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Biologia reprodutiva de etnovariedades de mandioca

Reproductive biology of cassava landraces

Resumos

O conhecimento da biologia reprodutiva da mandioca é essencial para o desenvolvimento de programas de melhoramento genético e compreensão do processo de domesticação. Este trabalho avalia aspectos que influenciam a reprodução sexuada, tais como morfologia floral, ecologia da polinização, produção e viabilidade dos grãos de pólen, apomixia, produção e germinação de sementes de etnovariedades de mandioca coletadas em roças de caboclos e índios da Região Amazônica e do Estado de São Paulo. Os aspectos da biologia reprodutiva foram estudados a partir de avaliações de campo e coleta de botões florais e sementes. Os experimentos foram realizados em Piracicaba, SP. Constatou-se alteração na morfologia floral da etnovariedade DG-55, a qual possui flores hermafroditas, e DG-65 e variedade Mantiqueira, que apresentaram menor número de óvulos por ovário. A abelha (Apis mellifera) foi o principal polinizador da mandioca. Houve variação significativa no número e viabilidade de grãos de pólen, constatando-se que as anteras do verticilo superior da flor masculina apresentaram, significativamente, maior número de grãos de pólen. Não foi constatada apomixia. Foi detectado maior número de frutos com duas ou três sementes. No entanto, sementes originadas de fruto com semente única apresentaram maior porcentagem de germinação. As alterações morfológicas na estrutura floral influenciaram a produção e viabilidade das sementes. A variação constatada nos aspectos da biologia reprodutiva, provavelmente, ocorreu devido à pressão seletiva diferenciada a que as etnovariedades foram submetidas ao longo do processo de domesticação.

Manihot esculenta; biologia reprodutiva; etnovariedades; morfologia floral


The knowledge of the reproductive biology of cassava (Manihot esculenta) is essential for the development of genetic improvement programs and understanding the domestication process. This study evaluates aspects of sexual reproduction, such as floral morphology, pollination ecology, production and viability of pollen grains, apomixis, seed production and seed germination of cassava landraces collected in gardens of "caboclos" and Indians of the Amazon region and São Paulo State, both in Brazil. The aspects of the reproductive biology were studied from field evaluations and collection of flower buds and seeds. The experiments were carried out in Piracicaba, SP. Alteration was verified in the floral morphology of the landrace DG-55, which showed hermaphrodite flowers, and DG-65 and variety Mantiqueira, which presented smaller number of ovules per ovary. Honeybee (Apis mellifera) was the main pollinator of cassava. There was significant variation in the number and viability of pollen grains. The superior anters of the masculine flower presented, significantly, large number of pollen grains. Apomixis was not detected. A larger number of fruits with two or three seeds were detected. However, seeds originating from fruits with a single seed presented higher germination rates. The morphological alterations in the floral structure influenced the seed production and viability. The variation observed in the aspects of the reproductive biology, was probably due to differentiated selective pressure to which the landraces were submitted along the domestication process.

Manihot esculenta; reproductive biology; landraces; floral morphology


BIOLOGIA REPRODUTIVA DE ETNOVARIEDADES DE MANDIOCA

Rainério Meireles da Silva1,4; Gerhard Bandel2*; Maria Inez Fernandes Faraldo1,4; Paulo Sodero Martins3

1Pós-Graduandos do Depto. de Genética - USP/ESALQ.

2Depto. de Genética - USP/ESALQ, C.P. 83 - CEP: 13400-970 - Piracicaba, SP.

3Depto. de Genética - USP/ESALQ - In memoriam.

4Bolsistas CAPES.

*Autor correspondente <gebandel@carpa.ciagri.usp.br >

RESUMO: O conhecimento da biologia reprodutiva da mandioca é essencial para o desenvolvimento de programas de melhoramento genético e compreensão do processo de domesticação. Este trabalho avalia aspectos que influenciam a reprodução sexuada, tais como morfologia floral, ecologia da polinização, produção e viabilidade dos grãos de pólen, apomixia, produção e germinação de sementes de etnovariedades de mandioca coletadas em roças de caboclos e índios da Região Amazônica e do Estado de São Paulo. Os aspectos da biologia reprodutiva foram estudados a partir de avaliações de campo e coleta de botões florais e sementes. Os experimentos foram realizados em Piracicaba, SP. Constatou-se alteração na morfologia floral da etnovariedade DG-55, a qual possui flores hermafroditas, e DG-65 e variedade Mantiqueira, que apresentaram menor número de óvulos por ovário. A abelha (Apis mellifera) foi o principal polinizador da mandioca. Houve variação significativa no número e viabilidade de grãos de pólen, constatando-se que as anteras do verticilo superior da flor masculina apresentaram, significativamente, maior número de grãos de pólen. Não foi constatada apomixia. Foi detectado maior número de frutos com duas ou três sementes. No entanto, sementes originadas de fruto com semente única apresentaram maior porcentagem de germinação. As alterações morfológicas na estrutura floral influenciaram a produção e viabilidade das sementes. A variação constatada nos aspectos da biologia reprodutiva, provavelmente, ocorreu devido à pressão seletiva diferenciada a que as etnovariedades foram submetidas ao longo do processo de domesticação.

Palavras-chave:Manihot esculenta, biologia reprodutiva, etnovariedades, morfologia floral

REPRODUCTIVE BIOLOGY OF CASSAVA LANDRACES

ABSTRACT: The knowledge of the reproductive biology of cassava (Manihot esculenta) is essential for the development of genetic improvement programs and understanding the domestication process. This study evaluates aspects of sexual reproduction, such as floral morphology, pollination ecology, production and viability of pollen grains, apomixis, seed production and seed germination of cassava landraces collected in gardens of "caboclos" and Indians of the Amazon region and São Paulo State, both in Brazil. The aspects of the reproductive biology were studied from field evaluations and collection of flower buds and seeds. The experiments were carried out in Piracicaba, SP. Alteration was verified in the floral morphology of the landrace DG-55, which showed hermaphrodite flowers, and DG-65 and variety Mantiqueira, which presented smaller number of ovules per ovary. Honeybee (Apis mellifera) was the main pollinator of cassava. There was significant variation in the number and viability of pollen grains. The superior anters of the masculine flower presented, significantly, large number of pollen grains. Apomixis was not detected. A larger number of fruits with two or three seeds were detected. However, seeds originating from fruits with a single seed presented higher germination rates. The morphological alterations in the floral structure influenced the seed production and viability. The variation observed in the aspects of the reproductive biology, was probably due to differentiated selective pressure to which the landraces were submitted along the domestication process.

Key words:Manihot esculenta, reproductive biology, landraces, floral morphology

INTRODUÇÃO

A mandioca (Manihot esculenta Crantz) pertencente a família Euphorbiacea, é uma importante cultura tropical, constituindo-se na principal fonte de calorias para mais de 500 milhões de pessoas na África e América do Sul (FAO, 1991).

Os termos landraces, folk variety ou primitive variety têm sido definidos como populações ecológica ou geograficamente distintas originadas a partir da seleção local realizada por agricultores (Brown, 1978). No entanto, para maior uniformização terminológica será utilizado o termo etnovariedade, sugerido por Martins11MARTINS, P.S. (USP/ESALQ. Departamento de Genética, Piracicaba). Comunicação pessoal, 1994.MARTINS, P.S. (USP/ESALQ. Departamento de Genética, Piracicaba). Comunicação pessoal, 1994..

A mandioca, ao longo do tempo, vem sendo propagada vegetativamente pela interferência humana, contudo manteve a reprodução sexuada ativa, promovendo a amplificação da variabilidade genética e possibilitando aos melhoristas selecionar genótipos de maior importância agronômica.

Segundo Domínguez et al., (1984), as inflorescências da mandioca são formadas por panículas e rácemos compostas por flores masculinas e femininas, sendo estas últimas, comumente, localizadas na parte basal. As flores são desprovidas de cálice e corola, apresentando uma estrutura indefinida denominada de perianto, composta por cinco tépalos de coloração amarela, avermelhada ou roxo, os quais nas flores femininas encontram-se separados. A flor masculina tem o pedicelo reto, curto e fino, enquanto o pedicelo da flor feminina é recurvado, longo e de maior diâmetro. No interior da flor masculina existem dois conjuntos de cinco estames: o verticilo inferior, formado pelos estames curtos e o verticilo superior, formado pelos estames longos. As anteras apresentam a forma alongada e encontram-se inclinadas para o interior da flor. O ovário é súpero, dividido em três lóculos, cada lóculo contém um óvulo; o estilete muito pequeno sustenta o estigma, o qual é composto por três lóbulos ondulados e carnosos.

A biologia reprodutiva da espécie foi pouco estudada. Capinpin & Bruce (1955) constataram que as plantas são monóicas e protogínicas. Segundo Jos et al. (1990), três horas após a polinização ocorre a emissão dos tubos polínicos; seis horas depois os tubos polínicos atravessam a base do estilete e entre 24 a 48 horas atingem os sacos embrionários.

Graner (1942) estimou que a flor masculina produzia cerca de 1600 grãos de pólen, entretanto, Crepaldi (1987) constatou menor número quando avaliou as anteras de botões florais das cultivares Branca de Santa Catarina e Taquari.

A porcentagem de viabilidade dos grãos de pólen apresenta variação de 0,03% a cerca de 95% (Crepaldi, 1987; Jos et al., 1990; Carvalho, 1995). Orrego & Hershey (1984), estudando a germinação in vitro dos grãos de pólen, não verificaram crescimento do tubo polínico em nenhum dos meios de cultura testados.

Pereira et al. (1978), trabalhando com marcadores genéticos morfológicos, constataram que a espécie apresenta porcentagem de polinização cruzada variando de 63% a 100%. Silva (dados não publicados), trabalhando com marcadores isoenzimáticos, constatou 94% de polinização cruzada. Segundo Rogers & Apan (1973), as flores femininas das plantas do gênero Manihot são polinizadas por insetos, principalmente abelhas e vespas.

A apomixia é o processo de formação de sementes sem a ocorrência da fertilização. O mecanismo é uma ferramenta muito importante para o melhoramento genético, já que os descendentes apresentam identidade genética com o parental feminino. Ogburia & Adachi (1996) identificaram saco embrionário apomítico, constituindo-se na primeira identificação embriológica de apomixia facultativa em mandioca. Nassar et al. (1998) constataram apomixia no gênero Manihot.

Segundo Chandraratina & Nanayakkara (1948), a taxa de germinação das sementes de mandioca é baixa e desuniforme, constituindo-se no maior problema para obtenção de híbridos. Entretanto, autores como Monteiro et al. (1984); Pinheiro (1985); Fukuda & Cerqueira (1986) e Valle (1990), obtiveram taxa de germinação variando de 70% a 90%.

Ogburia & Adachi (1995) classificaram as sementes de mandioca em: sementes verdadeiras, que são aquelas que submergem quando colocadas em água (densidade >1), e pseudo-sementes as que flutuam (densidade <1). O fenótipo externo dos dois tipos de sementes é igual; entretanto as pseudo-sementes não apresentam endosperma e embrião. O desenvolvimento anormal do endosperma e embrião é devido a divisões mitóticas irregulares.

O objetivo do presente trabalho foi avaliar aspectos da reprodução da espécie, como estrutura floral, ecologia da polinização, produção e viabilidade dos grãos de pólen, apomixia e produção e germinação das sementes.

MATERIAL E MÉTODOS

Os dados sobre a biologia reprodutiva foram coletados num experimento com 56 etnovariedades instalado na Fazenda Areão e nas 400 etnovariedades que compõem a coleção de germoplasma de mandioca do Departamento de Genética da ESALQ/USP, localizada na Estação Experimental de Anhembi, município de Piracicaba-SP, no período de 1995 a 1999.

As etnovariedades foram identificadas pela denominação DG (Departamento de Genética) e o número de entrada na referida coleção. O material da coleção de germoplasma de mandioca foi coletado em roças de caboclos e índios da Região Amazônica e do Estado de São Paulo. A variedade IAC - Mantiqueira, cultivada comercialmente, foi avaliada em todos os experimentos.

A estrutura floral foi avaliada por meio de observações a campo e corte longitudinal dos ovários e frutos, para quantificação do número de óvulos e sementes, respectivamente.

As observações sobre polinizações nas flores de mandioca foram realizadas durante aproximadamente 100 horas de observação a campo, onde foram avaliados os possíveis polinizadores, predadores, etc. A ocorrência de polinização e eficiência do polinizador foram avaliadas numa amostra de 500 flores de 50 plantas, com cinco repetições de 100 flores, em períodos distintos do florescimento.

A determinação da produção e viabilidade dos grãos de pólen foram realizadas nas DG's 49, 59, 62, 65, 132 e variedade IAC - Mantiqueira. A contagem dos grãos de pólen foi realizada em dez botões florais cujas anteras ainda não haviam sofrido deiscência. As anteras foram removidas para lâminas de vidro, maceradas e levadas ao microscópio para a realização da contagem dos grãos de pólen. A avaliação foi realizada em anteras do verticilo inferior e superior e extrapolada para a flor.

A porcentagem de viabilidade dos grãos de pólen foi avaliada em flores no dia da abertura, a partir de inflorescências protegidas. Os grãos de pólen foram colocados em lâminas de vidro contendo carmim acético a 2%; após cinco minutos as lâminas foram levadas ao microscópio para a avaliação. Foram avaliados 10 campos do microscópio escolhidos aleatoriamente, as porcentagens de viabilidade dos campos foram utilizadas na análise da variância. Os grãos de pólen viáveis apresentavam-se com tamanho grande ou médio, colorido e formato regular; os que não se enquadravam nessa classificação foram considerados inviáveis.

A apomixia foi avaliada por meio do isolamento de 10 inflorescências das seguintes etnovariedades: DG's 38, 46, 50, 55, 60, 61, 62, G-2, 118, 125, 128, 131 e 134, utilizando-se sacos confeccionados com o tecido "volta espaço", o qual permitiu boa visibilidade da evolução dos estádios que se encontravam as inflorescências protegidas.

A produção de sementes por fruto foi quantificada por meio do isolamento de 256 frutos das DG's 55, 61, 62, 118, 125, 128, 134 e 139 e a variedade Mantiqueira. As sementes coletadas foram levadas ao laboratório para verificação do desenvolvimento dos cotilédones e endosperma, por meio da análise física (rompimento da casca). Após essa operação foram colocadas para germinar em vasos contendo vermiculita como substrato.

As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se as Procedures ANOVA e TTEST do Statistical Analisys System (SAS), versão 6.08 (SAS Institute,1992).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Morfologia Floral

A mandioca é uma planta monóica, portanto apresentando flores masculinas e femininas na mesma planta. Contudo na etnovariedade DG - 55, originada de Anará, Estado de Roraima-RR, constatou-se que a cada 4 flores femininas observadas 1 era hermafrodita. As flores femininas e hermafroditas dessa etnovariedade apresentavam o estigma roxo, ao invés da coloração branca (translúcido, quando receptível) características das flores de mandioca de etnovariedades com coloração verde (Figura 1). O estigma roxo é uma característica encontrada nas flores de plantas com coloração roxa, sugerindo que a DG –55 é possivelmente resultante do cruzamento entre genótipos com diferentes pigmentações. Flores com um ou dois estaminódios (estames inviáveis) foram observadas nas etnovariedades DG – 65 e DG – 49. Flores com cinco estames apresentando grãos de pólen viáveis (teste com o corante carmim acético a 2%), foram observadas somente na DG - 55.


Seneratna (1945) encontrou flores hermafroditas numa inflorescência da cultivar AB12. A autora concluiu que o fenômeno tratava-se de reversão à condição ancestral. Ninan & Abraham (1972), também detectaram flores hermafroditas em quatro variedades de mandioca cultivadas em Kerala, Índia. As flores hermafroditas eram menos frequentes que as classes unissexuais. As flores hermafroditas do híbrido H.450, eram de dois tipos: no primeiro, os tépalos do perianto apresentavam-se separados, como nas flores femininas normais, características semelhantes ao encontrado no presente trabalho e, no segundo, os tépalos apresentavam-se como nas flores masculinas (Madhavadian et al., 1976). Cuco & Bandel (1994) encontraram flores hermafroditas em seringueira (Hevea brasiliensis), espécie da mesma família (Euphorbiaceae) da mandioca que, também, apresenta a monoicia como sexualidade floral.

A família Euphorbiaceae apresenta características morfológicas florais muito primitivas, como por exemplo a presença de tépalos em vez de sépalas e pétalas e, possivelmente, vem mudando de hermafroditismo para monoicia. Entretanto, a ocorrência esporádica de flores hermafroditas pode ser indício que o processo ainda não foi completado.

A etnovariedade DG – 65 e a variedade Mantiqueira, apresentaram 30% das flores com estigma bipartido (Figura 2a), ovário contendo apenas dois óvulos (Figura 2b), formato do fruto anormal (Figura 2c) e, consequentemente formação de apenas duas sementes (Figura 2d), enquanto o padrão encontrado na flor da mandioca é estigma tripartido, ovário trilocular e três sementes são formadas quando todos os óvulos são fertilizados.



Crepaldi (1987) menciona a ocorrência de ovários com dois óvulos, em M. esculenta, variedade 'Taquari'; entretanto o fenômeno era mais comum na espécie M. tripartita. A ocorrência de ovários com somente dois lóculos em 30% das flores, reduz a produção de sementes em 10%. Em amostras de 100 frutos, cujo ovário apresenta três óvulos, é possível obter 300 sementes, entretanto, na variedade Mantiqueira e DG – 65, somente poderão ser obtidas 270 sementes. Essa característica deverá ser levada em consideração no planejamento dos campos de cruzamentos.

Ecologia da polinização

Nas observações de campo foi constatado que a flor da mandioca é visitada por coleópteros, vespas, abelha irapuá (Trigona spinipes) e abelha (Apis mellifera). A abelha irapuá e as vespas raramente foram constatadas fazendo polinização. A espécie Apis mellifera foi o principal polinizador. As abelhas procuram as flores atraídas pelo odor, pólen e néctar. O inseto utiliza o estigma da flor feminina como "pista de pouso" e ao apoiar-se nas patas traseiras atingem o néctar localizado na base da flor, próximo ao disco estaminal, promovendo contato entre os grãos de pólen aderidos ao seu corpo com o estigma. Para coletar o néctar, as abelhas contornam toda a flor, depositando consequentemente pólen nos três lóbulos do estigma, caracterizando uma perfeita interação entre o agente polinizador e a flor da mandioca.

A abertura das flores femininas se inicia às 12 horas (Crepaldi, 1987). Entretanto, foi observado, no período de 9 às 11 horas, que as abelhas promovem a abertura antecipada das flores. O polinizador chega aos botões florais próximos a abertura, possivelmente atraído pelo odor, e força a abertura junto à união dos tépalos, até obter o néctar e, consequentemente, realizar a polinização.

A abelha pode ser considerada um eficiente polinizador da flor da mandioca, pois constatou-se que 94,8% das flores foram polinizadas. Esse resultado corrobora o pressuposto de Roger e Apan (1973), quando classificaram as abelhas como os principais polinizadores do gênero Manihot.

Segundo Crepaldi (1987), o melhor período para polinização das flores da mandioca é em torno de 14 horas. Entretanto, Jos et al. (1990) constataram receptibilidade do estigma 6 horas antes da abertura das flores, portanto as polinizações realizadas pelas abelhas antes da abertura natural das flores podem ser consideradas satisfatórias.

Crepaldi (1987) sugeriu isolamento reprodutivo entre as espécies M. esculenta e M. tripartita em decorrência dessa última apresentar grau de receptibilidade do estigma ótimo às 9 horas. Como as abelhas antecipam a abertura das flores, o isolamento proposto pela autora não é eficiente, em decorrência do comportamento do polinizador.

Produção e viabilidade dos grãos de pólen

Os genótipos estudados apresentaram variação altamente significativa no número de grãos de pólen na flor (F = 148,48; G.L. = 59; P<0,01), com média de 1666 e variação de 1 295,5 (DG - 62) a 2 186,5 (DG - 59) (TABELA 1). O teste de comparação de médias de Tukey, revelou a formação de quatro grupos: os três primeiros formados pelas etnovariedades DG - 59, DG - 49 e DG - 132, respectivamente e o quarto composto pela variedade Mantiqueira e DG's 65 e 62. Crepaldi (1987) não constatou diferença no número de grãos de pólen nas anteras das cultivares "Branca de Santa Catarina" e "Taquari".

O resultado encontrado no presente trabalho corrobora os obtidos por Graner (1942), quando trabalhou com a variedade cultivada Vassourinha Paulista, sendo, entretanto, superior aos valores encontrados por Crepaldi (1987) que avaliou a produção de grãos de pólen das cultivares Branca de Santa Catarina e Taquari.

A polinização realizada com pólen da DG-62 apresenta menor probabilidade de sucesso quando comparado a DG-59. As flores da DG-62 são verdes, confundindo com a coloração das folhas; entretanto as abelhas são atraídas principalmente pelo aroma das flores (Faegri & Pijl, 1980). Isso explicaria, em parte, os 100% de polinização cruzada encontrado para a DG-62 por Silva (dados não publicados).

A produção de grãos de pólen é uma característica muito variável entre as cultivares de M. esculenta e, portanto, existem genótipos com maior probabilidade de deixar descendentes. O processo de domesticação promoveu pressão seletiva diferenciada para a característica produção de grãos de pólen das etnovariedades.

As anteras do verticilo superior da flor masculina apresentaram, significativamente, maior número de grãos de pólen (T = -2,42; G.L. = 118; P<0,05). Portanto, para obtenção do número total de grãos de pólen produzidos pela flor da mandioca é necessário amostrar anteras dos dois verticilos.

As etnovariedades estudadas apresentaram diferenças altamente significativa na viabilidade dos grãos de pólen (F = 109,68; G.L. = 59; P<0,01); em média, 79,22% dos grãos de pólen são viáveis, com variação de 62,05% (Mantiqueira) a 96,52% (DG - 59). O teste de Tukey revelou a formação de dois grupos: o primeiro formado pelas etnovariedades DG - 59, DG - 49 e DG - 132 e o segundo pelas etnovariedades DG - 65, DG - 62 e a variedade IAC - Mantiqueira (TABELA 2).

A amplitude de variação na viabilidade dos grãos de pólen, encontrada por Crepaldi (1987); Jos et al., (1990) e Carvalho (1995) não foi detectada no presente trabalho; contudo, constatou-se que a viabilidade dos grãos de pólen das etnovariedades é alta. A determinação da viabilidade realizada pelo método de coloração com carmim acético em mandioca é sujeito a erro de interpretação, pois os grãos de pólen demoram absorver o corante e dependendo do tempo esperado para a quantificação poderá ser obtido resultado diferente. Neste trabalho, procuramos identificar principalmente os grãos de pólen que apresentavam o menor tamanho, os quais certamente são inviáveis.

A viabilidade dos grãos de pólen não apresentou diferença significativa em relação à posição dos conjuntos de anteras (T = -0,46; G.L. = 118; P>0,05). Crepaldi (1987) constatou que a viabilidade dos grãos de pólen foi maior nas anteras do verticilo superior na cultivar "Branca de Santa Catarina" e o inverso foi constatado para a cultivar "Taquari".

A maior viabilidade dos grãos de pólen nas anteras do verticilo superior seria uma característica importante para a dispersão dos grãos de pólen, pois apresentam maior probabilidade de serem levados pelo polinizador e, consequentemente, utilizados nas polinizações. Os verticilos superiores produzem um número de grãos de pólen significativamente maior que os verticilos inferiores.

Apomixia

Na variedade Mantiqueira, constatou-se que 15% dos botões florais protegidos apresentou desenvolvimento inicial do ovário, sendo abortados 35 dias após a abertura da flor. A DG - 134 apresentou três frutos, na mesma inflorescência, com crescimento inicial do ovário até 45 dias, metade do período de tempo necessário para a formação do fruto. No ano de 1995, a DG - 62 apresentou a formação de um fruto, produzindo apenas uma semente, a qual não germinou. Os resultados obtidos no presente trabalho não permitem concluir que ocorre apomixia nas etnovariedades estudadas.

Crepaldi (1987) referiu-se ao termo "ovário desenvolvido" à condição de fruto no início de desenvolvimento, secando e caindo algum tempo depois da abertura da flor, conforme encontrado para a variedade Mantiqueira e DG – 134. Esse comportamento é distinto daquele em que o ovário não se desenvolve e três a cinco dias após a abertura, a flor seca e cai.

Ogburia & Adachi (1996) constataram a formação de 0,3% de sacos embrionários diplospóricos, sugerindo apomixia facultativa na cultivar "Rayong 3". Segundo Crepaldi (1987), 14,6 % dos botões florais protegidos formaram frutos e 1,25% formaram sementes, portanto os frutos iniciavam o desenvolvimento (partenocarpia), sem apresentar formação de sementes. As sementes produzidas germinaram e produziram plântulas fracas. A apomixia facultativa foi constatada em cultivares de mandioca de cruzamentos interespecíficos realizados no IITA, Nigéria (IITA, 1988; Hahn et al., 1990).

Nassar et al. (1998) identificaram 3,13% e 2,70% de apomixia em progênies dos clones 31 e 200, respectivamente. O clone 31 é um F2 resultante do cruzamento entre o híbrido interespecífico (M. dichotoma x M. esculenta) e a cultivar Branca de Santa Catarina. O clone 200 é o F1 resultante da hibridização entre a mandioca cultivada e M. glaziovii.

Segundo Nakajima & Mochizuki (1983), a estimativa das freqüências de sacos embrionários sexuais e apomíticos em nível de progênie não possibilita conhecer a real proporção dos dois tipos de sacos embrionários. A determinação da proporção de sacos embrionários no ovário não permite conhecer a porcentagem de embriões apomíticos que sobreviverá na natureza e se as plantas originadas a partir de sacos embrionários apomíticos apresentarão a mesma capacidade de competição e adaptação em relação aos sexuais. Nakagawa (1990) recomenda a análise em nível de saco embrionário e subsequente avaliação da progênie para que seja quantificada a apomixia numa espécie.

Os resultados encontrados, no presente trabalho, não sustentam a existência de apomixia em mandioca. A apomixia na espécie somente poderá ser confirmada quando for detectada em plantas resultantes de cruzamentos espontâneos intra-específicos, constatado em nível de saco embrionário e progênies em número significativo.

Produção e germinação das sementes

Dos 256 frutos analisados, 21,09%, 35,55% e 43,36% apresentavam 1, 2 e 3 sementes, respectivamente (TABELA 3). O resultado do teste de germinação revelou que sementes obtidas de frutos com apenas uma semente, apresentam 53,49% de germinação, enquanto sementes oriundas de frutos com duas ou três sementes mostraram 32,5% e 40,32% de germinação, respectivamente. O fruto de mandioca quando é formado, apresenta maior probabilidade de conter duas ou três sementes; entretanto, sementes originadas de fruto com apenas uma semente, apresenta maior probabilidade de germinar. Os genótipos com alta proporção de frutos com uma semente, a exemplo da DG - 134 e variedade Mantiqueira, apresentam maior probabilidade de deixar descendentes.

A porcentagem média (28,85%) de germinação das sementes dos nove genótipos estudados (TABELA 3) e as características de pseudo-sementes (sementes com cotilédones e endosperma mal formados ou inexistentes) estão de acordo ao encontrado por Ogburia & Adachi (1995). A porcentagem de sementes verdadeiras (sementes com cotilédones e endosperma) encontrado neste trabalho corrobora o encontrado por Monteiro et al. (1984), quando avaliaram a produção de sementes verdadeiras em plantas com diferentes ciclos vegetativos.

Fukuda & Cerqueira (1986) e Valle (1990) constataram percentual de germinação de sementes verdadeiras em torno de 80%, portanto bem superior ao encontrado neste trabalho. A maior porcentagem de germinação obtida pelos autores, possivelmente, deve-se ao diferente método de estimação das sementes verdadeiras e aos genótipos analisados serem utilizados em programas de melhoramento. Nassar & Teixeira (1983) obtiveram 9% a 25% de germinação das sementes de espécies silvestres do gênero Manihot. É importante quantificar a produção e germinação de sementes verdadeiras em etnovariedades, material melhorado pelo processo convencional e espécies afins da mandioca para que seja avaliado o efeito da domesticação na reprodução da espécie.

A formação de óvulos anormais deve ser um dos principais problemas responsáveis pela baixa produção de sementes verdadeiras, pois o experimento de ecologia da polinização demonstrou que a polinização é realizada de modo eficiente. Crepaldi (1987) e Ogburia & Adachi (1995) relataram que flores não polinizadas caem alguns dias depois da abertura da flor, dessa forma havendo necessidade de polinização para a formação das sementes. Devem ser realizadas pesquisas citológicas em nível de ovário para explicar a elevada percentagem de formação das pseudo-sementes e consequentemente baixa germinação das sementes das etnovariedades de mandioca.

A influência do material genético deverá ser melhor estudada, pois plantas que produzem grande quantidade de frutos com uma semente, apresentam menor porcentagem de formação de pseudo-sementes, indicando seleção sexual entre as etnovariedades.

A biologia reprodutiva das etnovariedades, cultivares e espécies afins da mandioca precisa ser melhor estudada, pois sua compreensão é de fundamental importância para que seja quantificado o impacto causado pelo processo de domesticação na reprodução sexual da espécie.

CONCLUSÕES

A variação do número de óvulos por ovário, influencia a produção de sementes; a abelha foi o polinizador mais eficiente da flor da mandioca; as etnovariedades produziram número diferenciado de grãos de pólen e as anteras que formam o verticilo superior apresentaram maior quantidade; os grãos de pólen mostraram alta porcentagem de viabilidade nas anteras dos dois verticilos; não foram encontradas evidências de apomixia na espécie; foram encontrados mais frutos com duas ou três sementes que uma, entretanto, sementes originadas de fruto com semente única tiveram maior porcentagem de germinação.

Recebido em 22.03.00

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    MARTINS, P.S. (USP/ESALQ. Departamento de Genética, Piracicaba). Comunicação pessoal, 1994.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2001
    • Data do Fascículo
      Mar 2001

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2000
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