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Melhoramento do maracujazeiro-amarelo: obtenção do cultivar 'COMPOSTO IAC-27'

Breeding of yellow passion-fruit: development of the cultivar 'COMPOSTO IAC-27'

Resumos

Este experimento foi conduzido em Monte Alegre do Sul, SP, de 1995 a 1997, com o objetivo de se obter um cultivar de maracujá amarelo, homogêneo quanto à qualidade de fruto, de alta produtividade e bem aceito pelo mercado. Estudou-se o comportamento de 8 híbridos, obtidos em sucessivos ciclos de seleção recorrente, a partir de indivíduos pré-selecionados em pomares comerciais ou bancos de germoplasma. Foram avaliados desenvolvimento vegetativo, tipos de flores, período de florescimento e frutificação e produtividade. A análise qualitativa dos frutos incluiu peso, diâmetro longitudinal e transversal dos frutos; proporção da polpa e sua coloração, teor de sólidos solúveis totais (SST), número de sementes e classificação comercial. A melhor combinação desses fatores foi obtida em 'IAC-3', 'IAC-5' e 'IAC-7', que produziram frutos ovais, compactos, com elevada proporção de polpa alaranjada-intensa, peso médio de 170 a 218g, SST médio de 15°Brix e 51% de rendimento em polpa. A produtividade média foi de 45 a 50 t/ha/ano, com polinização manual, resultando em frutos do tipo 2A e 3A, com dimensões externas de 8,8 x 7,3 cm e 400 sementes/fruto. Essas três seleções atenderam às atuais exigências do mercado, sendo reunidas no 'COMPOSTO IAC-27', lançado como cultivar, em 1998.

Passiflora edulis; híbridos; qualidade de fruto; produtividade; maracujá


In order to obtain an acceptable yellow passion-fruit cultivar, productive and uniform in fruit quality, this research was carried out at Monte Alegre do Sul, SP, Brazil, from 1995 to 1997. The behavior of eight hybrids was studied. Vegetative growth, flower types, flowering and fruiting, yield, fruit quality (including fruit weight, fruit size, pulp, internal color, average seed number/fruit), total soluble solids (TSS) and commercial patterns were analysed. The best passion fruit cultivars were 'IAC-3', IAC-5' and 'IAC-7' hybrids, preseting curved-thread flowers (above 93%), yield of approximately 47 ton ha-1, oval and compact fruits, and an orange-intense pulp color; the average fruit weight was 170 g to 218 g, TSS varied between 15 and 16°Brix, equivalent to 51% of the pulp, with 400 seeds per fruit. Their fruits were rated in the two superior classes of the Brazilian fresh fruit market, being more than 8.8 cm long and 7.3 cm wide. Results indicated that these hybrids attend the São Paulo market exigence. They became the 'COMPOSTO IAC-27' cultivar.

Passiflora edulis; hybrids; fruit quality; passion-fruit


Melhoramento do maracujazeiro-amarelo: obtenção do cultivar 'COMPOSTO IAC-27'1 1 Trabalho apresentado no XV Congresso Brasileiro de Fruticultura, 1998, Poços de Caldas, MG. ,2 2 Parte da Tese de Doutorado da primeira autora apresentada à USP/ESALQ - Piracicaba, SP.

Laura Maria Molina Meletti3*; Rui Ribeiro dos Santos4; Keigo Minami5

3Instituto Agronômico, Centro de Fruticultura, C.P. 28 - CEP: 13001-970 - Campinas, SP.

4Instituto Agronômico, E.E. Monte Alegre do Sul, C.P. 01 - CEP: 13910-000 - Monte Alegre do Sul, SP. In memorian

5Depto. de Produção Vegetal - USP/ESALQ, C.P. 9 - CEP: 13418-900 - Piracicaba, SP.

*Autor correspondente <lmmm@barao.iac.br>

RESUMO: Este experimento foi conduzido em Monte Alegre do Sul, SP, de 1995 a 1997, com o objetivo de se obter um cultivar de maracujá amarelo, homogêneo quanto à qualidade de fruto, de alta produtividade e bem aceito pelo mercado. Estudou-se o comportamento de 8 híbridos, obtidos em sucessivos ciclos de seleção recorrente, a partir de indivíduos pré-selecionados em pomares comerciais ou bancos de germoplasma. Foram avaliados desenvolvimento vegetativo, tipos de flores, período de florescimento e frutificação e produtividade. A análise qualitativa dos frutos incluiu peso, diâmetro longitudinal e transversal dos frutos; proporção da polpa e sua coloração, teor de sólidos solúveis totais (SST), número de sementes e classificação comercial. A melhor combinação desses fatores foi obtida em 'IAC-3', 'IAC-5' e 'IAC-7', que produziram frutos ovais, compactos, com elevada proporção de polpa alaranjada-intensa, peso médio de 170 a 218g, SST médio de 15°Brix e 51% de rendimento em polpa. A produtividade média foi de 45 a 50 t/ha/ano, com polinização manual, resultando em frutos do tipo 2A e 3A, com dimensões externas de 8,8 x 7,3 cm e 400 sementes/fruto. Essas três seleções atenderam às atuais exigências do mercado, sendo reunidas no 'COMPOSTO IAC-27', lançado como cultivar, em 1998.

Palavras-chave:Passiflora edulis, híbridos, qualidade de fruto, produtividade, maracujá

Breeding of yellow passion-fruit: development of the cultivar 'COMPOSTO IAC-27'

ABSTRACT: In order to obtain an acceptable yellow passion-fruit cultivar, productive and uniform in fruit quality, this research was carried out at Monte Alegre do Sul, SP, Brazil, from 1995 to 1997. The behavior of eight hybrids was studied. Vegetative growth, flower types, flowering and fruiting, yield, fruit quality (including fruit weight, fruit size, pulp, internal color, average seed number/fruit), total soluble solids (TSS) and commercial patterns were analysed. The best passion fruit cultivars were 'IAC-3', IAC-5' and 'IAC-7' hybrids, preseting curved-thread flowers (above 93%), yield of approximately 47 ton ha-1, oval and compact fruits, and an orange-intense pulp color; the average fruit weight was 170 g to 218 g, TSS varied between 15 and 16°Brix, equivalent to 51% of the pulp, with 400 seeds per fruit. Their fruits were rated in the two superior classes of the Brazilian fresh fruit market, being more than 8.8 cm long and 7.3 cm wide. Results indicated that these hybrids attend the São Paulo market exigence. They became the 'COMPOSTO IAC-27' cultivar.

Key words:Passiflora edulis, hybrids, fruit quality, passion-fruit, maracock

INTRODUÇÃO

O maracujá mais cultivado no país é Passiflora edulis f. flavicarpa, também conhecido como maracujá amarelo, devido à qualidade dos seus frutos. Ele representa 95% dos pomares comerciais (Ruggiero et al., 1996).

Essa cultura tem evoluído muito rapidamente no Brasil. Nas décadas de 70 e 80, por falta de uma demanda constante do produto, ciclos de retração e expansão da área cultivada foram bastante comuns (Rizzi et al., 1998). A partir de 1986, no entanto, observou-se ampliação significativa na área cultivada e na produção, acompanhada pelo consumo, porque as indústrias extratoras de suco estimularam o mercado do produto industrializado.

O Brasil é o maior produtor mundial desse maracujá, tendo cultivado cerca de 38.522 ha em 1995 (FNP Consultoria & Comércio, 1999). Os principais produtores são Pará, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Sergipe. O crescimento médio de área plantada no país situa-se ao redor de 5,29% ao ano, estando a cultura em franca expansão.

No Sudeste, o maracujazeiro é uma das oito espécies frutíferas mais extensivamente cultivadas, sendo precedido apenas pelas culturas de laranja, banana, limão, manga, tangerina, abacaxi e uva (Piza Júnior, 1998).

Essas novas áreas de plantio criaram uma intensa demanda por tecnologias de produção mais adequadas, que vem sendo atendida apenas parcialmente. A falta de um cultivar homogêneo e produtivo, tolerante às principais moléstias que afetam a cultura, tem sido limitante para elevar a qualidade e a produtividade dos pomares.

Observa-se, também, grande variabilidade nos frutos, o que exige do produtor a classificação para o mercado, onerando o custo de produção. Uma vez classificado, o produto de melhor qualidade é remunerado a preços significativamente superiores, que chegam a ser 150% maiores que o obtido com a comercialização dos frutos de classes inferiores, em determinadas épocas do ano. Por isso, a existência de um cultivar, mais uniforme e produtivo que a variedade utilizada, representaria, a curto prazo, um incremento significativo de renda aos produtores, além de facilitar algumas etapas do processo produtivo.

O maracujá é uma das culturas em que elevar a produtividade e a qualidade pode ser altamente compensador. Sua lucratividade tem estreita relação com a qualidade do produto (FNP Consultoria & Comércio, 1998).

Como centro de origem de um grande número de espécies de maracujá e maior centro de distribuição geográfica do gênero Passiflora, o Brasil possui variabilidade natural extremamente valiosa como fonte de germoplasma para o melhoramento genético.

Apesar disto, poucos são os relatos sobre o assunto, embora se saiba que o melhoramento pode contribuir significativamente para o aumento da produtividade da cultura. Sendo uma cultura de importância e cultivo comercial recentes, esta variabilidade ainda está por ser explorada.

Para desenvolver um cultivar de maracujá, é preciso, primeiramente, conhecer, explorar e manusear convenientemente a variabilidade genética disponível, dentro de um programa de melhoramento bem conduzido. Um pré-requisito é a caracterização de germoplasma, recentemente iniciada no Brasil (Giacometti & Ferreira, 1977; Oliveira et al.,1980; Oliveira, 1987; Oliveira et al., 1988; Meletti et al., 1992; 1994; Meletti, 1998).

A seleção massal, baseada na observação visual do fenótipo da planta, permite identificar indivíduos potencialmente interessantes para um programa de melhoramento. Ela tem sido bastante utilizada como fonte de genes comercialmente desejáveis, inclusive por alguns produtores, que desenvolvem suas próprias seleções (Oliveira, 1980).

A seleção recorrente pode contribuir efetivamente para o desenvolvimento de cultivares, por permitir melhorar sistematicamente as fontes de germoplasma a serem usadas em programas de melhoramento (Hull, 1945). Seu objetivo é aumentar contínua e progressivamente a freqüência dos alelos favoráveis, através de ciclos sucessivos de seleção e recombinação dos genótipos superiores, mantendo a variabilidade genética da população.

Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar o comportamento de oito híbridos IAC de maracujá amarelo, obtidos em sucessivos ciclos de seleção recorrente, a fim de identificar os superiores e compôr uma população selecionada para qualidade de fruto, de alta produtividade e com boa aceitação comercial.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudou-se o comportamento de oito híbridos IAC de maracujazeiro amarelo, de 1995 a 1997, na Estação Experimental de Monte Alegre do Sul, do Instituto Agronômico, localizada a 777m de altitude, com 22° 42' de latitude e 46° 39' de longitude, num solo podzólico vermelho-amarelo.

Os híbridos IAC foram desenvolvidos a partir de 189 plantas, resultantes da multiplicação de 21 progênies pré-selecionadas (seleção massal) em pomares comerciais ou Bancos de germoplasma nacionais. Os 42 melhores indivíduos desta população, mais vigorosos e produtivos, com frutos portadores das características comerciais desejáveis para o mercado paulista, foram cruzados manualmente entre si e posteriormente submetidos à sucessivos ciclos de seleção recorrente, durante as safras de 1993 a 1995, no mesmo local.

Os híbridos IAC ora avaliados representam as oito combinações que mais se destacaram em relação à produtividade, qualidade de fruto e taxas de polinização manual bem sucedidas, na safra 94/95. São híbridos intravarietais, da geração F2, resultantes do cruzamento controlado entre progenitores selecionados nos campos comerciais e retrocruzamentos para um genitor específico, portador de frutos grandes, alongados, de casca fina e com cavidade interna completamente preenchida.

Foram recombinadas, portanto, características de maracujazeiros de diferentes origens geográficas, a saber:

IAC 1 - selecionado de (Açailândia x Açailândia) X F1RC1 Açailândia

IAC 2 - selecionado de (Açailândia x Sul Brasil) X F1RC1 Sul Brasil

IAC 3 - selecionado de (Açailândia x Monte Alegre) X F1RC1 Monte Alegre

IAC 4 - selecionado de (Açailândia x Marília) X F1RC1 Marília

IAC 5 - selecionado de (Guaimbê x Açailândia) X F1RC1 Guaimbê

IAC 6 - selecionado de (Guaimbê x Sul Brasil) X F1RC1 Sul Brasil

IAC 7 - selecionado de (Sul Brasil x Monte Alegre Sul) X F1RC1 Monte Alegre

IAC 8 - selecionado de (Pindorama x Jundiaí) X F1RC1 Jundiaí

As sementes genéticas foram obtidas a partir de polinizações manuais totalmente controladas, entre seis indivíduos de cada híbrido, realizadas em 40 flores de cada genitor selecionado, em novembro/95. Dois a dois, esses indivíduos foram recombinados, mantendo-se a identidade das diferentes seleções obtidas na etapa anterior. Foram utilizadas flores previamente ensacadas no dia da antese, sendo cada uma delas doadora de pólen para outro genitor específico e receptora de pólen de outro igualmente pré-determinado. Foram aproveitadas as combinações mais compatíveis, consideradas como aqueles cruzamentos cuja eficiência de frutificação em relação ao número de cruzamentos realizados superou os 95%.

As sementes foram retiradas de frutos completamente maduros, da safra de 1995/96, cujos arilos foram extraídos pelo processo de fermentação natural, à sombra. Aquelas que representavam a mesma combinação foram misturadas, retirando-se a amostra necessária para a semeadura de cada um dos híbridos.

As mudas foram formadas em viveiro, na mesma Estação Experimental, em fevereiro de 1996, segundo a tecnologia recomendada para o Estado de São Paulo (Meletti, 1996). Em cada recipiente foram colocadas 3 sementes, deixando-se apenas uma plântula por embalagem, após o desbaste. As plantas permaneceram em condições de ripado até o ponto de transplante. O plantio em campo deu-se em 07/05/96.

O delineamento experimental utilizado foi o de blocos ao acaso, com 5 repetições e 3 plantas/ parcela, com espaçamento de 5 m entre plantas e 3 m entre linhas. O preparo de solo e os tratos culturais foram os normalmente adotados para a cultura no Estado de São Paulo. As plantas foram conduzidas em espaldeira com um fio de arame liso n°10, a 2 m de altura do solo, com poda de formação no esquema penteado, retirando-se as gavinhas dos ramos produtivos, periodicamente, até 50cm abaixo do arame de sustentação. A poda de renovação foi feita ao final de cada safra, nos meses de julho-agosto, encurtando-se a cortina produtiva, segundo as recomendações de Ruggiero et al. (1996).

A produtividade foi avaliada em termos de produção por parcela (soma das três plantas), uma vez que cada uma delas foi individualizada por poda. A individualização por planta não foi realizada, embora permitisse identificar a mais produtiva dentro de cada parcela, para não prejudicar a produção total, em função da redução periódica do comprimento dos ramos do ano, a intervalos de 5 em 5 m.

As plantas foram avaliadas individualmente para as seguintes características:

• vigor, dado pela velocidade de crescimento, avaliada pela altura das plantas até o arame de sustentação;

• período de antese no dia;

• período de florescimento e de frutificação no ano;

• tipo de flor, segundo a curvatura dos estiletes: tipo PC (parcialmente curvos),TC (totalmente curvos) e SC (sem curvatura), conforme a classificação de Ruggiero (1973).

O peso total colhido e o número de frutos foram aferidos por parcela experimental, considerando-se a soma da produção dos três indivíduos, e, posteriormente, calculados por planta.

Para avaliação dos caracteres produtivos e de qualidade de fruto, foram consideradas 24 colheitas semanais, no período de 15/01 a 09/07/97. Em todas elas, foram retiradas amostras representativas contendo em média 25% do total de frutos colhidos por parcela. Procedeu-se a análise individual dos frutos, no laboratório do Centro de Fruticultura do IAC, que incluiu os seguintes descritores: peso do fruto e peso da casca, coloração da polpa, diâmetro longitudinal e transversal, classificação comercial, teor de sólidos solúveis (SST) e número de sementes por fruto.

A proporção de polpa (arilo mais sementes) foi calculada pela diferença entre o peso total do fruto e da sua casca, divida pelo peso total do fruto e multiplicada por 100. Esta porcentagem em polpa, associada ao teor de SST, é um parâmetro para avaliar a qualidade industrial do produto, em função do rendimento em suco resultante.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação qualitativa e de produtividade

As médias obtidas pela análise dos frutos dos 8 híbridos de maracujá amarelo encontram-se nas Figuras 1 e 2. Observou-se que o 'IAC-8' alcançou as maiores médias na maioria das características qualitativas consideradas, produzindo os frutos maiores e mais pesados, com elevada proporção de polpa e teor de SST superior. Este último, equivalente a 16° Brix, é altamente interessante para a agroindústria de sucos, que atualmente aceita frutos de 13 a 14° Brix. A porcentagem de polpa apresentou-se acima de 54%, conferindo ao fruto um excelente rendimento em relação ao praticado atualmente pela indústria, em torno de 45%. Porém, sua coloração interna variou de amarelo para alaranjado, com inexpressiva presença de frutos de polpa alaranjada-intensa. Isto foi considerado um defeito, porque, além da variabilidade indesejável, os frutos de coloração clara resultam em suco pouco atrativo. Para o 'IAC-8', faz-se necessário, portanto, intensificar a pressão de seleção em relação à coloração da polpa.



O 'IAC-7' não apresentou diferença significativa em relação ao 'IAC-8' para tamanho e peso de frutos, sendo superior em quantidade de sementes produzidas, o que define um fruto mais compacto. Grande parte dos seus frutos apresentou polpa alaranjada-intensa, mais escura, atrativa e aromática, bastante interessante em termos comerciais. A proporção de polpa não atinge o índice de 50% do fruto, o que seria mais interessante, indicando ser este um fruto de casca mais grossa, mais resistente ao transporte à longas distâncias. Apesar do teor de SST ter sido o mais baixo dentre as seleções avaliadas, ainda superou o índice médio normalmente obtido nos pomares, que situa-se ao redor de 13 ° Brix.

O 'IAC-7' foi aquele que reuniu o melhor conjunto de características desejáveis no fruto, cujas médias apresentaram homogeneidade suficiente para refletir um padrão, capaz de facilitar bastante a etapa de classificação para comercialização. Seus frutos corresponderam às classes 2A e 3A do mercado atacadista.

A uniformidade observada, no entanto, não pode ser considerada absoluta, por se tratar de um conjunto de indivíduos, resultantes de polinização manual controlada, em dialélico completo. Em todas as etapas dos cruzamentos controlados, tomou-se o cuidado de manter uma certa variabilidade entre os indivíduos de uma mesma composição, à medida em que eles resultaram da combinação entre 6 genitores diferentes, selecionados de cada população-tipo.

A seleção recorrente, portanto, foi eficiente para selecionar indivíduos superiores sem reduzir muito a variabilidade genética da população, conforme apontado por Hull (1945). Isto pôde ser observado devido ao elevado índice de eficiência obtido nas polinizações manuais controladas, superior a 90%, o que indica que a base genética dos indivíduos representantes de cada um dos oito híbridos selecionados não foi reduzida a ponto de limitar o cruzamento dos indivíduos entre si, por efeito da auto-incompatibilidade presente na espécie.

Quanto à classificação comercial, os frutos dos oito híbridos IAC foram classificados nas duas faixas superiores do mercado atacadista, tipo 2A e 3A, adotada pelo CEAGESP (Rizzi et al., 1998), sendo os melhor remunerados atualmente. Isto representa um acréscimo significativo à renda do produtor. Os dois melhores quanto à essa característica foram o 'IAC-8' e o 'IAC-7', que apresentaram cerca de 70% dos seus frutos no padrão 3A. Isto os torna particularmente adequados ao mercado interno de frutas frescas.

Todos os híbridos avaliados apresentaram características comerciais superiores às dos frutos do mercado atacadista, em conseqüência da seleção praticada. Quatro deles, 'IAC-1', 'IAC-3', 'IAC-5' e 'IAC-7', também apresentaram um ganho significativo em produtividade, superando em muito a média nacional atualmente obtida, de 10-18 t/ha/ano. A produtividade estimada para esses híbridos, nos campos experimentais, situou-se na faixa de 55 a 65 t ha-1 (TABELA 1), confirmando as considerações de Oliveira (1980), Meletti et al. (1992) e Meletti (1998), que aventaram a possibilidade de se obter grande elevação no potencial produtivo das plantas pela seleção de materiais superiores em campos comerciais, com recombinação entre eles, como foi feito no presente experimento.

O 'IAC-3' alcançou a maior produtividade, e apresentou frutos maiores e mais pesados que o 'IAC-5', com teor de SST equivalente (Figuras 1 e 2). Por isso poderia ter grande aceitação junto aos produtores de frutos para o mercado in natura. O 'IAC-5' foi superior a ele em porcentagem de polpa e número de sementes, por ter casca mais fina e cavidade interna melhor preenchida. Isto o torna especialmente interessante para a agroindústria, onde resulta em maior rendimento em suco. Apresentou, também, a maioria dos frutos com poIpa alaranjada-intensa, que resulta num suco de coloração bastante atrativa.

Dentre os quatro mais produtivos, o 'IAC-1' apresentou-se em desvantagem . Embora tenha produtividade equivalente à dos híbridos IAC-5 e IAC-7, esses últimos produziram frutos melhores, deslocando-o na preferência dos consumidores.

A uniformidade desejada só foi obtida no teor de sólidos solúveis totais, cuja amplitude de variação não excedeu 1°Brix (Figura 2).

Os frutos do híbrido IAC-8 foram de excelente qualidade, mas sua produtividade foi inferior a todos os demais (TABELA 1), em decorrência do menor período de frutificação desta seleção. Enquanto os demais híbridos, nas condições de Monte Alegre do Sul, apresentaram florescimento de final de outubro até maio, com produção de janeiro a julho, o 'IAC-8' só floresceu em dezembro, frutificando a partir de fevereiro. Isto reduziu um pouco seu período produtivo, influenciando a sua produtividade. Por isso, é uma seleção indicada apenas àqueles mercados muito exigentes, em que a qualidade é o mais importante dos critérios de classificação e definição de preços. Esses pequenos nichos de mercado, formados por consumidores de alto poder aquisitivo, estão se expandindo na região sudeste do Brasil.

O híbrido IAC-6 alcançou a produtividade média estimada de 50 t ha-1, com frutos de qualidade comparável ao 'IAC-3' e 'IAC-7'. No entanto, apresentou a mais baixa porcentagem de polpa, em função da maior espessura de casca, e coloração interna amarelo-alaranjada, necessitando intensificar a seleção para melhor coloração interna e maior o rendimento em polpa.

Apesar dos híbridos IAC-2 e IAC-4 terem sido inferiores em relação aos demais, para a maioria das características avaliadas, considerou-se que a seleção praticada foi eficiente, uma vez que todos os híbridos apresentaram-se muito melhores e mais homogêneos que a população de onde foram selecionados e que os frutos ora comercializados, conforme discutido por Meletti (1998).

Os híbridos que apresentaram as melhores características para um cultivar comercial foram 'IAC-3', 'IAC-5'e 'IAC-7'. Este seleto composto, disponibilizado aos produtores, certamente representaria um avanço tecnológico aos pomares, em termos de qualidade e produtividade. Reunidos, estariam também contornando possíveis problemas de auto-incompatibilidade, comuns quando se utiliza uma única seleção em campo.

Pela mistura das sementes desses três híbridos selecionados, obteve-se uma população geneticamente superior, denominada 'COMPOSTO IAC-27', com características comerciais mais interessantes que as atualmente obtidas, em qualidade de fruto, homogeneidade e produtividade.

Avaliação de campo

O vigor vegetativo das plantas foi avaliado pelo crescimento em altura, até o arame de sustentação, a 2m de altura do solo, nos meses de intenso crescimento, isto é, setembro e outubro de 1996. Os resultados estão graficamente representados pela Figura 3.


Inicialmente, o híbrido IAC-3 destacou-se dos demais (Figura 3a), pela grande velocidade de crescimento, seguido pelo 'IAC-1'. Suas plantas apresentavam folhas maiores e de coloração mais intensa, visualmente diferenciadas. No outro extremo observou-se o 'IAC-8', com crescimento bastante lento. Nas duas avaliações seguintes (Figuras 3b e 3c), os híbridos IAC-1, IAC-3 e IAC-5 passaram a apresentar desenvolvimento vegetativo equivalente entre eles e significativamente superior aos demais. Foram os primeiros a ultrapassar a altura de 1,60m (Figura 3b) e de 1,80 (Figura 3c), época em que os outros encontravam-se a um máximo de 1,50m, embora tenha-se observado uma grande recuperação do 'IAC-8'.

Após os 30 dias de mensuração das plantas, na quarta avaliação, esses mesmos três híbridos continuaram se diferenciando, embora 'IAC-6', 'IAC-7' e 'IAC-8' já estivessem muito próximos em altura (Figura 3d), em torno de 1,70 m. Ao final do período considerado, quando 'IAC-1' e 'IAC-5' alcançaram o arame de sustentação, 'IAC-3', 'IAC-6' e 'IAC-7' estavam acima de 1,85 m, com pouca diferença em crescimento, podendo ser considerados igualmente vigorosos, em termos agronômicos. 'IAC-2', 'IAC-4' e 'IAC-8' foram significativamente inferiores em vigor, encontrando-se com cerca de 1,70 m quando os demais atingiam a altura desejada (Figura 3e). Quando isto acontece, as plantas intensificam a emissão de brotações laterais secundárias e terciárias, formando a "cortina produtiva" mais rapidamente. A partir deste ponto, estão aptas para captar o estímulo luminoso e para florescer. Daí o interesse em selecionar materiais vigorosos, de rápido crescimento, o que pode resultar em florescimento precoce e/ou maior número de flores, quando as condições de fotoperíodo são adequadas.

Nas condições deste trabalho, observou-se a relação direta entre vigor vegetativo e maior número de flores. A contagem do número de flores em antese completa, num dado momento dentro de um pico de florescimento, apontou a superioridade justamente dos mesmos híbridos que se mostraram mais vigorosos anteriormente, 'IAC-1' e 'IAC-5' (TABELA 2). Eles apresentaram um número significativamente superior de flores em relação aos híbridos IAC-2, IAC-3, IAC-6 e IAC-7, intermediários. 'IAC-4'e 'IAC-8', com menor vigor vegetativo, também somaram o menor número de flores (TABELA 2).

Assim, dos 8 híbridos avaliados, apenas 'IAC-2' não apresentou a correspondência esperada entre vigor vegetativo e intensidade de florescimento. Na avaliação de vigor, colocou-se no grupo inferior, dos híbridos com desenvolvimento mais lento; quanto ao número de flores, entretanto, classificou-se no grupo intermediário.

Pôde-se observar, adicionalmente, que 'IAC-4' e 'IAC-8', os que produziram o menor número de flores no pico de florescimento considerado, também apresentaram a menor produção por parcela (TABELA 1). Isto sugere uma correspondência direta entre intensidade de florescimento e produtividade, embora seja comprovado que todos os fatores que afetam a polinização podem alterar esta relação.

O período de antese no dia e de florescimento e frutificação no ano não foi influenciado pelo genótipo das plantas, mas pelas condições ambientais. Independente do híbrido considerado, as flores se abriram por volta das 11:30 hs, fechando-se em torno das 17:30 hs, de novembro a maio, com pico de antese em torno das 14:00 hs, quando se iniciava a polinização manual.

O período de frutificação estendeu-se do final de janeiro a meados de julho, exceto para o 'IAC-8', que entrou em produção 1 mês mais tarde, frutificando de fevereiro a julho.

Quanto à avaliação das flores, os dados que expressam a porcentagem dos diferentes tipos observados estão expressos na Figura 4. As flores tipo TC, com estiletes totalmente curvos e que resultam em maior frutificação, estão quantificadas na TABELA 2. Elas foram contadas nos meses de janeiro e fevereiro de 1997, quando se tinha a maior insolação no campo experimental e grande intensidade de florescimento. Todos os híbridos apresentaram elevada porcentagem de flores do tipo TC, acima de 83% e com média de 92,8%, sem diferenças significativas em nível de 5% de probabilidade. Disto se esperava observar alta taxa de pegamento de frutos, em todos os genótipos, especialmente naqueles que apresentaram mais de 93% de flores do tipo TC. No entanto, foram observadas grandes variações no número de frutos produzidos pelos diferentes híbridos (TABELA 1), indicando que não somente o tipo de flores determina o índice de frutificação das plantas, havendo outros fatores envolvidos, que devem ser observados conjuntamente.


A média de flores tipo PC, com estiletes parcialmente curvos, foi de 6,1 % entre os híbridos analisados. A proporção de flores tipo SC, com estiletes sem curvatura, resultou em média inferior a 1,5%, indicando que a seleção praticada para produtividade foi eficiente em eliminar as plantas com flores inférteis (tipo SC) ou parcialmente férteis (tipo PC).

CONCLUSÕES

• A melhor combinação das características desejáveis foi obtida em 'IAC-3', 'IAC-5 e 'IAC-7'.

• 'IAC-7' destacou-se pelos frutos bastante atrativos, próprio para os mercados exigentes, que privilegiam e remuneram bem a qualidade;

• 'IAC-5' diferenciou-se pelas características ligadas ao rendimento agroindustrial;

• 'IAC-3' distingüiu-se pela maior produtividade. Essas três seleções atenderam as atuais exigências do mercado paulista. Da reunião deles, obteve-se o 'COMPOSTO IAC-27', disponibilizado aos produtores paulistas a partir da safra de 1998.

• Os híbridos produziram frutos ovais, compactos, de casca fina e peso médio superior a 190 g, classificando-se como tipos 2A e 3A, adequados ao mercado atacadista de frutos in natura. Apresentaram, adicionalmente, elevada produtividade, 3 a 5 vezes superior à média atualmente obtida nos pomares brasileiros.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pelo apoio financeiro.

À Eng°. Agr°. Margarete Meirelles Bento, pela colaboração na avaliação dos frutos, no Centro de Fruticultura do IAC. Aos Técnicos de Apoio à Pesquisa Agropecuária Valdemir Álvares e Lázaro Altino de Godoy, da Estação Experimental de Monte Alegre do Sul, pelo valioso auxílio na manutenção do campo e na polinização artificial.

Recebido em 23.02.99

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  • 1
    Trabalho apresentado no XV Congresso Brasileiro de Fruticultura, 1998, Poços de Caldas, MG.
  • 2
    Parte da Tese de Doutorado da primeira autora apresentada à USP/ESALQ - Piracicaba, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2000
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Recebido
      23 Fev 1999
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