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Michelle Perrot: a grande mestra da História das Mulheres

PONTO DE VISTA

Um diálogo sobre mulheres e história

1. Michelle Perrot: a grande mestra da História das Mulheres

Joana Maria Pedro

Universidade Federal de Santa Catarina

Para quem tem o privilégio de conhecer, mais de perto, Michelle Perrot, reconhece que ela, além de ser uma historiadora com grande reconhecimento intelectual - na França e em vários países -, possui uma simpatia contagiante. Uma memória prodigiosa, capaz de lembrar nomes e rostos de pessoas vistos há algum tempo. Quem se aproxima dela é sempre recebido com um grande sorriso, algo que sempre surpreende, em vista da costumeira sisudez com que os estrangeiros costumam ser recebidos na França.

Para o público leitor brasileiro, Michelle Perrot é a grande mestra da História das Mulheres. Essa fama certamente vem da obra que organizou, juntamente com Georges Duby, a qual na França teve o nome de L´Histoire des femmes en Occident de l´Antiquité à nos jours, publicada em cinco volumes e editada pela Plon, entre 1991 e 1992. No Brasil, a Editora Ebradil, de São Paulo, em co-edição com as Edições Afrontamento, da cidade de Porto (Portugal), publicou essa obra, editada com título abreviado: História das Mulheres no Ocidente. Os cinco volumes foram colocados no mercado entre 1993 e 1995. Essa obra teve também publicações em alemão, inglês, coreano, espanhol, japonês, italiano e holandês, além de outros idiomas. Tornou-se, portanto, uma referência internacional, imitada em vários países, os quais passaram, também, a publicar obras de História das Mulheres de cunho nacional.

Mas não foi esse o trabalho que inaugurou o contato de Michelle Perrot com o público brasileiro. Em 1988, por iniciativa de Maristela Bresciani - historiadora da Unicamp -, a Editora Paz e Terra publicou uma coletânea de artigos com o título Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Após essa obra, vários capítulos de livro e artigos de revistas, assinados pela autora, foram traduzidos no Brasil.

Nem sempre Michelle Perrot trabalhou com História das Mulheres. Seu percurso começou na História Social, realizando pesquisa histórica sob inspiração, inicialmente, marxista e, depois, foucaultiana. Publicou, em 1966, juntamente com Annie Kriegel, Le socialisme français et le pouvoir, pela EDI. Em 1974, pela editora Mouton, Les ouvriers en grève. France 1871-1890. Esse mesmo trabalho foi publicado, de forma condensada, em 1984, sob o título Jeunesse de la grève. France 1871-1890, editado por Seuil, que também editou, em 1980, um trabalho coletivo intitulado L'impossible prison. Ainda em 1984, organizou os volumes 1 e 2 dos Écrits sur le système pénitentiaire en France et à l'étranger de Aléxis de Tocqueville, publicados pela Gallimard. Em 1987, organizou o volume 4 da Histoire de la vie privée, coletânea em cinco volumes, sob a direção geral de Philippe Ariès e Georges Duby, publicada na França pela Seuil.1 1 Informações extraídas da minibiografia organizada como orelha do livro de Michelle Perrot Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. No Brasil, essa obra foi publicada pela Companhia das Letras, sendo que o primeiro volume saiu em 1990 e o último em 1992.

O percurso de Michelle Perrot na trilha da História das Mulheres, segundo depoimentos de suas alunas, hoje professoras e pesquisadoras,2 2 Ver a esse respeito a entrevista de Françoise Thébaud a Janine Gomes da Silva, publicada na Revista Estudos Feministas, v. 11, n. 1 , 2003, p. 196-216. parece ter começado em 1973, quando, doutora em História, docente na Paris VII - Denis Diderot, ministrou um curso chamado "As mulheres têm uma História?", no qual apresentava temas possíveis de pesquisa para os trabalhos de conclusão de curso dos/as estudantes. Esse curso e os trabalhos dele resultantes proporcionaram material para a publicação da coletânea Une histoire de femmes, est-elle possible?, publicado, na França, em 1984, pela Rivages. Tal percurso de pesquisa levaria Michelle Perrot a tornar-se conhecida internacionalmente, não somente por seus trabalhos, mas, também, pelas/os estudantes que orientou em suas teses de doutorado. Muitos desses trabalhos orientados tornaram-se livros, os quais contam, muitas vezes, com prefácios e apresentações escritos por ela, fazendo periodicamente um balanço das pesquisas na área.

No Brasil, além dessa obra, publicada em 1984, Michelle Perrot teve vários trabalhos traduzidos e publicados em livros, coletâneas, capítulos de livros e artigos em revistas. Ela também visitou universidades brasileiras, proferindo conferências no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e em Porto Alegre. Uma obra traduzida e publicada no Brasil em 1998 pela UNESP, Mulheres públicas, traz, além do conteúdo instigante, uma apresentação belíssima. E um capítulo escrito pela autora, chamado "Os silêncios do corpo da mulher", acaba de ser publicado (em 2003) pela UNESP no interior da obra O corpo em debate, organizada por Maria Izilda Santos Matos e Rachel Soihet.

Apesar de existirem várias obras suas já traduzidas no Brasil, algumas ainda não tiveram essa possibilidade; é o caso, entre outras, de Les Femmes ou les silences de l'Histoire, editado pela Flammarion, em 1998; em 2001, foi publicado em Évreux, na França, pela Lunes, um livro voltado para o público infanto-juvenil: Il était une fois... l'histoire des femmes.

Michelle Perrot está, atualmente, aposentada. Encontrei-a em 2002 em uma conferência, na Paris VII, onde é professora emérita de História Contemporânea, apresentando um trabalho chamado "O quarto do casal". Disse-nos que essa é sua atual pesquisa e que se trata de um trabalho encomendado por uma editora, para publicação. Entretanto, como está aposentada, não tem pressa nem prazo para terminar. "Foi para isso que me aposentei", afirmou, "para não ter mais a obrigação dos prazos".

A entrevista que concedeu a duas meninas - Héloïse e Oriane - transformou-se em um livro infanto-juvenil. Nesse livro, ela afirma que a paridade, recentemente inscrita na Constituição Francesa (em 2000), deveria tornar o mundo mais paritário, ou seja, com uma divisão mais equilibrada do tempo, das tarefas e dos papéis entre homens e mulheres. Essa luta pela paridade deveria estender-se para outros domínios da existência: a família, o trabalho e o poder. Essa deverá ser uma luta para todas as gerações, inclusive e de preferência, para as mais jovens, para que exista mais justiça e melhor equilíbrio, diz ela no livro Il était une fois...

Toda essa trajetória de pesquisa e orientação não a afastou da militância no movimento feminista francês. Seu último combate tem sido pela paridade, um dos assuntos de que ela trata nesta entrevista feita por Ingrid Galster, docente e pesquisadora da Universidade de Paderborn, Alemanha, que, dentre outras atividades, se dedica a investigar o impacto da obra Deuxième sexe, de Simone de Beauvoir, no contexto alemão. Conforme pode ser observado nesta entrevista, sua participação nas lutas acadêmicas e na militância feminista torna-a uma observadora privilegiada da trajetória do feminismo francês, do contexto das associações feministas e das publicações, bem como das desigualdades setoriais e das possibilidades dos estudos da História das Mulheres e do Gênero.

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  • 1
    Informações extraídas da minibiografia organizada como orelha do livro de Michelle Perrot
    Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
  • 2
    Ver a esse respeito a entrevista de Françoise Thébaud a Janine Gomes da Silva, publicada na
    Revista Estudos Feministas, v. 11, n. 1
    , 2003, p. 196-216.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003
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