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Saindo do armário e entrando em cena: juventudes, sexualidades e vulnerabilidade social

Getting out of the closet and entering the scene: youth, sexuality and social vulnerability

Resumos

Este trabalho problematiza as experimentações da sexualidade entre jovens que aderiram a uma ação de saúde no campo das Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS, coordenada por uma organização não-governamental atuante na defesa dos direitos humanos e da livre expressão das sexualidades. Tal ação, além de seu caráter de enfrentamento da epidemia, permitiu analisar os modos como os jovens vêm se relacionando com as experimentações da sexualidade em face da homofobia na sociedade brasileira. O estudo é orientado metodologicamente pela perspectiva da pesquisa-intervenção e os seus resultados apontam para alguns limites e possibilidades de intervenção junto ao público juvenil no que se refere ao acesso e produção da cultura da diversidade sexual e para a consolidação dos direitos humanos.

sexualidades; DST/AIDS; juventudes; homofobia; pesquisa-intervenção


This work discusses sexuality experimentations amongst a group of youngsters that participated in a health action in the field of sexually transmitted diseases and AIDS, coordinated by a non-governmental organization that fights for the respect of human rights and free expression of sexuality. This action, beyond the Aids epidemic prevention objective, allowed us to analyze the ways youth have experimented sexuality in homophobic Brazilian society. The study follows an action research approach and its results show some limits and possibilities of interventions directed to the youth regarding the access and the production of a sexual diversity respect culture and the consolidation of human rights.

Sexualities; STD/AIDS; Youth; Homophobia; Action Research


ARTIGOS

Saindo do armário e entrando em cena: juventudes, sexualidades e vulnerabilidade social

Getting out of the closet and entering the scene: youth, sexuality and social vulnerability

Fernando Altair PocahyI; Henrique Caetano NardiII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul e ONG nuances - grupo pela livre expressão sexual

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

Este trabalho problematiza as experimentações da sexualidade entre jovens que aderiram a uma ação de saúde no campo das Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS, coordenada por uma organização não-governamental atuante na defesa dos direitos humanos e da livre expressão das sexualidades. Tal ação, além de seu caráter de enfrentamento da epidemia, permitiu analisar os modos como os jovens vêm se relacionando com as experimentações da sexualidade em face da homofobia na sociedade brasileira. O estudo é orientado metodologicamente pela perspectiva da pesquisa-intervenção e os seus resultados apontam para alguns limites e possibilidades de intervenção junto ao público juvenil no que se refere ao acesso e produção da cultura da diversidade sexual e para a consolidação dos direitos humanos.

Palavras-chave: sexualidades; DST/AIDS; juventudes; homofobia; pesquisa-intervenção.

ABSTRACT

This work discusses sexuality experimentations amongst a group of youngsters that participated in a health action in the field of sexually transmitted diseases and AIDS, coordinated by a non-governmental organization that fights for the respect of human rights and free expression of sexuality. This action, beyond the Aids epidemic prevention objective, allowed us to analyze the ways youth have experimented sexuality in homophobic Brazilian society. The study follows an action research approach and its results show some limits and possibilities of interventions directed to the youth regarding the access and the production of a sexual diversity respect culture and the consolidation of human rights.

Key words: Sexualities; STD/AIDS; Youth; Homophobia; Action Research.

Este trabalho discute uma experiência de intervenção1 1 O projeto em estudo foi financiado pela cooperação da UNESCO com o Ministério da Saúde (Programa Nacional de DST/AIDS) e a Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e teve vigência, nesses termos, entre julho de 2004 e julho de 2005. A pesquisa foi realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. em direitos humanos voltada à população jovem em Porto Alegre, no Brasil, tendo como proponente a organização não-governamental nuances.2 2 O nuances grupo pela livre expressão sexual atua desde 1991, na promoção e defesa dos direitos sociais, políticos e civis relacionados à livre expressão das sexualidades, sobretudo em face das violações dirigidas a pessoas que se identificam como gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais. As motivações para essa intervenção inicialmente diziam respeito à necessidade de combater o recrudescimento da epidemia de HIV/AIDS e outras DST na população de homens jovens que fazem sexo com homens (HSH). No entanto, o que discutiremos neste texto corresponde às possibilidades geradas a partir dessa ação na compreensão das estratégias de experimentação da sexualidade na sua interface com os direitos à cidadania de um grupo de jovens. No processo de constituição do grupo, ampliamos a participação dos jovens, sem fazer restrições quanto à expressão de sexualidade, ou seja, não limitamos o acesso somente a jovens homossexuais e outros homens jovens que fazem sexo com homens. Com esse objetivo, buscamos construir uma estratégia de ruptura com o dispositivo de captura identitária que restringe as formas de prevenção ao HIV/AIDS marcadas pela perspectiva higienista. Embora nem todas as estratégias que utilizam a abordagem dos grupos homogêneos sejam explicitamente marcadas pelo dispositivo do biopoder no seu viés higienista,3 3 Michel FOUCAULT, 1976. seus efeitos, ao demarcar grupos exclusivos – homens, mulheres, homossexuais, heterossexuais, etc. – tendem a reforçar marcadores identitários, ressaltando a lógica binária da sexualidade e do gênero nas possibilidades de inteligibilidade da compreensão das relações sociais.4 4 Judith BUTLER, 2005. Fazemos essa ressalva, pois modalidades de intervenção centradas na identidade podem ser capturadas pela perspectiva moralizante e estigmatizante dos grupos de risco. Apostamos, portanto, em uma intervenção que buscou a construção de um grupo misto e aberto, cuja trajetória reforça nosso questionamento inicial acerca da própria prerrogativa de trabalho com grupos específicos.

No Brasil, assim como na América Latina de uma forma geral, tanto no contexto acadêmico como de atenção à saúde e à educação, em especial, é pequena a expressão de estudos referentes às intervenções no universo de abrangência do projeto, ou seja, ações dirigidas a jovens que se pautam pela perspectiva do respeito à diversidade sexual,5 5 Henrique NARDI e Fernando POCAHY, 2005. sobretudo quando eles se encontram nas idades entre 14 e 18 anos, período marcado por restrições jurídicas e morais, além de negligenciado do ponto de vista das ações no campo da saúde pública (com exceção das intervenções de prevenção da gravidez). Por outro lado, encontramos trabalhos de expressão que discutem a sexualidade na juventude no plano das práticas sexuais, mas onde a diversidade sexual não é central.6 6 Como em Simone MONTEIRO, 2002; Simone MONTEIRO e Fátima CECCHETTO, 2006; Vera PAIVA, 2000; e Maria Luiza HEILBORN e Cristiane CABRAL, 2006.

Com relação aos estudos e intervenções que têm como foco a diversidade sexual encontramos o trabalho desenvolvido pela Associação Interdisciplinar de AIDS (ABIA), através do projeto "Juventude e diversidade sexual", e os estudos de Luís Felipe Rios,7 7 RIOS, 2004; e RIOS et al., 2002. no seio dessa associação, que apontam paras práticas sexuais de homens jovens, indicando homologias entre algumas estruturas culturais (de referência a comunidades) que orientam as interações sexuais. Esses estudos são consistentes ao propor a construção dos repertórios sexuais na perspectiva do exercício de uma cidadania plena. Também não são raras as intervenções realizadas por organizações não-governamentais formuladas pelo movimento homossexual. Entretanto, estas não privilegiam a perspectiva da pesquisa como suporte de suas ações.8 8 A partir de um recente levantamento (2006) realizado pela equipe de comunicação do site www.mixbrasil.com.br, foram indicados seis projetos, incluindo o realizado pelo nuances. No Paraná o grupo Dignidade desenvolve, em parceria com o Centro de Convivência Menina Mulher (CCMM), ações junto a adolescentes de ambos os sexos que convivem com o HIV/AIDS. Em Minas, o Movimento Gay de Minas Gerais (MGM) realizou o projeto "Grupo de Adolescentes Gays" (GAG), dirigido a jovens homossexuais e bissexuais com idade entre 14 e 24 anos, mas que, segundo informações de Paco Listo, do MIX Brasil, o grupo encontra-se desarticulado "por falta de lideranças". Em São Paulo, o Jovens Adolescentes Homossexuais (JAH) e o "Tenho Orgulho e Me Cuido" são dirigidos a jovens e adolescentes Homens que Fazem Sexo com Homens (HSH) e HSH soropositivos, ambos realizados pela Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT). Ainda, no elenco das ações das maiores organizações do movimento homossexual no Brasil, há o projeto "Crescer", do Movimento Estruturação de Brasília, e o "Se Ligue", projeto que vem sendo realizado pelo Grupo Gay da Bahia. Fonte: http://mixbrasil.uol.com.br/pride/pride2006/grupos_jovens /grupos_jovens.shtm, acessado em 22 de janeiro de 2006.

No contexto europeu, cabe indicar o trabalho realizado por Eric Verdier,9 9 VERDIER, 2005. em uma iniciativa pioneira na França, junto a jovens vulneráveis socialmente (vulnerabilidade marcada pela pobreza, racismo, homofobia e sexismo, principalmente). Essa ação tem por objetivo compreender e intervir diante dos fatores de vulnerabilidade ao suicídio, ao contágio pelo HIV e a outras situações de risco.

Na literatura brasileira, entretanto, não encontramos estudos que refletissem sobre os efeitos de intervenções dirigidas a jovens que se auto-identificam como homossexuais, um dado corroborado por Rios:

Do mesmo modo, Calazans (2000), que realizou uma revisão crítica sobre a produção acadêmica em relação à saúde sexual e reprodutiva dos jovens, sequer registra um único título referente à temática; e mais, tão pouco questiona ou critica a ausência de estudos sobre a sexualidade dos jovens com práticas homossexuais. Não obstante, identifiquei [...] trabalhos: o de Parker (1989), sobre homossexualidade e juventude no Brasil; o de Birman (1997), sobre grupos de jovens de terreiros de Candomblé no Rio de Janeiro.10 10 RIOS, 2004, p. 18.

Com o intuito de colaborar para preencher essa lacuna, conduzimos esta pesquisa-intervenção, buscando compreender como se constituiu o espaço de subjetivação (na perspectiva foucaultiana) nesse grupo e de que forma essa ação pode inspirar estratégias guiadas por princípios éticos de respeito à diversidade nas políticas de saúde dirigidas à população jovem. Politicamente a ação buscou a potência da alteridade como forma de agenciar a (re)invenção de estratégias de experimentação da cidadania, aqui entendida como a ocupação da cidade de forma agonística – no sentido atribuído ao termo por Michel Foucault11 11 FOUCAULT, 1995. – e cuja dimensão diz respeito à luta pela ampliação da margem de liberdade e de experimentação, considerando-se a precariedade de acesso aos suportes sociais que caracterizam o grupo do projeto.

A discussão da livre expressão da sexualidade como um direito de cidadania é particularmente relevante no caso brasileiro, pois as marcas da desigualdade social reforçam aquelas da discriminação ligada à orientação sexual e às performances de gênero. Nessa direção, nos associamos a Judith Butler na sua proposição de desnaturalização do gênero como estratégia para conter a violência das verdades que o governam. Butler12 12 BUTLER, 2005. refuta e denuncia os pressupostos impetrados pelas interpelações cotidianas – populares ou acadêmicas – da sexualidade que atribuem à heterossexualidade um caráter natural e evidente. Assim, a heteronormatividade, ou seja, a reiteração da norma corpogênerosexualidade se constitui na regulação do gênero como forma de manter a ordem heterossexual.13 13 BUTLER, 2005. No seu esforço de desnaturalização do gênero/sexualidade/desejo a autora denuncia a fragilidade constitutiva da heterossexualidade, pelo seu próprio avesso. Ou seja, as práticas sexuais ditas não normais colocam em xeque a estabilidade do gênero (por exemplo, o regramento ativo-masculino versus passivo-feminino no âmbito das práticas sexuais das travestis) na definição do que é ou não "normal" e por isso possível, em termos da sexualidade e de uma vida inteligível.

Uma das expressões mais marcantes da hetero-normativiade é "homofobia", termo que vem sendo utilizado largamente no contexto dos movimentos GLBTTT14 14 Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. e queer para indicar o ódio e a aversão aos homossexuais e a todas as outras manifestações da sexualidade não hegemônicas. É importante ressaltar que o termo "homofobia", apesar de ter se constituído em uma palavra de ordem que dá sentido a muitas das violações dos direitos humanos, no entanto não é isento de problemas, pois "fobia" remete o "problema" a instâncias da psique humana ou ao inconsciente, amparado na ordem do não racional. Assim, seria uma forma mascarada de entender o problema da violência da norma sobre o gênero e a sexualidade na esfera do indivíduo. A noção de homofobia, como vem sendo utilizada nos contextos GLBTTT e queer, representa todas as formas de desqualificação e violência dirigidas a todas e todos que não correspondem ao ideal normativo de sexualidade. E é claro, podemos manter a expressão para demonstrar diferentes formas de discriminação e outras violências contra prostitutas, transexuais, lésbicas e bissexuais. No rol das especificidades, então: a putafobia, a transfobia, a lesbofobia, a homofobia e a bissexualfobia; mas como expressões do ódio e não do medo psicológico. Existe já uma alternativa para fugir da deriva psicologizante do termo e mais coerente que seria a utilização da expressão "heterossexismo", entretanto, aqui ainda utilizaremos o termo consagrado politicamente no interior dos movimentos sociais e em consonância com Daniel Borillo e Didier Eribon,15 15 BORILLO, 2000; e ERIBON, 1999 e 2005. autores que servem de aporte neste artigo e que vêm utilizando o termo para expressar aquilo que embala o ódio, a repulsa e a aversão, hierarquizando vidas.16 16 BUTLER, 2005. A homofobia é, do mesmo modo que a xenofobia, o racismo ou o anti-semitismo, uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como o contrário, inferior ou anormal, referindo-se a um prejulgamento e ignorância que consistem em acreditar na supremacia da heterossexualidade.17 17 BORILLO, 2000.

Um ato de homofobia fere. Mas seus efeitos vão além da dor. Eles determinam lugares e posições para uma vida, reafirmando, no campo da norma, o lugar dos sujeitos na posição de impensáveis, na ordem do precário e do desprezível. Trata-se, sobretudo, em um ato de homofobia, da desumanização do outro, através de palavras, gestos e condutas.18 18 BORILLO, 2000.

Daniel Borillo19 19 BORILLO, 2000. indica que a homofobia, assim como o sexismo (que trata de hierarquizar as relações entre homens e mulheres), aparece como componente necessário ao regime binário da sexualidade, já que na polarização homo-heterossexualidade cria-se um regime de ordenamento da sexualidade, no qual os comportamentos sexuais são qualificados como modelo social e referência sobre todas as outras sexualidades. A homofobia não se limita a constatar uma diferença: ela interpreta e tira suas conclusões materiais.

A composição do grupo de jovens que fazem parte deste estudo é particularmente exemplar de como se dão os efeitos da norma na sua especificidade brasileira, uma vez que o grupo se constituiu majoritariamente por jovens marcados pela vulnerabilidade social relacionada à discriminação étnica; aos regramentos morais que valoram negativamente as expressões de sexo-gênero; às desigualdades referentes à classe social; ao empobrecimento e à miséria.

Praticamente todos os jovens do grupo provêm de bairros de periferia da capital e de outros bairros pobres da Grande Porto Alegre, alguns em situação de rua ou tutelados pelo Estado. E foi na busca da reversão dessas marcas de sujeição que buscamos construir coletivamente um espaço de reflexão e ação pela cidadania.

Ferramentas conceituais e princípios do método

O desenvolvimento desta pesquisa-intervenção utilizou a abordagem genealógica20 20 FOUCAULT, 2004a. na compreensão das experimentações da sexualidade no que elas se relacionam ao amálgama de sexo-gênero.

O conceito de experiência/experimentação diz respeito aqui à "correlação entre cultura, campos de saber, normatividade e formas de subjetividade",21 21 FOUCAULT, 2004b, p. 193. e pesquisar-intervindo significa uma tomada de posição, no sentido de arriscar-se na construção de uma prática e analítica na perspectiva ética, estética e política.

A intervenção buscou seguir os princípios da genealogia, no sentido em que esta problematiza as condições de possibilidade de emergência dos discursos que se opõem e/ou se associam nos jogos de verdade que dão os contornos da relação dos sujeitos consigo mesmos no processo de sua (auto)constituição. Ou seja, como os sujeitos se confrontam e como combatem as formas de assujeitamento, cujas estratégias modernas consistem na manutenção das clivagens envolvendo o gênero, a sexualidade, os estilos de vida, as etnias e as desigualdades sociais decorrentes da pobreza, ao mesmo tempo em que se trata de agir/combater no sentido da reversibilidade dessas formas de assujeitamento.

Os conceitos de ética, estética e política que conformam a perspectiva genealógica estão ligados na obra de Michel Foucault. Segundo Foucault,22 22 FOUCAULT, 2004e. a ética se refere a uma prática, a maneira como cada um reflete sobre a forma como se constitui a si mesmo como sujeito moral inserido em um determinado código. Ou seja, como apontam Henrique Caetano Nardi e Rosane Neves da Silva, a ética pode ser entendida como a problematização dos modos de existência, tanto nas relações com os outros como em relação a si mesmo:

Nessa direção, Foucault distingue a moral como o conjunto de regras e preceitos veiculados pelas instituições prescritoras – como a família, a religião, a escola e o trabalho – e a ética como o comportamento real dos indivíduos em relação a essas regras. Assim, a determinação da 'substância ética' implica na análise dos modos de construção da relação dos sujeitos consigo mesmos e com o mundo.23 23 NARDI e SILVA, 2005, p. 93.

Seguindo os passos foucaultianos, a estética será compreendida aqui na dimensão da produção da existência, conceito este que aparece notadamente nos últimos trabalhos do autor, em torno da sua História da sexualidade. A idéia de estética de existência, na obra de Foucault, remete-nos à possibilidade de fazermos de nossa existência algo como uma obra de arte. Portanto, a estética remete para um exercício da sensibilidade em relação ao mundo; de deixar-se afetar pelo outro, como apontam, como um dos elementos indispensáveis para a prática reflexiva da liberdade, Nardi e Silva.24 24 NARDI e SILVA, 2005. Em relação à política, não existe uma definição única na obra de Foucault. Toda a sua obra pode e deve ser considerada como política, no sentido em que o papel do intelectual aparece como aquele que faz a história dos problemas de cada tempo e aponta para os riscos do presente. Assim, a idéia de política pode ser tomada no trabalho de Foucault como campo de disputa sobre as formas de organização social mediadas pelas relações saber-poder.

Enquanto ferramenta de análise e intervenção, a pesquisa, por sua vez, buscou a reflexão constante sobre os efeitos do trabalho dos agentes da pesquisa-intervenção. Considerando, como argumenta Foucault,25 25 FOUCAULT, 2004a. que o papel do intelectual não é o de moldar a vontade política dos outros, a atitude dos agentes desta pesquisa-intervenção perseguiu o compromisso de tensionar a institucionalização das identidades, estando atentos à emergência de movimentos de criação de novas formas de ser e experimentar a sexualidade e a cidadania. Também ocorreu a insistente interpelação à reflexividade que caracteriza a análise da implicação do pesquisador, ou seja, onde reside sua vontade de saber e como ela se articulava aos jogos de verdade presentes em uma determinada relação de poder, buscando "interrogar novamente as evidências e os postulados, sacudir os hábitos, as maneiras de fazer e de pensar, dissipar as familiaridades aceitas, retomar a avaliação das regras e das instituições".26 26 FOUCAULT, 2004a, p. 249.

Tratamos, por conseguinte, de operar com rigor na incessante crítica do fazer do pesquisador, considerando a premissa de que o campo de intervenção é saturado de significações éticas e morais, estéticas e políticas e de que nos posicionamos não apenas como analistas, mas também como agentes de uma intervenção.

Desse modo, o grupo, enquanto dispositivo,27 27 Regina BARROS, 1996. assumiu a radicalidade da dimensão de espaço de subjetivação, cuja perspectiva de atuação correspondeu em compreender, segundo Foucault,28 28 FOUCAULT, 2004d. a maneira pela qual os sujeitos fazem a experiência de si em um jogo de verdade, constituindo assim a noção de composição/invenção do campo de análise, privilegiando a análise dos enunciados que

só dizem o que é o sujeito dentro de certo jogo muito particular de verdade; mas esses jogos não são impostos de fora para o sujeito, de acordo com uma causalidade necessária ou determinações estruturais; eles abrem um campo de experiência em que sujeito e objeto são ambos constituídos apenas em certas condições simultâneas, mas que não param de se modificar um em relação ao outro, e, portanto, de modificar esse mesmo campo de experiência.29 29 FOUCAULT, 2004c, p. 237-238.

Na perspectiva da pesquisa-intervenção, conhecer implica transformar-se,30 30 Marisa ROCHA e Kátia AGUIAR, 2003. uma vez que o que produzimos é efeito de efeitos, e em um exercício no qual as tradicionais figuras de sujeito e objeto se dissolvem no fazer da reflexão.

Assim, desde os primeiros movimentos de aproximação com o campo, buscamos a possibilidade de analisar e tensionar os regramentos que formam um determinado discurso. Isto é, pensamos que, a partir do encontro entre o agente da pesquisa-intervenção e o pesquisado, produziu-se uma composição inimaginada, através de um espaço heterogêneo, no sentido em o que era dito não o foi de qualquer lugar.

Foi no encontro entre os agentes da pesquisa-intervenção e o público que participou do grupo que se geraram condições de possibilidade da reversibilidade das posições nas relações de poder. Nessa perspectiva, aceitamos a afirmação de Vera Paiva, construída a partir de seu extenso trabalho de pesquisa e intervenção durante a década de 1990, com diferentes grupos de jovens em São Paulo:

[...] para sermos sujeitos sexuais, para sentirmos que temos capacidade e direitos, necessitamos de oportunidade para exercê-los. [...] É a experiência refletida que constrói o sujeito ativo da aprendizagem. Se as condições para experimentar são limitadas por forças (sociais, culturais) que individualmente não se consegue confrontar ou conciliar, a sensação de impotência será sempre maior que a sensação de poder.31 31 PAIVA, 2000.

A proposição "Sair do armário e entrar em cena", nome do projeto, interpelou os proponentes da pesquisa-intervenção no sentido da necessidade de estabelecer estratégias de desnaturalização dos modos de pensar/intervir no campo das sexualidades, bem como sobre os efeitos de suas análises sobre as experimentações de um grupo.

A inquietação inicial que moveu e move nossa vontade de ação associa-se às conclusões presentes no documento da UNESCO AIDS: o que pensam os jovens,32 32 UNESCO, 2002. o qual afirma que em todo o mundo há obstáculos para se dar respostas ao HIV/AIDS à população de jovens, considerando-se o caráter de centralidade que a sexualidade ocupa na epidemia. Nesse sentido, é preciso criar espaços para que os próprios jovens reconheçam o significado dos fatores que produzem a vulnerabilidade.

Portanto, ao nos perguntarmos quais as estratégias que os jovens do grupo utilizavam em face das experimentações da sexualidade, nossa análise privilegiou as posições que esses jovens ocuparam ou puderam ocupar para que algo pudesse ser dito. Quais condições de enunciação estavam presentes, assim como que condições políticas sustentavam as regras de dispersão dos enunciados tendo em vista as possibilidades de transformação dos jogos de verdade.

Para registro do processo do grupo foram realizados diários de campo, que incluem não somente relatos produzidos a partir dos encontros, mas também percepções e apontamentos do cotidiano da vida que cercava a intervenção. Também constituíram o corpus da pesquisa e a memória do projeto uma série de entrevistas individuais e coletivas com os participantes e o registro em fotografia e vídeo.

Subjetivações juvenis

O trabalho de intervenção com as/os jovens teve início em outubro de 2004, depois de um mês de intensa atividade de divulgação em espaços de sociabilidade homossexual da cidade de Porto Alegre – especialmente em bares, boates e locais "abertos" de grande circulação de jovens – e junto a ONGs e OGs. Juntamente com três drag queens que desempenhavam estilos mais "juvenis", a equipe de intervenção percorreu esses espaços com o seguinte convite: "O nuances está desenvolvendo o Projeto Gurizada, Saindo do Armário e Entrando em Cena, voltado para jovens gueis, bissexuais, lésbicas e travestis. Venha fazer parte dos encontros Babados&Bugigangas sobre arte, direitos, comunicação, sexualidade e comportamento, sempre com convidados descolados e atividades atinadas".

Nesse momento, pela própria chamada, já estavam definidas algumas estratégias de desnaturalização que perseguíamos, como a compreensão e o uso da expressão "juventude" em oposição a "adolescência". Nossa opção pelo termo "juventudes" demarca nossa posição teórica, na qual o aspecto geracional era menos determinante que as possibilidades de experimentação construídas nos processos de subjetivação juvenis.

Portanto, assim como Paiva,33 33 PAIVA, 2000. tratamos de juventudes e não de adolescência, porque este último conceito desconsidera o contexto social e cultural no qual o crescer se dá. Essa escolha buscou afastar uma perspectiva de reiteração de modelos explicativos que apreendem a experiência juvenil através do referente desenvolvimento, que marca expectativas e condutas de existência, subvertendo as condições de compreensão dos enunciados que demarcam e localizam a duração das experiências (idéia de fase/tempo da vida) e, por conseguinte, os corpos – regulados/esperados, uma vez que "os programas de prevenção entre jovens devem superar a idéia de uma 'natureza' universal do desenvolvimento sexual, eliminar o conceito de uma adolescência universal que se reduz à 'explosão ou poder dos hormônios'".34 34 PAIVA, 2000, p. 298-299.

A perspectiva da adolescência como fase de desenvolvimento não problematiza os processos que se instauraram na modernidade e que governam os modos como nos tornamos sujeitos e cidadãos. Compreender as diferentes expressões da juventude no seu direito pleno de cidadania implica compreender sua possibilidade de emergência nesse mesmo processo histórico. Segundo Valérie Daoust,35 35 DAOUST, 2005. a valorização do corpo juvenil nas sociedades ocidentais implica um "consumo de si". Para a autora, "a constituição de si" como "consumo de si" circunscreve e limita a alteridade em um movimento no qual o sujeito expulsa de si tudo o que há de "negativo" e de assimétrico, em uma inspiração narcisista de relação. Resta aqui o corpo "imaculado", sem ranhuras (rugas), o corpo juvenil.

Para Daoust,36 36 DAOUST, 2005. as sociedades contemporâneas são obcecadas pela juventude. A lógica discursiva que a define está ligada a uma concepção de sexualidade que não faz unicamente referência à beleza, mas à atividade sexual, à possibilidade desse corpo "novo". No entanto, a contradição em relação à regulação das experimentações das sexualidades juvenis revela a agonia do olhar incansável sobre esse corpo saturado de sexualidade e ao mesmo tempo inundado de regulações e de práticas normalizantes. A exaltação e espetacularização do corpo jovem nas sociedades ocidentais pós-industriais é acompanhada de regulação das experimentações (maioridade sexual, controle da gravidez, por exemplo), de diversas expressões de tutela do corpo e suas estéticas de transformação, como os piercings, cabelos, tatuagens, estilos de moda, etc., e da (re)invenção do próprio corpo, no caso das travestis e transexuais.

Outro elemento de análise presente na trama das subjetivações juvenis refere-se à deriva em face da falência da perspectiva de futuro na sociedade contemporânea, em especial presentes em países marcados pela desigualdade social, na qual as condições de pertencimento social, de experiências de coletividade e projeto de vida não se constituem como referência-guia. Existe um abismo entre o presente e o futuro, no qual o passado deriva, o futuro é uma virtualidade/abstração e o presente é, ao mesmo tempo, hiper-performativizado (hiper-consumo, hiper-aceleração do tempo, hiper-atividade) e vivido de forma melancólica, em uma espécie de niilismo exacerbado, produzido como conseqüência das exigências desse modo de vida.

Da agonia social à agonística da ocupação da cidade

O projeto – nos seus primeiros 12 meses37 37 Competência 2004-2005. de duração – propiciou aos jovens a participação em 42 oficinas de trabalho envolvendo temas relacionados à vulnerabilidade ao HIV/AIDS. Essas oficinas buscaram desconstruir as práticas de normalização moldadas pela heteronormatividade e pela dominação masculina e demonstrar como estas se relacionam à violência urbana, à cultura, ao trabalho, à educação, à família, à saúde, ao Estado. Também compuseram a intervenção atividades que caracterizam a ocupação da cidade – como a produção e distribuição das três edições da revista do projeto chamada Babados & Bugigangas, as quais expressam as opiniões e vivências das/os jovens a partir das e sobre as atividades do projeto.

A produção da revista Babados & Bugigangas surgiu como uma estratégia de intervenção na ocupação da cidade, assumindo uma estética afinada ao design contemporâneo e recusando, assim, a "estética simplória" geralmente presente nas produções no campo da AIDS. A sua estética alinha-se ao público que acessa o projeto e que a produz, o qual é plástico, colorido, diverso e divertido.

A revista explorou conteúdos que valorizam a expressão da cultura local e do grupo, mas de forma ampla, tratando de explicitar a diversidade das formas de expressão da sexualidade e do gênero e ainda das condições de acesso aos suportes sociais e bens culturais da cidade. Explorou, ainda, a autoria em textos, imagens e problematizações. A primeira edição da revista traz, além de textos escritos pelos participantes, a invenção da capa e da contracapa da revista, produzidas durante as atividades do projeto. Independentemente de apenas uma participação no projeto, todas e todos sempre tiveram, pela metodologia de trabalho, a possibilidade de produzir e estarem presentes na ação, como bem o retratou uma montagem de palavras e imagens na contracapa da segunda edição, convocando a que se "Veja o mundo com outros olhos. Sexo não é documento. Chance para a vida amor. Sexo é vida! Injeção de auto-estima. Isto é segurança máxima. Sexy, Livre. Valor. Pode me chamar de gay. Venha para a parada livre 2005".38 38 NUANCES, 2005, p. 15.

A partir de estratégias como a revista e os debates em torno de temáticas escolhidas pelas/os jovens, os efeitos do modo 'indivíduo' de subjetivação, hegemônico na sociedade contemporânea, encontraram algumas condições de reversibilidade na experiência do grupo. Como relatamos anteriormente, os espaços acessados para a divulgação do projeto em um primeiro momento foram escolhidos por se constituírem em locais de visibilidade para a juventude não heterossexual, os quais se caracterizam principalmente por uma sociabilidade que se estrutura pelo consumo.

Hoje, refletindo a respeito do contraste entre o grupo que aderiu ao projeto e as/os jovens que freqüentam os espaços comerciais, percebemos que esses "gay-guetos" são inundados por uma marca individualizante e de pertencimento à 'comunidade', cujo acesso é referendado pelas possibilidades de consumo de bens gays e do consumo de si no modo narcísico, tal como afirmado por Daoust.39 39 DAOUST, 2005. A convocatória para uma ação coletiva de reflexão e ação "Saindo do armário e entrando em cena" com um caráter nitidamente político, possivelmente, criou um constrangimento para o recorte das juventudes que se constrói no modelo de experimentação homoerótica restrito ao plano privado e fruto de uma captura identitária caracterizada pelo "consumo de si".

Podemos, a partir dessa reflexão, utilizar como ferramenta de análise a noção de corpo abjeto utilizada por Butler, pois o grupo que freqüentou o projeto se encontra no negativo da norma:

[...] o 'abjeto' designa aquilo que foi expelido do corpo, descartado, tornado literalmente "Outro". Parece uma expulsão de elementos estranhos, mas é precisamente através dessa expulsão que o estranho se estabelece. A construção do 'não eu' como abjeto estabelece as fronteiras do corpo, que são também os primeiros contornos do sujeito.40 40 BUTLER, 2003, p. 190-191.

Essa posição de abjeto situa o lugar da maioria das/os jovens do projeto (pobres, não brancos, "escandalosas/os", habitantes da rua, moradores de periferia e ou em situação de tutela do Estado). Marcados/as pela vulnerabilidade social, as/os jovens se construíram no avesso da norma, tanto do ponto de vista da heteronormatividade como da homonormatividade, esta última marcada muito nitidamente pelo acesso aos fetiches das grifes e pela possibilidade de ocupação da cidade dada pelo consumo no lucrativo "mercado pink".

Essa ordem da "abjeção" expressa-se na fala de Linda, jovem travesti de 16 anos participante do projeto, durante uma das entrevistas: "eu tô pronta a qualquer tipo de exposição..." Ou seja, o que foi expulso da constituição do lugar permitido para as balizas da experimentação da sexualidade – tudo que ela não pode ser para existir na lógica da homonormatividade. Para Judith Butler,41 41 BUTLER, 2003. "a operação da repulsa pode consolidar 'identidades' baseadas na instituição do 'Outro', ou de um conjunto de Outros, por meio da exclusão e da dominação".42 42 BUTLER, 2003, p. 191.

Tal caracterização do grupo nos permitiu pensar sobre as formas de regulação dadas a partir das próprias expressões de homonormatividade, ao levarmos em consideração os espaços "consumidores" de experimentação gays e lésbicos. A visibilidade (na perspectiva da tolerância) "normalizada" e direcionada para a/pela construção de um "mercado pink" constrói um ideal identitário Gay e Lesbian Chic e referenda expressões e estilos de vida exclusivos das juventudes de classe média e média alta.43 43 NARDI e POCAHY, 2005.

Assim, a intervenção constituiu-se como um espaço de reflexividade ética e de promoção da ocupação da cidade de forma agonística para uma população que vive no avesso de dois dispositivos de normalização, ou seja, da hetero e da homonormatividade na sua íntima relação com a desigualdade econômica. A ação buscou transformar as condições de vulnerabilidade, possibilitando o deslocamento de uma posição abjeta para a de cidadão de direitos, pela via da reflexão e da ampliação das redes de sociabilidade.

Na direção da análise da inter-relação entre desigualdade econômica e homonormatividade, um movimento de reflexão importante para a construção da revista foi o debate em torno das referências às juventudes homossexuais na mídia comercial. Ali, encontramos um referente único e regulatório da experimentação da sexualidade, marcado por condutas sociais "comportadas" de sujeitos de "sucesso", "dóceis", "limpinhos", brancos e intelectualizados,44 44 David HALPERIN, 2001. diferentes das personagens ditas mais "afetadas", que, quando aparecem, são ridicularizadas. Portanto, na grande mídia, não há espaço para o reconhecimento do outro não branco45 45 O negro quando emerge situa-se exclusivamente no campo da mercadorização do desejo. e não rico; este reconhecimento se dá somente na forma de hierarquização das vidas (ou seja, aquelas consideradas como menos ou mais humanas), ou seja, o não branco aparece quando enriquece, quando adentra o espaço da cultura (tornando-se mais humano) ou quando ilustra a página policial (assumindo uma forma menos humana).

Embora, segundo Butler,46 46 BUTLER, 2000. a nomeação seja ao mesmo tempo referente de estabelecimento de uma fronteira e também a reinstalação repetida de uma norma, o convite à mobilização política nos conduziu à possibilidade de circulação das posições sobre o discurso do "sexo", incluindo uma problematização das figuras de identidade gays, lésbicas, travestis, transexuais como possibilidades heterogêneas, pois, como nos diz Michel Foucault,

[...] ser gay não é identificar-se com os traços psicológicos e com as máscaras visíveis do homossexual, mas procurar definir e desenvolver um modo de vida. Um modo de vida pode ser compartilhado entre indivíduos de idade, status, atividade social diferentes. Pode favorecer relações intensas, que não se parecem com nenhuma daquelas que são institucionalizadas, e parece-me que um modo de vida pode produzir uma cultura e uma ética.47 47 Apud ERIBON, 1990, p. 167.

Na direção apontada por Foucault, e em oposição à lógica das capturas identitárias, o grupo se constitui pela diversidade de expressões de sexualidade e de gênero, em uma composição heterogênea entre a diversidade étnica, de classe social e de estilos de vida. Segundo Lúcia, 16 anos, que se auto-identifica como heterossexual, quando questionada por outros jovens sobre sua participação em um projeto dirigido para homossexuais, diz: "eu acho estranho, porque sempre fazem essa pergunta. Aí eu digo, ué, porque eu gosto de caminhar com esse povo, gosto de entrar pela caminhada da igualdade para todos".

Derivas do público e direitos humanos

O grupo encontrou sua referência física em uma sala ampla, confortável e bela no Mercado Público48 48 Nesse sentido, saímos da lógica do mercado "pink" para o mercado "público" explorando a potência do termo no sentido do confronto de idéias e de construção democrática. de Porto Alegre, aos sábados, desde 16 de outubro de 2004. O espaço é tradicional na cidade e tem circulação intensa. Acreditamos que a noção de público adquire aqui uma característica próxima da perspectiva agonística, pois seus vários espaços fazem conviver/disputar as diversas populações da cidade.

Como estratégia de ocupação da cidade, além da realização das oficinas,49 49 Decididas coletivamente, as atividades consistem na seguinte sistematização, que já passa por processo de (re)avaliação: a) um encontro por mês com convidados, para tratar de temas emergentes no grupo, como acesso à Justiça e os direitos humanos de jovens e adolescentes; redução de danos – drogas; HIV/AIDS e o acesso à saúde pública; redução de danos – a construção do corpo por travestis e transexuais; arte e performance drag queen; experiências de projetos dirigidas a jovens homossexuais no Brasil; b) uma atividade a cada mês para a exibição de cinema ou vídeo-documentário, seguida de debate. Já foram exibidos, entre outros, Madame satã, Delicada atração, Delicada relação, Assunto de meninas, Party monsters, Borboletas da vida (ABIA) e Juliu's Bar (UFRJ – Consuelo Lins); c) um encontro por mês para realização de oficinas de arte, como uma oficina de introdução à ilustração em quadrinhos; e d) uma atividade no mês realizada fora do espaço habitual do projeto: visitas a museus, teatros e outros espaços culturais. produzimos atividades festivas desde o lançamento do projeto. Essas atividades assumiram um significado muito importante para o grupo, sendo intensamente esperadas e também planejadas pelos jovens. Acreditamos que desse modo consolidou-se a possibilidade de ampliar o espaço de reflexão e ação, lançando mão de outras expressões de política. Segundo Jurandir Freire Costa,50 50 COSTA, 1992. a experiência de calor, alegria, receptividade, de viver a visibilidade, trazem às formas de participação e luta política um caráter de novidade, no sentido de subverter o conhecimento daquilo com que estamos familiarizados.

Aqui, no jogo do grupo e no exercício da alteridade, acreditamos na irrupção do brincar, do lúdico, podendo isso funcionar como uma estratégia política reinventada. Como aponta Carmen Silveira de Oliveira, o brincar surge "como uma sensibilidade que permite a criação de um arranjo novo [...] certa inocência, uma quase inutilidade (pelo menos do ponto de vista do mercado de bens, valores e idéias) [...] a gratuidade da arte sem mercado, território da frouxidão da vontade e da falta de presença".51 51 OLIVEIRA, 1997, p. 253.

Um exemplo forte dos efeitos do projeto na reversibilidade de posição no auto-reconhecimento dos direitos de cidadania dos participantes pode ser observado na fala de Linda, que vive em situação de tutela do Estado. Sua participação começou no início do ano de 2005, de forma tímida. No entanto, como ela mesma explica, embora vindo com roupas de menino, já se apresentou com seu nome "de mulher". Linda não falta a um encontro e faz parte hoje também do Consórcio Social da Juventude, através de uma parceria da organização Fundação Solidariedade com a organização proponente do Projeto Gurizada – "Saindo do armário e entrando em cena". Ela tem participado efetivamente das atividades do grupo e enfrentado situações bastante difíceis, como a violência institucional no abrigo onde vive. Tomando como um suporte a ONG/o projeto, assim como outras organizações como a Igualdade Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul e o Grupo de Apoio e Prevenção da AIDS – GAPA/RS (as quais acessa eventualmente nos projetos dirigidos a travestis e transexuais) – nas possibilidades de amparo e ampliação da liberdade –, Linda, depois de ter sido humilhada por um vendedor ambulante, no centro da cidade, recorreu à ação policial para defesa de seus direitos. Conjuntamente com outra participante do projeto, foram a uma delegacia para registrar a ocorrência; depois disso, acompanhadas pelos policiais da delegacia, foram até o local onde houve a violência e indiciaram o autor.

No relato abaixo, ao nos depararmos com a trajetória de Linda, encontramos as múltiplas faces do Estado. Este pode, por meio de seus equipamentos, agenciar a normalização, assim como despotencializar seus efeitos pela via de ações financiadas – como essa ação em análise – que buscam a garantia da igualdade de direitos:

antes de eu ir no projeto era aqui, só eu dentro do complexo, porque eu não tinha atividade nenhuma além da escola. [...] Daí eu descobri o projeto pelo jornal [jornal do nuances] e depois que eu comecei a ir... [...] Sabe, tipo assim, quando eu era discriminada, eu ficava quieta, ou chorava, ou ia para um canto, depois que eu comecei eu comecei a dizer não, bater boca, comecei a dizer o que eu era e que ninguém tinha a ver com isto, pronto. E isso começou a me ajudar um monte, sabe. Até na escola me ajudou, sabe. Porque eu não... eu matava aula, né, bi.52 52 Forma carinhosa de se dirigir ao entrevistador. Trata-se do diminutivo da expressão "bicha", comumente utilizada em contextos homossexuais como forma de tratamento. Agora tô indo pra escola. Eu matava aula. Eu não suportava ver... chegava a hora de grupo... uma relação em grupo eu não tinha, comecei a ter... relação em grupo ali no Projeto Gurizada. Porque nem na escola – na escola, pediam pra fazer trabalho em grupo, eu ficava com medo: ai, ninguém vai me escolher, ninguém vai me chamar para o grupo, ai que vergonha, aquela coisa assim de ficar afastada, de pedir para fazer o trabalho sozinha, porque se sentia mal com todo mundo te olhando. E ali no grupo não. Não sei se foi pelo fato de eu já conhecer algumas pessoas, mas eu já conhecia uma ou duas pessoas, dali. Eu simplesmente cheguei, eu lembro que no primeiro dia, no primeiro fim de semana, ainda fui meio quieta, mas já falei meu nome de amapoa,53 53 Expressão que faz referência ao nome "de mulher". né. E sabe, foi bem legal... porque eu já cheguei, já me enturmei. Me lembro que na outra semana a gente já fez, já escolheu os dias da semana... daí já para um grupo que era o Junior, a Simone, eu. Sabe, foi bem legal. Eu já me enturmei com todo mundo. Eu via que aquelas pessoas, elas estavam sendo que nem eu, não estavam me olhando com diferença, não estavam... me incriminando.

No entanto, as experiências nem sempre se mostram "exitosas". Encontramos, no testemunho abaixo, outra atuação do Estado na sua melhor performance de exercício do biopoder à luz dos saberes "psi" que legitimam o controle da vida em uma perspectiva normalizadora. Tainá, outra jovem "trans"54 54 "Trans" se refere ao estado de "trânsito" no que diz respeito às definições normativas de gênero. que vivia no mesmo abrigo com Linda, tentou suicídio. A situação de Tainá é bastante dolorosa. Nosso primeiro encontro foi no sábado anterior ao lançamento da primeira edição da revista do projeto. No seguinte, estava lá, pronta para se produzir e construir sua performance (show). Junto estava uma técnica do abrigo, que elas costumam chamar de "tia". No encontro da outra semana, Tainá já não podia nos acompanhar no trabalho de grupo. A interdição veio por força das técnicas do local onde vive. Segundo as psicólogas da instituição, ela estaria em situação de sofrimento psíquico e teriam de trabalhar para a sua "maturação", para que então pudesse participar do grupo. A equipe da ONG/projeto suspeitou dos argumentos e foi ao abrigo para avaliar a situação. Sob a justificativa psicológica estava a marca da homofobia: Tainá não poderia participar desse projeto, pois isso a confundiria, disseram. Fomos novamente ao encontro da equipe, visitando também a equipe da clínica psiquiátrica que lhe presta atendimento em saúde mental. Lá, sob nova argumentação de sofrimento psíquico, evidenciava-se a conduta heteronormativa das profissionais da área psi: a jovem, em uma espécie de acordo entre as partes, depois de algum tempo poderia participar do projeto, mas antes se "veria a questão" da inclusão no trabalho assim como a permanência na escola. Segundo as especialistas "psi", a possibilidade de um surto psicótico ocorria exclusivamente no espaço do projeto, uma vez que a jovem era estimulada a participar de outras ações, que realmente seriam importantes – trabalho e escola – segundo as "psi – cães de guarda"55 55 Suely ROLNIK, 1994. . Também sob o argumento de sintomas específicos (associados a um quadro de anorexia) apresentados por Tainá, justificavam uma espécie de confronto da jovem em relação às instituições – como se ela estivesse "atuando" e confrontando as técnicas – e que isso se referia à quebra dos contratos/acordos estabelecidos, os quais não teriam nenhuma relação com a interdição de sua construção de gênero.

A fala de um monitor do local expressa o desconforto institucional com o processo de construção de gênero de Tainá. A primeira abordagem do monitor diante da tentativa de suicídio questionava se Tainá teria desejado amputar seu pênis.56 56 Em face dessas violações dos direitos dos jovens, encaminhamos representações de denúncia junto ao Conselho Regional de Psicologia e ao Conselho Regional de Serviço, bem como à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Fizemos o mesmo procedimento em relação a Linda, que passou por várias situações de constrangimento na mesma instituição. Aqui, vemos a agonia de uma jovem que encontra "proteção especial" do Estado em um campo onde a compreensão do gênero ainda persiste amalgamada ao corpogênerosexualidade, na qual "o deslocamento da origem política e discursiva da identidade de gênero para um 'núcleo' psicológico impede a análise da constituição política do sujeito marcado pelo gênero e pelas noções fabricadas sobre a interioridade inefável de seu sexo ou sua verdadeira identidade".57 57 BUTLER, 2003, p. 195.

Protagonizando novas cenas

Atualmente o grupo vem discutindo a continuidade do projeto, em face do encerramento do financiamento público, tendo em vista o cumprimento do prazo de execução. Mesmo considerando as vicissitudes derivadas da não-continuidade de financiamento ou mesmo da lacuna entre um repasse e outro, o grupo conseguiu estabelecer ações de continuidade que independem da cooperação. Hoje, as/os jovens se vêem mobilizadas/os para a formulação de estratégias para continuarem se reunindo, bem como se organizam para o intercâmbio internacional entre jovens homossexuais.

Para nós, da equipe, não há dúvidas da necessidade de ações para a afirmação dos direitos sexuais como direitos humanos, ações que "perturbem" o estabelecido em relação às experimentações da sexualidade, sobretudo com a possibilidade de, em uma ação dirigida ao enfrentamento de "uma epidemia que ainda tem na sexualidade um de seus maiores lócus de investimento, romper com a lógica aprisionante do binarismo do sexo e denunciar sua não naturalidade fundamental".58 58 BUTLER, 2005, p. 214.

Ainda, e como condição sem a qual não podemos prosseguir, como já nos havia advertido Vera Paiva, buscamos desenvolver "programas em que eles se sintam confortáveis e respeitados [...] importante não só para que eles tenham acesso à informação, mas para que suas opiniões minoritárias estejam representadas nas soluções aceitáveis em cada grupo".59 59 PAIVA, 2000, p. 296-297.

Tendo em vista essas considerações e as particularidades desse grupo, sistematizamos um processo de avaliação observando, junto com os jovens que acessam o projeto, que a sua continuidade ampliará as suas participações, incluindo a execução de algumas ações institucionais.60 60 No mês de julho, os jovens participantes do projeto estiveram presentes em duas oficinas dirigidas a jovens, uma junto às novas Jovens Multiplicadoras de Cidadania, um grupo de aproximadamente 30 meninas, da ONG Themis, e durante a Semana da Escola Municipal Mário Quintana, no Bairro Restinga, junto a 20 jovens do ensino fundamental e médio. Também acompanharam a participação do nuances durante a Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, do município de Sapucaia do Sul, na Grande Porto Alegre. Esse posicionamento, além ampliar a ação, constitui-se também como estratégia de enfrentamento às parcas condições de acesso ao mundo do trabalho por parte de alguns jovens e de expansão do nível de escolarização daqueles que se evadiram do sistema formal de educação.

Também consideramos importante apontar os limites das políticas públicas em razão da desarticulação entre Secretarias de Estado em face da problemática do gênero e da sexualidade. Percebemos que o Estado é campo de conflito, no qual esforços técnicos e financeiros são direcionados para ações contrárias, por vezes normalizantes e estigmatizantes e por outras possibilitando ações para a ampliação da liberdade.

Os resultados dessa ação/grupo apontam, ainda, para alguns dos limites e das possibilidades de intervenção junto ao público juvenil, no que se refere ao acesso e à produção da cultura e diversidade sexual na promoção e no entendimento ampliado dos direitos humanos, em sua transversalidade com a saúde.

"Sair do armário e entrar em cena" constituiu agentes, grupo e jovens, da transformação social e do compromisso com a vida, não no sentido de sua administração, mas da ampliação da liberdade com a qual se joga o seu jogo. Como nos provoca Foucault,

[...] lá onde está o poder está a resistência [...] uma multiplicidade de pontos de resistência [...] disseminados com maior ou menor densidade no tempo e no espaço [...] E é sem dúvida na codificação estratégica destes pontos de resistência que se torna possível uma revolução.61 61 FOUCAUL, 1976, p. 125-127.

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Recebido em agosto de 2005 e aceito para publicação em setembro de 2006

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  • 1
    O projeto em estudo foi financiado pela cooperação da UNESCO com o Ministério da Saúde (Programa Nacional de DST/AIDS) e a Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e teve vigência, nesses termos, entre julho de 2004 e julho de 2005. A pesquisa foi realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS.
  • 2
    O nuances grupo pela livre expressão sexual atua desde 1991, na promoção e defesa dos direitos sociais, políticos e civis relacionados à livre expressão das sexualidades, sobretudo em face das violações dirigidas a pessoas que se identificam como gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais.
  • 3
    Michel FOUCAULT, 1976.
  • 4
    Judith BUTLER, 2005.
  • 5
    Henrique NARDI e Fernando POCAHY, 2005.
  • 6
    Como em Simone MONTEIRO, 2002; Simone MONTEIRO e Fátima CECCHETTO, 2006; Vera PAIVA, 2000; e Maria Luiza HEILBORN e Cristiane CABRAL, 2006.
  • 7
    RIOS, 2004; e RIOS et al., 2002.
  • 8
    A partir de um recente levantamento (2006) realizado pela equipe de comunicação do site
    www.mixbrasil.com.br, foram indicados seis projetos, incluindo o realizado pelo nuances. No Paraná o grupo Dignidade desenvolve, em parceria com o Centro de Convivência Menina Mulher (CCMM), ações junto a adolescentes de ambos os sexos que convivem com o HIV/AIDS. Em Minas, o Movimento Gay de Minas Gerais (MGM) realizou o projeto "Grupo de Adolescentes Gays" (GAG), dirigido a jovens homossexuais e bissexuais com idade entre 14 e 24 anos, mas que, segundo informações de Paco Listo, do MIX Brasil, o grupo encontra-se desarticulado "por falta de lideranças". Em São Paulo, o Jovens Adolescentes Homossexuais (JAH) e o "Tenho Orgulho e Me Cuido" são dirigidos a jovens e adolescentes Homens que Fazem Sexo com Homens (HSH) e HSH soropositivos, ambos realizados pela Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT). Ainda, no elenco das ações das maiores organizações do movimento homossexual no Brasil, há o projeto "Crescer", do Movimento Estruturação de Brasília, e o "Se Ligue", projeto que vem sendo realizado pelo Grupo Gay da Bahia. Fonte:
  • 9
    VERDIER, 2005.
  • 10
    RIOS, 2004, p. 18.
  • 11
    FOUCAULT, 1995.
  • 12
    BUTLER, 2005.
  • 13
    BUTLER, 2005.
  • 14
    Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros.
  • 15
    BORILLO, 2000; e ERIBON, 1999 e 2005.
  • 16
    BUTLER, 2005.
  • 17
    BORILLO, 2000.
  • 18
    BORILLO, 2000.
  • 19
    BORILLO, 2000.
  • 20
    FOUCAULT, 2004a.
  • 21
    FOUCAULT, 2004b, p. 193.
  • 22
    FOUCAULT, 2004e.
  • 23
    NARDI e SILVA, 2005, p. 93.
  • 24
    NARDI e SILVA, 2005.
  • 25
    FOUCAULT, 2004a.
  • 26
    FOUCAULT, 2004a, p. 249.
  • 27
    Regina BARROS, 1996.
  • 28
    FOUCAULT, 2004d.
  • 29
    FOUCAULT, 2004c, p. 237-238.
  • 30
    Marisa ROCHA e Kátia AGUIAR, 2003.
  • 31
    PAIVA, 2000.
  • 32
    UNESCO, 2002.
  • 33
    PAIVA, 2000.
  • 34
    PAIVA, 2000, p. 298-299.
  • 35
    DAOUST, 2005.
  • 36
    DAOUST, 2005.
  • 37
    Competência 2004-2005.
  • 38
    NUANCES, 2005, p. 15.
  • 39
    DAOUST, 2005.
  • 40
    BUTLER, 2003, p. 190-191.
  • 41
    BUTLER, 2003.
  • 42
    BUTLER, 2003, p. 191.
  • 43
    NARDI e POCAHY, 2005.
  • 44
    David HALPERIN, 2001.
  • 45
    O negro quando emerge situa-se exclusivamente no campo da mercadorização do desejo.
  • 46
    BUTLER, 2000.
  • 47
    Apud ERIBON, 1990, p. 167.
  • 48
    Nesse sentido, saímos da lógica do mercado "pink" para o mercado "público" explorando a potência do termo no sentido do confronto de idéias e de construção democrática.
  • 49
    Decididas coletivamente, as atividades consistem na seguinte sistematização, que já passa por processo de (re)avaliação: a) um encontro por mês com convidados, para tratar de temas emergentes no grupo, como acesso à Justiça e os direitos humanos de jovens e adolescentes; redução de danos – drogas; HIV/AIDS e o acesso à saúde pública; redução de danos – a construção do corpo por travestis e transexuais; arte e performance
    drag queen; experiências de projetos dirigidas a jovens homossexuais no Brasil; b) uma atividade a cada mês para a exibição de cinema ou vídeo-documentário, seguida de debate. Já foram exibidos, entre outros,
    Madame satã,
    Delicada atração,
    Delicada relação,
    Assunto de meninas,
    Party monsters,
    Borboletas da vida (ABIA) e
    Juliu's Bar (UFRJ – Consuelo Lins); c) um encontro por mês para realização de oficinas de arte, como uma oficina de introdução à ilustração em quadrinhos; e d) uma atividade no mês realizada fora do espaço habitual do projeto: visitas a museus, teatros e outros espaços culturais.
  • 50
    COSTA, 1992.
  • 51
    OLIVEIRA, 1997, p. 253.
  • 52
    Forma carinhosa de se dirigir ao entrevistador. Trata-se do diminutivo da expressão "bicha", comumente utilizada em contextos homossexuais como forma de tratamento.
  • 53
    Expressão que faz referência ao nome "de mulher".
  • 54
    "Trans" se refere ao estado de "trânsito" no que diz respeito às definições normativas de gênero.
  • 55
    Suely ROLNIK, 1994.
  • 56
    Em face dessas violações dos direitos dos jovens, encaminhamos representações de denúncia junto ao Conselho Regional de Psicologia e ao Conselho Regional de Serviço, bem como à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Fizemos o mesmo procedimento em relação a Linda, que passou por várias situações de constrangimento na mesma instituição.
  • 57
    BUTLER, 2003, p. 195.
  • 58
    BUTLER, 2005, p. 214.
  • 59
    PAIVA, 2000, p. 296-297.
  • 60
    No mês de julho, os jovens participantes do projeto estiveram presentes em duas oficinas dirigidas a jovens, uma junto às novas Jovens Multiplicadoras de Cidadania, um grupo de aproximadamente 30 meninas, da ONG Themis, e durante a Semana da Escola Municipal Mário Quintana, no Bairro Restinga, junto a 20 jovens do ensino fundamental e médio. Também acompanharam a participação do nuances durante a Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, do município de Sapucaia do Sul, na Grande Porto Alegre.
  • 61
    FOUCAUL, 1976, p. 125-127.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      Set 2006
    • Recebido
      Nov 2005
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