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Publicações acadêmicas feministas no contexto norte-americano

FEMINISMOS NO EXTERIOR

Publicações acadêmicas feministas no contexto norte-americano

Marysa Navarro

Dartmouth College

Eu vou falar no início em português, mas depois em castelhano. Queria começar agradecendo muito a Miriam, Luzinete, Claudia, Juliana, a parceira dos e-mails, pelo convite. Estou muito contente de estar aqui e queria agradecer o esforço enorme, que fizeram. Sei o que significa fazer uma reunião como esta. É muito trabalho para conseguir dinheiro, para organizar tudo, para conseguir o apoio da universidade, para fazer com que todo mundo responda. Muito obrigado. Acredito que falo em nome de todo mundo, pois estamos muito felizes de estar aqui. Outra coisa que quero dizer, antes de começar minha apresentação, que desde já aviso que é demasiado esquemática, é que sou apaixonada e irremediavelmente acadêmica, mas (e) também sou apaixonada e irremediavelmente feminista, o que quer dizer, militante. Não abro mão de nenhuma das duas coisas, nem da academia nem da militância feminista. 1 1 Comunicação apresentada no I Encontro Internacional e II Nacional de Publicações Feministas, na mesa-redonda intitulada "Publicações Feministas em Diferentes Contextos Culturais", realizada no dia 27 de novembro de 2003.

Preciso falar sobre os Estados Unidos, foi o que as companheiras pediram, e o faço com prazer. Falo das revistas dos EUA porque eu vivo lá, mas uma parte do meu coração está neste continente, está no Uruguai e na Argentina e também no Brasil. Eu trabalho sobre a Argentina, mas por questões pessoais e históricas vivo nos EUA por muitos anos, dedicada à militância dentro e fora da academia.

Nos Estados Unidos, venho militando no feminismo desde finais dos anos sessenta e ensino no Dartmouth College desde 1968. Nos anos setenta colaborei em duas revistas. A primeira foi Ms. Magazine, fundada por Gloria Steinem. Estive no comité editorial internacional desde 1975 até finais dos noventa. Também estive em Signs: A Journal of Women in Culture and Society desde sua fundação en 1975, até 1990. Simultaneamente, na Argentina, estive ligada a uma revista que se chamava e ainda hoje se chama, Brujas, do grupo ATEM (Asociación de Trabajo y Estudio de la Mujer).

Nos EUA, atualmente existem umas 30 revistas acadêmicas feministas. Estas são uma pequena porção daquelas que existiam na década de 80. Mas, se bem existam menos publicações acadêmicas feministas agora, elas são sem dúvida mais estáveis e estão muito mais integradas al "establishment" acadêmico do que nos anos setenta ou oitenta.

Na sequência pretendo explicar o que entendo por revista acadêmica feminista. A definição que vou dar é proveniente de um trabalho muito valioso de Patrice McDermott2 2 Patrice McDERMOTT, 1994. . Desde já, esta é uma definição que tem seus fundamentos no contexto acadêmico dos Estados Unidos e o desenvolvimento do feminismo, mais precisamente o desenvolvimento dos Estudos de Mulheres nesse país.

Uma revista acadêmica feminista é uma publicação que aparece regularmente y que em general está patrocinada por uma universidade. As relaciones das revistas com a universidade variam muito. Às vezes existe uma relação apenas com a Editora de uma universidade. Assim, por exemplo, a Editora da Chicago University, Chicago University Press, publica a revista Signs e funciona como sua proprietária comercial, se encarregando também de sua distribuição, o que é muito importante. A nível editorial, entretanto, a universidade nada tem a ver com Signs. De fato, o grupo que dirigia Signs em sua primeira fase estava no Barnard College, mas depois passou para outras universidades. Em outros casos, a universidade pode proporcionar os recursos para a publicação de uma revista. As vezes o grupo que publica uma revista é um coletivo cujas participantes estão numa mesma universidade, em outros casos estão vinculadas a distintas instituições.

As revistas são feministas porque se declaram feministas, porque em seu número inicial publicam um texto no qual dizem abertamente ser feministas e que seu propósito é contribuir para lutar contra a opressão das mulheres. Essa era a linguagem usada pelas revistas acadêmicas feministas nos anos setenta, ainda que a bandeira "contra a opressão das mulheres", no seja tão relevante na atualidade. O propósito delineado no primeiro editorial, se vê reforçado pelo conteúdo dos artigos, que são claramente feministas.

Segundo a revista, os artigos podem ser dirigidos a um público acadêmico o podem também tratar de abarcar o movimento, incluindo preocupações e temas relativas ao próprio movimento. Mas, em qualquer caso, o fazem a partir das regras estabelecidas pelas publicações tradicionais acadêmicas. Seguem regras como as que estabelecem a Modern Language Association Style Sheet ou o Chicago Manual of Styling. Isto é assim desde que surgiram as primeiras revistas feministas nos anos setenta, que se incorporaram al mundo acadêmico seguindo as regras do jogo acadêmico estabelecidas pelas disciplinas tradicionais. Por tanto, também buscaram a participação de acadêmicas reconhecidas como editoras, consultoras ou avaliadoras dos manuscritos a serem publicados.

Todas as revistas acadêmicas feministas que existem atualmente nos Estados Unidos, atendem a estes requisitos. Todas, menos seis, foram fundadas nos anos 80. As seis que não foram fundadas nos anos 80, surgiram na década anterior. Destas, duas são revistas feministas profissionais muito importantes: a Harvard Women's Law Journal criada pelas estudantes de advocacia de Harvard, em 1978 e Psychology of Women Quaterly, fundada em 1976. As outras quatro, são as revistas mais significativas do ponto de vista histórico. Contrastando com as revistas criadas na década dos oitenta, são todas interdisciplinares. São elas: Feminist Studies, fundada em 1972; Frontiers: A Journal of Women's Studies, fundada em 1975 e Signs: A Journal of Women in Culture and Society criada em 1975. A quarta revista é a Women's Studies, lançada em 1972.

A revista Feminist Studies foi criada por Anne Calderwood, uma estudante graduada em História, vinculada ao Larah Lawrence College. Em 1972, o movimento feminista estava no auge e surgiam os primeiros cursos universitários sobre mulheres. Os rígidos limites do mundo acadêmico em relação ao conjunto da sociedade se desvaneciam, em virtude do impulso da luta pelos direitos civis da população negra, o movimento contra a guerra do Vietnam e o movimento pela liberação das mulheres. No é de estranhar então que uma estudante graduada fundasse uma revista nas margens da universidade, com gente que estava na universidade, mas dirigida a um público feminista e profundamente comprometida com o movimento. Feminist Studies continuou saindo de forma precária sob a direção de Calderwood até 1977. Chegou um momento em que a revista se viu diante do seguinte impasse: seguir nas margens da universidade ou instalar-se nela, mantendo seu compromisso com o feminismo. A equipe editorial concluiu que a revista seria publicada pela Universidade de Maryland onde está desde então, dirigida por um coletivo profundamente feminista, profundamente acadêmico, de alto nível. Essa é a única revista acadêmica feminista identificada com uma forte corrente marxista.

As publicações acadêmicas feministas entraram abertamente no âmbito universitário à medida que foram multiplicando-se os programas de estudos de mulheres e que se demonstrou também que havia um público para os novos trabalhos de investigação. Isso sucedeu em 1973, quando ocorreu a Conferência de Berkshire sobre o tema "Nuevas Perspectivas sobre la Historia de Mujeres", à qual compareceram surpreendentemente umas seiscentas investigadoras. Feminist Studies publicou uma seleção dos trabalhos apresentados. Este número da revista se esgotou imediatamente, mas foi publicado em 1974 em forma de livro por uma grande editora comercial, Harper & Row, com o título Clio's Consciousness Raised, pelas editoras Mary S. Hartmann and Lois Banner.

Em 1975 surgiram duas novas revistas: Frontiers foi criada por um coletivo de investigadoras que conseguiram subsídios da Universidade de Colorado, em Boulder, Colorado. É uma revista acadêmica, comprometida com o movimento de maneira mais intensa que as demais.

Por último quero mencionar aqui a Signs, a revista acadêmica feminista de mayor prestígio nos Estados Unidos, criada por Catharine R. Stimpson a pedido da Editora Chicago University Press. O primeiro número saiu no outono de 1975. A diferença das outras revistas acadêmicas feministas, Signs não se definiu como uma ponte entre a comunidade acadêmica e a comunidade feminista. Desde o princípio ela foi uma revista dedicada à investigação a partir do feminismo. Stimpson definiu os princípios editoriais da revista em consonância com os requisitos acadêmicos mais rígidos. A definição da revista era e é de um academicismo superior, mas com aceitação de militantes apaixonadas como eu e muitas mais.

Muitas das revistas acadêmicas feministas criadas nos anos 80 foram deixando a interdisciplinaridade e estão dedicadas a uma profissão ou a uma disciplina em particular, refletindo a transformação dos estudos de mulheres, pelo menos nos Estados Unidos. Assim por exemplo, Hypatia, fundada em 1986, publica textos de Filosofia; Women's and Politics, fundada em 1980 está dedicada a textos de Ciências Politicas; e, Gender and Society, de 1987, é da área de Sociologia. Há também muitas revistas profissionais, como por exemplo, Berkeley Women's Law Journal, Yale Journal of Law and Feminism, Wisconsin Women's Law Journal, entre outras. Tenho também que mencionar uma nova revista de Estudos Culturais chamada Differences (1989), outra de forte conteúdo lesbiano, Genders (1988) y Sage: a Scholarly Journal of Black Women , que é uma revista de mulheres negras, lançada em 1984.

Esta proliferação de revistas reflete as transformações sócio-culturais da sociedade norte-americana e a evolução dos estudos feministas na academia. As revistas acadêmicas feministas foram e continuam sendo fundamentais para os programas de estudos de mulheres e também para várias disciplinas. O interessante é que estas revistas, intencionalmente ou não, tem servido de ponte entre as comunidades feministas e a academia, pois muitos dos temas que adquiriram importância e legitimidade nesta última, vêem do movimento. Sem dúvida alguma, essa legitimidade nos foi concedida porque as revistas tem aceitado as regras do jogo acadêmico, mas por outro lado, esta aceitação é que permitiu a entrada das revistas feministas no mundo acadêmico e a publicação de temas novos e investigações que de outra maneira no teriam acesso às revistas acadêmicas tradicionais. As revistas acadêmicas feministas tem sido lugares de resistência e de constante negociação em instituições que nos tem aceitado faz relativamente pouco tempo e nas quais não temos ocupado posições de poder.

Notas

Copyright ã 2004 by Revista Estudos Feministas.

Referências

HARTMANN, Mary S. & BANNER, Lois (eds.) Clio's Consciousness Raised. New York, Harper & Row, 1974.

McDERMOTT, Patrice. Politics and Scholarship. Feminist Academic Journals and the Production of Knowledge. Urbana and Chicago: University of Illinois Press, 1994.

  • 1
    Comunicação apresentada no I Encontro Internacional e II Nacional de Publicações Feministas, na mesa-redonda intitulada "Publicações Feministas em Diferentes Contextos Culturais", realizada no dia 27 de novembro de 2003.
  • 2
    Patrice McDERMOTT, 1994.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
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