Acessibilidade / Reportar erro

Publicar é uma ação política

To publish is a political action

Resumos

É preciso analisar a produção de publicações feministas como uma ação política direta, e não apenas como mais um instrumento de divulgação do trabalho desenvolvido pelas organizações. Essas publicações contribuem para o aprimoramento e a renovação dos discursos políticos sobre a condição da mulher. As organizações feministas precisam compreender que, em termos operacionais e práticos, o que é referência para as editoras comerciais também pode fazer parte das referências para o trabalho editorial do movimento feminista. Hoje há um maior acúmulo de experiências e um menor volume de recursos. Essa situação exige novas estratégias.

publicações feministas; planejamento editorial; avaliação


The production of feminist publications should be understood as a direct political action, and not as only another means of divulgation of the activities developed by the organizations. Those publications contribute to the refinement and renewal of the political discourse about the female condition. The feminist organizations should understand that, in operational and practical terms, what serves as a guideline for the commercial publishers can also be part of the feminist movement's guidelines for its editorial work. Today the organizations have accumulated experience but the amount of resources available is smaller. Such a framework demands new strategies.

feminist publications; editorial planning; evaluation


DOSSIÊ

Publicar é uma ação política

To publish is a political action

Jacira Melo

Instituto Patrícia Galvão - Comunicação e Mídia

RESUMO

É preciso analisar a produção de publicações feministas como uma ação política direta, e não apenas como mais um instrumento de divulgação do trabalho desenvolvido pelas organizações. Essas publicações contribuem para o aprimoramento e a renovação dos discursos políticos sobre a condição da mulher. As organizações feministas precisam compreender que, em termos operacionais e práticos, o que é referência para as editoras comerciais também pode fazer parte das referências para o trabalho editorial do movimento feminista. Hoje há um maior acúmulo de experiências e um menor volume de recursos. Essa situação exige novas estratégias.

Palavras-chave: publicações feministas, planejamento editorial, avaliação.

ABSTRACT

The production of feminist publications should be understood as a direct political action, and not as only another means of divulgation of the activities developed by the organizations. Those publications contribute to the refinement and renewal of the political discourse about the female condition. The feminist organizations should understand that, in operational and practical terms, what serves as a guideline for the commercial publishers can also be part of the feminist movement's guidelines for its editorial work. Today the organizations have accumulated experience but the amount of resources available is smaller. Such a framework demands new strategies.

Key words: feminist publications, editorial planning, evaluation.

Além de serem importantes veículos para divulgação de informações, as publicações feministas também contribuem para o aprimoramento e a renovação de propostas e discursos políticos sobre a condição da mulher. Assim, é preciso analisar a produção de publicações como uma ação política direta, de disseminação de idéias, propostas, questões e conceitos, e não apenas como mais um instrumento de divulgação para um público mais amplo dos trabalhos desenvolvidos pela organização.

A década de 1990 caracterizou-se como um período de intensa produção editorial feminista, com a publicação de livros, revistas, cadernos, jornais, boletins, cartilhas, folhetos etc. Nesse período tivemos também o surgimento de uma crescente produção de publicações eletrônicas, para divulgação via e-mail ou em sites na Internet.

Em geral, essas publicações têm sido viabilizadas como parte de projetos mais amplos desenvolvidos por organizações feministas. São levantamentos, estudos e pesquisas que, depois de finalizados, são transformados em livros para dar maior visibilidade ao trabalho realizado; são relatórios de seminários e reuniões, publicados em forma de cadernos, que funcionam como memória e registro de eventos relevantes; são experiências em oficinas que são sistematizadas no formato de cartilhas. Mas é importante observar que são raras as experiências feministas em que a publicação é o objetivo central da ação política.

É preciso investir mais na preparação de textos

No mundo de hoje, onde falta tempo e abundam informações, o texto informativo que se mostra mais útil é aquele composto por parágrafos curtos, com frases diretas e dados precisos. Em Para escrever bem (2002),1 1 Assumpção e Bocchini, 2002. as professoras Maria Elena Ortiz Assumpção e Maria Otilia Bocchini, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ensinam que escrever textos informativos de leitura interessante e agradável exige bons conhecimentos da relação entre o/a leitor/a e o texto.

As publicações feministas oferecem conteúdos valiosos, mas em sua maioria não apresentam uma redação centrada na leitora e no leitor, isto é, não apresentam textos acessíveis e de fácil leitura. O tratamento de textos ainda requer um maior investimento.

Em meu trabalho como redatora e editora de publicações feministas, a experiência mais completa de textos elaborados tendo em foco as leitoras e leitores foi a edição da série de Dossiês Temáticos publicados pela Rede Feminista de Saúde.2 2 Rede..., 2001.

A preocupação com os títulos, subtítulos e intertítulos, para orientar a leitura e atrair a atenção das leitoras e leitores a cada página, é uma marca dessa série de publicações. Os títulos apresentam de forma direta o conteúdo de cada capítulo, e os subtítulos e intertítulos vão fornecendo detalhes e destacando as principais informações.

Quando folheamos uma publicação feminista, o desejável é poder passar os olhos pelos títulos e pelos diferentes elementos da publicação (ilustrações, destaques etc.) e já ter uma idéia razoável acerca das informações e dos dados básicos sobre o conteúdo. Se, em lugar desses elementos, deparo-me com páginas e páginas apresentadas em forma de texto corrido - isto é, sem títulos, subtítulos, ilustrações - isso significa que será preciso ler todo um capítulo de oito ou dez páginas para garimpar uma informação ou um dado numérico mais relevante.

Esses comentários servem para enfatizar que as publicações feministas não podem prescindir de um tratamento editorial, de um trabalho profissional de preparação e editoração de texto. A estratégia do improviso - em que a secretária da instituição faz uma rápida revisão e formatação do artigo ou relatório a ser publicado em livro - precisa ser revista. Se entendemos que essas publicações têm uma vocação educativa, elas precisam apresentar textos mais acessíveis e de leitura fácil e interessante. Isso significa dizer que, idealmente, os textos para publicação deveriam passar por um tratamento editorial que venha a considerar as necessidades, os interesses e as limitações de leitoras e leitores.

Publicar exige um trabalho profissional

As organizações feministas precisariam compreender que, em termos operacionais e práticos, o que é referência para as editoras comerciais também pode fazer parte das referências para o trabalho editorial do movimento feminista. Isso significa dizer que as tarefas de planejamento, aprofundamento da pauta, preparação de texto e avaliação sistemática sobre a recepção do material publicado precisam integrar os projetos das publicações feministas.

Nessa perspectiva, publicar exige um trabalho permanente de planejamento e avaliação. Ao longo dos últimos anos, o movimento feminista - organizações feministas, grupos de mulheres negras, núcleos de universidades, comissões de mulheres nos sindicatos, entre outros - já acumulou uma grande experiência editorial, que deveria possibilitar a busca de um novo patamar de produção e distribuição de publicações.

Também é preciso investir na criação de espaços coletivos para debater experiências, dificuldades e desafios. O isolamento das iniciativas editoriais é mais um sintoma da ausência de reflexão feminista coletiva sobre o campo das publicações. Espaços como o I Encontro Brasileiro de Publicações Feministas podem possibilitar exercícios coletivos de planejamento, avaliação, desenvolvimento de metodologia e definição de metas para as publicações feministas. Esse primeiro encontro foi um passo importante nesse sentido, pois permitiu a elaboração de um amplo diagnóstico sobre os principais desafios nesse campo.

Vale ressaltar que já existem atualmente diversas experiências bem-sucedidas, que vêm sendo conduzidas por várias organizações feministas e núcleos de gênero em universidades. São publicações que informam e formam redes feministas, impulsionam ações e campanhas, divulgam concepções e fomentam o debate e a construção de novos conceitos e idéias.

Mesmo que ainda não tenham sido encontradas soluções satisfatórias para a questão da distribuição, é possível considerar que o feminismo, através de suas publicações, tem conseguido influenciar outros movimentos sociais, introduzindo as perspectivas de gênero, raça/etnia e orientação sexual em diversos debates, pesquisas e estudos de diferentes temas e abordagens.

Para avançar ainda mais é imprescindível a profissionalização de todo o processo editorial, seja para as publicações em formato impresso, seja em formato eletrônico.

Avaliar a compreensão e a comunicabilidade

Neste momento caberia a seguinte pergunta: por que as publicações feministas não passam por processos constantes de avaliação? Por que as diferentes metodologias de avaliação que já são utilizadas nos mais diferentes projetos não foram ainda incorporadas às atividades de comunicação? Por que não se avaliam o alcance, o entendimento e a pertinência das publicações utilizando-se metodologia própria? A avaliação sistemática é uma condição fundamental para o aperfeiçoamento e continuidade de qualquer trabalho, e isso inclui as publicações.

No ambiente feminista freqüentemente impera a idéia de que sabemos qual é a melhor pauta, a melhor abordagem e o tratamento mais adequado para atingir os diversos segmentos de público. Por que se trabalha assim, presumindo sempre? Por que não se utilizam técnicas consagradas para definir um conjunto de pautas e a linha editorial mais adequada?

As publicações didáticas precisariam ser testadas no processo de elaboração para que fossem avaliadas a compreensão e a comunicabilidade junto ao público-alvo. As diversas publicações precisariam ser avaliadas através de questionários ou entrevistas por telefone. Essas avaliações poderiam fornecer respostas preciosas sobre diferentes aspectos, como por exemplo se as publicações despertam interesse, se estão sendo lidas para além do índice, se correspondem à necessidade de informação dos segmentos de público que se objetiva alcançar.

A distribuição tem muitos nós

A distribuição das publicações tem sido o lugar de maior debilidade, com poucas soluções criativas e dificuldades mais evidentes. À primeira vista, o problema parece estar na distribuição em si. Mas, olhando-se atentamente, percebe-se que na realidade o problema está no processo editorial como um todo, que é concebido de forma fragmentada. Publicar significa planejar de forma conjunta todas as fases do processo, inclusive divulgação e distribuição, seja em termos de custo, seja de trabalho.

É preciso encontrar soluções coletivas

Há quase uma década a cooperação internacional vem operando uma reorientação importante na lista de prioridades para suas doações. É cada vez menor o volume de recursos disponíveis para distribuição entre um crescente número de projetos sociais e cada vez maior a exigência de qualidade e impacto no que diz respeito às publicações.

Contamos hoje com mais experiência, maior acúmulo, mas a tendência atual é de dispormos de um menor volume de recursos. Esse quadro impõe novas estratégias e novas atitudes, tanto no que diz respeito ao modelo operacional de produção e distribuição das publicações, quanto ao modo de atuar e interagir como organizações produtoras de publicações impressas ou eletrônicas. O I Encontro Brasileiro de Publicações Feministas e este dossiê sobre publicações feministas são um ótimo começo.

Copyright © 2003 by Revista Estudos Feministas

  • ASSUMPÇÃO Maria Elena Ortiz; BOCCHINI, Maria Otilia. Para escrever bem São Paulo: Manole, 2002.
  • REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE E DIREITOS REPRODUTIVOS. Saúde da mulher e direitos reprodutivos: dossiês São Paulo, 2001.
  • 1
    Assumpção e Bocchini, 2002.
  • 2
    Rede..., 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2003
    Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: ref@cfh.ufsc.br