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Feministas e tecnocratas na democratização da América Latina

Feminists and technocrats in the democratization of Latin America

Resumos

Os movimentos de mulheres muito contribuíram para pôr fim aos governos autoritários na América Latina, mas sua participação na reconstrução da política democrática tem sido mais limitada do que o esperado. Este artigo argumenta que a enorme influência exercida por elites tecnocráticas no processo de democratização na América Latina tem representado um obstáculo para a melhoria do status da mulher na região. Pressupostos e práticas preconceituosos quanto ao gênero têm sido apenas parcialmente abordados, em parte porque o processo de elaboração de políticas é controlado por economistas, um grupo profissional com uma postura particularmente hostil às análises de gênero. Sugere-se que mudanças no interior da (disciplina) Economia poderiam colaborar na tarefa de tornar a democracia mais sensível às demandas das mulheres.

democratização na América Latina; visão feminista da democracia; política tecnocrática e gênero


Women's movements made important contributions to ending the period of authoritarian rule in Latin America, but their participation in the reconstruction of democratic politics has been more limited than expected. This paper argues that the enormous influence exerted by technocratic elites in the democratization process in Latin America has represented an obstacle to the improvement of women's status in the region. Gender-biased assumptions and practices have been only partially addressed, in part because the policy-making process is under the control of economists, a professional group with a particularly unfriendly stand towards gendered analysis. It is suggested that reforms within economics may help in the task of making democracy more responsive to the demands of women.

democratization in Latin America; feminist views of democracy; technocratic politics and gender


ARTIGOS

Feministas e tecnocratas na democratização da América Latina

Feminists and technocrats in the democratization of Latin America

Verónica Montecinos

Pennsylvania State University

RESUMO

Os movimentos de mulheres muito contribuíram para pôr fim aos governos autoritários na América Latina, mas sua participação na reconstrução da política democrática tem sido mais limitada do que o esperado. Este artigo argumenta que a enorme influência exercida por elites tecnocráticas no processo de democratização na América Latina tem representado um obstáculo para a melhoria do status da mulher na região. Pressupostos e práticas preconceituosos quanto ao gênero têm sido apenas parcialmente abordados, em parte porque o processo de elaboração de políticas é controlado por economistas, um grupo profissional com uma postura particularmente hostil às análises de gênero. Sugere-se que mudanças no interior da (disciplina) Economia poderiam colaborar na tarefa de tornar a democracia mais sensível às demandas das mulheres.

Palavras-chave: democratização na América Latina, visão feminista da democracia, política tecnocrática e gênero.

ABSTRACT

Women's movements made important contributions to ending the period of authoritarian rule in Latin America, but their participation in the reconstruction of democratic politics has been more limited than expected. This paper argues that the enormous influence exerted by technocratic elites in the democratization process in Latin America has represented an obstacle to the improvement of women's status in the region. Gender-biased assumptions and practices have been only partially addressed, in part because the policy-making process is under the control of economists, a professional group with a particularly unfriendly stand towards gendered analysis. It is suggested that reforms within economics may help in the task of making democracy more responsive to the demands of women.

Key words: democratization in Latin America, feminist views of democracy, technocratic politics and gender.

Introdução

Análises de experiências recentes de democratização muitas vezes identificam uma bem-sucedida transição do regime autoritário, seguida de um processo de consolidação democrática.1 1 Agradeço a Lourdes Benería, John Markoff, Jean Pyle, Verónica Schild e aos editores os valiosos comentários feitos a uma versão anterior deste artigo. Essa linguagem é perigosamente enganosa. Parece sugerir que a democracia, uma vez alcançada, possa ser institucionalizada, tornar-se durável e estável. A imagem de uma democracia consolidada obscurece as ambigüidades inerentes aos ideais e práticas democráticas. Historicamente, a própria idéia de democracia vem sendo tema de reformas e inovações consideráveis: "a democracia é um alvo que se movimenta, não uma estrutura estática".2 2 John MARKOFF, 1999, p. 689. O significado e até mesmo a existência da democracia são temas de contínuos debates, conforme atores políticos e sociais lutam para reconstruir práticas existentes e arranjos institucionais em direções que mais adequadamente reflitam suas aspirações e necessidades. Desse modo, a democracia "cheia de problemas teóricos e práticos não resolvidos é um estado incerto e a democratização é um processo incerto".3 3 Geraint PARRY e Michael MORAN, 1994, p.15.

Regimes militares dominaram a maior parte da América Latina nos anos 1960 e 1970. Um movimento que abrangeu toda a região em busca da democratização aconteceu nos anos 1980 e, uma década depois, apenas a socialista Cuba não abraçou a competição eleitoral. Os esforços para consolidar a democracia têm chamado a atenção tanto das elites políticas quanto dos acadêmicos, em parte devido ao alto nível de incertezas econômicas que acompanhou a substituição do regime autoritário por governos eleitos. A transição democrática coincidiu com as conseqüências devastadoras das crises da dívida, níveis persistentemente altos de desigualdade (cerca de 40% dos lares latino-americanos estavam abaixo do nível de pobreza nos anos de 1990), e as crescentes restrições impostas pelas transformações na economia internacional.

Nas últimas duas décadas, as elites de planejamento encararam os desafios da abertura política, ao mesmo tempo que tentavam implementar reformas econômicas abrangentes e dolorosas motivadas em parte pelas severas demandas de investidores e credores internacionais. Mobilizações sociais em oposição a políticas orientadas pelo mercado e protestos contra o desemprego e salários deteriorados foram reprimidos para evitar possíveis retornos ao controle militar, visto como uma ameaça iminente em alguns países. Governos eleitos colocaram opções políticas impopulares nas mãos de especialistas competentes, protegidos da imprevisibilidade de coalizões partidárias, de interesses de grupos políticos e do debate público. Ao invés de buscar novos caminhos para a expansão dos direitos e da participação dos cidadãos, a nova e frágil democracia seguiu uma estratégia política que isolou e deu poder a reformistas econômicos.

As expectativas de que a transição democrática fosse promover formas inovadoras e não testadas de uma democracia participativa e de representatividade de interesses foram abafadas pela ênfase na capacidade de governar. A democratização veio a ser compreendida em termos estritos, como a construção de um amplo consenso que, sem afetar a estabilidade, garantiria a preservação dos procedimentos convencionais da política democrática: participação popular através de voto universal e competição multipartidária. Sem dúvida, a proteção dos direitos individuais e das liberdades fundamentais representou importantes ganhos para todos os cidadãos. Os aspectos menos problemáticos e mais bem recebidos da democratização incluem o fim do Estado de terror, as garantias constitucionais para organizações civis e políticas, e a confiança em uma imprensa não censurada. Vozes dissonantes, entretanto, reclamam das concepções restritas de democracia eleitoral que não desafiam os componentes centrais da ordem hierárquica social.

Apelos por uma democratização mais genuína são particularmente pungentes com relação à situação das mulheres. A pouca representação histórica da mulher na vida política e seu estado subordinado na economia e na família provavelmente não mudarão, se não se expandir uma representação pluralista e se a participação dos cidadãos na construção de políticas permanecer limitada. Aqueles que estão preocupados em assegurar a igualdade das mulheres insistem em que o processo de democratização seja acompanhado de transformações na cultura política e de reformas institucionais inovadoras em nível estatal, em políticas eleitorais, em governos locais, assim como em práticas sociais. Não é a consolidação da democracia que os proponentes dos direitos da mulher idealizam, mas sua transfiguração.

Na próxima seção este artigo investiga as mudanças no papel político da mulher na América Latina durante e depois da transição democrática, levando em conta o progresso e as decepções das últimas duas décadas. A seção seguinte mostra a ausência de modelos satisfatórios, já que em nenhum lugar as democracias apagaram as desvantagens econômicas e sociais de suas formalmente iguais cidadãs. A seguir, argumenta-se que as tendências tecnocratas das novas democracias na América Latina colidiram com as demandas de participação das mulheres, e a posição adversa dos economistas perante as analises de gênero é vista como um elemento crucial nessa tensão. Finalmente, sugere-se que mudanças na educação e seleção de economistas na América Latina - e mais amplamente uma reforma da teoria econômica - podem contribuir para o fortalecimento das políticas democráticas ao garantir justiça social para todos os cidadãos.

Transição política e as muilheres

Por toda a América Latina, a fase de transição ofereceu oportunidades sem precedentes para corrigir a tradicional marginalização das mulheres na vida política. Nos anos de 1970 e 1980, uma multiplicidade de grupos de mulheres mobilizou-se contra abusos cometidos contra os direitos humanos por governos autoritários, organizou reações coletivas ao desemprego e à pobreza, trocou informações e experiências, formando uma vasta e vibrante rede de trabalho transnacional de ativistas, acadêmicas e especialistas em política. As mulheres latino-americanas não tinham sido engajadas tão ativamente na vida pública desde as campanhas pelos direitos de voto algumas décadas antes. Diferentemente do momento de emancipação anterior, o ativismo político feminino no período de transição ampliou objetivos e táticas. As mulheres se organizaram não só para reivindicar seus direitos de serem atores políticos, mas para redefinir a política.

Muitos dos que conceberam a cruzada antiautoritária como inseparável da luta pela igualdade de gênero (como no slogan "democracia no país e no lar") esperavam que o retorno da democracia iria aumentar os esforços de apagar as desvantagens econômicas e sociais da mulher. Legiões de organizações femininas autônomas estavam promovendo uma conscientização da opressão de gênero, e a pesquisa consciente do componente de gênero estava apoiando agendas inovadoras de empoderamento coletivo. No nível internacional, agências de desenvolvimento e fundações privadas passavam cada vez mais a focalizar os papéis e as necessidades das mulheres, especialmente depois de 1975, quando a primeira Conferência Mundial de Mulheres foi realizada na cidade do México. Demandas pela inclusão do gênero na política e na análise de políticas continuaram a ganhar legitimidade nos anos seguintes. As perspectivas de uma democratização conveniente para as mulheres pareciam mais favoráveis do que nunca. Enquanto os discursos de gênero minavam os convencionais preconceitos machistas das comunidades políticas, acadêmicas e de planejamento, uma política de transição estava sendo gendrada na prática cotidiana daqueles que resistiam ao autoritarismo.4 4 Nota dos tradutores: o termo gendrada é utilizado no sentido de que as práticas sociais foram assumindo uma perspectiva de gênero, tendo impacto sobre as políticas.

Desde o final do domínio militar, governos eleitos na América Latina iniciaram uma série de reformas buscando melhorar o status da mulher. Mas o estabelecimento de políticas eleitorais também decepcionou aqueles que defendem interesses femininos. Ainda não há comparações sistemáticas e abrangentes sobre como o processo de democratização afetou as mulheres latino-americanas em diferentes países.5 5 Análises comparativas da relação entre gênero e cidadania têm enfocado principalmente os países desenvolvidos. Ver, por exemplo, Ann ORLOFF, 1993, e Birte SLIM, 2000. De fato, uma revisão recente da literatura conclui que o papel feminino sob as novas democracias latino-americanas permanece em grande medida não examinado.6 6 Tracy FITZSIMMONS, 2000, p. 221. Dadas as disparidades nos níveis nacionais de desenvolvimento e nas condições da mulher na região (ver tabela 1), esses estudos são essenciais.7 7 Para informações comparativas da situação das mulheres em 19 países latino-americanos, ver Teresa VALDÉS e Enrique GOMARIZ, 1995. As variações nacionais refletem diferenças históricas nas noções de gênero embutidas nos códigos legais e nas práticas do Estado, diferenças em sistemas partidários e instituições legislativas, clivagens sociais e ideológicas, e diferentes legados de políticas coletivas de mulheres. Avanços no status das mulheres têm variado de país a país, conforme os caprichos das negociações políticas, mudanças nas relações de poder, apoio de políticos influentes, mobilizações de massas e a habilidade das representantes femininas de aproveitar as oportunidades no processo de planejamento.

A maioria dos países da região começou a introduzir mudanças legais, abordando as normas mais patriarcais e notórias contidas nos códigos trabalhistas, criminais e civis.8 8 Algumas das mais progressistas reformas trabalhistas incluem, por exemplo, a extensão da licença maternidade para quatro meses para todas as trabalhadoras (na Costa Rica), a licença pós-natal opcional para a mãe ou para o pai (no Chile), facilidades de creches no local de trabalho em todos os estabelecimentos com no mínimo 20 trabalhadores, homens ou mulheres (na Venezuela). Hanna BINSTOCK (1998) apresenta um abrangente levantamento das mudanças legislativas adotadas em cinco países latino-americanos. Esforços para adequar legislações existentes aos novos parâmetros internacionais são especialmente remarcáveis na área de direitos humanos, isto é, violência contra a mulher, por sua "muito elevada legitimidade moral e emocional".9 9 Elizabeth JELLIN, 1996, p. 179. Governos têm envidado esforços significativos para disseminar informações sobre os direitos das mulheres (criando centros que fornecem informações e aconselhamento, linhas telefônicas especiais para responder a perguntas sobre leis específicas, publicações, e programas de rádio e TV). Existem inúmeras tentativas para incluir o gênero nos processos de construção de políticas e encorajar maior coordenação entre agências governamentais (isto é, comissões interministeriais) em ações que envolvem problemas de gênero, especialmente em políticas destinadas a facilitar o acesso da mulher ao trabalho assalariado e a dar assistência a mulheres pobres que são chefes de família (creches, incentivo a microempresas e treinamento profissional). Diversas iniciativas foram adotadas para alterar estereótipos de gênero na mídia, nos livros didáticos e em currículos escolares. Em alguns casos, instituições públicas têm incorporado o critério de oportunidades iguais em todas as suas atividades (por exemplo, a Dirección del Trabajo, ou Diretório do Trabalho). Em diversos países, novas normas têm sido aprovadas a respeito da proteção de mulheres grávidas ou que amamentam no local de trabalho, do regulamento das horas de trabalho e dos salários mínimos para mulheres que trabalham no serviço doméstico, e da extensão de programas de oportunidades iguais para mulheres rurais e indígenas.

Existe também uma série de propostas para punir o assédio sexual no trabalho, planos de saúde e de aposentadoria discriminatórios, e outras medidas direcionadas a melhorar a posição da mulher no mercado de trabalho. Programas têm sido desenvolvidos para prevenir a gravidez de adolescentes e para encorajar o envolvimento do pai nas responsabilidades familiares (por exemplo, através de uma participação mais igualitária dos pais nas escolas). Na área da legislação das varas de família as revisões ainda estão longe de serem satisfatórias, mas vários países introduziram reformas legais para reconhecer uniões informais, dar igualdade a crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, e erradicar a discriminação no gerenciamento da propriedade, no exercício da autoridade parental, e em outros direitos e deveres conjugais. Existem, ainda, diversos exemplos de programas de treinamento com foco no gênero para funcionários públicos (profissionais da saúde, professores, policiais e membros do judiciário). Além disso, governos vêm apoiando a criação de programas de estudo de gênero e outras atividades de pesquisa e extensão em universidades e outras instituições de ensino superior.

Sistemas de cotas têm sido adotados, obrigando os partidos políticos a apresentar uma certa porcentagem de mulheres candidatas, por exemplo, na Argentina (a "lei da paridade" de 1991 requer que no mínimo 30 por cento dos candidatos congressistas sejam mulheres), no Brasil (uma lei federal de 1995 reserva uma cota de 20 por cento para mulheres na lista de candidatos a eleições municipais) e na Bolívia (uma reforma de 1997 do regime eleitoral exige 25 por cento de candidatas a postos do senado). No Chile e na Costa Rica, providências foram tomadas para facilitar o acesso da mulher a posições de liderança nos partidos políticos.

Tais mudanças de políticas e reformas legais refletem apenas parcialmente o aumento da consciência e organização política das mulheres latino-americanas nas últimas duas décadas. As medidas com enfoque no gênero foram influenciadas também por mudanças no ambiente das políticas internacionais e pelas recentes agitações nos encontros e convenções internacionais que tratam das relações do gênero com questões ambientais, populacionais e de desenvolvimento social. Os papéis econômicos e sociais da mulher e, em maior ou menor grau, o desenvolvimento da igualdade de gênero são agora incluídos cotidianamente em debates sobre desenvolvimento. Em um momento de decrescente interdependência e ativismo regional, razões simbólicas e práticas tornam difícil aos governos não concordarem, pelo menos formalmente, com as recomendações adotadas em níveis globais e regionais.10 10 Na Bolívia, por exemplo, onde a pressão das camadas inferiores é obstruída por um grau de analfabetismo feminino que ultrapassa 20 por cento, e por uma tendência entre as mulheres indígenas de privilegiar classe e etnia em detrimento da identidade de gênero, o governo constantemente reforça suas tentativas de obedecer às novas normas internacionais (Gratzia SMEALL, 2001). Até 1985, mais de três quartos dos países latino-americanos haviam ratificado a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o principal instrumento legal internacional destinado a garantir os direitos humanos para as mulheres.11 11 A Convenção, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1979, requer que os Estados exerçam ação positiva para assegurar o exercício desses direitos. O cumprimento da Convenção é monitorado pelo Comitê na Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. Os governos são obrigados a informar a cada quatro anos como estão implementando a Convenção. Em 1977, membros de países da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (ECLAC) adotou um Plano Regional de Ação para a Integração de Mulheres no Desenvolvimento Econômico Social Latino-Americano. A cada três anos um fórum permanente de governo avalia o progresso na implementação do Plano Regional. Esse documento foi complementado em 1994 por um novo Plano de Ação para 1995-2001, no qual se reconhece que os "efeitos combinados do débito e as medidas de ajuste estrutural têm representado um aumento no trabalho produtivo e reprodutivo feminino, com profundas repercussões no seu bem-estar econômico, físico e social".12 12 ECLAC-UNIFEM, 1995, p. 10.

Outras organizações internacionais (incluindo o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento Interamericano) identificaram metas específicas, metodologias e cronogramas para promover, guiar e monitorar a adequação do governo aos novos padrões de igualdade de gênero.13 13 Veja, por exemplo, a Convenção Interamericanade Prevenção, Punição e Erradicação da Violência contra a Mulher, adotada pela Organização dos Estados Americanos, o Plano de Ação para Corrigir Desigualdades na Participação dos Homens e das Mulheres na Vida Política, adotado pelo Conselho Interparlamentar em março de 1994, assim como o Programa Regional de Ação para Mulheres na América Latina e no Caribe para 1995-2001, mencionado acima. Explicar por que e como várias entidades supranacionais vieram a abraçar aspectos da agenda de igualdade de gênero (principalmente como parte de uma preocupação crescente com os altos custos sociais das reformas orientadas pelo mercado) é uma importante questão que não pode ser explorada amplamente aqui.14 14 Alguns analistas sugerem que a crescente visibilidade e a efetiva pressão exercida pelas redes transnacionais de advocacy (por exemplo, a criação de O Olhar d as Mulheres sobre o Banco Mundial, um grupo de aproximadamente 900 mulheres de organizações não-governamentais formado na Conferência de Beijing de 1995) têm forçado agências multilaterais a reestruturarem seus próprios trabalhos, criando assim uma espécie de convergência entre eles e as organizações não-governamentais (Nahid ASLANBEIGUI e Gale SUMMERFIELD, 2000, e Roberto KORZENIEWICZ e William SMITH, 2000). O novo contexto internacional, porém, compele os governos a aparentar que, se não estão comprometidos com a igualdade de gênero, pelo menos não estão indiferentes ou não se opõem a ela.

Existem preocupações sobre até que ponto a nova legislação a favor dos novos direitos das mulheres está sendo implementada, e alguns observadores se preocupam com as reações contrárias a reformas feministas (grupos conservadores montaram uma campanha efetiva contra o apoio oficial a propostas feministas para a Conferência Mundial de Beijing de 1995). No caso das cotas partidárias, quando adotadas voluntariamente, não há implementações consistentes, até mesmo pelos partidos que mais apóiam as causas femininas. O debate sobre a pertinência e as vantagens das cotas é complexo: alguns vêem as cotas como, pelo menos temporariamente, um mecanismo efetivo para aumentar o número de mulheres na política (quando legalmente ordenado e aplicado em níveis nacionais e locais); outros objetam que as cotas podem não levar à 'massa crítica' necessária, pode tornar-se um 'teto', ao invés de uma 'base', ou pode resultar na seleção de mulheres não envolvidas em questões femininas.15 15 Nikki CRASKE, 1998, e Kathleen STAUDT, 1998.

A introdução de reformas favoráveis às mulheres levou a alguns resultados contraditórios: por exemplo, a tendência de toda a região de criar órgãos públicos para assuntos da mulher é algumas vezes acusada de ser um impedimento a organizações e causas femininas;16 16 A maioria dos paises latino-americanos criou uma 'maquinaria de mulheres'. Os exemplos incluem novas políticas para mulheres na Venezuela (1979), Bolívia (1983), México e Brasil (1985), Costa Rica (1986), Equador (1986), Nicarágua (1987), Argentina e Chile (1991). 17 Planos de igualdade de gênero foram aprovados, entre outros países, na Costa Rica (1990), Argentina (1993-1994 e 1995-1999), Venezuela (1993) e Chile (1994-1999 e 2000-2010). 17 FITZSIMMONS, 2000, e Shahra RAZAVI, 2000. a formulação dos planos de igualdade de gênero foi denunciada por ter objetivos vagos demais para serem avaliados;17 a abertura de novas oportunidades de trabalho para a mulher na maior parte das vezes é ridicularizada como uma nova forma de exploração; ou a identificação das mulheres como destinatárias dos programas contra a pobreza é criticada por reforçar estereótipos de gênero e por transferir para os ombros das mulheres o dever da provisão social.

É provavelmente cedo demais para avaliar as conseqüências de muitas das medidas introduzidas na década passada, e pode ser prematuro concluir que as reformas de gênero contêm mais apelos retóricos para a igualdade de gênero do que mecanismos efetivos para seu alcance. Contudo, é possível generalizar que a retomada de uma política eleitoral paradoxalmente criou novos obstáculos para a representação política das mulheres. Diversas organizações de mulheres perderam financiamentos, ficando desmobilizadas e fragmentadas. O número de mulheres nos corpos legislativos na região permanece baixo (ver tabela 2). Na Argentina e no Chile o número de legisladoras durante 1990 era ainda menor do que antes de 1970. A política partidária e as políticas elitistas relegaram as mulheres (especialmente as que não são da elite) e muitas questões de gênero a um lugar secundário na agenda de democratização. As atitudes patriarcais nas esferas pública e privada não mudaram muito.17

O fortalecimento da cidadania da mulher ainda está pendente. Além disso, as políticas econômicas e sociais adotadas pelos governos eleitos após o fim do período autoritário têm sido de muitas formas desvantajosas aos interesses das mulheres.18 18 Diane ELSON, 1994, Pamela SPARR, 1994, Lourdes BENERÍA, 1995, e CRASKE, 1998. As economias latino-americanas experimentaram um crescimento econômico moderado na década de 1990, mas o nível de pobreza e de distribuição de renda e de riquezas não melhorou. Políticas que reduzem direitos trabalhistas, estabilidade de emprego, salários e benefícios, assim como cortes nos subsídios governamentais e nos gastos públicos com a educação e saúde, têm causado um impacto desproporcionalmente negativo no bem-estar das mulheres. A adoção de critérios do setor privado na provisão de serviços sociais também tendeu a acentuar as desvantagens das mulheres. Por exemplo, o sistema chileno de aposentadoria privada (que foi o pioneiro das reformas previdenciárias da região), ao adotar a lógica de sistemas de seguro privado nos quais os benefícios correspondem às contribuições e aos níveis de risco individuais, aprofundou a desigualdade de gênero: a maior expectativa de vida das mulheres, a idade mais baixa de aposentadoria, os menores índices de participação na força de trabalho e os salários menores afetam suas contribuições aos fundos de pensão em contas de aposentadoria individuais, levando, especialmente no caso de mulheres mais pobres, a pensões mais baixas.19 19 Alberto ARENAS DE MESA e MONTECINOS, 1999.

Mulheres, democracia e democratização

Sob quais condições pode o processo de democratização ir além da legitimidade das demandas das mulheres e produzir mudanças efetivas no status político, econômico e social da mulher? O que podemos aprender das experiências de mulheres em outros sistemas democráticos? Estudos de transição acrescentam uma nova e rica dimensão para abordagens mais abrangentes da relação entre gênero, cidadania e democracia.20 20 Carole PATEMAN, 1989, Anne PHILLIPS, 1992, Ursula VOGEL, 1991 e 1998, Mary DIETZ, 1992, Susan MENDUS, 1992, Ruth LISTER, 1993, e Rian VOET, 1998. Essa literatura mostra que a teoria e a prática democrática existente em qualquer lugar não conseguiram explicar e resolver a persistente subordinação da mulher. Os obstáculos para a igualdade política originaram-se no status legal desigual das mulheres, na ausência de uma renda independente e segura, na sua concentração em atividades não pagas, na sua posição inferior no mercado de trabalho e na conseqüente escassez de prestígio social, de autonomia pessoal, de tempo e até de mobilidade física.

Modelos de democracia liberal se utilizam de premissas universalistas que são igualmente aplicadas a mulheres e homens. Porém, provisões sociais e legais que excluem as mulheres da comunidade política contradizem abertamente tais premissas. A história da democracia moderna se desenvolveu com base em princípios abstratos de liberdade e igualdade, mas as mulheres foram estereotipadas e tratadas como inferiores, incapazes de assegurar uma distribuição justa dos recursos. Em todo o mundo o exercício de direitos formais permanece problemático. As mulheres continuam fortemente sub-representadas em sindicatos, em altos cargos executivos, em órgãos legislativos e governamentais. Em 1995 elas ocupavam apenas 9,4 por cento das cadeiras do senado e 11,6 por cento da câmara de deputados nos parlamentos nacionais do mundo.

A democracia falhou em "servir bem as mulheres",21 21 PHILLIPS, 1992. até mesmo nos paises hoje considerados modelos a serem emulados pelas novas democracias latino-americanas. Embora a maioria dos sistemas democráticos reconheça atualmente a igualdade formal legal e política da mulher, os obstáculos para o exercício de seus direitos como cidadãs, moldados em grande parte pela divisão sexual de trabalho remunerado ou não, continuam intocados. Críticas feministas da teoria e prática da democracia diferem entre si,22 22 VOET, 1998. mas concordam sobre a necessidade de reconceitualizar cidadania e ampliar o significado da política através de uma redefinição das fronteiras entre as esferas pública e privada. A linguagem aparentemente neutra quanto ao gênero usada nas teorias liberais da democracia perpetua desvantagens existentes na participação da mulher em processos decisórios políticos e sociais.

Historicamente, o acesso da mulher à cidadania tem sido gradual, na maioria das vezes através de critérios distintivamente separados. Isso não corroeu a discriminação, mas reforçou a marginalização política (como no silenciamento de grupos de mulheres após a conquista do voto, silêncio que se estendeu do final da primeira onda feminista, nos anos 1930 e 1940, até os anos 1970) e aumentou a dependência (como em esquemas que atrelam benefícios de previdência social à maternidade e ao casamento). Como pode a onda atual de democratização na América Latina abrir oportunidades que se distanciem de fórmulas que ainda têm que alterar hierarquias de gênero nas famílias, nos mercados e na política em outras partes do universo democrático?

As ligações entre democratização e igualdade de gênero continuam grandemente ignoradas pelos analistas políticos de tendências predominantes.23 23 Para exceções, ver Phillipe SCHMITTER, 1998, e Joe FOWERAKER, 1998. Como era de se esperar, a natureza gendrada da política de transição foi abordada pela primeira vez por pesquisadoras feministas.24 24 Jane JAQUETTE, 1989, Sonia ALVAREZ, 1990, Georgina WAYLEN, 1998 e 1996, JELIN, 1996 JAQUETTE e Sharon WOLCHIK, 1998, e Elizabeth FRIEDMAN, 1998. Nas últimas duas décadas a teorização feminista adquiriu prestígio no mundo acadêmico, influenciando novos campos de estudo, questionando as bases das disciplinas existentes, muitas vezes explicitando a conexão entre o trabalho acadêmico e a reforma política. Mas a resistência à investigação de cunho feminista persiste, especialmente em algumas disciplinas, e a pesquisa segregada continua a produzir avaliações insatisfatórias do caráter gendrado de realidades sociais e políticas. Essa é uma tendência assustadora. O conhecimento elaborado sob essas condições tende a perder muito de seu potencial transformador e a alcançar audiências auto-selecionadas. Assim, os preconceitos e distorções do pensamento convencional permanecem fortalecidos por trás de hierarquias de prestígio profissional, da complacência das rotinas acadêmicas e das modestas recompensas da cooperação acadêmica. As perspectivas de consciência de gênero no planejamento e nas reformas institucionais só melhorarão quando o conhecimento ficar menos segregado, permitindo que os analistas das correntes predominantes explorem as amplas implicações das relações de gênero em todas as áreas da vida econômica e política, e que os defensores dos direitos da mulher tenham uma participação contínua no planejamento e na implementação de reformas sociais, econômicas e políticas.25 25 Para uma análise perturbadora de como os discursos de desenvolvimento reinterpretaram restritamente a idéia de empoderamento das mulheres a partir de um parâmetro individualista e não-feminista, ver Savitri BISNATH e Diane ELSON, 2000.

O período de transição efetivamente abriu espaços para inovações institucionais na vida pública da América Latina. Enquanto a política partidária esteve suspensa, novos políticos apareceram alinhados com os partidos e políticos tradicionais ou no lugar deles. Os movimentos de mulheres latino-americanos cresceram significativamente em força e visibilidade pública, especialmente nos anos 1980. Redes feministas promoveram cooperação para além dos limites nacionais, de classe e de partido. A tradicional distinção entre interesses privados e públicos foi testada de maneira singular e sem precedentes, como ilustrado pela politização da maternidade, mais notavelmente pelo grupo das Mães da Plaza de Mayo na Argentina.26 26 Marguerite BOUVARD, 1994. Entretanto, os novos discursos públicos e agendas políticas refletiram mais uma estratégia de resistência contra o autoritarismo do que uma crítica às instituições democráticas convencionais.

O gênero, além de sua emergência como uma base importante para a ação coletiva, ganhou também legitimidade como uma categoria de análise (o desenvolvimento de estudos de gênero no Chile durante esse período é detalhado em.27 27 Teresa VALDÉS, 1993. A pesquisa social começou a abandonar a premissa de que a sociedade consistia de indivíduos indiferenciados e/ou classes sociais conflitantes. As mulheres estavam marchando nas ruas; a feminização da pobreza era visível. Patrocinadores internacionais favoreceram projetos de pesquisa e ações comunitárias com componentes específicos de gênero. O mundo acadêmico e político, tão acostumado à dominação masculina, descobriu que os interesses e as necessidades específicas das mulheres não podiam ser ignorados. A Nicarágua revolucionária, em contraste com a experiência cubana anterior, foi mais solidária com o feminismo.28 28 WAYLEN, 1996, p. 77 e 85. Mesmo hostil ao feminismo e cruel em sua perseguição de grupos femininos organizados, até o Sendero Luminoso Peruano buscou ativamente o recrutamento de mulheres nos anos 1980: quase 40 por cento de seus membros e metade de seus líderes eram mulheres.29 29 Cecilia BLONDET, 1995. A esquerda latino-americana não podia mais descartar as idéias feministas simplesmente como uma distorção burguesa inspirada no exterior. As mulheres não podiam ser tratadas como uma massa passiva de eleitoras prontas a se sensibilizar com mensagens sobre a família, patriotismo e abnegação.

Alguns partidos, especialmente partidos de esquerda (como o Partido Socialista no Chile e o PT no Brasil), tornaram-se mais receptivos ao ativismo feminista e incorporaram algumas das demandas dos movimentos das mulheres em suas plataformas. Até mesmo alguns partidos de direita fizeram ajustes para parecerem solidários à questão da mulher. Já foi argumentado, porém, que os partidos políticos têm um "potencial desmobilizador" nas transições democráticas, sufocando as atividades de organizações autônomas e "devolvendo a política ao status quo de gênero".30 30 FRIEDMAN, 1998, p. 93 e 95. Na melhor das hipóteses, os partidos se mostraram como parceiros tímidos. Atrair os votos femininos foi importante, mas não a custo de alienar eleitorados mais amplos com as demandas feministas: os partidos estavam dispostos a abrir espaços em suas fileiras, mas muitas vezes incorporaram mulheres em sessões separadas, não alteraram as rotinas marcadas por preconceitos de gênero (horário de reuniões, por exemplo) e não proporcionaram suficientes recursos de campanha para as candidaturas femininas. Rivalidades partidárias causaram divisões dentro de organizações e motivaram muitas ativistas a abandonarem a política nacional.

A efervescência da mobilização feminista teve vida curta. Tem sido observado que os movimentos de mulheres não converteram facilmente "a mobilização política em representação institucional, assim que a política partidária competitiva é restabelecida".31 31 RAZÁVI, 2000, p. 5. Na América Latina, o ciclo de consciência de gênero e ativismo foi rapidamente revertido quando regimes eleitos se acomodaram em um modelo de transição seguro, evitando desvios radicais das regras estabelecidas da democracia liberal. O progresso feito no contexto pós-autoritário tem sido notável em algumas áreas, mas houve apenas uma incipiente institucionalização de políticas focadas no gênero nos anos 1990, basicamente sob a tutela do Estado.

A restauração de eleições competitivas implicou uma "remasculinização" da política.32 32 CRASKE, 1998. Com o ressurgimento dos partidos políticos, os movimentos sociais (particularmente os movimentos populares de mulheres) perderam autonomia, apoio, membros e líderes. Poucas novas organizações de mulheres foram criadas desde então. Os grupos existentes redefiniram seus objetivos, restringindo seu foco a questões econômicas e locais para assegurar a sobrevivência organizacional, ou debandaram por falta de experiência e recursos para adaptar-se ao novo ambiente político.33 33 FITZSIMMONS, 1995.

A expansão da produção baseada no mercado e das atividades de serviço proporcionou a algumas mulheres maior independência econômica. O índice de atividade econômica entre as mulheres de 15 anos ou mais na América Latina evoluiu de 22 por cento em 1990 para 34 por cento em 1990.34 34 Molly POLLACK, 1998, p. 31. Mas a maior participação das mulheres em atividades de geração de renda tem feito pouco para liberá-las das tradicionais responsabilidades de cuidado na família e na comunidade (a não ser que possam bancar os salários de empregadas domésticas, que continua sendo uma das maiores categorias ocupacionais entre mulheres latino-americanas - ver tabela 1). O papel reprodutivo das mulheres tem sido amplamente ignorado na privatização da assistência social e na promoção da participação feminina em mercados de trabalho cada vez mais flexíveis e desregulamentados. "Em nome da responsabilidade, autonomia e confiabilidade pessoal, os indivíduos são levados a prover sua própria subsistência e a responsabilizar-se pelo fato de não conseguir entrar no mercado".35 35 Verónica SCHILD, 2000. A decepção é agora generalizada entre aqueles que há mais de uma década lutaram para introduzir igualdade de gênero e concepções mais inclusivas de cidadania na agenda democrática.

Democracia tecnocrata e desapontamento feminista

A fase inicial da transição democrática na América Latina coincidiu com a devastadora crise econômica dos anos 1980. Governos eleitos enfrentaram desequilíbrios comerciais, inflação alta e dívidas externas, déficits orçamentários, aumento de desemprego e de pobreza. A falta de investimentos e empréstimos estrangeiros diminuiu o leque de opções para as políticas. Elites governamentais, almejando aumentar sua credibilidade aos olhos de financiadores e investidores estrangeiros ansiosos, adotaram uma nova estratégia de desenvolvimento. Décadas de intervencionismo estatal começam a ser desmanteladas através de programas de privatização, de políticas sociais delimitadas e de um estilo mais técnico e menos politizado.

Assim, os desafios da liberalização política foram enfrentados com revisões profundas de velhos paradigmas ideológicos e de planejamento. Produtividade de trabalho, eficiência de governo e demandas de investidores receberam atenção renovada. Enquanto os governos tinham que assegurar uma ampla base de apoio político, as reformas do mercado exigiam que a autonomia e a capacidade gerencial das elites de planejamento fossem protegidas das interferências de políticas partidárias e do partidarismo de interesses organizados. Uma leva cada vez mais homogênea de especialistas econômicos bem treinados e similarmente socializados chegou ao topo da maquinaria política. A profissão de economista, cada vez mais unida em sua aceitação da economia ortodoxa, ajudou a fortalecer o novo comprometimento com a austeridade fiscal, as reformas orientadas pelo mercado e a liberalização do câmbio e do comércio.36 36 John WILLIAMSON, 1994, e MONTECINOS e MARKOFF, 2001.

Especialistas em governo garantiram que a política democrática não colocaria em perigo as perspectivas de crescimento econômico. Equipes econômicas coesas, versadas na linguagem e nas doutrinas da comunidade financeira internacional, e aptas para envolver o setor privado em discussões e compromissos, moldaram não apenas os termos dos discursos das políticas, mas também os limites do que era possível nas democracias emergentes. A legitimidade advinda dos argumentos científicos serviu como justificativa para políticas controvertidas e de alto custo. O emprego de critérios técnicos prometia disciplinar burocracias arbitrárias, clientelistas e corruptas, encorajando assim as expectativas racionais dos atores econômicos. O gerenciamento econômico não mais seria informado por práticas incompetentes, particularistas e populistas.

Os technopols fizeram uma entrada triunfal na cena política latino-americana.37 37 Jorge DOMINGUEZ, 1997. Eram basicamente economistas com pós-graduação em universidades estrangeiras, os quais, diferentemente dos tecnocratas que serviam sob o regime autoritário, se dedicaram a promover os prospectos da democracia na região. O prestígio de credenciais acadêmicas converteu-se em capital político, e os technopols rapidamente subiram a posições de liderança em agências governamentais, partidos políticos, parlamentos e até sindicatos. Essas "democracias tecnocratas"38 38 Miguel CENTENO e Patricio SILVA, 1998, p. 10. prometiam estabilidade e prosperidade econômica em um tempo de crescente competição de mercado. Mas seus princípios fundamentais chocavam-se com as demandas por um sistema de governo mais inclusivo, participativo e igualitário que movimentos de mulheres haviam articulado na fase de pré-transição.

Technopols e mulheres organizadas, os dois recém-chegados mais conspícuos na política de transição de regime, coincidiam em seus argumentos de que velhas práticas e doutrinas políticas necessitavam uma infusão de idéias criativas. Ambos ganharam visibilidade ao introduzir novos conceitos no antigo discurso político. A ascensão de feministas e de technopols foi auxiliada por uma densa rede de patrocinadores internacionais, bem como pelo seu talento em orquestrar níveis inusitadamente altos de cooperação partidária. Ambos os grupos foram capazes de ofuscar políticos tradicionais que pareciam despreparados para enfrentar os desafios de uma nova era.

Os caminhos das feministas e dos technopols, porém, apontavam direções opostas ao processo de transição. Enquanto algumas feministas argumentavam que as políticas democráticas convencionais continham práticas inerentemente não-democráticas que marginalizavam as mulheres (e outros grupos desamparados) das estruturas de decisão, a visão dos technopols concordava fundamentalmente com as fundações liberais da democracia. Embora as feministas clamassem por profundas mudanças nas estruturas econômicas e sociais, assim como em normas e valores culturais, os technopols não tinham problemas com as premissas individualistas da mercadização e não questionavam as hierarquias tradicionais de firmas e famílias.

As propostas feministas mais ambiciosas chocavam-se com a ênfase dos technopols sobre a governabilidade. Os selos de qualidade do planejamento tecnocrático eram a manutenção do consenso e o posicionamento cauteloso com referência a questões de redistribuição. O controle democrático, na compreensão dos technopols, tinha que garantir prudência. Uma política gendrada causava divisões e poderia fomentar a oposição em grupos que tinham que ser acalmados. Desviaria a atenção do objetivo principal, que era o de assegurar as bases materiais da democratização.

A abertura da política democrática, do ponto de vista dos technopols, exigia mecanismos de consulta limitados e bem estruturados, estratégias conciliatórias e negociações cautelosamente planejadas. Esse ambiente impediu a disseminação do ativismo das mulheres no período pós-autoritário. Após ter alcançado tanta visibilidade, a agenda das mulheres não podia ser totalmente ignorada; porém, como outras questões controvertidas, tinha que se sujeita a concessões e acomodações. As exigências mais radicais das mulheres foram silenciadas.

O Estado ficou acessível a algumas mulheres (profissionais de classe média e especialistas em gênero), e algumas propostas políticas receberam atenção. Porém, as conseqüências inesperadas do feminismo de Estado resultaram em inúmeras críticas sobre o modo pelo qual as políticas de gênero foram adotadas. Agências governamentais especializadas em questões da mulher foram enfraquecidas por financiamentos insuficientes, falta de pessoal e legitimidade dentro da burocracia do Estado. Foram acusadas de contribuir com a desmobilização de organizações autônomas de mulheres. Alguns acusam essas agências de estarem cooptando ou ignorando grupos de mulheres, outros culpam-nas por assumir uma tendência tecnocrata que aumenta a distância entre mulheres da classe trabalhadora (clientes de programas patrocinados pelo governo) e aquelas com credenciais profissionais adequadas para competir com sucesso na obtenção de financiamento estatal.

As significativas realizações do estágio de transição que aumentaram a visibilidade política das mulheres foram efêmeras. Isso é muitas vezes atribuído às próprias mulheres: elas calcularam mal seus próprios movimentos, os movimentos de seus oponentes ou os de seus aliados. Interpretações do declínio da mobilização política de mulheres organizadas nas novas democracias concentram-se tipicamente nos aspectos governamentais dos movimentos de mulheres (crescente fragmentação, perda de capacidade de liderança, exaustão e frustração) ou nas alianças estratégicas que o movimento estabeleceu com partidos políticos e com o Estado. À liderança das mulheres é imputado um isolacionismo excessivo (por dispensar os benefícios potenciais e alianças políticas com o intuito de preservar a autonomia do movimento) ou um otimismo excessivo (por pensar que o Estado seria basicamente um instrumento a ser manuseado ou um espaço fluido a ser moldado). Ativistas que se mantiveram ocupadas no nível das comunidades de base perderam conexões com o universo das políticas, e aquelas que se juntaram a esse mundo perderam contato com a base dos movimentos sem conseguir prestígio entre as elites políticas. No final dos anos 1990, os movimentos de mulheres da América Latina tentavam redefinir suas alianças estratégicas e reestruturar suas organizações.

Economistas, mulheres e democratização

Uma descrição mais acurada das razões pelas quais as transições democráticas falharam com as mulheres na América Latina pode ser obtida se transferirmos nossa atenção para um novo mas muito mais influente ator político do processo de transição. Em vez de olhar basicamente para o que as mulheres fizeram ou poderiam ter feito para obter maiores ganhos do processo de democratização, vamos considerar o papel dos economistas, que através de toda a América Latina foram alçados às mais altas posições de autoridade formal.

A influência dos economistas foi significativa sob autoritarismo. Os governos eleitos, longe de diminuírem sua influência, podem ter contribuído para sua legitimação. Economistas politicamente fortes guiaram a transformação do desenvolvimento da América Latina, reformando as regras da política e do planejamento. O caráter transnacional da profissão de economista, a habilidade dos economistas em comunicar-se com outros atores multinacionais (instituições financeiras e de investimentos, especialistas em desenvolvimento), seu apelo à eficiência e à racionalidade, e seu impressionante consenso doutrinário sobre postulados ortodoxos foram de grande importância simbólica para o estágio de consolidação.39 39 MONTECINOS, 1998. Economistas são vistos como salvaguardas contra as velhas formas de populismo e tradicionais práticas de clientelismo, capazes de tornar a democracia compatível com as demandas da mercadização. Existe uma resistência às enormes influências de atores tecnocratas, mas o seu deslocamento do poder parece pouco provável, pelo menos em um futuro próximo. Conseqüentemente, nós precisamos perguntar: Uma democracia simpática às mulheres pode ser construída em sociedades nas quais economistas ocupam os mais altos cargos no governo?

Uma breve revisão da literatura recente sobre gênero e feminismo no campo das correntes econômicas tradicionais é reveladora.40 40 Marianne FERBER e Julie NELSON, 1993, BENERÍA, 1995, NELSON, 1996, e Randy ALBELDA, 1997. Desafios feministas para com os fundamentos teóricos, o ensino e as práticas da economia neoclássica são muitos e repetem muitas das críticas que feministas fazem contra a democracia liberal. Isso não é tão surpreendente, dadas as origens comuns do liberalismo econômico e político ocidental.41 41 Nancy FOLBRE e Heidi HARTMANN, 1998, Ann JENNINGS, 1993, Pamela SPARR, 1994.

Pesquisadoras feministas alegam que o objeto de estudo da economia é muito restritamente centrado na análise de trocas nos mercados competitivos. A economia negligencia, subavalia e subvaloriza as atividades econômicas (produção e reprodução) realizadas em outros contextos, mais notadamente o trabalho doméstico não remunerado das mulheres. Irrefletidamente, economistas usam hipóteses que correspondem mais aproximadamente às experiências de homens. Suas unidades de análise não são grupos, instituições ou a sociedade, mas sim indivíduos. Os seres humanos são caracterizados como maximizadores, individualistas e racionais envolvidos em trocas com atores igualmente motivados e desconectados. Modelos baseados em premissas universalistas e sem noções de gênero não conseguem reconhecer ou considerar os padrões claramente distintos de comportamento que as mulheres exibem como trabalhadoras e consumidoras.

Modelos que concebem as trocas econômicas como separadas dos controles sociais, dos valores culturais, do poder e da coerção não podem explicar adequadamente as recompensas desiguais de homens e mulheres ou a interação entre famílias e mercados. A distribuição desigual de recursos dentro das famílias foge a uma análise convincente. A imagem do altruísmo feminino é irreal. A habilidade das mulheres em participar do mercado e responder a sinais de preços é coagida por sua posição subordinada na sociedade e pelas pressões culturais de assumirem maiores responsabilidades na esfera doméstica.

A socialização profissional de economistas os prepara para conceber seu trabalho como um empreendimento científico, distante de preocupações particularistas ou políticas, e separado das emoções e de outros fenômenos incomensuráveis. Enquanto a economia continua sendo praticada dentro de um único paradigma dominante, discordâncias conceituais e metodológicas são suprimidas ou desestimuladas. Os clamores por uma mais humanista, interdisciplinar, com consciência étnica e sensível ao gênero são negligenciados, particularmente quando esses discursos não ortodoxos atingem a própria identidade (masculina) da disciplina, seus valores fundamentais de objetividade e rigor e seu lugar na hierarquia de disciplinas cientificas.42 42 Donald MCCLOSKEY, 1993, p. 76, e NELSON, 1996. Dessa forma, a inclusão sistemática do gênero como uma dimensão fundamental da vida econômica é frustrada. A marginalização de 'questões da mulher' não apenas reforça a preferência de economistas por teorias abstratas, mas conduz a políticas que são inadequadas, e muitas vezes abertamente (mesmo que não de forma deliberada) preconceituosas com relação aos interesses das mulheres.

O posicionamento desfavorável da economia em relação a análises gendradas fica claro na representatividade das mulheres na profissão. Existem poucas economistas, e uma mulher em posição de prestígio profissional é uma raridade.43 43 ALBELDA, 1997. Se um maior contingente de mulheres economistas poderia ou não alterar a prática da ciência econômica não é evidente por si só. Alguns esperam que um maior número de economistas possa enriquecer a agenda de pesquisa com novas questões e metodologias e construir um lobby mais efetivo para a análise econômica feminista através de conferências, publicações e outros veículos de divulgação. Outros advertem que mulheres podem ser tão pressionadas quanto os homens a adotarem uma conformidade disciplinar. Mulheres economistas podem ser tão hostis quanto seus colegas homens a novos conceitos e métodos. O pressuposto de que homens e mulheres pensam de forma diferente enfatiza muito pouco o poder da socialização profissional.44 44 NELSON, 1996, p. 87. Argumentos similares foram apresentados com relação à socialização de mulheres políticas. Não se pode esperar que mulheres em posições de poder irão representar os interesses das mulheres acima de outras considerações, como não pode ser argumentado que os interesses de todas as mulheres podem se refletir sem qualquer ambigüidade em um conjunto demarcado de preferências. Aumentar o número de mulheres na política e nas profissões é por si só positivo, mas não garante transformações no conhecimento e nas ações institucionais.

Nada menos que uma nova ciência econômica parece necessária para reverter as tendências que mantêm invisíveis as contribuições econômicas das mulheres e impedem que conhecimentos feministas tenham maior influência teórica e de planejamento. A ciência econômica feminista tem feito progressos na última década.45 45 ALBELDA, 1997. A Associação Internacional por uma Economia Feminista (IAFFE), formada em 1991, patrocinou projetos de pesquisa, organizou conferências e lançou publicações, e está começando a receber uma maior atenção na profissão. Muitos economistas, especialmente keynesianos, marxistas e economistas institucionais, concordam que reformas na profissão econômica já estão atrasadas. Algum progresso já foi obtido com a produção de estatísticas sensíveis ao gênero. A crise asiática no final dos anos 1990 enfraqueceu a noção de que não existe alternativa para o neoliberalismo.46 46 BENERÍA, 1995 e 1999. Na América Latina, porém, o diálogo entre críticas feministas e não-feministas das tradicionais tendências da Economia continua incipiente.

Nas décadas de 1950 e 1960, durante um ciclo de democratização política, esforços para reformar a economia ortodoxa floresceram na América Latina; houve tentativas ambiciosas para produzir paradigmas teóricos alternativos, incentivar a cooperação interdisciplinar, gerar novas vias para ensinar Economia e apoiar a implementação de políticas progressistas. Nenhum empenho similar emergiu no atual clima de democratização, economistas latino-americanos estão seguindo de perto as tendências dominantes da profissão, e a 'americanização' do ensino da Economia prevalece até mesmo em países que haviam anteriormente acolhido os nichos mais proeminentes do pensamento econômico heterodoxo. O neoestruturalismo47 47 Osvaldo SUNKEL, 1993. promete uma revitalização da economia heterodoxa, porém o gênero não foi incluído nesse projeto.48 48 Sunkel, em entrevista feita pela autora em 2000.

O posicionamento adverso da ciência econômica diante do gênero foi agravado pela relutância de organizações de mulheres em escrutinar e controlar os bastiões institucionais dos economistas. Os estudos de gênero se inserem mais naturalmente no campo de outras ciências sociais, deixando a Economia intacta. Ativistas feministas concentraram-se nas políticas que afetam as condições de trabalhadoras e de famílias. O feminismo estatal alcançou algum sucesso em programas de redução de pobreza, participação feminina no trabalho e legislação familiar. Mas a política social e os sistemas de previdência e de saúde permanecem firmes sob o controle dos economistas. Como as regras de mercado cada vez mais regulam a provisão de serviços públicos e ministérios financeiros impõem controles fiscais mais rígidos em orçamentos, subsídios e créditos, as fronteiras entre as políticas econômicas e as de outras áreas tornam-se indistintas. Agências governamentais que estavam tradicionalmente sob a jurisdição de outros grupos profissionais - médicos, professores, advogados e até sociólogos - são agora dirigidas por economistas.

Críticas ao feminismo estatal queixam-se da crescente tecnocratização das políticas de gênero, argumentando que os discursos profissionais ampliaram a distância entre planejadores de gênero, organizações comunitárias e movimentos independentes de mulheres.49 49 ALVAREZ, 1997, e SCHILD, 1998. Poderia ser sugerido, pelo contrário, que a tecnocratização do gênero é ainda demasiado fraca. O âmago dessas democracias tecnocráticas ainda não foi atingido pelas defensoras dos direitos da mulher. Existem poucas mulheres economistas no governo. Um número ainda menor de mulheres tem as credenciais acadêmicas que são hoje em dia cruciais para facilitar o acesso aos círculos de poder. Muitas vezes, as carreiras políticas de mulheres dependem de conexões familiares.50 50 María Elena VALENZUELA, 1998, e Roderic CAMP, 1998. As agências governamentais de mulheres permanecem marginalizadas, incapazes de negociar efetivamente com oficiais de ministérios financeiros, diretores de orçamento, dirigentes de bancos centrais.51 51 Análises das barreiras que impedem o engendramento do trabalho dos ministérios de finanças, os quais ocupam um lugar cada vez mais estratégico no processo de planejamento, e as propostas para corrigir os preconceitos de gênero nos planos macroeconômicos são encontradas em Ruth PEARSON, 1995, e Gita SEN, 2000. 52 Veja, por exemplo, David Colander e Reuven Brenner, 1992.

No Chile, onde economistas obtiveram uma enorme visibilidade política e onde a proporção entre Ph.Ds. em Economia e a população está entre as maiores da região, existem apenas aproximadamente dez mulheres com doutorado em Economia. SERNAM, a agência governamental responsável pelas questões da mulher, criada em 1991, não tem uma equipe de economistas, e apenas uma ONG especializada em estudos de gênero (CEM) tem duas economistas em uma equipe de dez pesquisadores. Por vários anos o Chile teve um ativo, embora pequeno, grupo de economistas feministas (o Grupo LOTA, com seis a sete membros), que estava inicialmente ligado à Associação de Economistas Socialistas. Entrevistas com alguns de seus membros, no entanto, revelaram as dificuldades de manter uma continuidade organizacional com uma filiação tão reduzida operando em um ambiente que é hostil por parte dos economistas e não particularmente acolhedor por parte do movimento de mulheres. Disse uma delas: "Mulheres economistas protegem seu status, elas se defendem da acusação de que assim que começam a lidar com questões de gênero não são 'tão economistas quanto antes'".

Até mesmo na ECLAC - organização internacional sediada em Santiago que ficou conhecida por patrocinar uma ciência econômica estruturalista e que sempre foi dominada por economistas - a criação de uma unidade encarregada de questões da mulher não promoveu um diálogo sistemático entre economistas e especialistas em gênero. Esses grupos parecem estar trabalhando paralelamente. Não existem economistas trabalhando na unidade de mulheres da ECLAC, que foi descrita em uma entrevista como lidando com "diplomacia de gênero" ao invés de estar transformando substancialmente a abordagem do desenvolvimento econômico e social. No documento amplamente circulado da ECLAC, Preliminary Overview of the Economics of Latin American and the Caribean (1999), o qual apresenta indicadores econômicos e tendências na região, não existe referência alguma às diferenças de gênero.

Sem dúvida, a ausência de interlocutores qualificados no aparato político das novas democracias tecnocratas explica apenas parcialmente o fracasso em assegurar recursos suficientes (materiais e simbólicos) para diminuir as desvantagens das mulheres. Por exemplo, o intransigente conservadorismo da Igreja Católica obstruiu diversas tentativas-chave para implementar a agenda feminista, especialmente em países onde a igreja impõe sua autoridade sobre os maiores partidos políticos e sobre políticos proeminentes.

O governo tecnocrático e o engendrar da democratização

O engendramento da democracia implica reformas a longo prazo que estão apenas começando a serem configuradas. A sub-representação das mulheres no governo democrático ensejou uma diversidade de propostas: o financiamento público de campanhas eleitorais, a descentralização de estruturas governamentais, e até a substituição de culturas políticas excessivamente antagonistas e competitivas por uma moralidade pública mais preocupada e compassiva. No entanto, a garantia de que a prática da democracia não mais exclui as necessidades e interesses das mulheres constitui um desafio que vai além da esfera de estruturas e procedimentos formais. Ela implica a reconstrução dos papéis do gênero na sociedade, e maior consciência do impacto da estratificação de gênero em instituições sociais e nas rotinas do dia-a-dia. Fazer com que a democratização seja mais propícia às mulheres requer que se desconstruam as pressuposições correntes de que indivíduos indiferenciados - cidadãos, trabalhadores e consumidores - povoam os universos das famílias, dos mercados e dos governos.

Devido ao fato de a ciência econômica ter exercido uma influência dominante na configuração dos processos recentes de democratização, impondo sua linguagem, categorias analíticas e métodos nas ações do Estado, os esforços combinados para mudar as profissões da economia são cruciais. O modelo monoparadigmático deve ser dissolvido para dar espaço a tradições intelectuais alternativas, métodos alternativos de pesquisa e um planejamento mais inovador e progressista. A pesquisa interdisciplinar e o diálogo sobre política têm que ser fomentados para quebrar o monopólio dos economistas na maquinaria do governo. Políticas gendradas só irão se desenvolver quando a economia gendrada for rotineiramente cultivada em cenários acadêmicos, ministérios governamentais e conversações informais entre economistas e não-economistas. Os economistas começaram a trabalhar com cientistas políticos, especialmente em questões relacionadas com a economia política das reformas de mercado. Mas essa colaboração está baseada em uma crescente convergência disciplinar sobre premissas racionalistas. Os outros, não-economistas, são usualmente estereotipados como "fracos", "imprecisos", "não-confiáveis", e conseqüentemente excluídos dos debates políticos mais relevantes.

O recrutamento de mais mulheres na profissão econômica é importante especialmente quando suas credenciais as tornam elegíveis a posições de prestígio acadêmico e de poder político. Os movimentos de mulheres devem apoiar o recrutamento de mulheres na Economia, mas a feminilização da economia é uma abordagem insuficiente, e talvez inadequada, para resolver o problema de análises e políticas preconceituosas quanto a gênero. Especialistas de gênero ou mulheres economistas podem ser assimiladas pelas regras do elitismo tecnocrático sem as transformar. Mulheres economistas farão talvez alguma diferença somente se as normas profissionais admitirem desafios às convenções dominantes. É claro que é também necessário que as elites políticas ultrapassem a retórica da igualdade de gênero - declarações cerimoniais, assinaturas de tratados e a publicação de planos igualitários - para obter os recursos políticos e econômicos necessários para a implementação efetiva de princípios de oportunidade igualitária e a erradicação do tratamento desigual e das práticas de exclusão.

Uma revisão fundamental das pressuposições doutrinárias e teóricas que apóiam o controle tecnocrático é necessária para corrigir suas falhas, especialmente no que se refere a desigualdades específicas de gênero no acesso ao poder político e aos recursos regulados pelo mercado. Essa é uma tarefa que de forma alguma se limita ao campo da Economia, já que outras profissões e disciplinas acadêmicas também resistem em repensar conceitos e métodos estabelecidos com o fim de levar em conta o gênero.

Feministas latino-americanas têm argumentado persuasivamente sobre a necessidade de introduzir programas de treinamento sensíveis a gênero para juízes, policiais, professores, jornalistas e médicos. Elas deveriam defender também enfaticamente reformas no ensino da ciência econômica. Economistas são treinados como especialistas, apesar da crescente tendência de empregá-los como generalistas. Críticos do ensino da Economia53 sugerem a necessidade de empreender reformas curriculares em programas de Economia, incorporando os insights da sociologia, história e outras disciplinas, reduzindo a conformidade à ortodoxia, questionando a intolerância e a arrogância características dessa profissão. Mas, até que essas reformas dêem resultado, uma maior contingência de mulheres economistas bem treinadas permitirá que mulheres organizadas e suas agências dentro do Estado joguem o jogo das políticas tecnocratas melhor do que conseguiram fazer até agora. Paradoxalmente, tornar a democratização mais propícia à igualdade de gênero pode nos compelir a manter nossos olhares sobre os tecnocratas.

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Recebido em abril de 2003 e aceito para publicação em julho de 2003

Tradução de Luana Pfeifer Raiter e Pedro Diniz Bennaton

Revisão da Tradução: Susana Bórneo Funck

Publicado originalmente em International Journal of Politics, Culture and Society, v. 15, n. 1, September 2001, p. 175-199. (http://www.kluweronline.com/issn/0891-4486)

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  • WILLIAMSON, John (ed.). The Political Economy of Policy Reform Washington D.C.: Institute For International Economics, 1994.
  • 1
    Agradeço a Lourdes Benería, John Markoff, Jean Pyle, Verónica Schild e aos editores os valiosos comentários feitos a uma versão anterior deste artigo.
  • 2
    John MARKOFF, 1999, p. 689.
  • 3
    Geraint PARRY e Michael MORAN, 1994, p.15.
  • 4
    Nota dos tradutores: o termo
    gendrada é utilizado no sentido de que as práticas sociais foram assumindo uma perspectiva de gênero, tendo impacto sobre as políticas.
  • 5
    Análises comparativas da relação entre gênero e cidadania têm enfocado principalmente os países desenvolvidos. Ver, por exemplo, Ann ORLOFF, 1993, e Birte SLIM, 2000.
  • 6
    Tracy FITZSIMMONS, 2000, p. 221.
  • 7
    Para informações comparativas da situação das mulheres em 19 países latino-americanos, ver Teresa VALDÉS e Enrique GOMARIZ, 1995.
  • 8
    Algumas das mais progressistas reformas trabalhistas incluem, por exemplo, a extensão da licença maternidade para quatro meses para todas as trabalhadoras (na Costa Rica), a licença pós-natal opcional para a mãe ou para o pai (no Chile), facilidades de creches no local de trabalho em todos os estabelecimentos com no mínimo 20 trabalhadores, homens ou mulheres (na Venezuela).
    Hanna BINSTOCK (1998) apresenta um abrangente levantamento das mudanças legislativas adotadas em cinco países latino-americanos.
  • 9
    Elizabeth JELLIN, 1996, p. 179.
  • 10
    Na Bolívia, por exemplo, onde a pressão das camadas inferiores é obstruída por um grau de analfabetismo feminino que ultrapassa 20 por cento, e por uma tendência entre as mulheres indígenas de privilegiar classe e etnia em detrimento da identidade de gênero, o governo constantemente reforça suas tentativas de obedecer às novas normas internacionais (Gratzia SMEALL, 2001).
  • 11
    A Convenção, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1979, requer que os Estados exerçam ação positiva para assegurar o exercício desses direitos. O cumprimento da Convenção é monitorado pelo Comitê na Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. Os governos são obrigados a informar a cada quatro anos como estão implementando a Convenção.
  • 12
    ECLAC-UNIFEM, 1995, p. 10.
  • 13
    Veja, por exemplo, a Convenção Interamericanade Prevenção, Punição e Erradicação da Violência contra a Mulher, adotada pela Organização dos Estados Americanos, o Plano de Ação para Corrigir Desigualdades na Participação dos Homens e das Mulheres na Vida Política, adotado pelo Conselho Interparlamentar em março de 1994, assim como o Programa Regional de Ação para Mulheres na América Latina e no Caribe para 1995-2001, mencionado acima.
  • 14
    Alguns analistas sugerem que a crescente visibilidade e a efetiva pressão exercida pelas redes transnacionais de
    advocacy (por exemplo, a criação de O Olhar d as Mulheres sobre o Banco Mundial, um grupo de aproximadamente 900 mulheres de organizações não-governamentais formado na Conferência de Beijing de 1995) têm forçado agências multilaterais a reestruturarem seus próprios trabalhos, criando assim uma espécie de convergência entre eles e as organizações não-governamentais (Nahid ASLANBEIGUI e Gale SUMMERFIELD, 2000, e Roberto KORZENIEWICZ e William SMITH, 2000).
  • 15
    Nikki CRASKE, 1998, e Kathleen STAUDT, 1998.
  • 16
    A maioria dos paises latino-americanos criou uma 'maquinaria de mulheres'. Os exemplos incluem novas políticas para mulheres na Venezuela (1979), Bolívia (1983), México e Brasil (1985), Costa Rica (1986), Equador (1986), Nicarágua (1987), Argentina e Chile (1991).
    17 Planos de igualdade de gênero foram aprovados, entre outros países, na Costa Rica (1990), Argentina (1993-1994 e 1995-1999), Venezuela (1993) e Chile (1994-1999 e 2000-2010).
    17 FITZSIMMONS, 2000, e Shahra RAZAVI, 2000.
  • 18
    Diane ELSON, 1994, Pamela SPARR, 1994, Lourdes BENERÍA, 1995, e CRASKE, 1998.
  • 19
    Alberto ARENAS DE MESA e MONTECINOS, 1999.
  • 20
    Carole PATEMAN, 1989, Anne PHILLIPS, 1992, Ursula VOGEL, 1991 e 1998, Mary DIETZ, 1992, Susan MENDUS, 1992, Ruth LISTER, 1993, e Rian VOET, 1998.
  • 21
    PHILLIPS, 1992.
  • 22
    VOET, 1998.
  • 23
    Para exceções, ver Phillipe SCHMITTER, 1998, e Joe FOWERAKER, 1998.
  • 24
    Jane JAQUETTE, 1989, Sonia ALVAREZ, 1990, Georgina WAYLEN, 1998 e 1996, JELIN, 1996 JAQUETTE e Sharon WOLCHIK, 1998, e Elizabeth FRIEDMAN, 1998.
  • 25
    Para uma análise perturbadora de como os discursos de desenvolvimento reinterpretaram restritamente a idéia de empoderamento das mulheres a partir de um parâmetro individualista e não-feminista, ver Savitri BISNATH e Diane ELSON, 2000.
  • 26
    Marguerite BOUVARD, 1994.
  • 27
    Teresa VALDÉS, 1993.
  • 28
    WAYLEN, 1996, p. 77 e 85.
  • 29
    Cecilia BLONDET, 1995.
  • 30
    FRIEDMAN, 1998, p. 93 e 95.
  • 31
    RAZÁVI, 2000, p. 5.
  • 32
    CRASKE, 1998.
  • 33
    FITZSIMMONS, 1995.
  • 34
    Molly POLLACK, 1998, p. 31.
  • 35
    Verónica SCHILD, 2000.
  • 36
    John WILLIAMSON, 1994, e MONTECINOS e MARKOFF, 2001.
  • 37
    Jorge DOMINGUEZ, 1997.
  • 38
    Miguel CENTENO e Patricio SILVA, 1998, p. 10.
  • 39
    MONTECINOS, 1998.
  • 40
    Marianne FERBER e Julie NELSON, 1993, BENERÍA, 1995, NELSON, 1996, e Randy ALBELDA, 1997.
  • 41
    Nancy FOLBRE e Heidi HARTMANN, 1998, Ann JENNINGS, 1993, Pamela SPARR, 1994.
  • 42
    Donald MCCLOSKEY, 1993, p. 76, e NELSON, 1996.
  • 43
    ALBELDA, 1997.
  • 44
    NELSON, 1996, p. 87.
  • 45
    ALBELDA, 1997.
  • 46
    BENERÍA, 1995 e 1999.
  • 47
    Osvaldo SUNKEL, 1993.
  • 48
    Sunkel, em entrevista feita pela autora em 2000.
  • 49
    ALVAREZ, 1997, e SCHILD, 1998.
  • 50
    María Elena VALENZUELA, 1998, e Roderic CAMP, 1998.
  • 51
    Análises das barreiras que impedem o engendramento do trabalho dos ministérios de finanças, os quais ocupam um lugar cada vez mais estratégico no processo de planejamento, e as propostas para corrigir os preconceitos de gênero nos planos macroeconômicos são encontradas em Ruth PEARSON, 1995, e Gita SEN, 2000.
    52 Veja, por exemplo, David Colander e Reuven Brenner, 1992.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2003
    • Recebido
      Abr 2003
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