap alterada pelo preparo do solo para a cultura da cana-de-açúcar. O material é argiloso, com coloração bruno-avermelhada escuro e com consistência friável (TABELA 1). O horizonte B apresenta grande quantidade de material pouco intemperizado, designado de saprolito. A textura é argilosa e a coloração da matriz é bruno-avermelhada, passando para vermelho-amarelo no saprolito. A base do perfil é formada por materiais pouco alterados, com predomínio de matacões da rocha sã e saprolito escuro, com textura média arenosa e arenosa (Figura 2).


Do ponto de vista morfológico o perfil apresenta uma espessura média, com horizonte B atingindo cerca de 140 cm de profundidade e grande quantidade de saprolito, indicando uma condição moderada de intemperismo. Essa evolução está condicionada principalmente pelo relevo ondulado, que limita a quantidade de água que infiltra no solo.

Granulometria

Os horizontes A e BA apresentam maior teor de argila, com 440 e 510 g kg-1, respectivamente (TABELA 2). A partir do horizonte Bi os materiais tornam-se mais arenosos, com os teores de argila abaixo de 160 g kg-1. O maior teor de argila nos horizontes superficiais evidencia um material mais evoluído do ponto de vista pedogenético, com maior presença de minerais secundários. Entre as areias, há predomínio da fração fina, com teores de 120 a 380 g kg-1, representando de 36 a 68 % do total da fração areia. O predomínio da fração areia fina, guardando uma proporção relativamente semelhante ao longo do perfil, é uma evidência da filiação dos materiais em relação à rocha subjacente. Outra evidência que indica autoctonia dos materiais é a presença de magnetita herdada do diabásio, a qual é observada em todos os horizontes.

Os teores de silte variam entre 160 e 360 g kg-1, com maiores valores em subsuperfície, abaixo do horizonte Bi. Os teores de silte relativamente elevados, notadamente em subsuperfície (>300 g kg-1), com relação silte/argila variando de 2,2 a 4,5, evidenciam uma evolução pedogenética moderada, com o predomínio de materiais relativamente pouco intemperizados.

Atributos químicos do solo

O solo analisado apresenta altos teores de fósforo e cátions básicos (Ca2+, Mg2+ e K+). O pH em água é próximo à neutralidade, variando entre 6,1 a 7,3. A matéria orgânica é concentrada no horizonte superficial, com teor de 42 g kg-1, passando para valores menores do que 7 g kg-1 em subsuperfície (TABELA 3). Os altos teores de nutrientes no horizonte superficial resultam, em parte, das adubações efetuadas na cultura da cana-de-açúcar. A maior CTC observada neste horizonte está relacionada com teores elevados de matéria orgânica. No horizonte BA, nota-se um decréscimo nos teores de P e cátions, uma vez que o efeito das adubações não se verifica. A partir do horizonte Bi, os teores de nutrientes tornam-se mais elevados, em função da presença de minerais intemperizáveis no saprolito.

O teor de ferro total é maior nos horizontes Bi e CB, com teores de 156 e 151 g kg-1, o que pode ser interpretado como um acúmulo relativo desse componente, em função das perdas de cátions e silício durante o intemperismo.

Mineralogia e evolução intempérica

Os minerais predominantes na rocha são os plagioclásios cálcicos e os piroxênios, aparecendo secundariamente a magnetita e a apatita. A proporção entre os feldspatos e piroxênios em diabásios tem mostrado variações. Demattê & Marconi (1991), caracterizando um diabásio da região de Piracicaba, verificaram a predominância de plagioclásios, representando 56 % do volume da rocha, enquanto que os piroxênios (augita), compunham 25 % do material. Já em outra amostra dessa rocha proveniente de Capivarí-SP, Clemente & Marconi (1994) encontraram 43 % de plagioclásios (labradorita), com os piroxênios (pigeonita) ocorrendo na proporção de 48 % da rocha.

Os minerais presentes na fração silte mostram variação dependendo do estágio de intemperismo. A alterita, correspondente ao horizontes C/R1 e C/R2, apresenta picos intensos de plagioclásios, especialmente em 0,39; 0,37; 0,32; 0,30 e 0,25 nm. Alguns desses picos são coincidentes com a magnetita, também encontrada na rocha, destacando-se as difrações em 0,30; 0,25; 0,21 e 0,161 nm (Figura 3). Os piroxênios não são constatados evidenciando sua degradação logo nos primeiros estágios de alteração da rocha. Nos horizontes superiores, tanto BC quanto no saprolito pertencente ao horizonte Bi, os picos característicos dos plagioclásios são menos evidentes, indicando sua alteração, formando possivelmente minerais de argila. Um dos indícios dessa alteração é o aparecimento de picos da gibbsita, em 0,48 e 0,44 nm,como também de vermiculita (1,4 nm), identificáveis nos horizontes CB e Bi. Na matriz do horizonte Bi e no saprolito observa-se a ocorrência de quartzo, com picos característicos em 0,43; 0,33; 0,24; 0,21; 0,18 e 0,16 nm. Este mineral pode ser herdado da rocha ou neoformado. A ilmenita constitui outro mineral herdado da rocha constatado no horizonte Bi, com picos em 0,37; 0,28 e 0,22 nm.


Na fração argila observam-se alterações marcantes em virtude do intemperismo. Nos materiais menos intemperizados, como nas alteritas da base do perfil e nos horizontes BC e no saprolito do horizonte Bi, observam-se picos de minerais 2:1 em 1,40 a 1,58 nm, identificados como vermiculita e vermiculita-esmectita (Figuras 4a a 4d). A intensidade dos picos nesses materiais pode ser um indicativo da participação dos diferentes minerais de argila. Nas alteritas, os picos da caulinita em 0,70 e 0,35 nm são menos intensos em relação aos minerais 2:1, indicando maior proporção destas argilas mais silicatadas (Figuras 4c e 4d). No horizonte CB e no saprolito do horizonte Bi, a intensidade dos picos referentes a caulinita e aos minerais do tipo 2:1 foi equilibrada, indicando a coexistência entre esses constituintes. A gibbsita, com picos em 0,48 e 0,43 nm e o quartzo (0,33 nm) também podem ser identificados. Já o material presente na matriz bruno-avermelhada do horizonte Bi, apresentou picos bem definidos de caulinita e de gibbsita, com presença secundária da vermiculita (Figura 4a).


A observação dos materiais em microscopia eletrônica de varredura, juntamente com as microanálises de raios-X, complementou a identificação dos constituintes minerais presentes nas diferentes fases de alteração do diabásio. Na base do perfil, onde aparece maior quantidade de material com aspecto litológico, os minerais primários encontram-se mais preservados. Nestas zonas, especialmente na alterita coesa (C/R2) observou-se um predomínio de minerais do tipo 2:1, aparecendo em microvazios, formando pontuações com aspecto granular (Figura 5a). Na alterita friável (C/R1) coexistem os minerais de argila do tipo 2:1, 1:1 e óxidos de ferro, formando uma matriz de aspecto granular que ocupa as fissuras e aparece recobrindo maiores áreas (Figura 5b). Observa-se também menor participação dos minerais primários em relação ao material da alterita coesa. A distinção entre os minerais de argila e os compostos de ferro não é nítida, possivelmente pelo recobrimento parcial promovido pelos óxidos (Greenland et al., 1968).


Nos horizontes CB e Bi pode-se observar o predomínio de uma matriz argilosa que ocorre conjuntamente com partículas de tamanho silte, com menor quantidade de minerais primários. A caulinita é o mineral de argila mais comum e pode ser identificada pelo formato hexagonal em placas característico (Grim, 1968). No horizonte CB, os cristais de caulinita estavam distribuidos ao acaso, formando uma matriz com aspecto granular (Figura 5c). No saprolito do horizonte Bi, além desse material granular, foram identificados cristais de caulinita maiores e com empilhamento mais uniforme (Figura 5d).


A partir dessa caracterização mineralógica foi possível estabelecer uma sequência intempérica dos materiais. Entre os minerais primários, os piroxênios apresentaram-se quase completamente alterados desde a alterita coesa, o que pode ser confirmado pelo não aparecimento dos mesmos na fração silte. Os plagioclásios mostram-se mais resistentes ao intemperismo, permanecendo na fração silte dos materiais subsuperficiais, até o saprolito do horizonte Bi.

A evolução dos minerais secundários no solo iniciou pela formação dos óxidos de ferro, surgindo a hematita nas porções avermelhadas e goetita nas zonas amareladas. Os argilominerais presentes em maior proporção nos primeiros estágios de alteração são os 2:1, formados em condições de hidrólise parcial dos minerais primários (Melfi & Pedro, 1977). A vermiculita é o representante deste grupo identificado com mais destaque nos horizontes subsuperificiais (C/R, CB e Bi). Sua formação se dá pela transformação de micas (biotita), presente como mineral acessório no diabásio, pela perda de potássio interfoliar e substituição por cátions hidratados (Dixon & Weed, 1989). Um estágio mais avançado de evolução intempérica foi caracterizado pelo predomínio de caulinita, ocorrendo juntamente com gibbsita, especialmente nos horizontes superficiais. Sua formação acontece em condições de perda completa dos cátions e com remoção intensa de sílica. Esses minerais podem ter sido formados diretamente de minerais primários, ou por dessilicificação de argilas 2:1 (Melfi & Pedro, 1977).

Comportamento espectral do solo

A análise descritiva de acordo com Stoner & Baumgardner (1981), caracterizou o horizonte A como do Tipo 3, e os demais como do Tipo 5 (TABELA 4), não sendo nesse caso, um parâmetro adequado na discriminação das curvas espectrais de todos os horizontes (Figura 6). Por outro lado, as curvas espectrais apresentam variações entre os diferentes materiais, não detectados pela análise descritiva descrita por estes autores. Observando detalhadamente os aspectos descritivos e quantitativos das curvas espectrais dos horizontes, é possível detectar variações. O horizonte A apresenta menor reflexão da energia eletromagnética em praticamente todo espectro analisado, apresentando um fator de reflectância médio de 0,191 (TABELA 4). A curva espectral desse horizonte apresenta feições, tais como concavidades e saliências menos evidentes que as demais. Isso pode ser observado principalmente na faixa correspondente à atuação dos óxidos de ferro centrada em 850 nm (Vitorello & Galvão, 1996), concavidade esta entre 760 e 1200 nm e descrita quantitativamente com os menores valores de área em relação aos outros horizontes (TABELA 4). Esse comportamento está relacionado com a presença de matéria orgânica em maior quantidade no horizonte A, que proporciona maior absorção da energia incidente e provoca a atenuação do efeito dos minerais, tornando menos perceptíveis as inflexões presentes nesta curva (Baumgardner et al., 1970).


Já no horizonte BA, verifica-se um comportamento espectral diferenciado, aumentando-se a intensidade da curva, com os fatores de reflectância atingindo valores em torno de 0,30 a 0,35 nos comprimentos de onda superiores a 900 nm. O fator de reflectância médio desse material foi de 0,252 (TABELA 4). Além disso, observa-se mais nitidamente a concavidade em torno de 900 nm, provocada pelos óxidos de ferro (Vitorello & Galvão, 1996), com uma área de 4,35 nm. A maior intensidade de reflectância é atribuída ao menor teor de matéria orgânica desse material (TABELA 3), sobressaindo o efeito do ferro presente na amostra, concordando com Mathews et al. (1973) e Demattê & Garcia (1999).

Os horizontes Bi e CB mostram um comportamento espectral semelhante, com altas intensidades e fatores de reflexão médios de 0,332 e 0,354, respectivamente (TABELA 4). Esse aumento da intensidade das curvas em relação aos horizontes superficiais do solo é relacionado não só ao menor teor de matéria orgânica, como também a textura mais arenosa e a presença de minerais como o quartzo e feldspatos em subsuperfície. O efeito destes minerais primários sobre a intensidade de reflexão foi também observado por Hunt & Salisbury (1970), bem como por Demattê (1995). As formas dessas curvas são relativamente semelhantes, mostrando um certo paralelismo em todo espectro analisado. As concavidades devidas aos óxidos de ferro são evidentes na faixa de 800 a 1000 nm (Figura 6), concordando com Vitorello & Galvão (1996). Isso é evidenciado pelas maiores áreas e amplitudes da concavidade em relação aos horizontes superficiais (TABELA 4). As concavidades na região de 1900 nm, ocasionadas pelas vibrações moleculares da água em minerais (Lindberg & Snyder, 1972), são relacionadas com a presença de minerais de argila do tipo 2:1, concordando com Demattê et al. (1998). Aparecem também as concavidades na região de 2200 nm, manifestando a presença da caulinita, em função das vibrações dos grupos OH e Al-OH (Hunt & Salisbury, 1970). A banda em 2265 nm correspondente a gibbsita (Madeira Netto, 1996) apresentou-se nas curvas desses horizontes (Figura 6) ratificando o que foi observado nas análises mineralógicas. O aumento da intensidade de reflectância observado nas curvas entre os horizontes A e CB concorda com o trabalho de Demattê et al. (1999), que avaliaram diferentes fases de intemperismo de rochas básicas.

Em relação aos minerais de argila e sua relação com o comportamento espectral dos materiais, observaram-se maiores concavidades referentes à caulinita nos materiais intemperizados em relação a alterita coesa. Já para os minerais do tipo 2:1, as bandas de absorção em 1900 nm foram mais evidentes nos materiais dos horizontes Bi, CB e C/R2. As áreas das concavidades nesta faixa espectral foram de 4,35 a 7,76 nm, diminuindo em direção aos horizontes superficiais, onde as áreas foram de 2,18 e 2,65 nm (TABELA 4). Aliás, os minerais 2:1 como a montmorilonita e vermiculita apresentam feição de absorção mais acentuada em 1900 nm. O comportamento espectral desses minerais pode ser relacionado com sua abundância avaliada por difração de raios-X (Figura 4).

A curva referente ao horizonte C/R2 apresentou um fator de reflectância médio de 0,244, indicando uma reflectância intermediária entre as curvas dos horizontes BA e A (TABELA 4). Neste caso, a redução da reflexão foi devido à absorção da energia radiante principalmente pela magnetita, conforme descrito por Hunt et al. (1971), e ao baixo teor de matéria orgânica do horizonte. A concavidade na região de 900 a 1000 nm é mais larga em relação aos horizontes superficiais (A e AB, TABELA 4), o que está relacionado com a absorção da radiação pelo ferro no estado ferroso presente nos piroxênios. Estes constituintes também são responsáveis pela concavidade presente em 1900 nm (Hunt et al., 1974).

Pode-se verificar que na seqüência: horizonte A, BA, Bi, CB, C/R2, ocorreram alterações nos constituintes químicos e mineralógicos, o que provocou efeitos diferenciados nas características espectrais das amostras. Os minerais que mais influenciaram o comportamento espectral foram os óxidos de ferro, as argilas 2:1, a gibbsita e a caulinita, especialmente nos horizontes BA, Bi e CB. Os piroxênios e a magnetita evidenciaram seu comportamento espectral na alterita (horizonte C/R1). O comportamento espectral nesses casos foi concordante com os resultados obtidos pela difração de raios-X e microscopia eletrônica de varredura.

CONCLUSÕES

O perfil de solo estudado apresenta um grau de intemperismo moderado, relacionado com a presença de saprolito no horizonte B e pela média profundidade de alteração.

Os horizontes de subsuperfície têm textura média a arenosa, com presença considerável de minerais primários decomponíveis. O grau moderado de alteração é também expresso pela alta relação silte/argila a partir do horizonte Bi em direção a base do perfil e pelos níveis altos de nutrientes disponíveis, especialmente P, Ca e Mg.

A mineralogia evidencia uma evolução intempérica com predomínio de argilas 2:1 em subsuperfície. Em direção ao topo do perfil os produtos mais importantes do intemperismo são caulinita, gibbsita e óxidos de ferro.

Os dados espectrais detectaram, através de avaliações descritivas e quantitativas, as variações intempéricas verificadas pelas análises convencionais ao longo de um perfil, principalmente aquelas relacionadas à mineralogia da fração argila (minerais 2:1 e caulinita), os óxidos de ferro e gibbsita. Os piroxênios e a magnetita evidenciaram seu comportamento espectral na alterita. A matéria orgânica influenciou a intensidade de reflectância.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Prof. Dr. Quirinj de Jong van Lier (ESALQ/USP) pelo auxílio nas avaliações quantitativas referentes às curvas espectrais e ao Técnico em Microscopia Eletrônica Hélder Sampaio (IAG/USP), pela obtenção das micrografias em MEV e análises pontuais.

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Recebido em 18.02.99

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Mar 2000

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 1999
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