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Traduzindo identidades

Traduzindo identidades

Identidades traduzidas: cultura e docência teuto-brasileiro-evangélica no Rio Grande do Sul

MEYER, Dagmar Elisabeth Estermann

Santa Cruz do Sul: EDUNISC; São Leopoldo: Editora Sinodal, 2000. 242 p.

Mobilizando um invejável e alentado confortos do distanciamento" (p. 8), a pesquisa teve uma história que aponta a inserção da autora, Dagmar, em três contextos bem distintos e definidos: uma família de imigrantes alemães, um Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Gênero (GEERGE) e a docência na Faculdade de Educação (FACED/UFRGS). Estas pertinências, muito bem tramadas, não caíram em qualquer tom confessional mas evidenciaram, sim, que as investigações são sempre interessadas, uma vez que elas se desenvolvem em torno de questionamentos feitos por alguém que começa e consegue formular determinadas perguntas a partir de um lugar e em um tempo específico.

Os dados, além de sustentarem análises engenhosas, são discutidos quanto à procedência, fidedignidade, modo de coletar e de usar, ou seja, ela discute como chegou aos dados e como estes chegaram ao livro, sem descuidar em nenhum momento da elegância da escrita: justa escolha das palavras, frases ordenadas, controle dos parágrafos, o que só vem assegurar, mais uma vez, a qualidade do estilo em que o texto é construído.

A opção por desnaturalizar/desconstruir idéias e conceitos já arraigados, os ditos "lugares-comuns", foi realizada com pleno êxito, sempre historicizados, isto é, sempre colocados na ordem do histórico, portanto, do mutável, como se encontra na passagem descrita à página 38: "os imigrantes alemães não compunham, então, um grupo homogêneo, sob muitos aspectos: eram oriundos de diferentes Estados e regiões, muitos eram camponeses e servos, outros tantos marginalizados urbanos, alguns podiam ser intelectuais em exílio político". De igual maneira, a passagem que se encontra à página 115 quando a autora reafirma "a impossibilidade de se falar, no contexto sócio-histórico alemão, acerca da escola, da formação de professores e professoras ou do exercício do magistério no singular, o que, por extensão, mina também a idéia de uma concepção homogênea e amplamente compartilhada de escolarização que passaria a ser apresentada como sendo uma característica (ou tradição cultural) desses imigrantes no Brasil".

Essas citações remetem, igualmente, à questão do método utilizado. Ele foi construído/tramado a partir de uma salutar e bem-sucedida abertura epistemológica (anunciada à página 28) que lhe deu legitimidade, abandonando corajosamente o modelo dogmático e, por vezes, ortodoxo ainda presentes em certos setores da pesquisa em Educação, em que as situações já estão definidas por antecipação, cabendo às/aos estudiosas/estudiosos apenas comprová-las. Ao invés disso, a profundidade sem afetação, a flexibilidade interpretativa e os diálogos fecundos com os campos de Estudos Culturais e Estudos Feministas mostraram a História e suas formações discursivas como uma representação do passado que caminha através do relacional das disputas, das hipóteses em confronto, sem a ansiedade cartesiana de causa e efeito encadeados em uma seqüência fatal de conclusões.

Detetivescamente, como convém a uma pesquisadora, a autora perseguiu evidências, pistas, e esta perseguição foi realizada por ações relacionais e diversificadas, sistematizadas ao longo do livro e expressas por ações como "selecionei", "organizei dados", "analisei", "reorganizei a pesquisa", "fui induzida a buscar", "percorri caminhos investigativos". E foi na totalidade dessas dimensões que, para além das análises que empregam gênero como categoria útil, Dagmar buscou a compreensão dos papéis ou dos destinos de mulheres e homens, humanizando um passado que não foi tão certo e preciso quanto algumas teorias criadas para entendê-lo.

Ao longo dos três capítulos do livro, a autora problematiza as representações em torno de uma cultura teuto-brasileiro-evangélica, mostrando as representações culturais e a produção de identidades culturais; analisa a Escola e a Docência como uma arquitetura de um regime de representação cultural; e aborda, no terceiro capítulo, uma identidade docente entre a tradição e a tradução cultural. Tudo isto apresentado em análises sofisticadas que interligam conceitos como nação, religião, gênero e raça/etnia.

Sem dúvida, um outro grande mérito deste livro reside na sutileza, no detalhamento e no cuidado com que a autora se debruça sobre a questão da cultura, como frisou na Apresentação a professora doutora Guacira Lopes Louro (UFRGS), para quem "as representações de escola e de docência, inscritas no interior de um determinado contexto cultural, são analisadas como resultantes e, ao mesmo tempo, constituidoras desse projeto cultural específico" (p. 9).

Ao final, a certeza de que as Identidades foram traduzidas e revelaram outras possibilidades de puxar o fio da História da Educação, na perspectiva dos Estudos Culturais e Feministas, além, é claro, do barthesiano prazer de ler.

MARIA TERESA SANTOS CUNHA

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2002
  • Data do Fascículo
    2001
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