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Mulheres migrantes no passado e no presente: gênero, redes sociais e migração internacional

Migrating women in the past and in the present: gender, social networks and international migration

Resumos

Este artigo pretende analisar a inserção das mulheres nos fluxos migratórios do passado e do presente, procurando demonstrar que a migração não é resultado apenas de uma escolha racional, mas também de estratégias familiares nas quais homens e mulheres estão inseridos, contribuindo para rearranjos das relações familiares e de gênero. Para tanto, discute como a participação das mulheres foi analisada nos fluxos migratórios e aborda o recente movimento de brasileiros para o exterior, descrevendo as trajetórias de homens e mulheres. O trabalho de campo, tal como a vida desses migrantes, dividiu-se entre dois lugares: a cidade de Criciúma (SC), no Brasil, e a região de Boston, nos Estados Unidos. Os dados coletados a partir das entrevistas e da observação participante têm revelado que as mulheres participam efetivamente desse processo, integrando e articulando redes de migração. Os dados também sugerem que a migração provoca rearranjos familiares e de gênero ao longo do processo.

emigrantes brasileiros; gênero; migração internacional; redes familiares


This paper intends to demonstrate that migratory process results not only from individual choices, but also from social networks (family, kingship, friendship), in which men and women are inserted. The work discusses data from fieldwork in Criciúma (SC) and the Boston area, in United States. The data emerged from the interviews and participant observation show that women not only wait for their husbands or children, but also participate in the process, integrating and articulating migration networks. The data also highlighted the changes in the family and gender relationships, suggesting that the migratory process rearticulate these relationships. This study therefore evidences that other factors, along with the ones of economic nature, contribute for the decision of migrating and make the history of this flow.

Brazilian Emigrants; Gender; International Migration; Family-Networks


SEÇÃO TEMÁTICA GÊNERO E MIGRAÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Mulheres migrantes no passado e no presente: gênero, redes sociais e migração internacional

Migrating women in the past and in the present: gender, social networks and international migration

Gláucia de Oliveira Assis

Universidade do Estado de Santa Catarina

RESUMO

Este artigo pretende analisar a inserção das mulheres nos fluxos migratórios do passado e do presente, procurando demonstrar que a migração não é resultado apenas de uma escolha racional, mas também de estratégias familiares nas quais homens e mulheres estão inseridos, contribuindo para rearranjos das relações familiares e de gênero. Para tanto, discute como a participação das mulheres foi analisada nos fluxos migratórios e aborda o recente movimento de brasileiros para o exterior, descrevendo as trajetórias de homens e mulheres. O trabalho de campo, tal como a vida desses migrantes, dividiu-se entre dois lugares: a cidade de Criciúma (SC), no Brasil, e a região de Boston, nos Estados Unidos. Os dados coletados a partir das entrevistas e da observação participante têm revelado que as mulheres participam efetivamente desse processo, integrando e articulando redes de migração. Os dados também sugerem que a migração provoca rearranjos familiares e de gênero ao longo do processo.

Palavras-chave: emigrantes brasileiros; gênero; migração internacional; redes familiares.

ABSTRACT

This paper intends to demonstrate that migratory process results not only from individual choices, but also from social networks (family, kingship, friendship), in which men and women are inserted. The work discusses data from fieldwork in Criciúma (SC) and the Boston area, in United States. The data emerged from the interviews and participant observation show that women not only wait for their husbands or children, but also participate in the process, integrating and articulating migration networks. The data also highlighted the changes in the family and gender relationships, suggesting that the migratory process rearticulate these relationships. This study therefore evidences that other factors, along with the ones of economic nature, contribute for the decision of migrating and make the history of this flow.

Key Words: Brazilian Emigrants; Gender; International Migration; Family-Networks.

Introdução

No final do século XX e início do século XXI, as imagens e notícias de imigrantes sendo 'barrados' em aeroportos, navegando à deriva em balsas precárias, atravessando a fronteira do México e enfrentando os perigos do deserto evidenciam que a circulação de trabalhadores no mundo globalizado é bem mais controlada e dramática do que a circulação de dinheiro, bens ou mesmo negociantes e turistas. No mundo globalizado, os migrantes não considerados livres para circular são tratados como ameaça, como questão de segurança nacional. As imagens retratam homens, mulheres e crianças que tentam cruzar fronteiras cada vez mais vigiadas, em travessias arriscadas, configurando um drama humano e político cuja face dramática revela a busca de uma vida melhor em outro lugar.

O aumento dos deslocamentos populacionais que ocorreram a partir da década de 1950 é caracterizado por uma maior diversidade étnica, de classe e de gênero, assim como pelas múltiplas relações que os imigrantes estabelecem entre a sociedade de destino e a de origem dos fluxos. Dessa forma, não são apenas os europeus brancos partindo da Europa para "Fazer a América" (cerca de 90% dos fluxos do século XIX), mas também trabalhadores imigrantes não-brancos partindo dos países periféricos e dirigindo-se para os Estados Unidos, Canadá e países da Europa.

O aumento da participação das mulheres nos fluxos migratórios internacionais é outra característica que tem colocado questões significativas para as teorias sobre migrações. Segundo Mirjana Morokvasic,1 1 MOROKVASIC, 1984. a incorporação de mulheres imigrantes à força de trabalho nos países industrializados tem sido vista no contexto de crise econômica mundial, contexto esse marcado por uma progressiva desindustrialização e por um mercado de trabalho sexualmente segregado. Em geral, essas mulheres inserem-se no setor de serviços domésticos e utilizam-se de redes sociais informais, os chamadas enclaves étnicos de imigrantes, trabalhando como donas-de-casa ou empregadas domésticas.

Floya Anthias,2 2 ANTHIAS, 2000. ao analisar as migrações que ocorreram para o sudoeste da Europa no final do século XX, destaca que não se trata de reconhecer a importância proporcional das mulheres ou sua contribuição econômica e social, mas sim considerar o papel dos processos, do discurso, bem como as identidades de gênero, no processo de migração e estabelecimento na sociedade de destino. No caso da emigração de brasileiros para os Estados Unidos, podemos observar nos primeiros estudos3 3 Maxime MARGOLIS, 1994; Gláucia de Oliveira ASSIS, 1995; Teresa SALES, 1999b. que, assim como nos estudos clássicos de migração, a questão de gênero não era problematizada. Ao longo da década de 1990, o fluxo de brasileiros para os Estados Unidos manteve-se contínuo, ao mesmo tempo que se diversificava a população, tornando mais complexas as características da população e revelando outros pontos de partida para a emigração.

Pesquisas recentes procuram compreender essa nova configuração ao demonstrar diferenças na inserção no mercado de trabalho: enquanto as mulheres concentram-se, como outras imigrantes latinas, na área do serviço doméstico,4 4 Ana Cristina MARTES, 2000; Soraya FLEISCHER, 2002; ASSIS, 2004. os homens dirigem-se para o setor da construção civil e de restaurantes. Além de analisar essa inserção, os estudos começam a problematizar as mudanças nas relações familiares e de gênero.5 5 Sylvia DEBIAGGI, 2002 e 2003; Wilson FUSCO, 2002; ASSIS, 1999 e 2004. Portanto, o fluxo brasileiro é constituído por uma diversidade étnica, de classe e de gênero que o termo "migrante brasileiro" muitas vezes encobriu.

A maior visibilidade das mulheres nas migrações internacionais recentes contribuiu para problematizar as visões cristalizadas sobre a inserção de homens e mulheres migrantes nesse processo. Neste artigo,6 6 Este artigo é uma versão do trabalho apresentado no Seminário Internacional Fazendo Gênero 6: Saberes Globais/Fazeres Locais, Saberes Locais/Fazeres Globais, em agosto de 2004. o gênero é analisado como um princípio classificatório que atravessa o movimento migratório e que, juntamente com outras categorias como "classe", "geração" e "etnia", configura as oportunidades de mulheres e homens migrantes. Partindo dessa perspectiva, analiso o recente fluxo de brasileiros para o exterior, verificando como se rearticulam as relações familiares e de gênero nesse processo.

Percorrendo a trajetória dos emigrantes: o trabalho de campo

As pesquisas sobre os emigrantes brasileiros, em geral, concentram-se na sociedade de destino nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão. As análises sobre pontos de partida no Brasil, em particular, concentram-se na cidade de Governador Valadares (MG), dado o significativo fluxo de emigrantes dessa região. Assim, a pesquisa realizada em Criciúma, contemplando a cidade de origem e as cidades de destino nos Estados Unidos, contribui para revelar a construção de novas conexões transnacionais.

A cidade de Criciúma, localizada no sul do estado de Santa Catarina, a partir de meados da década de 1990 tornou-se ponto de partida de um amplo movimento migratório. Na cidade, com 170.322 mil habitantes (Censo 2000), iniciou-se um processo de conexão com a região de Boston e com outras cidades na Europa, em que os criciumenses constroem redes de relações ao articular contextos locais a situações globais. Essas redes não são neutras segundo as relações de gênero " esta é uma outra contribuição deste trabalho.

A pesquisa de campo seguiu a trajetória dos emigrantes, sendo realizada entre os dois lugares: em Criciúma (SC) e na região de Boston (EUA). O campo foi multissituado, o que tornou os deslocamentos constantes, na tentativa de acompanhar as redes construídas pelos migrantes em sua vida cotidiana nos Estados Unidos. O trabalho de campo, realizado entre março e agosto de 2001, em Criciúma, e entre dezembro de 2001 e março de 2002, na região de Boston, combinou pesquisa etnográfica e um survey7 7 O projeto de pesquisa foi coordenado pela professora Teresa Sales e obteve o financiamento da FAPESP (Teresa SALES, Wilson FUSCO, Gláucia ASSIS e Elisa SASAKI, 2002). na cidade de Criciúma. A pesquisa aí realizada envolveu entrevistas em profundidade com aqueles/as que permaneceram na cidade e que me indicaram parentes e amigos com os quais me encontrei na região de Boston para acompanhar sua vida cotidiana, o trabalho, o lazer, os projetos de retorno, em um total de 45 entrevistas. Para a finalidade deste artigo, apresentarei uma combinação da análise de algumas trajetórias de migração articuladas com os dados do survey que demonstram como se configuram as redes sociais entre os emigrantes brasileiros.

A invisibilidade das mulheres nos estudos de imigração: acompanhando pais, maridos e filhos ou fazendo parte do processo?8 8 Este tópico é uma versão modificada do capítulo 2 de minha tese de doutorado (ASSIS, 2004).

O Museu de Ellis Island9 9 Do século xix até metade dos anos 1950, Ellis Island foi o lugar no qual funcionava o Departamento de Imigração Norte-Americano e para onde se dirigia a maioria dos 35 milhões de migrantes que aportavam nos Estados Unidos. Quando chegavam, os imigrantes eram entrevistados, examinados e, se aprovados, liberados para entrar nos Estados Unidos. O lugar ficou fechado e abandonado durante vários anos; porém, depois de uma grande reforma, transformou-se em Museu da Imigração. pode ser considerado um ponto de partida para começarmos a perceber como homens e mulheres migrantes foram representados no processo migratório para os Estados Unidos e, de modo mais geral, como as mulheres são representadas nas migrações internacionais. As várias fotos que reconstroem a passagem de milhões de migrantes pelo serviço de imigração nos Estados Unidos evidenciam quais eram as expectativas do Serviço de Imigração sobre os migrantes. Nas fotos que se encontram no Museu e que representam a chegada dos homens, há uma legenda com a seguinte a pergunta: "Você tem trabalho?". Já nas fotos em que aparecem mulheres e crianças, consta na legenda explicativa a pergunta? "Você é casada?". Essas imagens revelam diferentes expectativas e representações em relação aos migrantes que também são recorrentes nas teorias sobre migrações internacionais. Enquanto os homens são representados como aqueles que vinham em busca de trabalho, as mulheres não foram inicialmente representadas como trabalhadores imigrantes, e sim como aquelas que acompanhavam maridos e filhos. Dessa forma, nunca eram percebidas como sujeitos no processo migratório.

No caso das mulheres imigrantes que chegaram a Nova York, no final do século XIX e início do século XX, Nancy Foner10 10 FONER, 2000. relata as experiências das jovens imigrantes italianas e judias. Segundo a autora, a despeito da importância do trabalho das mulheres para a família, os salários obtidos não se traduziam em uma maior independência financeira ou controle familiar, pois o rendimento das filhas era percebido como parte de um fundo familiar. O relato de Foner demonstra que a migração nunca foi neutra com relação ao gênero. Nesse mesmo sentido, Patricia Pessar11 11 PESSAR, 1999. observa que, até recentemente, o termo "migrante" era carregado por uma conotação masculina, criando uma concepção de que o migrante verdadeiro é "do sexo masculino".

Mas por que as experiências dessas mulheres não foram incorporadas nos estudos de migração? Uma das explicações para o englobamento das mulheres na categoria "migrante" era que os homens representavam a maioria nos fluxos internacionais e, mesmo quando havia predominância de mulheres (como no caso dos irlandeses para os Estados Unidos no século XIX), essas não tiveram suas experiências tratadas como objeto de análise. Para Marion F. Houstoun, Roger Kramer e Joan Barrett,12 12 Marion F. HOUSTOUN, Roger KRAMER e Joan BARRETT, 1984. tal perspectiva de caracterização da migração contribuiu para que não se evidenciasse um dado significativo: a predominância das mulheres nos fluxos internacionais legais para os Estados Unidos desde 1930. Segundo os autores, de 1857 até 1922, os homens dominaram os fluxos para os Estados Unidos; porém, no período de 1930 a 1979, as mulheres representaram 55% de todos os imigrantes para o país e passaram os homens em mais de um milhão.

A explicação para o aumento significativo das mulheres está relacionada às mudanças na política migratória norte-americana.13 13 Uma análise detalhada da política migratória norte-americana ao longo do século XX encontra-se em Rossana Rocha REIS, 2003. Segundo a autora, apesar da ideologia dos Estados Unidos como terra de oportunidades para os imigrantes, mesmo no período de maior migração para os Estados Unidos – entre o final do século XIX e início de século XX – a política americana de imigração estabelecia uma série de leis restritivas aos imigrantes, sendo selecionados por critérios religiosos e raciais aqueles considerados desejáveis, razão pela qual, até meados do século XX, a maioria dos imigrantes era de origem européia. Nesse sentido, ao mesmo tempo que os americanos se diziam abertos a todos os homens (grifos meus) dispostos a adotar a religião civil americana, ganhava destaque a idéia de que os Estados Unidos eram um país de anglo-saxões, o que conduziu a um fechamento progressivo das fronteiras e ao estabelecimento de cotas para imigrantes, principalmente em relação às raças consideradas indesejáveis (asiáticos e outros imigrantes não-brancos). Reis ressalta ainda que, se até meados do século XX a discussão sobre a imigração girava em torno do eixo nativismo/religião civil, a partir do final do século XX, em um movimento que só tende a se acentuar depois dos atentados do dia 11 de setembro de 2001, o eixo principal da política de imigração parece ser direitos humanos/segurança nacional (REIS, 2003, p. 43). A partir de 1920 até 1952, foi eliminada a discriminação por sexo nos direitos de residentes reunirem-se com as esposas estrangeiras, o que favoreceu a admissão de mulheres por dispensar esposas de cidadãos americanos de numerosas restrições e por conferir status de residência permanente para elas.14 14 HOUSTOUN, KRAMER e BARRETT, 1984, p. 952. Os tradicionais papéis sexuais também contribuíram para determinar os níveis e os padrões da migração. As imigrantes, uma vez estabelecidas, mantiveram relações com a sociedade de origem e teceram conexões com a sociedade de destino, construindo redes de migração que estimularam novas migrações.

Os dados demonstraram não apenas a presença feminina nos fluxos do início do século (particularmente significativa no caso dos Estados Unidos), mas também o crescimento da participação nas migrações internacionais na segunda metade do século XX, apontando para um fator crucial a fim de entendermos essa invisibilidade: a perspectiva teórica – presente nos estudos de imigração até o início dos anos 1970 – era 'cega' em relação às diferenças de gênero, raça e etnia.

Portanto, até o início dos anos 1970, conforme destacam Patricia Pessar e Sylvia Chant e Sarah Radcliffe,15 15 PESSAR, 1999, p. 54; e CHANT e RADCLIFFE, 1992, p. 19. as mulheres não se encontravam presentes nas análises empíricas e nos escritos produzidos porque muitos teóricos estavam influenciados pelas teorias neoclássicas de migração.16 16 SASAKI e ASSIS, 2000, analisando as teorias de migração, demonstram que, segundo os neoclássicos, o migrante calcula o custo e o benefício da experiência migratória, e é isso que influencia e determina a sua decisão, sendo a migração entendida aqui como simples somatória de indivíduos que se movem em função do diferencial de renda. O modelo neoclássico definia o sucesso do migrante por fatores como educação, experiência de trabalho, domínio da língua da sociedade hospedeira, tempo de permanência no destino e outros elementos do capital humano. Havia um pressuposto de que os homens eram mais aptos a correr riscos, enquanto as mulheres eram as guardiãs da comunidade e da estabilidade. Essa imagem, favorecida pela teoria push-pull,colocava a migração como resultado de um cálculo racional e individual e relegava as mulheres a um lugar secundário, sem reconhecer o seu trabalho como imigrantes, conforme já foi relatado.

O aumento da participação feminina, a partir de 1970, ocorre em um contexto de crescimento das migrações internacionais a partir da segunda metade do século XX. Os migrantes contemporâneos, diferentemente de seus antecessores, contam com um sistema de comunicações e transporte mais barato e eficiente, o que diminuiu as distâncias e tornou mais freqüentes os contatos entre a sociedade de origem e a sociedade de destino.

Como seriam as mulheres de diferentes origens nacionais nos fluxos contemporâneos? As mulheres imigrantes hoje não seriam simplesmente cópias das imigrantes do passado em uma vestimenta moderna. Elas chegam com diferentes capitais humanos - muitas delas com melhor nível educacional e maior qualificação que as mulheres que chegaram no final do século XIX e início do século XX. As imigrantes contemporâneas beneficiam-se da expansão das oportunidades educacionais e de emprego, além de uma legislação liberalizante no que se refere ao divórcio e às discriminações de gênero. Embora essas diferenças sejam significativas, haveria mais similaridades que diferenças entre a vida dessas mulheres migrantes de diferentes origens nacionais.

O que há de ponto em comum é que, tal como as mulheres que chegaram há cem anos, as imigrantes contemporâneas encontram um mercado segmentado por gênero e, apesar de uma melhor escolarização e qualificação, ainda se dirigem para certas ocupações tradicionalmente femininas, fazendo, por exemplo, com que uma área como o emprego doméstico, que havia diminuído nos Estados Unidos e na Europa, volte a crescer no final do século XX. Um outro dado importante a ser relevado é que essa inserção não é diferenciada apenas por gênero, mas também por origem nacional. Ao analisar as representações sobre mulheres imigrantes recentes para a Europa, Anthyas17 17 ANTHYAS, 2000. evidencia como elas são categorizadas diferentemente, segundo padrões raciais e origem nacional. Algumas seriam patologizadas como vítimas (como as mulheres do Sri Lanka), outras seriam desejadas por sua suposta submissão (como as mulheres das Filipinas), outras seriam desejadas por sua beleza considerada dentro do padrão ocidental (como as mulheres do Leste Europeu).

No caso das mulheres imigrantes brasileiras nos Estados Unidos, também podemos observar essas categorizações. Às representações de sensualidade e beleza da mulata, que na Europa muitas vezes se relacionam à imagem da prostituição e da discriminação, agrega-se a imagem de mulher carinhosa, de boa esposa e mãe, o que confere uma certa vantagem às mulheres no mercado matrimonial em comparação aos homens. Esses estereótipos produzem representações diferenciadas sobre a mulher brasileira nos Estados Unidos.

Com relação às motivações para a migração, um outro conjunto de fatores de ordem não econômica parece ter impacto na seletividade da migração e é mencionado mais por mulheres do que por homens. Podem ser citados como fatores não econômicos: a transgressão dos limites sexuais impostos pela sociedade, os problemas conjugais e a violência física, a impossibilidade de divórcio, os casamentos infelizes e desfeitos, a discriminação contra grupos femininos específicos e a ausência de oportunidades para as mulheres. Conforme Morokvasic,18 18 MOROKVASIC, 1984. esses estudos apontaram para o fato de que as mulheres migram não apenas por razões econômicas, mas também por rompimento com sociedades discriminatórias, nas quais estariam em posição subordinada.

Portanto, nos fluxos contemporâneos, as mulheres tendem a migrar sozinhas ou como primeiras em suas famílias, sendo pioneiras em encontrar trabalho nos Estados Unidos, quebrando a imagem daquelas que esperam, ou que seguiriam os passos dos homens.

Os dados apresentados não pretendem fazer uma cumulação entre as categorias "sexo" e "gênero", porém demonstrar a importância da inserção das mulheres nos fluxos migratórios contemporâneos e a necessidade de se lançar um olhar para as migrações que não apenas ressalte a sua participação, mas que contemple a perspectiva de gênero. Desde o momento da partida, a escolha de quem vai migrar, os motivos da migração, a permanência ou o retorno ocorre articulado em uma rede de relações que envolvem gênero, parentesco e geração. Partindo dessa perspectiva, as teorias de imigração são questionadas a lançar um outro olhar sobre os povos em movimento.

À medida que os estudos de imigração incorporaram a perspectiva de gênero, emergiram as experiências de homens e mulheres. Sylvia Yanagizako19 19 YANAGIZAKO, 1977. demonstrou como as mulheres da primeira e da segunda geração de imigrantes japonesas, centradas em suas redes de parentesco, criaram novas formas culturais e símbolos no contexto de migração.

As relações de gênero e as redes sociais tecidas no processo migratório

As teorias de redes sociais constituem uma das abordagens alternativas aos extremos da teoria neoclássica e do determinismo estrutural.20 20 PESSAR, 1999; Monica BOYD, 1989. Enquanto as transformações macroestruturais são compreendidas como desencadeadoras das pressões migratórias, as famílias e as redes sociais respondem a tais pressões e determinam quais membros dos domicílios e das comunidades realmente migram. Nesse contexto, a migração, articulada pelas redes sociais, também vai deixando de ser vista apenas como decisão racional de um indivíduo para ser encarada como uma estratégia de grupos familiares, de amizade ou de vizinhança em que as mulheres inserem-se ativamente.

Segundo Douglas Massey, Rafael Alarcon, Jorge Durand e Humberto Gonzalez,21 21 Massey, ALARCON, DURAND e GONZALEZ, 1987, p.139-140. as redes migratórias consistem em laços sociais que ligam as comunidades remetentes aos pontos específicos de destino nas sociedades receptoras. Esses laços unem migrantes e não-migrantes em uma rede complexa de papéis sociais complementares e relações interpessoais que são mantidas por um conjunto informal de expectativas mútuas e comportamentos prescritos. As relações em rede mais importantes são as baseadas em parentesco, amizade e origem comum, as quais são reforçadas por uma interação regular em associações voluntárias. No entanto, ao considerar as redes construídas apenas entre os homens, o estudo de Massey et al. não observou como as redes sociais eram informadas por atributos de gênero e de parentesco.

Por isso, segundo Charles Tilly,22 22 TILLY, 1990. a nova onda de migração não pode ser explicada apenas pelos fatores de atração e repulsão que fazem as pessoas migrarem devido aos diferenciais de oferta de trabalho. No caso das migrações de longa distância, quanto mais estabelecidas encontram-se as redes, maiores chances tem o migrante no local de destino. Dessa forma, as redes sociais tornam-se um recurso precioso, pois constituem o capital social23 23 Segundo Alejandro PORTES, 1995, o conceito de capital socal refere-se à habilidade do indivíduo de mobilizar recursos escassos em virtude de seu pertencimento na rede ou nas estruturas sociais mais amplas. Os recursos adquiridos por meio do capital social sempre implicam uma expectativa de reciprocidade. que auxilia pessoas com poucos recursos, pouca experiência profissional e baixo nível de escolaridade na migração de longa distância.24 24 PORTES, 1995; PESSAR, 1999.

Se, por um lado, a compreensão do processo migratório a partir do enfoque nas redes sociais aponta para a importância das relações de solidariedade que os migrantes constroem entre a sociedade de origem e de destino, o que os auxilia nos primeiros momentos da vida em um novo lugar, por outro lado revela que tais redes são também fonte de ambigüidade e conflito.25 25 TILLY, 1990; Pierette HONDAGNEU-SOTELO, 1994; Jacqueline HAGAN, 1998; PESSAR, 1999. Em decorrência disso, muitas vezes os migrantes recém-chegados são explorados por seus conterrâneos; assim, tais relações seriam a base não só para a solidariedade e a ajuda mútua, mas também para a divisão e o conflito étnico.26 26 TILLY, 1990.

Mary Garcia Castro,27 27 CASTRO, 1989. ao analisar a literatura sobre mulheres latino-americanas e caribenhas, ressaltou que os estudos de redes de parentesco demonstram como as mulheres são hábeis na criação de redes de apoio mútuo que orientam a alocação dos migrantes e sua integração no mercado de trabalho. A experiência de mulheres destaca-se não apenas porque vivem experiências migratórias de forma própria, mas também porque são influentes agentes no estímulo a outras migrações.

É nesse sentido que Patricia Pessar,28 28 PESSAR, 1999. ao cotejar os vários estudos que têm como foco as redes sociais, critica o fato de os autores não perceberem que o acesso dos indivíduos às redes sociais, e as trocas que nelas ocorrem, são direitos e responsabilidades informados pelo gênero e pelas normas de parentesco.

No caso das mulheres mexicanas, Pierrete Hondagneu-Sotelo29 29 HONDAGNEU-SOTELO, 1994. evidenciou como as redes das quais estas dispõem para migrar são diferentes das redes com as quais contam os homens, uma vez que elas tentam escapar da vigilância e do controle característicos das redes familiares tradicionais. Também apontando diferenças no uso das redes, Min Zhou e John Logan30 30 ZHOU e LOGAN, 1989. demonstram que as mulheres chinesas, por sua vez, quando trabalham para seus conterrâneos, recebem menos do que os homens em função da supremacia masculina na cultura chinesa.

Assim como os/as migrantes mexicanos/as, chineses/as, salvadorenhos/as ou de outros grupos étnicos, os/as emigrantes brasileiros/as nos Estados Unidos farão uso das redes de acordo com as normas de parentesco e de gênero estabelecidas em cada grupo. Para compreender como as redes sociais configuram-se, articulam-se e modificam-se perpassadas pelos atributos de gênero e parentesco, apresento os dados da pesquisa de campo realizada na cidade de origem Criciúma (SC) e nas cidades de destino na região de Boston nos Estados Unidos.

"Ritornando a terra dei noni" ou partindo para "fazer a América?" Os novos emigrantes criciumenses

No final do século XIX, a região que hoje compreende a cidade de Criciúma, localizada no sul do estado de Santa Catarina e distante de Florianópolis 190 Km (via BR 101), tornou-se local de encontro de diferentes etnias de imigrantes que ali se instalaram como aspiração do governo ao projeto nacional de colonização das terras do interior com mão-de-obra européia e não mais escrava e ao branqueamento da população do país.

A cidade de Criciúma, ao longo destes 120 anos, foi reconstruindo os significados para os imigrantes e a migração. No entanto, é a partir de meados dos anos 1980 que se intensifica o movimento de revalorização das várias etnias que formam a cidade, particularmente da etnia italiana. Nas décadas de 1980 e 1990, através de convênios com algumas regiões da Itália, os descendentes dos imigrantes realizam um movimento de busca pela cidadania européia e, por isso, vários deles partem para a Itália a fim de reencontrar seus parentes, tal como os italianos vêm conhecer "um pedacinho" da Itália no Brasil. A dupla cidadania abre o mercado de trabalho para os descendentes dos imigrantes na comunidade européia. Esse "retorno" à terra dos nonos e nonas pode ser considerado o início do movimento migratório de Criciúma.

Os descendentes migravam para trabalhar temporariamente em cidades italianas e iniciaram assim o caminho inverso,31 31 O trabalho de Adiles SAVOLDI, 1999, faz uma análise interessante sobre esse processo de migração de "retorno" às origens itailianas. já que os descendentes criciumenses estariam voltando para a terra de seus bisavôs.32 32 SAVOLDI, 1999. Esses trabalhadores temporários são reconhecidos pelos consulados italianos e, pelo fato de possuírem o passaporte italiano, podem trabalhar legalmente na Itália ou em outros países europeus. Nesse encontro de culturas, os emigrantes temporários surpreendem-se quando chegam à Itália e são reconhecidos como brasileiros/estrangeiros. Por isso, os criciumenses, quando chegaram à Itália para trabalhar e perceberam "certo preconceito", descobrem que afinal não estavam voltando para a terra de seus avós, e sim chegando como trabalhadores migrantes.

A partir dos anos 1990, o fluxo diversifica-se, e os criciumenses passaram a utilizar a dupla cidadania para emigrar para os Estados Unidos. Entretanto, a emigração para esse país tem características distintas, uma vez que, diferentemente da migração para a Itália, os migrantes não partem para os Estados Unidos com uma documentação que lhes permita trabalhar, tornando-se, assim, imigrantes indocumentados no país de destino.

O duplo direcionamento de emigração instigou-me a pensar nas representações construídas em torno do desejo de ir para os Estados Unidos ou para a Itália. Ao longo da pesquisa, constatei que o projeto de emigrar envolvia dois imaginários: um primeiro estaria ligado ao passado, com os emigrantes tentando refazer a trajetória de seus tataravôs voltando para a Itália, percorrendo o caminho inverso; um segundo estaria ligado ao presente e ao sonho de milhares de brasileiros que partem para os Estados Unidos, desde meados dos anos 1980, para "fazer a América". Na cidade, esses dois imaginários estão presentes e contribuem para construir um imaginário positivo para os novos emigrantes criciumenses.

O caminho que grande parte dos migrantes, portanto, não é de "retornar" à terra dos seus, mas "fazer a América", mobilizando, muitas vezes, as lembranças e memórias dos imigrantes que vieram para o Brasil na virada do século XIX. Como relata Anita Baily33 33 Como se trata de uma migração indocumentada, para preservar a identidade das entrevistadas, todos os nomes que aparecem nas entrevistas são fictícios. (47 anos, descendente de imigrantes italianos, quatro anos nos Estados Unidos),

A maioria dos imigrantes que estão aqui tem alguma coisa disso com eles [nonos] [...] Hoje nós estamos aqui [Estados Unidos] como imigrantes da mesma forma quando eles estavam lá [Brasil]. É diferente, porque aqui é um país de Primeiro Mundo, nós viemos para a cidade, eles foram para o mato, para a colônia. Nós deixamos o Terceiro Mundo para vir para o Primeiro. Mas isso não muda o fato de sermos imigrantes.

O relato de Anita e de outros descendentes nos Estados Unidos revelam como o passado migratório é acionado pelos migrantes, o que demonstra uma conexão com o presente. Embora atribuam um significado ao fato de migrarem para o chamado "Primeiro Mundo", fica evidente no relato a percepção da condição de trabalhador migrante. A dupla cidadania torna-se uma estratégia de migração para os criciumeneses e ressalta a ligação com os imigrantes do passado, valorizando a migração no presente como um recurso, uma possibilidade de batalhar por uma vida melhor. É assim que Anita, depois da separação de um casamento de mais de 20 anos, decidiu migrar para se encontrar com a filha que já se encontrava nos Estados Unidos.

Anita decidiu emigrar no final da década de 1990, momento em que há um crescimento significativo da migração de criciumenses para a região de Boston. Antes dela, porém, outros homens e mulheres começaram a trilhar o caminho rumo aos Estados Unidos ou à Europa, construindo em Criciúma, assim como em Governador Valadares na década de 1980, uma nova conexão.

A conexão entre Criciúma e Boston: a configuração das redes sociais

Os criciumenses partiram rumo à Europa e aos Estados Unidos em meados da década de 1970, mas é no início dos anos 1990 que esse fluxo torna-se significativo tanto para aqueles que partiram quanto para aqueles que ficaram na cidade, criando-se, assim, um campo de relações transnacionais que começa a ser observado no cotidiano da cidade. É interessante observar que homens e mulheres emigram em momentos diferentes e em proporções diferentes, o que revela um processo atravessado por atributos de gênero e parentesco, como observaremos a seguir.

Os dados demonstram que, quando se analisa a distribuição por sexo, há um predomínio na migração de homens, que constituem 63% do total de migrantes criciumenses, enquanto as mulheres representam 37% desse total. No entanto, embora a maioria dos migrantes seja constituída por homens, as mulheres estão concentradas na faixa de 20 a 29 anos, enquanto os homens concentram-se na faixa dos 20 a 34 anos, o que sugere que a média de idade dos migrantes homens é maior que das migrantes mulheres. Essa distribuição por idade também é importante para pensar as posições de ambos ao longo do processo migratório, uma vez que as mulheres migram mais expressivamente na segunda metade dos anos 1990.

Nesse sentido, o movimento de emigrantes de Criciúma mantém um padrão semelhante a outros movimentos migratórios internacionais, nos quais há predomínio dos homens no início do movimento. Foi na virada dos anos 1990 que o movimento esporádico de criciumenses passou a apresentar um fluxo mais contínuo. O aumento do número de primeira viagem ao exterior ocorre nos anos de 1993 (com 4,9%) e 1994 (com 6,0%) do total das viagens, como podemos observar no Gráfico 1.


Esses dados foram os primeiros indicativos de que a migração esporádica estava tornando-se um movimento contínuo. Ao analisarmos o período de 1998 a 2000, percebemos que 48,4% do total de migrantes realizaram sua primeira viagem nessa época, com a seguinte distribuição: 12,5% em 1998, 17,2% em 1999 e 18,7% em 2000. Esse período corresponde exatamente ao que é conhecido na cidade como a "crise do setor carbonífero". Essa crise significou o aumento de desemprego na cidade, sendo apontada pelos próprios emigrantes e por autoridades locais como um dos fatores que colocam a migração internacional como uma alternativa para seus moradores.

Assim, diferentemente dos emigrantes de Governador Valadares, que realizaram 40,8% das primeiras viagens no período de 1987 a 1989,34 34 FUSCO, 2002. poderíamos dizer que o "triênio da desilusão",35 35 SALES, 1999a, denominou "triênio da desilusão" o período - entre os anos de 1987 e 1989 - quando milhares de brasileiros deixaram o país decepcionados tanto com a política econômica quanto com a situação política. na região de Criciúma, ocorreu dez anos depois. Por outro lado, podemos também atribuir esse crescimento ao amadurecimento das redes sociais, nas quais homens e mulheres migrantes estão inseridos em diferentes contextos.

Para a maioria dos criciumenses, o país de destino na primeira viagem são os Estados Unidos, para onde se dirigem 59,9% dos homens e 58,9% das mulheres que buscam o sonho de "fazer a América", conforme observamos na Gráfico 2. Para a Itália, migram 11,3% do total de homens e 18,3% do total de mulheres, seguindo-se Portugal, com 11,9% para os homens e 9,4% para as mulheres.


Com relação à Europa, as mulheres migram proporcionalmente em maior número para a Itália do que os homens - são 18,1% do total de mulheres contra 11,7% do total de homens. Tal diferença pode ser explicada pelo tipo de trabalho oferecido especificamente para as mulheres descendentes de italianos, muito procuradas para serviços de cuidado de idosos e de pessoas doentes ou para atuarem como babás. Atuando como cuidadoras, essas mulheres se inserem no que tem sido denominado rede internacional de cuidados. As mulheres brasileiras são consideradas mais carinhosas e atenciosas que outras migrantes e, no caso das que têm a vantagem da ascendência italiana, isso de certa forma abre mais o mercado de trabalho, não apenas para os serviços de cuidados e serviços domésticos, mas também para a temporada em sorveterias no verão. É o que demonstra o anúncio publicado no Jornal da Manhã,36 36 Jornal da Manhã, Criciúma, 20.4.2000, Geral. intitulado "Chances de trabalho para descendentes na Europa", que solicita mulheres de 18 a 28 anos para trabalhar em uma sorveteria italiana na Alemanha.

O anúncio terminava salientando que "é inútil telefonar quem não possuir passaporte italiano legalizado". Através dele, podemos perceber duas importantes características desses novos fluxos migratórios: a possibilidade da migração legalizada para a Itália e uma seletividade por sexo e idade, uma vez que o anúncio dirige-se especificamente às mulheres entre 18 e 28 anos. No entanto, mesmo com o mercado de trabalho disponível para as mulheres, a grande maioria delas acaba dirigindo-se para os Estados Unidos, assim como os homens.

Outro dado interessante sobre a primeira viagem é que ela pode indicar algumas estratégias para ir para os Estados Unidos. Quando consideramos aqueles que fizeram a primeira viagem para o México, observamos que são 6,4% do total dos homens e apenas 1,0% do total das mulheres. "Passar pelo México" é o caminho escolhido por aqueles que não conseguem o visto de turista para entrar nos Estados Unidos e recorrem, por isso, à estratégia de atravessar a fronteira pagando a um "coiote"37 37 Os "coiotes" são em geral mexicanos que cobram um bom dinheiro para levar imigrantes clandestinamente do México para os Estados Unidos, através da fronteira. Durante o trabalho de campo em Criciúma e na região de Boston, ouvi vários relatos de imigrantes sobre a perigosa travessia, incluindo a passagem de mulheres e crianças. O relato mais surpreendente que ouvi foi de um taxista, em Criciúma, cujo genro foi para os Estados Unidos pelo México. O genro arrumou trabalho e dinheiro para voltar ao Brasil e buscar a mulher e os dois filhos pequenos, e "de quebra" levou também o cunhado que resolveu ir junto. Os cinco atravessaram a fronteira do México, numa segunda viagem. Segundo dados da Embaixada Americana, o índice de brasileiros flagrados tentando passar ilegalmente para os Estados Unidos cresceu 787%, passando de 350 prisões em 1992 para 3.105 prisões em 2001 ( Folha de São Paulo, 24.3.2002, p. 8-9, Caderno Cotidiano). para passar. Essa é uma empreitada que envolve muito risco, motivo pelo qual os migrantes só recorrem a ela em último caso, pois, além de cara, é muito perigosa. A passagem pela fronteira do México é um evento que marca as trajetórias de homens e mulheres migrantes. No entanto, é considerada uma travessia mais arriscada para as mulheres, uma vez que, além dos riscos inerentes da travessia no deserto o calor, as cobras, a polícia da fronteira , as mulheres enfrentam o risco de rapto e estupro por parte dos coiotes, sendo por isso uma travessia menos utilizada por mulheres. No caso dos homens, em geral, o relato da travessia enfatiza a coragem e a aventura, e as mulheres, quando conseguem, fazem questão de enfatizar que sua travessia foi segura e que não sofreram nada, que foram respeitadas pelos coiotes, ou seja, "correu tudo direitinho", como dizem. A primeira viagem pelo México revela, portanto, o custo do sonho americano, pois milhares de brasileiros/as foram presos na fronteira nos últimos anos e deportados de volta ao Brasil e outros/as morreram tentando a travessia.

Tal seletividade do lugar de destino pode ser explicada não apenas pelo diferencial de renda que o dólar oferece aos emigrantes, mas também por encontrarem maiores oportunidades de trabalho e moradia, sugerindo que as redes sociais estão mais consolidadas nos Estados Unidos, o que atenuaria os riscos do empreendimento migratório. Além disso, sendo grande parte do movimento de trabalhadores migrantes indocumentados,38 38 O termo "indocumentado" refere-se ao fato de que os migrantes não possuem os documentos que os autorizariam a trabalhar em um país estrangeiro. Na literatura sobre imigração, tem-se utilizado esse termo, considerando que os imigrantes não são ilegais; apenas não dispõem dos documentos que regularizam seu status migratório. Os grupos de direitos civis que atuam junto aos imigrantes também o empregam por considerarem que é menos discriminatório, por defenderem politicamente essa denominação sob o slogan "nenhum ser humano é ilegal" e por consideraram que os migrantes têm o direito de circular no mundo globalizado, assim como circulam turistas, homens de negócios e mercadorias. eles partem para regiões onde possam conseguir trabalhar com mais facilidade. Por isso, embora uma parcela dos emigrantes seja descendente dos imigrantes italianos e tenha aparentemente maiores oportunidades de trabalhar na Europa, os criciumenses escolhem migrar para os Estados Unidos. Isso revela que a escolha do país de destino não tem relação direta com a origem étnica dos migrantes, já que 44% dos entrevistados declararam ter origem italiana.

Portanto, em vez de percorrerem o caminho inverso, aqueles que se dirigem aos Estados Unidos retomam o sonho de seus nonos de "fazer a América", continuando o projeto de seus antepassados. Um outro aspecto destacado pelos migrantes é que o fato de muitos deles possuírem a pele e os olhos claros e se considerarem mais brancos faz com que não se "pareçam brasileiros", de acordo com o estereótipo que os norte-americanos têm do país (nesse caso, referem-se aos estereótipos de brasileiros mulatos e mestiços), podendo passar por americanos, ao menos enquanto não precisam falar a língua nativa (o inglês). Essa aparência é considerada, por alguns migrantes criciumenses, uma vantagem étnica em relação àqueles que vêm de outras regiões do Brasil, como os mineiros, por exemplo, tornando-se uma tentativa de negociar sua identidade e escapar do preconceito e da discriminação.

As redes de parentesco, amizade e origem comum dos migrantes criciumenses

Quando partem para "fazer a América", a maioria dos migrantes criciumenses viaja acompanhada de parentes, o que representa 58,5% do total dos imigrantes contra 41,5% daqueles que declararam viajar sozinhos. No entanto, analisando os dados segundo o sexo, veremos que os homens viajam mais sozinhos (42,7%) do que as mulheres (39,3%). Isso significa que, em 60,7% dos casos, as mulheres viajaram com parentes contra 57,3% dos homens.

Como outros migrantes internacionais, os criciumenses partem para os Estados Unidos apoiados em redes sociais. A ajuda pode ocorrer ainda no país de origem, por meio de empréstimos dos familiares, ou com as avós e tias assumindo o encargo de cuidar dos filhos que permaneceram no Brasil, ou já no país de destino para conseguir o primeiro emprego e arranjar um lugar para ficar nos primeiros tempos. Além de contar com a ajuda de amigos, parentes e conterrâneos, os criciumenses migram para lugares onde já exista um fluxo estabelecido de brasileiros, como a região de Boston.

Os relatos a seguir revelam como os migrantes criciumenses foram construindo projetos econômicos familiares e afetivos de "fazer a América" e a importância das redes sociais na realização desses projetos. Evidenciam também que homens e mulheres situam-se muitas vezes distintivamente em relação ao projeto migratório. Após chegarem ao destino, uma das dificuldades enfrentadas pelos migrantes é conseguir moradia e arranjar emprego. Os primeiros tempos são difíceis e ter acesso ao apoio que as redes sociais podem acionar é fundamental para os recém-chegados. Assim, é muito comum ouvir entre os imigrantes que "deram um help" ou que "receberam um help" nos primeiros tempos.

É o caso de Letícia (30 anos), que emigrou em 1995, num momento de ruptura em sua vida. Na época da migração, Letícia era viúva e estava com o filho pequeno (10 anos) para criar. O irmão, que já vivia nos Estados Unidos e sempre a havia convidado para emigrar, foi quem a acolheu. O dinheiro da viagem veio de parte de suas economias e parte do empréstimo do pai. Embora o irmão já a tivesse convidado para ir outras vezes, ela só conseguiu fazê-lo quando perdeu o marido numa experiência dolorosa – estavam separados há apenas quatro meses quando ele se suicidou. Assim relata: "queria superar os traumas, queria mudar de vida e dar estudo para o meu filho, queria fazer algo que me desse orgulho de mim, entende?".

A trajetória de Letícia revela também uma combinação dos papéis de gênero com a posição que os/as filhos/as ocupam nas relações familiares. Na família de Letícia Cruz, embora o irmão mais velho tenha um papel importante em receber os irmãos, dando o help aos recém-chegados, as relações interfamiliares e a migração dos demais membros ocorreram com a ajuda de Letícia. Ela partiu do Brasil apenas com o filho e, ao longo de sete anos, ajudou de diferentes maneiras os demais membros de sua família de origem a migrar: sua mãe, sua irmã, seu irmão, sua cunhada e seus sobrinhos, todos se encontram atualmente nos Estados Unidos. Nesse sentido, atua como uma articuladora de redes familiares de migração. Letícia, assim como outras mulheres imigrantes, se dirigiu para a faxina doméstica. É uma informação segmentada por gênero, pois, enquanto a maioria das mulheres entrevistadas trabalhava como housecleanner39 39 A faxina doméstica constitui-se num nicho de mercado das emigrantes brasileiras nos Estados Unidos. Segundo Ana Cristina Braga MARTES, 2000, "os imigrantes brasileiros apropriaram-se do ramo da faxina de maneira a gerar vantagens sobre outros grupos migrantes". No entanto, conforme observam FLEISHER, 2002, e ASSIS, 2004, é interessante observar que não são os migrantes brasileiros que "dominam a faxina", mas as mulheres migrantes que fazem da faxina um "negócio". As mulheres que migram para os Estados Unidos têm na faxina um trabalho que pode lhes garantir a realização do projeto de "fazer a América". ", os homens concentram-se na construção civil e nos restaurantes. Quando eles trabalham na faxina, é sob o comando de uma mulher. É interessante observar que as mulheres brasileiras, conforme observado por Martes, Assis e Fleischer,40 40 MARTES, 2000; ASSIS, 2004; e FLEISCHER, 2002. têm construído um nicho de trabalho étnico, atribuindo à faxina brasileira características distintivas em relação às outras mulheres, em geral imigrantes latinas. Segundo as entrevistadas, as patroas norte-americanas – que em geral não sabem cuidar da casa – consideram a faxineira brasileira mais limpa, mais rápida, mais caprichosa em relação ao trabalho das outras imigrantes. Além disso, elas sempre levam uma "coisinha" para as crianças (docinhos brasileiros) ou fazem um agrado para a patroa, o que faz com que a faxina brasileira seja reconhecida pelas norte-americanas.

No caso de Giovane e Celso, ambos solteiros, eles já partiram para os Estados Unidos sabendo não apenas para onde iriam, mas também que tipo de serviço fariam: entraram no ramo da construção civil. Giovane demonstra no seu relato como as informações circulam entre os dois países e que os emigrantes já partem sabendo o melhor local para trabalhar e qual o tipo de trabalho.

Eu pesquisei lá qual era a melhor coisa para se fazer aqui. Me disseram que era a pintura, até pintei uma casa do irmão dele [amigo que estava presente durante a realização da entrevista] no Brasil para mim ver se levava jeito. Eu me dei bem com o pincel. Eu já vim sabendo que ia trabalhar na pintura. Já sabia que ia ser duro, mas quando cheguei aqui era mais do que eu imaginava. Cheguei a trabalhar aqui 105 horas numa semana. Eu dormia às 3 horas da manhã porque tinha que fazer as coisas para mim. Por isso é que eu digo que aqui ninguém é solidário. Se eu moro com um rapaz, sei que ele chega tarde e vou fazer minha janta, preparo um pouco a mais para ele (Giovane, 26 anos, entrevista realizada em 2 de março de 2002).

O relato de Giovane evidencia que, mesmo contando com o apoio das redes, a experiência não é fácil e nem sempre as expectativas de reciprocidade são correspondidas, daí a sua queixa de que "aqui ninguém é solidário". Embora ele reclame da falta de solidariedade, ao mesmo tempo afirma que "dá um help" não só na moradia, mas também no emprego. Depois de trabalhar para brasileiros que o exploraram e para outros que não pagavam direito, com a ajuda de outros brasileiros estabelecidos há mais tempo nos Estados Unidos, arranjou um trabalho em que o patrão tratava-o melhor e, desde então, começou a levar seus amigos e conhecidos da região de Criciúma, ou chamar outros brasileiros que havia conhecido nos Estados Unidos. Esse breve relato demonstra que quem recebe um help deve retribuir a ajuda em outro momento, ou recebendo alguém, ou ajudando a arranjar trabalho, ou dando apoio emocional ou financeiro em momentos difíceis.

Essa ajuda é diferenciada para homens e mulheres; por exemplo, enquanto as mulheres contam mais com os parentes, os homens contam mais com os amigos, o que corrobora com a análise de Elisabeth Bott.41 41 BOTT, 1976. No entanto, matizando um pouco mais essas informações, percebemos que, embora predomine a ajuda dos amigos para os homens, os parentes também têm um importante papel no momento da chegada e de arranjar o emprego. Quando viajam para arriscar a vida no exterior, os homens estão acompanhados de pais, mães e irmãos, contando mais com seus laços consangüíneos, e as mulheres viajam acompanhadas dos esposos e do filho, seus laços de conjugalidade e depois dos parentes. No caso de ajuda para a hospedagem, novamente entre os homens predomina a ajuda dos parentes de sangue: os irmãos e os pais, seguidos de tios e primos. No caso das mulheres, há o predomínio dos laços de conjugalidade: a maioria das mulheres migra para se encontrar com seus cônjuges e o restante delas para se reunir com parentes consangüíneos.

Tais dados evidenciam que, quando migram, homens e mulheres utilizam-se das redes de parentes e amigos em diferentes momentos do processo migratório e não fazem isso necessariamente da mesma forma, o que sugere que as mulheres estariam mais ligadas aos laços conjugais e às redes de parentesco que os homens. Fusco42 42 FUSCO, 2002, p. 75. constata ainda a importância desses laços de parentesco para a migração em Governador Valadares. Em ambos os casos, há uma ampliação da rede de parentes que integra a migração de longa distância em relação ao estudo de Massey et al.,43 43 MASSEY et al., 1987. uma vez que esses autores analisaram apenas as redes de parentesco masculinas.

Esses relatos demonstram alguns contextos nos quais homens e mulheres migrantes vão tecendo suas redes entre Criciúma e os Estados Unidos, contribuindo para questionar Weber Soares.44 44 SOARES, 2003. Ao analisar as abordagens realizadas por Sales, Fusco, e Sasaki e Assis,45 45 SALES, 1999a; FUSCO, 2002; SASAKI e ASSIS, 2000. ele afirma que tais estudos seriam discursos que não passam de uma representação metafórica de redes sociais, pois haveria uma confusão entre redes sociais, redes pessoais e redes de migração. Embora seja importante matizar a quais delas nos referimos, os dados apresentados demonstram que as redes de migração, no caso brasileiro, são sustentadas principalmente por redes de parentesco, amizade e de origem comum, como demonstra o relato de Letícia e de outras emigrantes entrevistas, cujas trajetórias de migração reconstruí a partir das redes tecidas entre o Brasil e os Estados Unidos.

Portanto, ao longo das décadas de 1980 e 1990, múltiplas relações são tecidas entre as sociedades de destino e origem. Assim como tantos migrantes internacionais, os migrantes criciumenses conectam-se entre os dois lugares, possibilitando a circulação de pessoas, de informações de trabalho, de ideologias sobre a migração entre a sociedade de emigração e a sociedade de imigração um campo de relações transnacionais.

A configuração dessa rede de relações transnacionalizadas coloca homens e mulheres em contato com outras experiências de vivências de relações de gênero. Nesse ponto, é importante destacar que, embora a maioria das mulheres entrevistadas trabalhasse no Brasil e não tenha tido restrições ou dificuldades para emigrar, como ocorre com mulheres mexicanas analisadas, por exemplo, elas se sentem mais independentes nos Estados Unidos. Através de suas redes, elas parecem conseguir montar o próprio negócio " "o negócio da faxina" " e conquistar uma autonomia que inclui o carro e a escolha relativa a com quem morar. Isso é o que demonstra a fala de Marcela, 40 anos, emigrante brasileira que estava há 14 anos nos Estados Unidos na época da entrevista:

Eu acho que as mulheres aqui se sentem mais seguras, independentes, aqui tem trabalho, você tem oportunidade. Você pode ir a qualquer lugar, qualquer shopping que eles não querem saber se você é housecleaner ou o quê. Por esse motivo, a gente tem mais liberdade que no Brasil. No Brasil, mulher de 40 anos tem que ser amante, aqui a gente namora cara de 20 ou 30 anos, mesmo tendo 40 anos. A gente se sente livre para ir a qualquer lugar sem preconceito. As mulheres brasileiras aqui fazem sucesso. Como a gente está com a bola toda, algumas extrapolam, a gente vai para o clube dançar e solta a franga (Entrevista realizada em janeiro de 2002).

O relato de Marcela é muito interessante, pois revela uma representação das feminilidades brasileiras que ouvi outras vezes de mulheres imigrantes. Ao dizer que as mulheres brasileiras fazem sucesso, referia-se ao fato de serem consideradas mais femininas e carinhosas em comparação com as mulheres americanas.

Ao longo do trabalho de campo, e através dos relatos dos imigrantes, pude observar diferentes representações sobre os relacionamentos afetivos que cruzavam gênero, nacionalidade e raça. Dentre as migrantes que entrevistei, das mulheres que migraram solteiras, duas casaram-se com americanos e uma delas estava namorando um americano há um ano e meio (em 2003, eles se casaram).

Os homens brasileiros, por sua vez, relatavam não gostar das norte-americanas, porque as consideram "menos femininas". Descrevem sua feminilidade de maneira negativa, ressaltando que não se vestiam direito, que mantinham relacionamentos sexuais com eles e depois nem ligavam de volta, ou seja, que queriam apenas sexo. Por outro lado, muitas vezes acusavam as mulheres brasileiras de se casarem com norte-americanos apenas para conseguir o green card. Quando encontrei brasileiro casado com estrangeiras, em geral, eram imigrantes portuguesas ou latinas, mas não fiz um levantamento sistemático, observando apenas os grupos com os quais me relacionei ao longo do trabalho de campo.

Ao realizar a pesquisa de campo em Governador Valadares (1993), entrevistei um senhor chamado Antonio Lopes, que na época tinha 45 anos e que vivia, desde o final da década de 1960, nos Estados Unidos. Antonio relatou-me emocionado que havia se casado com uma americana, mas que o casamento não havia dado certo devido a um "choque cultural": ele queria tratá-la com nomes e apelidos utilizados no Brasil, chamá-la de "minha honey", "meu docinho de coco", e ela dizia que não era objeto sexual. Esse exemplo demonstra como os homens sentem-se confrontados com sua masculinidade, suas estratégias de sedução, sua posição de chefe e de provedor, sua virilidade " atributos muito valorizados entre os homens brasileiros.

De outros homens solteiros, ouvi queixas semelhantes quando diziam que as migrantes brasileiras, nos Estados Unidos, estavam muito "pra frente", achavam que não precisavam deles e só queriam saber dos norte-americanos, enquanto eles não gostavam das norte-americanas por considerá-las pouco femininas e sensuais, por serem pouco valorizados por elas devido à associação com outros latinos, com um estereótipo de homens mais machistas.

Assim, há uma representação das mulheres brasileiras que mescla os atributos de boa esposa e mãe com a imagem de sensualidade da mulher brasileira em oposição à frieza norte-americana. Essa representação, que cruza gênero e origem nacional, está presente em uma associação que torna as mulheres brasileiras um 'produto de exportação'. Dito de outra forma, ela justapõe distinções de gênero, raça e nacionalidade que classificam as mulheres brasileiras como extremamente femininas e sensuais para vender: desde biquínis até o carnaval, enfim, a sensualidade como um 'produto nacional'.46 46 Esse imaginário que ressalta a sensualidade da mulher brasileira tem sido analisado por Adriana PISCITELLI, 2001, no caso do turismo sexual em Fortaleza. A autora discute a sexualização que os turistas estrangeiros, basicamente os europeus, fazem do Brasil. Nesse imaginário, as relações entre as nacionalidades são marcadas por gênero. As nações européias aparecem masculinizadas, tingidas por racionalidade, objetividade e "frieza" que se opõem à calidez e à abertura do Brasil, habitado por um povo pobre, receptivo e "carinhoso". É interessante observar que essas representações coincidem com as que os americanos, pelo menos aqueles com os quais tive contato, têm dos brasileiros e, particularmente, das brasileiras. Entretanto, diferentemente das jovens analisadas em Fortaleza por Piscitelli, essas mulheres não estão no circuito do turismo sexual; são trabalhadoras imigrantes que vêem no casamento uma das oportunidades de legalização.

No entanto, o que é sugestivo é que essas mulheres, em sua grande maioria brancas e oriundas de camadas médias, que migram para os Estados Unidos em busca de autonomia e independência, conforme ressaltaram em seus relatos, utilizam-se de atributos de gênero considerados conservadores para os padrões norte-americanos para realizarem seu desejo de permanência no país. Por isso, combinam uma valorização da feminilidade brasileira com um atributo que, às vezes, é utilizado no Brasil para definir as mulheres que "vendem o corpo" – a sensualidade. Ao projetarem uma imagem de sensuais, trazem para o espaço doméstico, além da representação de boa esposa e mãe, também esse atributo. Essas são observações qualitativas, porém evidenciam como as mulheres negociam com esses atributos para se inserirem no mercado matrimonial norte-americano com uma vantagem, como vimos nos relatos dos homens brasileiros, que eles não desfrutam.

Casar-se com um norte-americano, ou com outro imigrante que tenha sua situação regularizada, pode significar ainda uma maneira de tornar-se legal nos Estados Unidos. Como a grande parte das mulheres trabalha no serviço doméstico, torna-se mais difícil a sua legalização, o que é um fato comum entre as imigrantes criciumenses e as demais mulheres latinas analisadas por Hondageneu-Sotelo e Hagan, pois é um o trabalho de difícil comprovação.47 47 HONDAGENEU-SOTELO, 1994; HAGAN, 1998. A maior parte das entrevistadas estava indocumentada e aquelas que se legalizaram não o conseguiram através do trabalho, mas por intermédio do casamento com um norte-americano ou com brasileiro ou outro estrangeiro legalizado.

No que se refere às relações afetivo-conjugais, quando chegam ao país de destino, os casais vivenciam um outro padrão de relações de gênero nos Estados Unidos: relações menos hierárquicas e maior divisão de tarefas são aspectos destacados pelas mulheres como conquistas.Porém, essa maior divisão de tarefas, dos investimentos e dos cuidados com os filhos não é realizada sem conflitos ou dificuldades, e os homens sentem que estão perdendo a autoridade. José Venturini (50 anos), pai da jovem Lorena, que emigrou com toda a família, afirmou que sentia estar perdendo sua autoridade diante dos filhos. Em suas palavras: "Eu estava com a família e tinha dias em que eu ia para debaixo do chuveiro e ficava chorando. Dá uma angústia não poder sair, não ter tempo". Sobretudo no depoimento dos casados, pude observar esse sentimento de perda de espaço, de autoridade, o que suscitou entre esses homens um maior desejo de retornar ao Brasil. Contudo, para aqueles que conseguem estabelecer-se, como é o caso de Giovane, esse projeto pode ser adiado.

Considerações finais

Nos estudos clássicos de migração, as mulheres eram descritas como aquelas que acompanhavam ou como aquelas que esperavam por seus maridos ou filhos, sem evidenciar, por exemplo, a importância de seus ganhos para a renda familiar. Portanto, as análises muitas vezes não só encobriam a participação das mulheres, como também não percebiam que a migração de longa distância ocorre articulada em uma complexa rede de relações sociais nas quais as mulheres têm uma importante participação.

Dessa forma, embora desde os anos 1930 as mulheres predominem na migração legal para os Estados Unidos, tal dado não foi observado pelos estudiosos e, como conseqüência, aspectos importantes da migração e do estabelecimento dos imigrantes, bem como as diferenças de classe, gênero e etnia entre os mesmos, não foram percebidas. Logo, as razões e as características da mobilidade diferenciada por gênero não eram adequadamente enfocadas: sujeitos migrantes eram assumidos como sendo de gênero masculino e não se davam visibilidade à participação feminina. As imagens cristalizadas de mulheres imigrantes como aquelas que esperam ou como dependentes passivas têm sido questionadas desde meados da década de 1970 por estudiosas de gênero e feministas, instigando os estudos migratórios a lançar um outro olhar para o processo migratório e questionando seus pressupostos teóricos.

Este trabalho demonstrou que os estudos de gênero podem trazer contribuições importantes para compreender os movimentos migratórios contemporâneos.

No passado e no presente, embora as mulheres, em sua maioria, migrem em grupos familiares, elas também migram sozinhas, em busca de autonomia, para fugir de poucas oportunidades ou de discriminações nos locais de origem.

Além disso, ao se incorporar a categoria "gênero" na análise dos fluxos migratórios, a migração deixou de ser vista apenas como uma escolha racional de indivíduos sozinhos e emerge envolvida em redes de relações sociais, como uma estratégia de grupos familiares, de amigos ou pessoas da mesma comunidade. Nesse contexto, as mulheres e os homens, em diferentes momentos, aparecem como os elos que ligam "aqui e lá" redes sociais que ajudam nos primeiros momentos na sociedade de emigração e na manutenção dos laços com o lugar de origem.

Essas redes sociais são informadas pelas normas do parentesco e de gênero. Assim, as mulheres utilizam-se muito mais da ajuda fornecida por parentes e são elas que articulam as redes entre os demais domicílios. Os homens também se apóiam nessas redes, mas os dados indicam que contam mais com a ajuda dos amigos para arranjar trabalho e moradia do que com os parentes. Ao longo desse processo, há uma redefinição das relações de gênero: as mulheres, em geral, vivenciam uma maior autonomia e empoderamento na sociedade de emigração, não apenas porque têm melhores ganhos, a despeito de um trabalho de baixo status, mas também porque atributos da feminilidade brasileira são valorizados no mercado matrimonial norte-americano, o que abre a possibilidade de relacionamentos afetivos e, através deles, da legalização " mais difícil para as mulheres que trabalham no serviço doméstico. Desse modo, as mulheres negociam os atributos da brasilidade e os mobilizam para se afirmarem positivamente nos Estados Unidos. Os homens, por sua vez, sentem mais a perda de status, pois precisam dividir sua autoridade, negociá-la, e vêem-se confrontados com as expectativas de relações mais igualitárias. Sendo assim, eles reagem à busca feminina por maior autonomia, queixando-se das mulheres brasileiras: "aqui [Estados Unidos] em primeiro lugar a mulher, em segundo lugar a criança, em terceiro lugar o cachorro e em quarto lugar o homem" " diziam em tom jocoso, mas que revelava certo desconforto ou, em alguns casos, reações mais violentas. Esse é um contexto de transição nas relações de gênero em que ocorrem rupturas e permanências, mas que sinalizam mudanças nas relações familiares e de gênero.

A migração de longa distância provoca grandes transformações para os sujeitos que vivenciam essa experiência; porém, em vez de pensá-la apenas como um fator que provoca o rompimento de laços, procurei complexificar a análise, demonstrando que a constituição de um campo de relações transnacionalizadas também possibilita novos arranjos familiares e de gênero.

Recebido em agosto de 2006 e aceito para publicação em julho de 2007

Notas

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  • ZHOU, Min, and LOGAN, John. "Returns on Human Capital in Ethnic Enclaves: New York City's Chinatown." American Sociological Review, v. 54, 1989. p. 809-820.
  • 1
    MOROKVASIC, 1984.
  • 2
    ANTHIAS, 2000.
  • 3
    Maxime MARGOLIS, 1994; Gláucia de Oliveira ASSIS, 1995; Teresa SALES, 1999b.
  • 4
    Ana Cristina MARTES, 2000; Soraya FLEISCHER, 2002; ASSIS, 2004.
  • 5
    Sylvia DEBIAGGI, 2002 e 2003; Wilson FUSCO, 2002; ASSIS, 1999 e 2004.
  • 6
    Este artigo é uma versão do trabalho apresentado no Seminário Internacional Fazendo Gênero 6: Saberes Globais/Fazeres Locais, Saberes Locais/Fazeres Globais, em agosto de 2004.
  • 7
    O projeto de pesquisa foi coordenado pela professora Teresa Sales e obteve o financiamento da FAPESP (Teresa SALES, Wilson FUSCO, Gláucia ASSIS e Elisa SASAKI, 2002).
  • 8
    Este tópico é uma versão modificada do capítulo 2 de minha tese de doutorado (ASSIS, 2004).
  • 9
    Do século xix até metade dos anos 1950, Ellis Island foi o lugar no qual funcionava o Departamento de Imigração Norte-Americano e para onde se dirigia a maioria dos 35 milhões de migrantes que aportavam nos Estados Unidos. Quando chegavam, os imigrantes eram entrevistados, examinados e, se aprovados, liberados para entrar nos Estados Unidos. O lugar ficou fechado e abandonado durante vários anos; porém, depois de uma grande reforma, transformou-se em Museu da Imigração.
  • 10
    FONER, 2000.
  • 11
    PESSAR, 1999.
  • 12
    Marion F. HOUSTOUN, Roger KRAMER e Joan BARRETT, 1984.
  • 13
    Uma análise detalhada da política migratória norte-americana ao longo do século XX encontra-se em Rossana Rocha REIS, 2003. Segundo a autora, apesar da ideologia dos Estados Unidos como terra de oportunidades para os imigrantes, mesmo no período de maior migração para os Estados Unidos – entre o final do século XIX e início de século XX – a política americana de imigração estabelecia uma série de leis restritivas aos imigrantes, sendo selecionados por critérios religiosos e raciais aqueles considerados desejáveis, razão pela qual, até meados do século XX, a maioria dos imigrantes era de origem européia. Nesse sentido, ao mesmo tempo que os americanos se diziam abertos a todos os
    homens (grifos meus) dispostos a adotar a religião civil americana, ganhava destaque a idéia de que os Estados Unidos eram um país de anglo-saxões, o que conduziu a um fechamento progressivo das fronteiras e ao estabelecimento de cotas para imigrantes, principalmente em relação às raças consideradas indesejáveis (asiáticos e outros imigrantes não-brancos). Reis ressalta ainda que, se até meados do século XX a discussão sobre a imigração girava em torno do eixo nativismo/religião civil, a partir do final do século XX, em um movimento que só tende a se acentuar depois dos atentados do dia 11 de setembro de 2001, o eixo principal da política de imigração parece ser direitos humanos/segurança nacional (REIS, 2003, p. 43).
  • 14
    HOUSTOUN, KRAMER e BARRETT, 1984, p. 952.
  • 15
    PESSAR, 1999, p. 54; e CHANT e RADCLIFFE, 1992, p. 19.
  • 16
    SASAKI e ASSIS, 2000, analisando as teorias de migração, demonstram que, segundo os neoclássicos, o migrante calcula o custo e o benefício da experiência migratória, e é isso que influencia e determina a sua decisão, sendo a migração entendida aqui como simples somatória de indivíduos que se movem em função do diferencial de renda. O modelo neoclássico definia o sucesso do migrante por fatores como educação, experiência de trabalho, domínio da língua da sociedade hospedeira, tempo de permanência no destino e outros elementos do capital humano.
  • 17
    ANTHYAS, 2000.
  • 18
    MOROKVASIC, 1984.
  • 19
    YANAGIZAKO, 1977.
  • 20
    PESSAR, 1999; Monica BOYD, 1989.
  • 21
    Massey, ALARCON, DURAND e GONZALEZ, 1987, p.139-140.
  • 22
    TILLY, 1990.
  • 23
    Segundo Alejandro PORTES, 1995, o conceito de capital socal refere-se à habilidade do indivíduo de mobilizar recursos escassos em virtude de seu pertencimento na rede ou nas estruturas sociais mais amplas. Os recursos adquiridos por meio do capital social sempre implicam uma expectativa de reciprocidade.
  • 24
    PORTES, 1995; PESSAR, 1999.
  • 25
    TILLY, 1990; Pierette HONDAGNEU-SOTELO, 1994; Jacqueline HAGAN, 1998; PESSAR, 1999.
  • 26
    TILLY, 1990.
  • 27
    CASTRO, 1989.
  • 28
    PESSAR, 1999.
  • 29
    HONDAGNEU-SOTELO, 1994.
  • 30
    ZHOU e LOGAN, 1989.
  • 31
    O trabalho de Adiles SAVOLDI, 1999, faz uma análise interessante sobre esse processo de migração de "retorno" às origens itailianas.
  • 32
    SAVOLDI, 1999.
  • 33
    Como se trata de uma migração indocumentada, para preservar a identidade das entrevistadas, todos os nomes que aparecem nas entrevistas são fictícios.
  • 34
    FUSCO, 2002.
  • 35
    SALES, 1999a, denominou "triênio da desilusão" o período - entre os anos de 1987 e 1989 - quando milhares de brasileiros deixaram o país decepcionados tanto com a política econômica quanto com a situação política.
  • 36
    Jornal da Manhã, Criciúma, 20.4.2000, Geral.
  • 37
    Os "coiotes" são em geral mexicanos que cobram um bom dinheiro para levar imigrantes clandestinamente do México para os Estados Unidos, através da fronteira. Durante o trabalho de campo em Criciúma e na região de Boston, ouvi vários relatos de imigrantes sobre a perigosa travessia, incluindo a passagem de mulheres e crianças. O relato mais surpreendente que ouvi foi de um taxista, em Criciúma, cujo genro foi para os Estados Unidos pelo México. O genro arrumou trabalho e dinheiro para voltar ao Brasil e buscar a mulher e os dois filhos pequenos, e "de quebra" levou também o cunhado que resolveu ir junto. Os cinco atravessaram a fronteira do México, numa segunda viagem. Segundo dados da Embaixada Americana, o índice de brasileiros flagrados tentando passar ilegalmente para os Estados Unidos cresceu 787%, passando de 350 prisões em 1992 para 3.105 prisões em 2001 (
    Folha de São Paulo, 24.3.2002, p. 8-9, Caderno Cotidiano).
  • 38
    O termo "indocumentado" refere-se ao fato de que os migrantes não possuem os documentos que os autorizariam a trabalhar em um país estrangeiro. Na literatura sobre imigração, tem-se utilizado esse termo, considerando que os imigrantes não são ilegais; apenas não dispõem dos documentos que regularizam seu
    status migratório. Os grupos de direitos civis que atuam junto aos imigrantes também o empregam por considerarem que é menos discriminatório, por defenderem politicamente essa denominação sob o
    slogan "nenhum ser humano é ilegal" e por consideraram que os migrantes têm o direito de circular no mundo globalizado, assim como circulam turistas, homens de negócios e mercadorias.
  • 39
    A faxina doméstica constitui-se num nicho de mercado das emigrantes brasileiras nos Estados Unidos. Segundo Ana Cristina Braga MARTES, 2000, "os imigrantes brasileiros apropriaram-se do ramo da faxina de maneira a gerar vantagens sobre outros grupos migrantes". No entanto, conforme observam FLEISHER, 2002, e ASSIS, 2004, é interessante observar que não são
    os migrantes brasileiros que "dominam a faxina", mas as mulheres migrantes que fazem da faxina um "negócio". As mulheres que migram para os Estados Unidos têm na faxina um trabalho que pode lhes garantir a realização do projeto de "fazer a América".
  • 40
    MARTES, 2000; ASSIS, 2004; e FLEISCHER, 2002.
  • 41
    BOTT, 1976.
  • 42
    FUSCO, 2002, p. 75.
  • 43
    MASSEY et al., 1987.
  • 44
    SOARES, 2003.
  • 45
    SALES, 1999a; FUSCO, 2002; SASAKI e ASSIS, 2000.
  • 46
    Esse imaginário que ressalta a sensualidade da mulher brasileira tem sido analisado por Adriana PISCITELLI, 2001, no caso do turismo sexual em Fortaleza. A autora discute a sexualização que os turistas estrangeiros, basicamente os europeus, fazem do Brasil. Nesse imaginário, as relações entre as nacionalidades são marcadas por gênero. As nações européias aparecem masculinizadas, tingidas por racionalidade, objetividade e "frieza" que se opõem à calidez e à abertura do Brasil, habitado por um povo pobre, receptivo e "carinhoso". É interessante observar que essas representações coincidem com as que os americanos, pelo menos aqueles com os quais tive contato, têm dos brasileiros e, particularmente, das brasileiras. Entretanto, diferentemente das jovens analisadas em Fortaleza por Piscitelli, essas mulheres não estão no circuito do turismo sexual; são trabalhadoras imigrantes que vêem no casamento uma das oportunidades de legalização.
  • 47
    HONDAGENEU-SOTELO, 1994; HAGAN, 1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2006
    • Aceito
      Jul 2007
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