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Os direitos civis das mulheres casadas no Brasil entre 1916 e 1962: ou como são feitas as leis

Civil rights for married women in Brazil, from 1916 through 1962: or better, how laws are made

Resumos

A historiografia sobre transformações culturais associa modificações no modelo de família a mudanças econômicas de ordem estrutural, tal como industrialização e crescimento da população urbana. A sociedade brasileira mudou radicalmente da segunda metade do século XIX aos anos 1950. Ainda assim, foi preciso um processo de decisão amadurecido no Congresso para ajustar o país legal ao país real. Este artigo examina um aspecto dessa separação: o poder que os maridos detinham como tutores de suas esposas. Em termos metodológicos, são examinados os debates parlamentares sobre direitos de mulheres casadas em dois momentos históricos: nos anos 1930 e 1950.

mulher casada; gênero; direitos civis; mudança institucional


The branch of historiography that studies cultural changes relates modifications to family models and structural economical changes, such as industrialization and growth of urban life. Brazilian society, for instance, changed radically between the second half of the 19th Century and the 1950s. Even so, adjustments between legality and reality took a long time to mature in the Parliament. This article examines one aspect of such discrepancies between legal and real world: the tutorial power of husbands over their wives. In methodological terms, the article analyzes parliamentarian debates on women's civil rights in two moments of the history of Brazilian political institutions: in the1930s and in the 1950s. It examines which forces interacted to make institutional changes concerning women in Brazil along this period a viable option.

Married Woman; Gender; Civil Rights; Institutional Change


ARTIGOS

Os direitos civis das mulheres casadas no Brasil entre 1916 e 1962. Ou como são feitas as leis

Civil rights for married women in Brazil, from 1916 through 1962. Or better, how laws are made

Teresa Cristina de Novaes MarquesI; Hildete Pereira de MeloII

IUniversidade de Brasília

IIUniversidade Federal Fluminense

RESUMO

A historiografia sobre transformações culturais associa modificações no modelo de família a mudanças econômicas de ordem estrutural, tal como industrialização e crescimento da população urbana. A sociedade brasileira mudou radicalmente da segunda metade do século XIX aos anos 1950. Ainda assim, foi preciso um processo de decisão amadurecido no Congresso para ajustar o país legal ao país real. Este artigo examina um aspecto dessa separação: o poder que os maridos detinham como tutores de suas esposas. Em termos metodológicos, são examinados os debates parlamentares sobre direitos de mulheres casadas em dois momentos históricos: nos anos 1930 e 1950.

Palavras-chave: mulher casada; gênero; direitos civis; mudança institucional.

ABSTRACT

The branch of historiography that studies cultural changes relates modifications to family models and structural economical changes, such as industrialization and growth of urban life. Brazilian society, for instance, changed radically between the second half of the 19th Century and the 1950s. Even so, adjustments between legality and reality took a long time to mature in the Parliament. This article examines one aspect of such discrepancies between legal and real world: the tutorial power of husbands over their wives. In methodological terms, the article analyzes parliamentarian debates on women's civil rights in two moments of the history of Brazilian political institutions: in the1930s and in the 1950s. It examines which forces interacted to make institutional changes concerning women in Brazil along this period a viable option.

Key Words: Married Woman; Gender; Civil Rights; Institutional Change.

Introdução

Este ensaio examina as restrições legais impostas a mulheres casadas, vigentes no Brasil na maior parte do século XX.1 1 As autoras desejam expressar seu agradecimento às equipes de arquivistas do Arquivo Histórico da Câmara dos Deputados (doravante AHCD) e do Arquivo Histórico do Senado Federal (doravante AHSF), em Brasília. Também desejam registrar que as idéias aqui expostas foram aprimoradas a partir de saborosas conversas com Comba Porto, Leonor Corrêa, João Lizardo de Araújo e José Luciano Dias. Essas restrições impediam uma mulher de aceitar herança ou de ter atividade profissional sem a autorização formal de seu marido, o qual podia, a qualquer momento, suprimir sua aprovação.

Examinam-se duas questões: quais escolhas políticas levam a mudanças institucionais, e quais restringem tais transformações? Qual estratégia política mostrou-se mais adequada para promover reformas legais: se a abordagem das feministas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (doravante FBPB) nos anos 1930, baseada na idéia de suprimir todas as restrições aos direitos civis femininos em uma só peça legislativa, ou o caminho de reformas moderado e gradual escolhido por políticos nos anos 1950?

Pode-se, é claro, discutir o que se entende por adequação estratégica e isso deve levar em conta as alternativas disponíveis aos atores políticos no momento histórico em que viviam, além de suas expectativas quanto aos resultados. Mesmo com essa ressalva, pode-se aprender bastante com o exercício comparativo de duas formas de encaminhamento político de reformas de direitos civis.

Para responder a essas indagações, examinam-se dois momentos políticos extremos. Inicialmente, o ensaio explora o papel desempenhado por parcela do movimento feminista na busca por mudanças na condição jurídica da mulher em geral, e da mulher casada em particular, ao longo dos anos 1930. Segue-se a análise da atuação de congressistas em prol de reformas da condição jurídica da mulher após o restabelecimento de instituições democráticas em 1945. Esses parlamentares se contrapunham a forças políticas conservadoras, e, apesar da forte oposição, uma importante lei foi aprovada em 1962. Por ela, foram suprimidos os poderes tutoriais dos maridos sobre mulheres no que diz respeito à atividade profissional, entre outras inovações e outras sutis perdas.2 2 Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962.

Há boas razões para investigar o longo caminho político que resultou na lei de 1962, denominada Estatuto Jurídico da Mulher Casada. Primeiro, as restrições impostas às mulheres não eram meramente simbólicas, uma vez que limitavam o fortalecimento político de escolarizadas mulheres de classe média e impediam trabalhadoras de efetivar seus direitos trabalhistas e sociais. Esses direitos foram concebidos para serem universais, mas eram, de fato, limitados, uma vez que as mulheres casadas não podiam se beneficiar plenamente deles. A segunda razão que justifica a escolha do objeto diz respeito ao conhecimento histórico propriamente dito. Até o momento, o debate histórico em torno de mudanças institucionais hesita entre o raciocínio estruturalista e o personalista. Na primeira forma de pensar, as mudanças institucionais são atribuídas a alterações mais amplas em curso na sociedade, como a urbanização e a industrialização. Já a segunda abordagem centra atenção no papel desempenhado por indivíduos na consecução de reformas legais e deriva da história política tradicional.3 3 Ainda sobre o trâmite da reforma de 1962, veja-se, sob essa perspectiva personalista, a obra da jurista Florisa Verucci A mulher o direito (VERUCCI, 1987) e os depoimentos de uma protagonista da reforma, a advogada Romy Medeiros da Fonseca.

Ambos os modelos explicativos são limitados e busca-se neste artigo oferecer alguma contribuição para o debate em torno dos fatores sociais que promovem reformas institucionais.

No raciocínio estruturalista, mudanças na legislação pertinente à família são relacionadas a macromudanças sociais e econômicas freqüentemente de modo mecânico. Dentre os poucos historiadores profissionais que estudam a cultura jurídica luso-brasileira está Arno Wehling. A despeito de sua reconhecida contribuição para o conhecimento histórico das instituições do Estado, Wehling, ao interpretar as alterações do Código Civil de 1916 em matéria de direito de família, incorre nos problemas apontados acima. Para esse autor, o Código conferiu suporte jurídico à família nuclear, a qual, em verdade, foi a única forma de família reconhecida como válida pelo Código. Ao fazerem isso, afirma o autor, seus elaboradores ajustaram a lei a tendências modernizantes que se apresentavam na sociedade.4 4 Arno WEHLING e Maria José WEHLING, 1999, p. 545-546.

Em obra sobre a história da família no Brasil, Muriel Nazzari raciocina de modo similar quando explica o desaparecimento do costume de dotar filhas pela mudança no modelo de família no Brasil, que passou de patriarcal para nuclear no início do século XX, em conseqüência do processo de modernização.5 5 NAZZARI. 1991. Uma vez mais, a emergência da família nuclear e sua legitimação legal no início do século XX correm juntas no pensamento da autora: a modificação da lei é conseqüência natural no processo social.6 6 Em MARQUES, 2001a, é reexaminada a tese de Nazzari e são levantadas outras possibilidades interpretativas para a queda em desuso do dote. É possível, no entanto, argumentar que os elaboradores do Código deixaram desatendidos outros arranjos familiares e que o ajuste entre o país real e o legal não ocorreu aí, pois, na verdade, aprofundou-se o abismo que separava as classes populares e o arcabouço institucional, concebido pelas elites para moldar um país ideal e não para ajustá-lo à sua realidade social.7 7 Esse tema é explorado em MARQUES, 2004a. Então, os macrofenômenos - aglomeração urbana, crescimento do emprego industrial - puderam prescindir de significativas alterações nos arranjos familiares adotados pelas classes populares.

Pensar que os elaboradores das leis respondem prontamente a mudanças sociais é desconsiderar os processos políticos como um problema histórico, pois, no mais das vezes, os legisladores resistem a adotar inovações, ainda que a maioria da população as deseje.

Outra forma de ver a mudança institucional enfatiza o papel de indivíduos na promoção de reformas. No âmbito deste ensaio, adota-se esse modo de raciocinar, embora sejam feitos ajustes à história política convencional, pois entende-se que mudanças no quadro legal dependem de circunstâncias políticas, assim como de acertadas escolhas dos atores políticos. Em outros termos, este ensaio se propõe a compreender o papel dos indivíduos nas tentativas de conferir às mulheres casadas direitos civis mais amplos, sem pretender desvelar heróis e heroínas.

Não parece haver uma relação linear ou automática entre mudança econômica e institucional, tampouco os indivíduos agem à revelia do ambiente político e cultural de seu tempo. Outros trabalhos compartilham dessa visão, pois há autores na historiografia das mulheres do Brasil que se mostram sensíveis à problemática das estratégias políticas das protagonistas, suas virtudes, impasses e obstáculos. Rachel Soihet recentemente mostrou os limites ideológicos do sufragismo da FBPF, e sua análise do feminismo tático de Bertha e suas colaboradoras parece acertada.8 8 SOIHET, 2006. Ainda na linha de análise que considera a problemática das escolhas políticas das ativistas, cabe mencionar os trabalhos de June Hahner e Susan Besse.9 9 HAHNER, 2003; e BESSE, 1996.

O que se propõe aqui é ampliar a compreensão das estratégias políticas de Bertha no Parlamento, avançando além do ponto onde Soihet se deteve, de modo a aprofundar a compreensão sobre o curto e intenso mandato eletivo de Bertha e promover o paralelo entre as suas estratégias de encaminhamento da questão dos direitos civis das mulheres e a forma como essa mesma questão tramitou no Congresso pelas mãos de outros atores nos anos 1950.

Além do encaminhamento político, outro fator que parece ter favorecido o resultado do esforço reformista nos anos 50 foi o ambiente político do país mais receptivo a essa proposta. Parece-nos que essa foi a situação do Brasil, onde, entre várias tentativas de modificar a capacidade jurídica das mulheres, a bem-sucedida lei de 1962 resultou de um esforço político de diversos partidos políticos que superaram seus antagonismos em outros campos do debate político e aprovaram o texto final. Os deputados e senadores que evitaram que o projeto de lei de reforma dos direitos das mulheres casadas se perdesse, como tantos outros, nos labirintos legislativos agiram em função de perspectivas de ganhos eleitorais e responderam a estratégias políticas adotadas pelos promotores da reforma que se mostraram adequadas àquele momento parlamentar.

O ensaio se estrutura em torno de uma reflexão metodológica. A questão é: se a investigação de uma mudança institucional se prende a problemas gerais, como saber o que promove a mudança no padrão familiar, então ela pode enfrentar a interferência de um sem-número de variáveis. No entanto, se a investigação se detiver em quais propostas foram apresentadas, quais resistências ideológicas e políticas enfrentaram, e ainda, em que forma as propostas de mudança legal superaram tais resistências, o campo de investigação ganha precisão e se torna exeqüível. Dessa forma, é possível retornar à questão principal que preside esse exercício investigativo, isto é, saber quais escolhas políticas favorecem e quais restringem mudanças institucionais. A fim de oferecer uma resposta a esse problema, a análise se detém sobre o processo decisório que presidiu tentativas de reformas legais na experiência política brasileira contemporânea, ao invés de estabelecer proposições gerais sobre mudanças institucionais.

Restou, ainda, examinar a possibilidade de fatores econômicos determinarem mudanças na legislação dos direitos civis das mulheres. Para tanto, investigam-se dados censitários relativos à participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil ao longo do século XX. No entanto, os resultados desse exercício não corroboram a hipótese de que as alterações legais possam ser atribuídas a uma significativa absorção da população feminina no mundo do trabalho.10 10 Ver em anexo a tabela da participação feminina no mercado de trabalho. Reconhece-se que fatores econômicos podem influenciar transformações nas relações de gênero, mas esses não parecem ser decisivos, uma vez que os dados da participação feminina no mercado de trabalho no Brasil mostram uma crescente, porém ainda inexpressiva participação das mulheres no mundo do trabalho até os anos 1970. Em outros termos, se a economia raramente explica bem a política, e o inverso também é verdade, enfatiza-se a face política do problema, porque ali é possível encontrar respostas às questões apresentadas.

Este trabalho é dividido como se segue. Primeiramente, examinam-se aspectos econômicos do país e a conformação do mercado de trabalho sob o viés de gênero. Uma parte dessa primeira seção analisa o Código Civil porque a ação política das feministas da FBPF deve ser compreendida como um diálogo com o arcabouço institucional de seu tempo. A segunda seção discute o movimento feminista e as iniciativas da deputada feminista Bertha Lutz (1894-1976) para modificar a condição legal e social das mulheres brasileiras durante o seu mandato na Câmara dos Deputados. Na terceira parte, examina-se a atuação de parlamentares nos anos 1950 na tentativa de reformar os direitos civis femininos. Em especial, investiga-se o papel exercido pelo deputado federal Nelson Carneiro (1910-1996) no encaminhamento político dessa questão.

Supõe-se que, ao comparar as iniciativas de Bertha Lutz com as de Nelson Carneiro, as segundas alcançaram resultado porque se centraram em um assunto por projeto, ao invés de tentar reformar um conjunto muito maior de dispositivos legais que restringiam os direitos femininos de uma só vez, em uma única peça legal, como o fez a deputada Bertha.

1. Considerações sobre o mercado de trabalho e os direitos civis femininos nos anos 1920

O processo de industrialização e urbanização da sociedade brasileira foi desigual em termos geográficos e sociais. Como se observa na tabela em anexo relativa à população economicamente ativa, a participação das mulheres no mercado de trabalho não era significativa no início do século XX e permaneceu assim por um longo período. Ainda que se ressalve que os dados censitários no Brasil não são perfeitamente comparáveis, é possível visualizar que houve uma mudança nos padrões de ocupação da população ativa feminina, mas a expressão econômica dessa parcela da força de trabalho manteve-se muito pequena, especialmente no período de crescimento industrial mais acelerado - da década de 1940 aos anos 1970. A Tabela 1 mostra que, durante esse período, a taxa de atividade das mulheres, dada a proporção da população economicamente ativa feminina na população de mulheres acima de 10 anos, era de 13,5% em 1920, aumentou para 16,6% em 1960, e atingiu 18,5% em 1970. Esses dados não configuram uma expressiva participação das mulheres no mercado do trabalho sob a perspectiva histórica do século.

Enquanto a sociedade se modificava lentamente, surgiram grupos de mulheres originadas na classe média com o propósito de lutar por direitos. É ampla a historiografia sobre essa fase do movimento feminista brasileiro, e nela é razoavelmente assente que a emergência de grupos políticos femininos organizados não corresponde à entrada maciça dessas mulheres no mercado de trabalho. Insatisfeitas com a inferioridade legal e política das mulheres na sociedade brasileira, muitas delas se motivaram para participar da esfera política.

Como em outros trabalhos as autoras examinaram a ação da FBPF em favor do direito de voto,11 11 MARQUES, 2001b e 2001c. investiga-se aqui a visão das feministas ligadas a Bertha acerca das limitações impostas às mulheres pelo Código de 1916. Antes, convém examinar os aspectos mais importantes dessa lei para os direitos femininos.

Esse código resultou de muitas tentativas de fornecer ao país um conjunto coerente de leis civis para substituir a vetusta legislação portuguesa ainda em vigor. Em troca da proteção do casamento, os elaboradores do Código estabeleceram o homem como chefe da família. Cabia a ele determinar o lugar de residência da esposa e filhos, administrar o patrimônio do casal e, acima de tudo, autorizar sua mulher a exercer uma atividade profissional fora do lar. Por conta disso, a legislação concedeu ao homem amplos poderes para limitar as oportunidades abertas à mulher para alcançar autonomia pessoal, mesmo se sua motivação para buscá-la estivesse na tentativa de escapar de uma união conjugal infeliz.

Além desses pontos mais gerais, como estava a situação dos direitos civis femininos no Código? Considerando família e casamento, o texto aprovado definiu as esposas como pessoas jurídicas relativamente incapazes e o marido como cabeça da família. Por um lado, o homem representava a família na Justiça e detinha todas as prerrogativas econômicas já mencionadas. Por outro, o homem tornou-se, pelo Código, obrigado a proteger, defender e sustentar financeiramente sua esposa e prole.12 12 Projeto do Código Civil Brasileiro, 1900, Parte Geral I, Título II, p 132-133, contido no CD-ROM Códigos Civis do Brasil: do Império à República. Brasília: Senado Federal, 2002. Assim, o casamento legal compensou a perda de autonomia da mulher ao lhe oferecer respeitabilidade social e crianças legítimas. O autor da primeira versão do Código, Clóvis Bevilácqua (1859-1944), justificou essa divisão dos deveres conjugais em função dos papéis sociais distintos entre homens e mulheres, cabendo aos primeiros ocupar o espaço social público, enquanto a mulher estaria à frente do domus como responsável pelo bem-estar emocional dos membros da família.

Do projeto inicial de Bevilácqua, quatro aspectos devem ser ressaltados como parâmetros para a análise das demais tentativas de reformas que se seguiram à edição do Código.13 13 BEVILÁCQUA, 1917. O primeiro aspecto diz respeito à condição legal da mulher; o segundo, a questões patrimoniais; o terceiro, aos poderes paternos; e o quarto, às possibilidades de ruptura dos laços maritais.

No projeto original, em conformidade com a tradição jurídica, as mulheres eram incapazes de exercer certos direitos e promover atos legais, restando tuteladas pelos maridos. Quanto à administração do patrimônio, Bevilácqua pensou em três possibilidades: haver comunhão universal dos bens, quando todas as propriedades do casal eram comuns e administradas pelo marido; a comunhão parcial dos bens; e, por fim, a separação total dos bens, aplicável apenas a situações excepcionais. A primeira possibilidade se aplicava à maioria dos casamentos. No entanto, o jurista concebeu a possibilidade de o regime de bens vir a ser modificado para o parcial, conforme fosse esse o desejo da mulher ou se ela provasse a inabilidade do marido para gerir os bens trazidos por ela ao casamento. Nos anos 1950, essa proposta retornará à mesa de negociações na Câmara, como veremos.

Já no exercício do poder sobre os filhos, os homens continuavam a preponderar. Entretanto, se uma mulher viúva, com filhos, voltasse a se casar, ela perderia os direitos sobre os filhos tidos no casamento anterior, situação essa rejeitada veementemente pelas feministas.

O último ponto importante do projeto original de Bevilácqua era a possibilidade aberta para a dissolução do casamento. Isso não resistiu à longa tramitação do texto do Código nem nas comissões especiais que o examinaram na Câmara e no Senado, nem nas mãos de notórios revisores do texto, como Rui Barbosa. O projeto de Bevilácqua deu lugar ao instituto do desquite, que permite a separação do casal sem outro casamento.

A solução apresentada pelo Código ao problema da dissolução do casamento era insuficiente para libertar homens e mulheres do vínculo conjugal, mas restaurava a autonomia à mulher caso não houvesse filhos. Se eles existissem, as mulheres permaneciam temerosas de perder a sua guarda e, por isso, eram mantidas sob a permanente supervisão moral do ex-marido.

Os elaboradores do Código rejeitaram a alteração do regime de bens de universal para parcial durante o casamento. Assim, se uma mulher tomasse a decisão, em um momento de paixão, de partilhar todo seu patrimônio com seu marido, poderia experimentar, após os anos de convivência, o pesadelo de perder tudo, sem qualquer possibilidade de reverter o que decidira.

Comparativamente ao projeto original de Bevilácqua, que era, por si só, conservador, o texto final do Código perdeu importantes atenuantes à submissão das mulheres à tutela dos maridos. Todo o esforço de reforma do sistema legal brasileiro, iniciado no século XIX, alinhou o país com o quadro liberal, mas resultou em pouco ou nenhum avanço nos direitos civis das mulheres.

Para haver mudanças, era preciso que as próprias mulheres se mobilizassem e foi exatamente isso que as feministas fizeram.

2. O feminismo da FBPF e a luta por direitos

Se examinarmos apenas a primeira década de existência da FBPF, podemos erroneamente concluir que as integrantes dessa entidade não eram sensíveis a idéias de reforma dos direitos civis femininos. De fato, a própria Bertha nunca se casou e justificava isso dizendo que não suportaria se submeter a um homem. Entretanto, observando a FBPF em perspectiva, verifica-se uma mudança importante na natureza do seu discurso nos anos 1930, após a obtenção do sufrágio feminino. Isso mostra que a atitude feminista com respeito a relações de gênero nos espaços privados não era baseada apenas em escolhas individuais como a de Bertha. Nos anos 1930, as feministas alargaram sua agenda política incluindo os direitos civis das mulheres, inclusive as casadas.14 14 BEVILÁCQUA, 1917.

Entre a chegada de Getúlio Vargas (1883-1954) ao poder em 1930 e a restrição total das garantias individuais em novembro de 1937, as feministas atuaram intensamente na cena política. Enfatiza-se aqui o empenho do grupo de Bertha por reformas dos direitos sociais e civis das mulheres.

Em 1931, a Federação organizou a segunda conferência feminista do país, a qual tomou como lema a equidade dos direitos entre os sexos e o fim das distinções baseadas no sexo ou na condição marital. A jovem advogada Orminda Bastos (1899-1971) teve importante papel nessa conferência ao formular uma proposta de reforma da condição legal da mulher.15 15 Relatório de 17 anos de campanha feminista, 1919-1936, apresentado por Maria Sabina de Albuquerque à Câmara dos Deputados ( Diário do Poder Legislativo, doravante DPL, 29.10.1937, p. 48903-49109). Ela mesma, Orminda, voltaria a atuar nos anos 1950 em favor da reforma do estatuto das mulheres casadas em entidades de classe e no Congresso.

O mesmo ano de 1931 foi marcado pela criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o ato mais importante do governo provisório de Vargas. Esse Ministério decretou que os direitos trabalhistas eram extensíveis a todos os trabalhadores urbanos, como férias e limites à jornada de trabalho. Embora não saibamos de trabalhadoras entre as filiadas da Federação, há elementos suficientes para afirmar que elas estavam atentas às transformações no cenário político e defendiam que as leis trabalhistas deveriam tratar as mulheres em separado.

De fato, o primeiro governo Vargas decretou dispositivos específicos para o trabalho feminino em 1932.16 16 Decreto n. 21.417-A, de 17 de maio de 1932. Juristas, como Florisa Verucci, consideram esse decreto um sinal positivo do compromisso do governo com as condições de trabalho das mulheres no país, mas feministas contemporâneas expuseram sua insatisfação com as limitações desse decreto.17 17 VERUCCI, 1987, p. 103. Em particular, as feministas próximas a Bertha criticavam a falta de empenho do governo para fazer cumprir os artigos do decreto que previam a oferta por empregadores de creches no espaço de trabalho, além de proteção às trabalhadoras gestantes. Elas observavam também que o decreto de 1932 não considerou a situação das mulheres casadas, que eram ainda limitadas em seus direitos pelo Código Civil.

Nesse movimento de crítica, a poetisa Cecília Meireles (1901-1964) escreveu artigos na influente revista de negócios Observador Econômico e Financeiro (1937 e 1939),18 18 MEIRELES, 1937 e 1939. reproduzindo as críticas feministas às políticas públicas voltadas para as mulheres trabalhadoras. Essas políticas eram vagas, diziam as feministas, e elas desejavam mais do que promessas do Estado de proteger a maternidade e a infância. As ativistas defendiam o fortalecimento político das mulheres de modo a que elas pudessem ditar o ritmo e a direção das políticas públicas que lhes interessavam.

Durante a elaboração da nova Constituição, ao longo do ano de 1933 e parte de 1934, as feministas fizeram grande pressão política para influenciar os constituintes a adotar suas teses. Bertha havia sido indicada por Vargas para integrar a comissão que escreveu o anteprojeto, mas as feministas cedo compreenderam que isso não bastava e que a busca de mais direitos femininos exigia sua supervisão permanente. A pressão feminista foi bem-sucedida em influenciar a redação de vários artigos da Constituição. Elas inseriram artigos assegurando definitivamente o sufrágio de mulheres e a sua elegibilidade, a proibição da distinção de salário por sexo ou estado civil, e o acesso de mulheres a carreiras públicas.19 19 DPL, 29.10.1937, p. 48902-49109. Nessa fase, as feministas se preocupavam em garantir os direitos inscritos na Constituição com a elaboração de leis ordinárias que os regulamentassem.

A partir da posse do mandado na Câmara Federal, em julho de 1936, Bertha trabalhou pela criação de uma comissão especial para regulamentar os artigos da Constituição que diziam respeito às mulheres.20 20 Não é o propósito aqui detalhar a campanha de Bertha à Câmara Federal, ou sua atividade parlamentar. Primeiramente, ela garantiu uma rubrica no orçamento federal para o ano de 1937 de modo a tornar viável a comissão parlamentar. Fez isso oferecendo emenda ao orçamento votado no final de 1936.

Em outubro daquele mesmo ano, uma iniciativa das feministas da FBPF deve ser ressaltada por seu significado político. Trata-se da organização da terceira conferência feminista nacional, que teve como presidente de honra a esposa de Vargas, Darci Vargas. Durante esse encontro foi discutido um documento propondo uma ampla reforma do estatuto legal da mulher. Com base nesse documento, Bertha e suas colaboradoras mais próximas elaboraram projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados no ano seguinte, o qual é analisado agora.

Para levar adiante a proposta de reforma, Bertha já contava com recursos financeiros assegurados no orçamento e, podemos supor que ela assim imaginasse, o apoio tácito do Presidente da República. Faltava construir alianças políticas sólidas no Congresso e, nesse particular, as dificuldades se mostraram logo.

No começo dos trabalhos legislativos de 1937, uma comissão especial foi criada sob a presidência da própria Bertha para examinar projetos de regulação dos direitos das mulheres previstos na Constituição. Essa comissão era composta, entre outros, pelo deputado carioca Prado Kelly (1904-1986), do mesmo partido de Bertha, o Autonomista, e pela deputada Carlota Pereira de Queirós (1892-1982), representando São Paulo.

Os integrantes da comissão começaram a discutir dois projetos que, juntos, poderiam oferecer à sociedade uma transformação profunda na condição feminina no país. Bertha propôs a criação de uma agência pública: o Departamento Nacional da Mulher. Esse projeto, embora fosse inspirado em agência similar norte-americana, guardava dela diferenças. Previa-se que, na agência brasileira, as mulheres teriam papel proeminente, mas a direção do órgão seria partilhada com homens.21 21 Projeto n. 623/1937 propõe a criação do Departamento Nacional da Mulher e o Conselho Geral do Lar, Trabalho Feminino, Previdência e Seguro Maternal ( DPL, 23.10.1937).

As boas intenções de Bertha não foram suficientes para levar o projeto do Departamento adiante. Mesmo tendo convencido os integrantes da Comissão de Orçamento a garantir recursos para o Departamento, Bertha foi incapaz de persuadir os membros da comissão especial que presidia. Prado Kelly foi incumbido de relatar o projeto e, diante da resistência de Carlota à proposta, ofereceu um substituto que limitava a competência do órgão a funções de fiscalização.22 22 Diário do Congresso Nacional (doravante DCN), 21.10.1937. Carlota Queirós havia sugerido que o Departamento não tivesse função executiva e fosse subordinado a um ministério. Não havendo acordo, Bertha apresentou um outro substitutivo mantendo a essência original do projeto. Significativamente, à sessão em que ela apresentou esse substitutivo, nem Prado Kelly, nem Carlota compareceram. Tudo indica que os principais integrantes da comissão estavam rompidos.

A despeito da crítica situação política do país fora do Congresso e no seio da comissão especial, Bertha insistiu em uma ampla reforma da condição legal da mulher.23 23 Bertha também ofereceu quatro emendas ao projeto em discussão sobre a Justiça do Trabalho, prevendo amparo à mulher trabalhadora, especialmente, permitindo à mulher casada acionar a justiça em favor de seus direitos, sem a autorização do marido. Todas as suas emendas foram rejeitadas (Projeto n. 104-A/1937, DPL, 21.7.1937, p. 35023-35062). Era uma ambiciosa reforma no status civil, penal e social das mulheres, contendo 150 artigos que detalhavam as mudanças em quase todos os aspectos da vida feminina.24 24 Projeto n. 736/1937 propõe o Estatuto da Mulher ( DPL, 10 e 29.10.1937).

A discussão do projeto de Estatuto Jurídico da Mulher na comissão especial foi concluída em 15 de outubro de 1937. O texto previa a imediata abolição de qualquer restrição jurídica às mulheres que estivesse baseada no sexo ou no estado civil, garantia às mulheres o direito de ter uma atividade profissional sem a interferência dos maridos, proibia empregadores de despedir mulheres grávidas e permitia à concubina herdar bens ou estipêndios previdenciários de seu companheiro falecido.25 25 Projeto de Lei n. 736/1937, artigos n. 5, 24, 34, 41, 47 e 102.

As feministas também não se esqueceram das viúvas com filhos e propuseram a revogação dos artigos do Código que estabeleciam a perda do pátrio poder pela viúva que viesse a se casar novamente. Também contemplaram as donas de casa com dez por cento da renda familiar, se não tivessem ocupação remunerada.

Seguem-se alguns trechos de artigos que revelam o espírito ousado da proposta de Bertha para a época:26 26 Projeto de Lei n. 736/1937.

Art. 41. A mulher não terá a sua capacidade restringida em virtude de mudança de estado civil. [...]

Art. 48. Antes de celebrado o casamento serão obrigatoriamente arrolados todos os bens e rendas de cada nubente. [...] essa formalidade é indispensável para a validez da celebração.

Art. 50. Na falta de convenção, ou sendo nula, vigora o regime de comunhão limitada.

Art. 53. Ficam sob a administração própria de cada cônjuge os bens que lhe pertencerem exclusivamente.

Art. 54. A administração dos bens comuns do casal compete a ambos, conjuntamente, podendo entretanto um delegar a outro mandato expresso.

O teor desses artigos faz pensar. O que pretendiam Bertha e suas colaboradoras ao romper com os pilares de sustentação ideológicos do poder dos homens no lar - a responsabilidade não partilhada de administrar os bens, o regime patrimonial de comunhão, a tutela sobre as esposas e filhos? Instaurar um novo país por força da lei? Isso tudo, lembre-se, sob a ameaça constante de estado de sítio e supressão de direitos individuais.

Não é possível concordar com Raquel Soihet quando ela afirma [que] "a dissolução do Congresso em 1937, antes da aprovação do projeto, impediu que o Estatuto da Mulher entrasse em vigor".27 27 SOIHET, 2006, p. 94. Nem todo o presumido apoio de Vargas, nem a força persuasiva da experiente Bertha Lutz, no mundo da política há quase vinte anos, nem as pressões das ativistas poderiam garantir a aprovação do projeto do Estatuto como fora apresentado. As frágeis alianças políticas no Congresso não sustentariam a tramitação de uma peça legislativa tão complexa, com tantos artigos controversos, quase todos articulados entre si. Insistir no texto do projeto como tal era uma manobra política arriscada e certamente Bertha sabia disso. Por que ela adotou essa conduta de enfrentamento? A convicção de ter diante de si a oportunidade para eliminar do país as iniqüidades que mantinham a mulher inferiorizada em todas as esferas - na família e no mundo do trabalho? Ninguém que a conheceu a questionou sobre isso. Só podemos conjecturar.

Como temiam as feministas, os direitos previstos na Carta de 1934 eram frágeis. Alguns deles foram suprimidos pelo regime ditatorial que se instalou no país, a exemplo da proteção do emprego de mulheres grávidas e da garantia de acesso a carreiras públicas.28 28 Amélia DUARTE, 1938. Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, o trabalho feminino recebeu proteção parcial, comparativamente ao previsto na Constituição de 1934. Em um dos artigos da CLT, diz-se que uma mulher casada tem autorização presumida de seu marido para exercer atividade assalariada, mas a lei oferecia ao homem o direito de exigir o fim do contrato de trabalho de sua esposa, caso julgasse que a ordem familiar estivesse ameaçada ou considerasse o trabalho dela perigoso. Na prática, passados 27 anos, o Código Civil de 1916 ainda estava bem presente na vida das mulheres brasileiras.29 29 CLT, Decreto n. 5.452/1943, capítulo II, artigo n. 446. Ver também Marly CARDONE, 1975, e VERUCCI, 1987.

3. Democracia de massas e reformas nos direitos civis

Com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o país voltou-se a reformas constitucionais básicas. A Constituição de 1946 foi uma resposta à repressão política dos anos anteriores: restaurou a democracia e deu grandes poderes ao Legislativo. Essa Carta reduziu os poderes do Executivo de definir políticas e a maioria dessas iniciativas ficou nas mãos dos congressistas. Assim, o Legislativo brasileiro definia e legitimava a política nacional. Porém, as iniciativas do Congresso Nacional não tinham muita chance de sucesso se os proponentes não pertencessem aos partidos dominantes - como o Partido Social Democrático (PSD), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ou União Democrática Nacional (UDN). Na realidade, a pluralidade das forças políticas podia mudar o pensamento da coalizão eleitoral construída no jogo legislativo.

Nesse quadro, um jovem advogado da Bahia iniciou sua carreira política nacional. Seu nome era Nelson Carneiro e seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados começou em 1947, eleito pela UDN. Contudo, Carneiro não integrou muito tempo a UDN e foi reeleito deputado federal em 1950 pela coalizão do PTB com o PSD e um pequeno partido - Partido da Representação Popular (PRP).30 30 Em 1958 Carneiro filiou-se ao PSD. Ver Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (Alzira ABREU et alii, 2001).

Carneiro teve sucessivos mandatos como congressista até sua morte em 1994 e é lembrado como o autor da lei do divórcio de 1975, mas suas iniciativas em favor das reformas das leis civis vêm de longa data. De fato, seus mandatos eletivos podem ser caracterizados como dedicados aos direitos civis. Durante sua longa vida política Carneiro teve um antagonista no Monsenhor Arruda Câmara (1905-1970). Este era natural de Pernambuco e foi eleito deputado federal em 1935, em 1946 e sucessivamente até sua morte em 1970. Foi um dos responsáveis pela fundação do Partido Democrata Cristão (PDC) e pautou sua vida parlamentar pela defesa intransigente da família patriarcal.31 31 Ver ABREU et alii, 2001.

Favoráveis a reformas nos direitos das mulheres casadas, havia os protagonistas masculinos, e as advogadas e feministas Romy Martins Medeiros da Fonseca (1921-) e a já mencionada Orminda Ribeiro Bastos, integrantes do Instituto dos Advogados do Brasil (doravante IAB). Juntas, escreveram o texto preliminar da lei do senador Mozart Lago, apresentada em 1952, relativo à incapacidade jurídica das mulheres casadas.32 32 Entrevistas com Romy Martins Medeiros da Fonseca.

Bertha Lutz não tomou parte nesse esforço por reforma, apesar de seu prestígio entre as ativistas. Como afirmam seus biógrafos, depois da Segunda Guerra Mundial Bertha dedicou seu tempo e energia para preservar a memória do seu pai, o cientista Adolfo Lutz, e cuidar de sua própria carreira como cientista.33 33 SOIHET, 2006.

Coube a Nelson Carneiro reiniciar a luta pela reforma das leis civis quando a democracia foi restaurada no Brasil. Sua primeira iniciativa foi propor uma lei regulando os direitos das companheiras, que o Código denominava concubinas, em 1947.34 34 Projeto n. 122/1947, AHCD. Sua intenção era estender a todas as mulheres em uniões informais o direito de usufruir dos mesmos benefícios sociais vigentes para as mulheres casadas legalmente. Esse projeto enfrentava a antiga prática da população pobre de manter uniões informais, tratadas pelo Código Civil como ilegais e similares a relações adúlteras. Assim como Bertha havia tentado dez anos antes, Carneiro pretendia equiparar a companheira à esposa no direito a benefícios sociais.

O projeto chegou a ser aprovado pela Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, mas recebeu forte oposição do deputado Monsenhor Arruda Câmara. Para o religioso, o projeto transformava a concubinagem num estado marital oficial. A pressão da Igreja teve efeito, impedindo que os trabalhos legislativos chegassem a uma conclusão.35 35 Nelson CARNEIRO e Orlando GOMES, 1958.

Apesar da derrota política, Carneiro manteve a linha de atuação parlamentar, oferecendo, em 1952, uma ambiciosa emenda constitucional para suprimir do texto constitucional a indissolubilidade do casamento.36 36 Emenda Constitucional n. 4 de 1952. Essa proposta gerou uma rude reação do Monsenhor Arruda Câmara, que havia se empenhado pessoalmente, como deputado constituinte, para incluir essa cláusula no texto constitucional de 1946. A emenda de Carneiro foi votada no dia 11 de agosto e recebeu 187 votos contrários e 46 favoráveis. Como interpretar esse resultado para a carreira política de Carneiro: outra derrota definitiva ou um recuo na insistência no tema dos direitos civis? Parece que a segunda alternativa.

Para Arruda Câmara, o país estava sob a ameaça de divorcistas e urgia aos católicos promover uma cruzada santa contra isso. Escreveu o padre ao refletir sobre sua atuação pública: "O divórcio abre as portas para o comunismo!"37 37 CÂMARA, 1960 (o prefácio data do ano de 1952).

Esses embates revelam que, no vocabulário político dos anos 1950, visões opostas das relações de gênero compunham um debate ideológico maior: a disputa entre os anticomunistas e as forças democráticas acerca da extensão da participação política.

No início de 1952, Nelson Carneiro propôs um projeto alterando os direitos civis das mulheres casadas.38 38 PLC 1.804/1952, apresentado em 31 de março e publicado em 1º de abril ( DCN, 1.4.1952, p. 2557). Nelson Carneiro apresentara projeto similar (PLC 431/1950) regulando direitos de mulheres casadas em junho de 1950. Esse projeto foi arquivado. Em sete artigos, o projeto tornava iguais os cônjuges em termos de direitos e obrigações, ao suprimir do Código o instituto que autorizava os maridos a proibir atividade profissional remunerada de suas mulheres.

O projeto de Carneiro tocava em outros aspectos importantes da vida conjugal, pois preservava o patrimônio pessoal das mulheres dos maridos pródigos. Pela reforma, as mulheres podiam aceitar heranças sem a concordância de seus maridos. Acima de tudo, o projeto instituía o regime parcial de bens como regra geral para os casamentos. No entanto, o poder de administrar o patrimônio comum permanecia nas mãos do marido. Para viúvas casadas em segundas núpcias, o pátrio poder sobre os filhos tidos no primeiro casamento foi mantido.

De modo evidente, o projeto de Carneiro era bem menos ambicioso do que aquele proposto por Bertha anos antes. Foi formulado de modo a reduzir resistências ao enfatizar a abolição da incapacidade jurídica das mulheres casadas. É bem verdade que a lei aprovada dez anos depois, e que resultou do projeto de 1952, continha muitos mais itens, alguns deles contraditórios, frutos da longa tramitação legislativa.

Em junho daquele ano, para examinar o projeto foi criada uma comissão especial presidida pelo jurista e membro do PTB José Adriano Marrey Júnior (1885-1965).39 39 Deputado federal pelo PTB, Marrey Júnior era de Minas Gerais e se elegera por São Paulo. Em 1952, presidia a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde publicamente expressava sua simpatia por reformas nos direitos civis de mulheres casadas (ver ABREU et alii, 2001) (Ficha de sinopse, Projeto n. 374/1952, AHSF). A comissão especial foi favorável ao projeto de lei de Carneiro, mas redigiu uma nova versão para ela. Enquanto isso, Arruda Câmara apresentou três emendas ao projeto, as quais foram rejeitadas pelo relator.

Em uma sociedade ideologicamente polarizada, o debate parlamentar não poderia ser diferente. Derrotado na comissão especial, Arruda Câmara optou por derrubar o projeto no plenário da Câmara. Assim, o religioso discursou contra o projeto em 6 de outubro argumentando que a perda da autoridade masculina no lar levaria à anarquia social.40 40 DCN, 7,10.1952, p. 10473. A fim de conferir autoridade ao seu discurso, Câmara leu em plenário opiniões de três juristas contrários à reforma. O que todos afirmavam, em essência, é que a igualdade dos direitos no interior da vida doméstica afetaria a posição do homem como cabeça da família, trazendo graves conseqüências para a administração do patrimônio familiar.41 41 DCN, 7,10.1952, p. 10473. Em apenas um ponto, Câmara e os juristas estavam dispostos a ceder: a supressão da mulher casada do rol das pessoas legalmente incapazes, apesar de elas ainda permanecerem sujeitas a restrições.

O projeto de Carneiro recebeu a primeira discussão em plenário no dia 8 de outubro, quando Nelson Carneiro e Arruda Câmara travaram um duelo de discursos. Ao se iniciar a votação do projeto, Arruda tomou a palavra e requereu que suas emendas fossem votadas em separado. O teor da proposta do clérigo restaurava a necessidade de o marido autorizar a mulher a acionar a Justiça em defesa de direitos civis e para o exercício de uma atividade profissional.42 42 DCN, 9.10.1952, p. 10662. As emendas de Arruda Câmara foram aprovadas pela maioria dos deputados presentes ao plenário, sendo Carneiro claramente derrotado na batalha daquele dia.

Após isso, o projeto foi reenviado à comissão especial a fim de sofrer nova redação. No final de novembro, a comissão publicou a nova versão do texto e o enviou ao plenário para uma segunda discussão.43 43 DCN, 20, 22 e 25.10.1952. Essa nova versão suprimia a obrigatória autorização do marido, que era o principal objetivo das emendas de Arruda Câmara, e restaurava, em linhas gerais, as idéias contidas no projeto original oferecido por Nelson Carneiro. Em 21 de novembro, o plenário da Câmara dos Deputados votou o texto da comissão especial e o aprovou. No dia 29, a versão definitiva do projeto foi publicada. Esse ato encerrou a tramitação do projeto de lei nessa Casa e, em seguida, a proposta foi submetida ao exame do Senado.

Essa longa narrativa do tortuoso caminho legislativo tomado pela reforma dos direitos civis das mulheres casadas apresentada por Carneiro exemplifica a importância da negociação de bastidores para neutralizar a resistência a inovações institucionais. Está claro que o deputado Marrey Júnior partilhava das mesmas convicções de Carneiro, pois, de outra forma, o projeto teria sido rejeitado logo de início. Entretanto, Nelson Carneiro e Marrey não eram os únicos políticos preocupados em reformar as leis civis em favor das mulheres, uma vez que a idéia estava sendo amplamente discutida publicamente naqueles dias.

Em 24 de julho de 1952, o senador Mozart Lago (1889-1974) apresentara ao Senado projeto de teor similar ao de Carneiro.44 44 Projeto n. 29/1952, AHSF. Após isso, a proposta de Lago foi enviada à Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa, a qual escreveu um parecer especial a seu respeito. Uma comissão especial chegou a ser formada em 17 de setembro, mas não há registro de reuniões no Arquivo do Senado. Desse modo, tudo indica que o projeto de Lago só veio a ser discutido no Senado em agosto de 1958.45 45 Anotações do andamento do projeto contidas na sua capa, conforme original arquivado no AHSF.

Quando apresentou seu projeto, Mozart Lago estava no seu primeiro e único mandato no Senado, tendo sido eleito pelo Partido Social Progressista no Distrito Federal. Ele havia sido deputado federal nos anos 1930 e fora investido no mandato de senador na vaga deixada por Luís Carlos Prestes, cujo partido foi declarado ilegal em maio de 1947. Por conta disso, Lago não tinha à frente um mandato regular de oito anos no Senado, mas apenas a metade desse tempo.46 46 ABREU et alii, 2001. No pleito de 1954, Lago lançou-se novamente ao Senado, mas não conseguiu se eleger. Isso significa que, em contraste com Nelson Carneiro, Mozart Lago não estava mais no Congresso no final dos anos 1950 para defender seu projeto e negociá-lo durante o processo de análise.

O senador Lago parece ter sido motivado pelas novas tendências nas relações internacionais na América Latina no pós-guerra, em que as discussões diplomáticas passavam a incorporar os direitos das mulheres em resposta ao movimento de opinião pública. Essas tendências se manifestavam nos fóruns internacionais de que a diplomacia brasileira participava. Em março de 1948, por exemplo, a cidade de Bogotá, na Colômbia, sediou a IX Conferência Interamericana das Nações Unidas, cuja resolução final recomendou mudanças para garantir às mulheres os mesmos direitos civis e políticos dos homens. Entretanto, como estabelecido pela Constituição brasileira de 1946, qualquer convenção ou tratado internacional devia ser submetido ao Legislativo, o único poder na República capaz de aprová-lo. Por conta disso, o Executivo converteu o texto da Convenção de Bogotá em projeto de lei, em 1950, e o submeteu à Comissão de Diplomacia da Câmara dos Deputados, que o aprovou, assim como o plenário. A lei foi publicada no Diário do Congresso Nacional e se tornou a posição oficial do Brasil sobre o assunto.47 47 DCN, 22.12.1951. Entretanto, isso não quer dizer que uma mudança na legislação doméstica seguir-se-ia à decisão de política externa, automaticamente, apesar de Romy Medeiros afirmar que a repercussão dessa e de outras conferências internacionais sobre a opinião pública doméstica tenha sido decisiva para acelerar a discussão da reforma.

As forças conservadoras não davam sinais de aceitar a idéia de que os direitos civis do país deveriam alinhar-se às recomendações internacionais. Por exemplo, quando Monsenhor Câmara discursou no plenário contra o projeto de Nelson Carneiro, sustentou que a efetividade da convenção de Bogotá dependia do modo como viria a ser interpretada de acordo com a legislação civil brasileira. Na ocasião, Câmara leu o questionamento do jurista José Dalmo Belfort de Matos (1914-?) sobre os limites da convenção: referia-se às mulheres em geral ou afetava as mulheres enquanto estivessem casadas? Na lógica de Belfort, a convenção impunha ao país o compromisso de promover mudanças institucionais de modo a tornar iguais algumas mulheres, mas não todas elas. Apenas as solteiras, as viúvas, separadas ou divorciadas - a depender do país - poderiam se beneficiar da convenção de Bogotá. Nas palavras de Monsenhor Câmara, o Brasil assumiu o compromisso internacional de promover a igualdade entre mulheres e homens, porém, não a igualdade entre os esposos.48 48 Parecer do jurista J. Dalmo F. Belfort, incorporado ao discurso do Monsenhor Arruda Câmara ( DCN, 7.10.1952, p. 10474). Dados biográficos: www.bycable.com.br/clientes/oftalmo/ascendencia.htm.

Ao justificar seu projeto de lei, Mozart Lago mencionou as recentes resoluções internacionais que recomendavam reformas nas leis civis, a exemplo da Declaração dos Direitos dos Homens, de 1945, da Convenção de Bogotá e do discurso que o Presidente Vargas dirigiu aos membros da Oitava Assembléia Interamericana Feminina, sediada no Rio de Janeiro, em julho de 1952.49 49 Projeto de Lei n. 29/1952, AHSF. Ver também DCN, 25.7.1952, p. 7152-7153. Nesse discurso, Vargas assumiu o compromisso público de apoiar as reivindicações femininas por reformas institucionais e, na mesma reunião, Romy Medeiros e Orminda Bastos apresentaram uma comunicação sobre o assunto. Segundo se recorda Romy, foi com base nesse documento que as advogadas escreveram a primeira versão do projeto apresentado por Lago ao no Senado.50 50 Assim afirmou a entrevistada às autoras. O parecer elaborado pelo IAB, apresentado no Senado na Comissão de Direito Privado, em novembro de 1960, corrobora a informação (Projeto n. 29/1952, AHSF, e DCN, 25.7.1952).

A estratégia política de Lago tem pontos em comum com a conduta pública de Bertha.. Ambos se valem do artifício retórico de apelar para a emoção da platéia quando defendem a necessidade de reformas legais em favor das mulheres. O exemplo de outras nações é sempre invocado para convencer os ouvintes de que, se desejarmos atingir o mesmo patamar de civilização, devemos segui-las. A experiência mostrou, no entanto, que a oposição conservadora não costumava se render a essas manobras persuasivas.

Em outras palavras, não importa quão empenhada estivesse a diplomacia de um país em promover reformas modernizantes; a única arena política relevante para mudanças nos direitos civis continuava a ser a doméstica. Qualquer proposta de alteração no quadro das leis civis, para ter sucesso, necessita de um movimento de opinião pública favorável, associado à simpatia de atores políticos. Como se vê na trajetória política de Romy Medeiros e Nelson Carneiro, insistência também contava a favor.

Em 1958, Carneiro, sem mandato, reeditou um livro examinando a tradição jurídica brasileira acerca do reconhecimento de filhos naturais (Do reconhecimento dos filhos adulterinos). Associado ao seu antigo professor na Faculdade de Direito da Bahia, Orlando Gomes, Carneiro reúne nesse livro comentários sobre a jurisprudência brasileira que vinha, por um lado, reconhecendo o direito de companheiras a montepios e pensões devidas aos companheiros falecidos, mas, por outro, considerava filhos de pessoas desquitadas como adulterinos, ao invés de naturais. Toda uma parcela do país vivia então em "estado de casado", seja porque jamais se casara, seja por força de desquites. Para essas pessoas, havia precário ou nulo amparo legal. E mesmo as companheiras a que os tribunais das capitais vinham concedendo pensões não tinham isso assegurado, pois bastava um juiz de comarca distante não reconhecer a jurisprudência e decidir conforme o vetusto Código Civil para ficarem desamparadas.51 51 Projeto de Lei n. 122/1947, Câmara dos Deputados. CARNEIRO e GOMES, 1958, p. 108.

Carneiro chegara a apresentar um projeto com esse teor em 1947 que nem sequer teve o relatório aprovado pelos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça, por assumida interferência de Arruda Câmara sobre o então presidente da Comissão, o baiano Agamenon Magalhães.

Ao livro de Carneiro, Arruda Câmara respondeu de várias formas: com discursos e panfletos. Fora da Câmara dos Deputados, ele usou seu poder junto à comunidade católica para rejeitar, em prédicas e documentos eclesiásticos, mudanças legais que pudessem afetar a instituição da família. Carneiro fez o mesmo para outras platéias, defendendo a necessidade de novas leis civis.52 52 Em 1953, Nelson Carneiro concorreu novamente à Câmara dos Deputados, mas perdeu por causa da campanha pública feita contra ele pela Igreja Católica da Bahia. Transferiu-se para o Rio de Janeiro e elegeu-se deputado federal pelo PSD em 1959. Ver ABREU et alii, 2001.

Surpreendentemente, a despeito de toda resistência nos meios sociais conservadores, o projeto de Nelson Carneiro sobre as mulheres casadas teve boa acolhida entre parlamentares de diferentes correntes políticas. Apenas esse projeto tramitou em direção à aprovação, ao passo que todos os demais apresentados pelo deputado sofreram o destino do arquivamento: o projeto de reconhecimento de filhos adulterinos, o que propunha mudanças nos procedimentos de anulação de casamentos, e a emenda que retirava do texto constitucional a cláusula do casamento indissolúvel. Por que esse e não os outros? Infelizmente, não há dados eleitorais para esse período que permitam concluir as tendências do eleitorado feminino naqueles dias, mas é plausível que os atores políticos engajados no esforço de reforma estavam sensíveis aos apelos desse eleitorado e buscavam obter ganhos políticos de reformas favoráveis a mulheres adultas.53 53 Consultamos os arquivos do Tribunal Superior Eleitoral em busca de resultados eleitorais dos anos 1950, mas os números não segregam votos dados por eleitores femininos de masculinos. Dessa forma, é impossível avaliar a tendência de cada um deles.

Como se viu antes, entre 1953 e 1958 nem Mozart Lago nem Nelson Carneiro tinham mandatos eletivos. Essa lacuna na carreira política de ambos marcou a velocidade da tramitação dos seus respectivos projetos, apresentados em 1952. Ao menos, Carneiro conseguira aprovar o seu na Câmara dos Deputados ao final de 1952, mas Lago não teve o mesmo sucesso no Senado.

Em setembro de 1958, o relator da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Attílio Vivácqua (1894-1961),54 54 Attílio Vivácqua, advogado e senador pelo Espírito Santo fora um dos fundadores do Partido Republicano no estado e ativo membro de associações de advogados (Ver ABREU et alii, 2001). requereu da Mesa daquela Casa que ambos os projetos fossem considerados simultaneamente.55 55 Enquanto tramitou na Câmara, o projeto de Carneiro sobre direitos civis de mulheres casadas recebeu o número 1.804/1952; sob a consideração do Senado, passou a ter o número 374/1952. A proposta de Vivácqua foi aprovada no plenário do Senado no mês de agosto do ano seguinte.56 56 Precisamente em 30 de agosto de 1959. Aqui segue-se a folha de rosto do projeto arquivado, Projeto n. 29/1952, AHSF.

Examinado novamente pela Comissão Constitucional, o Projeto 374 (o de Carneiro) recebeu nova versão elaborada pelo relator Vivácqua. Mantinham-se as idéias originais do projeto de Carneiro, porém com modificações em aspectos técnicos do texto. Havia, porém, uma importante alteração. Essa nova versão previa a maioridade civil aos 18 anos, contrariamente ao Código Civil que estabelecera a maioridade civil na idade de 21 anos. Houve outras duas importantes modificações de Vivácqua, uma sobre o regime patrimonial do casamento mas que mantinha a comunhão universal de bens prevista no Código; a outra afetava o pátrio poder. O jurista propôs ainda que, em caso de divergência entre cônjuges, a esposa poderia recorrer à Justiça para reverter atos do marido.

Em dezembro de 1959, Vivácqua escreveu um parecer sustentando que o projeto originado na Câmara dos Deputados tinha prioridade para ser considerado em face do originado no Senado.57 57 Parecer n. 924/1959 ( DCN, 16.12. 1959). Assim, foi uma nova versão do 374/1952 que entrou na pauta de discussão dessa Casa no ano legislativo de 1960. Entrou em pauta duas vezes, sem ser discutido por falta de quorum. Apenas na reunião do dia 13 de junho de 1961 um parecer elaborado pelo IAB foi lido na Comissão de Direito Privado do Senado, onde o projeto estava então sob consideração.

O parecer do IAB aprovava a versão de Vivácqua em termos gerais, mas rejeitava a mudança na idade de maioridade, o retorno ao regime de comunhão universal de bens e as modificações no pátrio poder. O parecer propunha, ao contrário do projeto, que a autoridade sobre a criança fosse responsabilidade do homem, cabendo à mulher exercê-la apenas na ausência do pai. No entanto, outras importantes mudanças institucionais apresentadas pelo projeto Carneiro-Vivácqua foram aprovadas pela entidade dos advogados, particularmente a liberdade profissional para mulheres casadas.

Em junho de 1962, a peça legislativa entrou em nova discussão no plenário do Senado, onde recebeu várias emendas. Ao retornar à Comissão de Constituição e Justiça, o projeto e suas emendas foram analisados pelo novo relator, o mineiro Milton Campos (1900-1971), que assumira o lugar deixado pela morte de Vivácqua em 1961. Campos aceitou a tese do IAB, rejeitou algumas propostas controversas apresentadas por Vivácqua e incorporou dez emendas do plenário do Senado. Assim, redigiu o texto final do projeto.58 58 Parecer n. 202/1962 ( DCN, 15.6.1962). É preciso ressalvar que a maior parte dessas emendas se detinha em detalhes do texto, isto é, em aspectos gramaticais e técnicos. Depois, a versão de Campos foi votada e aprovada no plenário do Senado. Em conseqüência, o Projeto n. 29/1952, apresentado por Mozart Lago, foi arquivado.

O conflito político permanente daqueles anos reduziu a repercussão da reforma dos direitos civis das mulheres casadas. Ao mesmo tempo que o projeto de Nelson Carneiro sofria as últimas alterações na discussão no Senado, o país se envolvia com o plebiscito sobre o sistema de governo. As forças conservadoras estavam alarmadas com o que entendiam ser o crescimento da influência das esquerdas, e as paróquias católicas foram mobilizadas a votar pelo parlamentarismo, em uma cruzada anticomunista promovida, entre outros, por Arruda Câmara.

Assim mesmo, e a despeito de todo o conflito, o projeto tornou-se a Lei n. 4.121, em 27 de agosto de 1962, assinada pelo Presidente da República João Goulart e pelo Primeiro-Ministro Francisco Brochado da Rocha. É possível questionar: após essa longa tramitação e a interferência de tantos políticos, a lei trouxe um avanço real à condição jurídica das mulheres no país?

O ponto mais conservador da lei era manter o homem como chefe do lar, e seu ponto positivo estava em liberar da tutela do marido a mulher que desejasse ter uma profissão. No entanto, o homem manteve a responsabilidade exclusiva de administrar os bens comuns.

Em outros termos, o resultado doce-amargo do esforço de reforma desagradou a Bertha Lutz, que observava os acontecimentos com atenção. Além da manutenção do regime universal de bens, que desagradou a muitos observadores, como Bertha, a reforma trouxe outra conseqüência não prevista no projeto original. A partir da Lei n. 4.121, os frutos do trabalho, ou seja, a renda salarial não mais seria partilhada pelos casais, como previsto no Código Civil. Ora, como a maioria das mulheres ainda não participava do mercado de trabalho, o dispositivo significava perder acesso à renda do marido.59 59 Jacob DOLINGER, 1966.

Entre os que interferiram na reforma ao longo da tramitação, Milton Campos foi diretamente responsável pela manutenção do regime universal de bens, contrariando a proposta original de 1952. Em justificativa à sua decisão como relator, Campos escreveu que a alteração proposta abriria caminho para a instabilidade no interior das famílias.60 60 Milton Campos, Parecer n. 65/1962 - Parecer à Comissão de Constituição e Justiça do Senado ( DCN, 5.4.1962).

Com tantas concessões feitas em nome da instituição da família, a reforma não agradou a Bertha. Embora ela tenha celebrado a queda da incapacidade jurídica da mulher casada, Bertha escreveu a um amigo sobre a lei: "Falta tudo mais".61 61 Carta de Bertha Lutz a João C. Rodrigues, datada de 4 de abril de 1963. Publicada por João C. RODRIGUES, 1995, p. 111.

Considerações finais

Este artigo examina dois processos decisórios em diferentes momentos históricos do país. Neles, congressistas foram levados a decidir se a condição legal das mulheres deveria ser igualada à dos homens, ou se a tradição cultural da submissão feminina deveria ser preservada. À luz dessas experiências, pode-se retomar a pergunta apresentada no início do trabalho. Afinal, qual parece ser o melhor caminho para promover uma mudança institucional? Ou, que fatores sociais podem interferir na decisão de mudar a condição jurídica da mulher?

Ao observar a experiência política do país, conclui-se que, em questões relativas a mulheres, três fatores sociais interferem: primeiro, o ambiente político e cultural favorável a mudanças modernizantes. Isso é observado na consciência, por grupos de interesse, da distância entre o país legal e a vida real. Também a forma como o tema é tratado na imprensa, na literatura e em manifestações públicas revela tendências na opinião pública em favor da mudança institucional. Porém, não somente isso.

O segundo fator que assumiu papel importante em reformas foi o movimento feminista. A existência de grupos feministas organizados, com uma clara agenda pública, mostrou-se decisiva. Terceiro, como a reforma de 1962 mostrou, não se pode negar que os deputados e senadores que trabalharam pela reforma tinham em mente obter recompensas eleitorais.

Nenhum desses três fatores estava presente durante a discussão do Código Civil e, assim, o resultado foi um texto legal conservador para as mulheres casadas. Os responsáveis pelo Código optavam por manter o status quo ante e construir no papel um país que só existia idealmente.

Quando foi a vez de Bertha Lutz dar sua contribuição para mudar a condição juridical das mulheres no Brasil, a cena pública continha apenas o segundo fator mencionado, uma vez que o país estava sob grave tensão política e, pior, havia pouco espaço político para negociar a ampliação de direitos individuais. Examinando em retrospecto, Bertha e suas colaboradoras dispunham de um repertório político adequado para atuar nos quadros do sistema político liberal, ao passo que o momento político que o país vivia em 1937 caminhava no sentido contrário. Dessa forma, a atuação parlamentar das feministas se baseou em um conflito entre propósitos e meios.

Finalmente, nos anos 1950, um ator político fundamental estava ausente: o feminismo. Todo o resto estava lá. Talvez por conta disso, a Lei de 1962 pode ser entendida como uma modernização conservadora: um avanço aparente na condição legal das mulheres, embora um avanço cheio de restrições.

Ao mesmo tempo, o Brasil vivia a emergência dos movimentos políticos de massa na cena pública. A isso, as forças conservadoras responderam propondo limites à participação política, qualquer que fosse ela. Como não podia ser diferente, também a resistência a mudanças nos direitos civis das mulheres casadas foi contaminada pelo ideário anticomunista. Qualquer concessão era considerada uma ameaça ao equilíbrio dos poderes no mundo doméstico e, em conseqüência, uma janela para a desordem política.

Os líderes políticos de centro-direita tinham consciência das várias faces da questão. Eles sabiam que os limites impostos às mulheres casadas - eleitoras, é bom lembrar - tornavam-se intoleráveis. Ao mesmo tempo, a imagem do país no exterior estava em jogo e os políticos conservadores que trabalharam pela reforma eram, provavelmente, bastante sensíveis a esse aspecto do problema.

É significativo que o final da discussão do projeto tivesse ocorrido em Brasília: longe das pressões da população das grandes cidades, junto à poeira do cerrado. Com isso, afirma-se que as feministas de classe média e as forças populares tiveram fraca voz, ou nenhuma, na definição do formato final do texto do projeto.

Não se sabe ainda bem se os instrumentos de opressão doméstica oferecidos pelo Código Civil eram realmente usados contra as mulheres. É suficiente dizer que a lei podia ser usada a qualquer momento contra a mulher, especialmente durante crises conjugais. Parece claro que as concessões dadas às mulheres na lei de 1962 foram equilibradas com dispositivos pensados para preservar a estabilidade do casamento. Dito de outra forma, a reforma era moderna o suficiente para melhorar a imagem do país no exterior e, por outro lado, oferecer às mulheres de classe média a sensação de ganho parcial de autonomia. Ao mesmo tempo, a lei foi pensada para ser conservadora o suficiente de modo a reduzir a resistência da Igreja Católica a ela.

Referências bibliográficas

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Jornais e periódicos

Diário do Congresso Nacional (DCN), vários anos.

Diário do Poder Legislativo (DPL), vários anos.

Observador Econômico e Financeiro, anos 1937 e 1939.

Revista do Serviço Público, vários anos.

Fontes orais

Entrevistas de Romy Martins Medeiros da Fonseca concedidas às autoras nos dias 12 de setembro de 2004 e 3 de março de 2005.

Arquivos

Arquivo Histórico da Câmara dos Deputados - AHCD: vários projetos.

Arquivo Histórico do Senado Federal - AHSF: vários projetos.

Recebido em maio de 2007 e aceito para publicação em dezembro de 2007

  • ANDRADE, Adriana Strasburg de G. Mulher e trabalho no Brasil dos anos 90 2004. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas.
  • ABREU, Alzira et alii. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro Rio de Janeiro: FGV, 2001.
  • BESSE, Susan. Restructuring Patriarchy: The Modernization of Gender Inequality in Brazil, 1914-1940 Chapel Hill: University of North Caroline Press, 1996.
  • BEVILÁCQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Comentado por Clóvis Bevilácqua Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917.
  • BRASIL. SENADO FEDERAL. Códigos Civis do Brasil: do Império à República, uma retrospectiva histórica Brasília: Senado Federal, 2002. CD-ROM.
  • CÂMARA, Arruda A batalha do divórcio 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1960.
  • CARDONE, Marly A. "Aspectos histórico-sociais do direito do trabalho da mulher". Revista de Direito do Trabalho, n. 3, n. 14, p. 23-45, 1978.
  • CARNEIRO, Nelson; GOMES, Orlando. Do reconhecimento dos filhos adulterinos Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958.
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  • MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. "Dote e falências na legislação comercial brasileira, 1850 a 1890". Econômica, Niterói, UFF, v. 3, n. 2, p. 173-206, 2001a.
  • ______. "Bertha Lutz". In: SCHUMAHER, Shuma; BRASIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001b. Verbete.
  • ______. "FBPF". In: SCHUMAHER, Shuma; BRASIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001c. Verbete.
  • ______. "A mulher casada no Código Civil de 1916. Ou, mais do mesmo". Textos de História, Brasília, UnB, v. 12, n. 1/2, p. 127-144, 2004a.
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  • MEIRELES, Cecília. "Trabalho feminino no Brasil". O Observador Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, n. 17, p. 62-72, 1937.
  • ______. "Trabalho feminino no Brasil". O Observador Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, n. 42, p. 93-107, 1939.
  • NAZZARI, Muriel. Disapperance of Dowry: Women, Families, and Social Change in São Paulo, Brazil, 1600-1900 Stanford: Stanford University Press, 1991.
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  • SCHUMAHER, Shuma; BRASIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil 2. ed. Coordenação de pesquisa: Teresa Cristina de Novaes Marques e Hildete Pereira Melo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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  • VERUCCI, Florisa. A mulher e o direito São Paulo: Nobel, 1987.
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  • Diário do Congresso Nacional (DCN), vários anos.
  • Diário do Poder Legislativo (DPL), vários anos.
  • Revista do Serviço Público, vários anos.
  • 1
    As autoras desejam expressar seu agradecimento às equipes de arquivistas do Arquivo Histórico da Câmara dos Deputados (doravante AHCD) e do Arquivo Histórico do Senado Federal (doravante AHSF), em Brasília. Também desejam registrar que as idéias aqui expostas foram aprimoradas a partir de saborosas conversas com Comba Porto, Leonor Corrêa, João Lizardo de Araújo e José Luciano Dias.
  • 2
    Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962.
  • 3
    Ainda sobre o trâmite da reforma de 1962, veja-se, sob essa perspectiva personalista, a obra da jurista Florisa Verucci
    A mulher o direito (VERUCCI, 1987) e os depoimentos de uma protagonista da reforma, a advogada Romy Medeiros da Fonseca.
  • 4
    Arno WEHLING e Maria José WEHLING, 1999, p. 545-546.
  • 5
    NAZZARI. 1991.
  • 6
    Em MARQUES, 2001a, é reexaminada a tese de Nazzari e são levantadas outras possibilidades interpretativas para a queda em desuso do dote.
  • 7
    Esse tema é explorado em MARQUES, 2004a.
  • 8
    SOIHET, 2006.
  • 9
    HAHNER, 2003; e BESSE, 1996.
  • 10
    Ver em anexo a tabela da participação feminina no mercado de trabalho.
  • 11
    MARQUES, 2001b e 2001c.
  • 12
    Projeto do Código Civil Brasileiro, 1900, Parte Geral I, Título II, p 132-133, contido no CD-ROM
    Códigos Civis do Brasil: do Império à República. Brasília: Senado Federal, 2002.
  • 13
    BEVILÁCQUA, 1917.
  • 14
    BEVILÁCQUA, 1917.
  • 15
    Relatório de 17 anos de campanha feminista, 1919-1936, apresentado por Maria Sabina de Albuquerque à Câmara dos Deputados (
    Diário do Poder Legislativo, doravante
    DPL, 29.10.1937, p. 48903-49109).
  • 16
    Decreto n. 21.417-A, de 17 de maio de 1932.
  • 17
    VERUCCI, 1987, p. 103.
  • 18
    MEIRELES, 1937 e 1939.
  • 19
    DPL, 29.10.1937, p. 48902-49109.
  • 20
    Não é o propósito aqui detalhar a campanha de Bertha à Câmara Federal, ou sua atividade parlamentar.
  • 21
    Projeto n. 623/1937 propõe a criação do Departamento Nacional da Mulher e o Conselho Geral do Lar, Trabalho Feminino, Previdência e Seguro Maternal (
    DPL, 23.10.1937).
  • 22
    Diário do Congresso Nacional (doravante
    DCN), 21.10.1937.
  • 23
    Bertha também ofereceu quatro emendas ao projeto em discussão sobre a Justiça do Trabalho, prevendo amparo à mulher trabalhadora, especialmente, permitindo à mulher casada acionar a justiça em favor de seus direitos, sem a autorização do marido. Todas as suas emendas foram rejeitadas (Projeto n. 104-A/1937,
    DPL, 21.7.1937, p. 35023-35062).
  • 24
    Projeto n. 736/1937 propõe o Estatuto da Mulher (
    DPL, 10 e 29.10.1937).
  • 25
    Projeto de Lei n. 736/1937, artigos n. 5, 24, 34, 41, 47 e 102.
  • 26
    Projeto de Lei n. 736/1937.
  • 27
    SOIHET, 2006, p. 94.
  • 28
    Amélia DUARTE, 1938.
  • 29
    CLT, Decreto n. 5.452/1943, capítulo II, artigo n. 446. Ver também Marly CARDONE, 1975, e VERUCCI, 1987.
  • 30
    Em 1958 Carneiro filiou-se ao PSD. Ver
    Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (Alzira ABREU et alii, 2001).
  • 31
    Ver ABREU et alii, 2001.
  • 32
    Entrevistas com Romy Martins Medeiros da Fonseca.
  • 33
    SOIHET, 2006.
  • 34
    Projeto n. 122/1947, AHCD.
  • 35
    Nelson CARNEIRO e Orlando GOMES, 1958.
  • 36
    Emenda Constitucional n. 4 de 1952.
  • 37
    CÂMARA, 1960 (o prefácio data do ano de 1952).
  • 38
    PLC 1.804/1952, apresentado em 31 de março e publicado em 1º de abril (
    DCN, 1.4.1952, p. 2557). Nelson Carneiro apresentara projeto similar (PLC 431/1950) regulando direitos de mulheres casadas em junho de 1950. Esse projeto foi arquivado.
  • 39
    Deputado federal pelo PTB, Marrey Júnior era de Minas Gerais e se elegera por São Paulo. Em 1952, presidia a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde publicamente expressava sua simpatia por reformas nos direitos civis de mulheres casadas (ver ABREU et alii, 2001) (Ficha de sinopse, Projeto n. 374/1952, AHSF).
  • 40
    DCN, 7,10.1952, p. 10473.
  • 41
    DCN, 7,10.1952, p. 10473.
  • 42
    DCN, 9.10.1952, p. 10662.
  • 43
    DCN, 20, 22 e 25.10.1952.
  • 44
    Projeto n. 29/1952, AHSF.
  • 45
    Anotações do andamento do projeto contidas na sua capa, conforme original arquivado no AHSF.
  • 46
    ABREU et alii, 2001.
  • 47
    DCN, 22.12.1951.
  • 48
    Parecer do jurista J. Dalmo F. Belfort, incorporado ao discurso do Monsenhor Arruda Câmara (
    DCN, 7.10.1952, p. 10474). Dados biográficos:
  • 49
    Projeto de Lei n. 29/1952, AHSF. Ver também
    DCN, 25.7.1952, p. 7152-7153.
  • 50
    Assim afirmou a entrevistada às autoras. O parecer elaborado pelo IAB, apresentado no Senado na Comissão de Direito Privado, em novembro de 1960, corrobora a informação (Projeto n. 29/1952, AHSF, e
    DCN, 25.7.1952).
  • 51
    Projeto de Lei n. 122/1947, Câmara dos Deputados. CARNEIRO e GOMES, 1958, p. 108.
  • 52
    Em 1953, Nelson Carneiro concorreu novamente à Câmara dos Deputados, mas perdeu por causa da campanha pública feita contra ele pela Igreja Católica da Bahia. Transferiu-se para o Rio de Janeiro e elegeu-se deputado federal pelo PSD em 1959. Ver ABREU et alii, 2001.
  • 53
    Consultamos os arquivos do Tribunal Superior Eleitoral em busca de resultados eleitorais dos anos 1950, mas os números não segregam votos dados por eleitores femininos de masculinos. Dessa forma, é impossível avaliar a tendência de cada um deles.
  • 54
    Attílio Vivácqua, advogado e senador pelo Espírito Santo fora um dos fundadores do Partido Republicano no estado e ativo membro de associações de advogados (Ver ABREU et alii, 2001).
  • 55
    Enquanto tramitou na Câmara, o projeto de Carneiro sobre direitos civis de mulheres casadas recebeu o número 1.804/1952; sob a consideração do Senado, passou a ter o número 374/1952.
  • 56
    Precisamente em 30 de agosto de 1959. Aqui segue-se a folha de rosto do projeto arquivado, Projeto n. 29/1952, AHSF.
  • 57
    Parecer n. 924/1959 (
    DCN, 16.12. 1959).
  • 58
    Parecer n. 202/1962 (
    DCN, 15.6.1962).
  • 59
    Jacob DOLINGER, 1966.
  • 60
    Milton Campos, Parecer n. 65/1962 - Parecer à Comissão de Constituição e Justiça do Senado (
    DCN, 5.4.1962).
  • 61
    Carta de Bertha Lutz a João C. Rodrigues, datada de 4 de abril de 1963. Publicada por João C. RODRIGUES, 1995, p. 111.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      Dez 2007
    • Recebido
      Maio 2007
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