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Gênero e cotidiano escolar: dilemas e perspectivas da intervenção escolar na socialização afetivo-sexual dos adolescentes

Gender and daily school: dilemmas and prospects of the school intervention in the affective-sexual socialization of adolescents

Resumos

Este artigo analisa as classificações de gênero utilizadas por professores que desenvolvem projetos de orientação sexual na cidade do Rio de Janeiro para explicar as perspectivas e os dilemas da intervenção escolar na socialização afetivo-sexual dos adolescentes. O material empírico que sustenta as argumentações é composto de 16 entrevistas em profundidade, realizadas com docentes responsáveis pelos espaços escolares onde se desenvolvem projetos de orientação sexual no ensino fundamental do Rio de Janeiro: os Núcleos de Adolescentes Multiplicadores (NAMs). Também foram realizadas "observações participantes" em um curso de formação para professores que desejam trabalhar com orientação sexual na escola. As representações de gênero apresentadas oscilam entre classificações modernas e tradicionais sobre a feminilidade e a masculinidade. Os projetos eram coordenados majoritariamente por professoras, e a participação discente também era basicamente feminina. As professoras buscavam coerência entre sua atuação nos espaços escolar e familiar. Porém, ao mesmo tempo que orientavam seus alunos para combater as desigualdades de gênero, apresentavam dúvidas e incertezas quanto à possibilidade de educar seus filhos a partir de ideais igualitários de gênero, principalmente os filhos homens. Situações domésticas contrastavam com performances em sala de aula, apresentando tensões entre negação e afirmação das masculinidades e feminilidades tradicionais.

orientação sexual na escola; masculinidade; feminilidade; gênero; educação


This article examines the classification of gender used by teachers who develop projects on sexual education in Rio de Janeiro to explain the views and the dilemmas of school intervention in the affective-sexual socialization of adolescents. The empirical material that supports the arguments is composed by 16 in-depth interviews, conducted with teachers responsible for school spaces where sexual education projects are developed in basic schools of Rio de Janeiro: The Centers of Adolescents Multipliers (Núcleos de Adolescentes Multiplicadores-/NAM's). Remarks were also made in a training course for teachers who wish to work with sexual education in school. The representations of gender classifications presented range from modern to traditional concerning femininity and masculinity. The projects were coordinated mostly by teachers, and pupils' participation was basically composed of women. The teachers sought consistency between their performance in school and family spaces. But at the same time that they guided their students to combat the inequalities of gender, they had doubts and uncertainties about the possibility of educating their own children according to ideals of gender equality, especially the sons. Familiar situations contrasted with performances in the classroom, presenting tensions between denial and assertion of masculinity and traditional femininities.

Sexual Education in School; Masculinity; Femininity; Gender; Education


ARTIGOS

Gênero e cotidiano escolar: dilemas e perspectivas da intervenção escolar na socialização afetivo-sexual dos adolescentes

Gender and daily school: dilemmas and prospects of the school intervention in the affective-sexual socialization of adolescents

Rodrigo Pereira da Rocha Rosistolato

Universidade Federal do Maranhão

RESUMO

Este artigo analisa as classificações de gênero utilizadas por professores que desenvolvem projetos de orientação sexual na cidade do Rio de Janeiro para explicar as perspectivas e os dilemas da intervenção escolar na socialização afetivo-sexual dos adolescentes. O material empírico que sustenta as argumentações é composto de 16 entrevistas em profundidade, realizadas com docentes responsáveis pelos espaços escolares onde se desenvolvem projetos de orientação sexual no ensino fundamental do Rio de Janeiro: os Núcleos de Adolescentes Multiplicadores (NAMs). Também foram realizadas "observações participantes" em um curso de formação para professores que desejam trabalhar com orientação sexual na escola. As representações de gênero apresentadas oscilam entre classificações modernas e tradicionais sobre a feminilidade e a masculinidade. Os projetos eram coordenados majoritariamente por professoras, e a participação discente também era basicamente feminina. As professoras buscavam coerência entre sua atuação nos espaços escolar e familiar. Porém, ao mesmo tempo que orientavam seus alunos para combater as desigualdades de gênero, apresentavam dúvidas e incertezas quanto à possibilidade de educar seus filhos a partir de ideais igualitários de gênero, principalmente os filhos homens. Situações domésticas contrastavam com performances em sala de aula, apresentando tensões entre negação e afirmação das masculinidades e feminilidades tradicionais.

Palavras-chave: orientação sexual na escola; masculinidade; feminilidade; gênero; educação.

ABSTRACT

This article examines the classification of gender used by teachers who develop projects on sexual education in Rio de Janeiro to explain the views and the dilemmas of school intervention in the affective-sexual socialization of adolescents. The empirical material that supports the arguments is composed by 16 in-depth interviews, conducted with teachers responsible for school spaces where sexual education projects are developed in basic schools of Rio de Janeiro: The Centers of Adolescents Multipliers (Núcleos de Adolescentes Multiplicadores-/NAM's). Remarks were also made in a training course for teachers who wish to work with sexual education in school. The representations of gender classifications presented range from modern to traditional concerning femininity and masculinity. The projects were coordinated mostly by teachers, and pupils' participation was basically composed of women. The teachers sought consistency between their performance in school and family spaces. But at the same time that they guided their students to combat the inequalities of gender, they had doubts and uncertainties about the possibility of educating their own children according to ideals of gender equality, especially the sons. Familiar situations contrasted with performances in the classroom, presenting tensions between denial and assertion of masculinity and traditional femininities.

Key Words: Sexual Education in School; Masculinity; Femininity; Gender; Education.

Introdução

A construção de propostas de intervenção escolar na socialização afetivo-sexual dos adolescentes promove a redefinição de classificações coletivas referentes aos papéis sociais da família e da escola. Desde o início do século XX, houve uma série de iniciativas para a criação de espaços escolares no debate sobre a sexualidade dos adolescentes.1 1 Para o histórico das propostas de educação/orientação sexual no Brasil, ver: Rodrigo Pereira da Rocha ROSISTOLATO, 2007. A partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais,2 2 BRASIL, 1997. a escola ganha legitimidade para desenvolver projetos estruturados a partir de três blocos de conteúdo: a) corpo – matriz da sexualidade; b) relações de gênero; e c) prevenção a doenças sexualmente transmissíveis (Aids) em todo o território nacional.

De acordo com Bozon,3 3 Michel BOZON, 2004. o fato de a escola ter sido privilegiada como local ideal para o debate sobre a sexualidade pode estar ressaltando que parte das atitudes sexuais a serem questionadas tem origem no meio familiar. Ocorre um deslocamento do privado para o público de forma que uma tarefa antes circunscrita à família passa a ser entendida como função social da escola.

Alguns fenômenos sociais tiveram papel fundamental nessas mudanças de representação: a eclosão do movimento feminista, as mudanças observadas no comportamento sexual dos adolescentes, o aumento das taxas de natalidade entre os adolescentes e a Aids passaram a exercer influência significativa nos campos da saúde e da educação.

A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, as atividades que eram pensadas como educação sexual passaram a ser classificadas como orientação sexual. Não se trata somente de uma alteração terminológica. A mudança está relacionada à teoria e à metodologia envolvidas nos projetos. No momento da formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, educar para a sexualidade foi considerado um ato agressivo e delimitador de comportamentos, enquanto orientar tornou-se sinônimo de oferecimento de noções amplas e impessoais acerca da sexualidade humana. O objetivo era fazer com que os estudantes percebessem o caráter plural das vivências sexuais, ampliando suas possibilidades de reflexão.4 4 A expressão "orientação sexual" foi proposta, inicialmente, pelo Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS, ABIA e ECOS, 1994). Em 1997, a expressão foi incorporada aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Trata-se de uma classificação brasileira para os debates sobre sexualidade na escola que inclusive gera algumas polêmicas devido ao uso do mesmo termo em outros contextos de pesquisa em sexualidade, com significado mais próximo à "opção" sexual.5 5 Ver, por exemplo, o artigo de Ana Cristina Santos (2002) sobre o ativismo político na área de Aids em Portugal. Mantenho a expressão não somente pela sua presença nos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas por fazer parte do vocabulário dos profissionais que desenvolvem projetos de orientação sexual no sistema municipal de educação do Rio de Janeiro. O termo é utilizado, portanto, como categoria nativa.

A orientação sexual na escola consolida-se como um conjunto de atividades que têm como objetivo ampliar o campo de reflexão dos adolescentes, sem intervir diretamente em suas escolhas. A ideia é que os estudantes tenham a possibilidade de optar pelo tipo de vivência sexual que considerarem mais adequado, no momento em que decidirem, sem que a atuação dos professores induza suas escolhas. Propõe-se que nenhum comportamento sexual seja desvalorizado no desenvolvimento dos projetos de orientação sexual.

A proposta de orientação sexual trazida pelos Parâmetros Curriculares Nacionais é diferente de outros contextos socioculturais. Nos Estados Unidos, a abstinência sexual pré-conjugal e a consequente opção pela heterossexualidade são incentivadas.6 6 BOZON, 2004. No Brasil, ao contrário, a pluralidade de manifestações da sexualidade foi valorizada, o que também aparece na proposta metodológica. Não se pretende homogeneizar o debate em todas as salas de aula. Cada sistema educacional deve adaptar a proposta à realidade sociocultural em que suas escolas estão inseridas, criando uma síntese entre a proposta universal trazida pelos parâmetros e a realidade vivida por professores e alunos durante suas atividades cotidianas.

Minha pesquisa foi organizada com o objetivo de analisar as respostas dadas pelo sistema municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro à necessidade de promover projetos de orientação sexual na escola.7 7 Antes da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, existiam iniciativas para o debate sobre sexualidade na escola no sistema municipal de educação do Rio de Janeiro. A publicação ampliou essas propostas, mas ainda existe desproporção entre o número de escolas e a quantidade de projetos desenvolvidos. Também houve problemas na distribuição dos documentos, o que fez com que algumas escolas não recebessem os Parâmetros Curriculares Nacionais. Para esse debate, ver: Helena ALTMANN, 2005; e ROSISTOLATO, 2003.

Na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o Programa de Orientação Sexual (POS) é o órgão responsável pela capacitação de professores da rede municipal de ensino para a coordenação de Núcleos de Adolescentes Multiplicadores (NAMs) – espaços escolares onde se desenvolvem projetos de orientação sexual.

Optei por buscar os significados da introdução da orientação sexual na escola a partir do discurso daqueles que estão diretamente envolvidos no assunto: os professores. O trabalho de campo, realizado entre março de 2004 e dezembro de 2005, teve três momentos. O primeiro foi a fase de imersão na cultura da escola. Realizei 24 visitas em escolas dos bairros de Vista Alegre (2), Irajá (2), Quintino Bocaiuva, Oswaldo Cruz (2), Cavalcante (2), Honório Gurgel, Higienópolis (2), Engenho de Dentro (2), Piedade (2), Rocha Miranda (2), Engenho da Rainha, Méier, Glória, Botafogo (2) e Urca, todos na cidade do Rio de Janeiro. Na sequência, iniciei as entrevistas em profundidade. As escolas não apresentaram restrições à minha presença, mas nem todos os professores concederam entrevista. Nas 24 escolas pesquisadas consegui realizar 16 entrevistas em profundidade. Elas estão localizadas em Vista Alegre, Irajá (2), Quintino Bocaiuva, Oswaldo Cruz, Cavalcante (2), Honório Gurgel, Higienópolis, Engenho de Dentro, Piedade (2), Rocha Miranda, Engenho da Rainha, Méier e Glória. No terceiro momento, realizei observação participante, seguida de "participação observante",8 8 Loïc WACQUANT, 2002. em um curso de formação para professores que desejavam coordenar atividades de orientação sexual em suas escolas.

Neste artigo apresentarei o conjunto de significados de gênero que orienta as atividades de formação de docentes e se mantém durante o desenvolvimento dos projetos de orientação sexual nas escolas. Entendo gênero, de acordo com Scott,9 9 Joan SCOTT, 1989, 2005. como uma categoria de análise que permite mapear os significados da masculinidade e da feminilidade em um determinado contexto sócio-histórico. Gênero é uma construção social que delimita padrões de comportamento e representações socialmente compartilhadas, de forma que ser homem ou ser mulher não é sinônimo de pertencer ao sexo masculino ou feminino, pois depende da incorporação dos papéis socialmente construídos e delimitados para um e outro gênero. Louro10 10 Guacira Lopes LOURO et al., 2002. informa que a categoria gênero foi inserida no campo educacional a partir da perspectiva de que é possível reconhecer que masculino e feminino são o resultado de construções sociais. Entende-se que a educação está diretamente envolvida nesses processos de construção de "sujeitos de gênero", o que permite questionar o lugar das práticas pedagógicas nas dinâmicas existentes entre a manutenção e a negação de hierarquias de poder estabelecidas entre os gêneros.

O texto foi organizado com o objetivo de demonstrar como representações modernas e tradicionais sobre a feminilidade e a masculinidade convivem no decorrer das interações entre professores e alunos nos projetos de orientação sexual. Também analisarei a utilização dessas categorias para explicar os dilemas vividos pelos docentes durante as aulas de orientação sexual. Os projetos eram desenvolvidos majoritariamente por professoras, e a participação discente também era majoritariamente feminina. As professoras buscavam coerência entre sua atuação no espaço escolar e no familiar, mas apresentavam dúvidas e incertezas quanto à possibilidade de educar seus filhos a partir de ideais igualitários de gênero, principalmente os filhos homens.

Um assunto de mulheres

Existe uma característica entre os profissionais que desenvolvem projetos de orientação sexual que chamou atenção desde os primeiros momentos do trabalho de campo: a grande maioria são mulheres. Dentre os entrevistados havia apenas um homem. Consegui conversar com mais dois homens que coordenavam núcleos em suas escolas, mas ambos não aceitaram participar da pesquisa. Um deles estava desenvolvendo o projeto pela primeira vez e não aceitou dar entrevista; o outro não tinha tempo para conversar comigo.

Quando entrevistei o único homem que se dispôs a participar da pesquisa, decidi indagar sobre os porquês da quase ausência de homens no POS. De início, afirmei que ele era exceção porque a maioria dos professores que coordenavam projetos de orientação sexual eram mulheres. O professor afirmou que nunca tinha pensado na questão, mas acreditava que o número de mulheres no magistério era muito maior do que o de homens.

Nas escolas observadas, a quantidade de mulheres era maior. Os homens se dedicavam a ensinar, principalmente, matemática, história e educação física. A Secretaria Municipal de Educação não disponibiliza dados sobre a quantidade de mulheres e homens lecionando no sistema municipal. No entanto, de acordo com Rosemberg,11 11 Fúlvia ROSEMBERG, 2001. em todo o Brasil o percentual de mulheres lecionando no ensino fundamental supera o de homens. A autora tomou por base o ano de 1999, analisou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e descobriu que 91% dos professores que atuam no magistério fundamental são mulheres. A partir desses dados, percebeu que no Brasil o magistério na educação básica é uma profissão de "gênero feminino".

Essa predileção das mulheres pelo ensino fundamental está relacionada ao modelo tradicional de relações de gênero. Vaitsman12 12 Jeni VAITSMAN, 1994. percebeu que a opção feminina pelo cargo de professora primária reflete uma estratégia histórica das mulheres para permanecer, ao mesmo tempo, no mundo do trabalho e na família. É possível ser professora pela manhã, sem deixar de ser esposa e mãe durante o resto do dia, o que ameniza possíveis conflitos ocasionados pela opção feminina pelo trabalho fora do lar. Além disso, a profissão é vista como uma extensão do trabalho feminino dentro do lar: o cuidado e a educação das crianças. O raciocínio da autora pode ser utilizado para pensar as escolhas das professoras que dão aulas de quinta a oitava séries. Durante o trabalho de campo, as professoras marcavam entrevistas à tarde ou pela manhã de acordo com sua atuação na escola. Diziam que a flexibilidade de horários permitia que elas acompanhassem o desenvolvimento dos filhos e mantivessem independência financeira. Também houve momentos em que as entrevistas foram interrompidas para que as professoras atendessem telefonemas e orientassem seus filhos nos afazeres domésticos ou escolares. Na sequência, comentavam sobre os filhos e indicavam que estavam acostumadas com os dilemas escolares porque também eram mães. Os estudantes também associam as professoras às suas mães. Embora enfatizem seu lugar profissional, elas são chamadas de mãe com alguma frequência e, em alguns casos, acusadas de estarem agindo como a mãe deles.

A orientação sexual na escola, portanto, é um tema discutido por mulheres. Além disso, há outro detalhe importante: os núcleos recebem, majoritariamente, alunas, o que faz com que a orientação sexual seja um assunto de mulheres para mulheres. Altmann13 13 ALTMANN, 2001. também identificou a presença maciça de alunas no projeto de orientação sexual que analisou e nas entrevistas. Os meninos que aceitavam participar das entrevistas o faziam devido a relações estabelecidas com as meninas. A autora percebeu uma relação entre participação em grupos de meninas e frequência no projeto de orientação sexual da escola e voluntariado para a pesquisa. Ela entendeu que não se trata de relações estabelecidas entre mulheres, sob o ponto de vista do sexo, mas que comportam características femininas, sob o ponto de vista do gênero. Garcia14 14 Sandra Mara GARCIA, 1998. também percebe baixa incidência de pesquisas e trabalhos de intervenção em saúde reprodutiva que focalizem a perspectiva do gênero masculino. De acordo com a autora, esse silêncio acaba por reforçar a ideia de que saúde reprodutiva e controle de natalidade sejam assuntos de mulheres, ou para as mulheres. Ao mesmo tempo, o afastamento dos homens dos processos educacionais organizados para a construção de conhecimento sobre saúde sexual e reprodutiva não faz com que eles se afastem das decisões conjugais sobre essas questões. Kalckmann15 15 Suzana KALCKMANN, 1998. enfatiza que os homens interferem de maneira decisiva e chegam a determinar a condução do controle de natalidade e da escolha de métodos contraceptivos pelos casais.

Os professores entrevistados foram consensuais ao afirmar que, embora existam alguns rapazes que procuram os Núcleos de Adolescentes Multiplicadores, a maioria são moças. As explicações para a quase ausência de alunos homens nos Núcleos de Adolescentes Multiplicadores oscilam entre a vergonha masculina, a vontade de falar feminina, a vontade de fazer masculina e a maior distribuição de informações entre os homens. Uma professora afirmou que

Eu tenho mais meninas. Tenho pouquíssimo menino. Eu tô com seis meninos só. Seis meninos pra trinta meninas. [...] [o número de meninas é sempre maior?] sempre. [por quê?] ah! Menina gosta mais de falar de sexo, né, menina gosta muito de falar de sexo, menino gosta de fazer [risos].

A professora explica que as meninas falam mais de sexo do que os meninos e acha graça quando percebe que os meninos preferem fazer. Foucault16 16 Michel FOUCAULT, 1999. identifica uma explosão discursiva em torno do sexo nas sociedades ocidentais. O autor entende que o sexo foi controlado por meio do discurso sobre ele. O corpo das mulheres foi alvo de um intenso processo de medicalização que fez com que a sexualidade feminina fosse mapeada em seus mínimos detalhes. Sob o ponto de vista da moral sexual, a virgindade feminina foi cada vez mais valorizada e o silêncio com relação às questões sexuais vigorou na educação feminina. O discurso sobre a sexualidade feminina tornou-se profissional, médico, sanitário, dentro da lógica da scientia sexualis, apresentada pelo autor como típica das sociedades ocidentais.

Quando as moças querem falar de sexo, estão participando dessa explosão discursiva porque, de acordo com a professora, não estão preocupadas em fazer sexo, e sim em falar sobre ele. A professora afirma que os rapazes, ao contrário, não querem falar de sexo, mas querem fazer. Ela comenta que os rapazes enfrentam um problema: "eles [querem fazer, mas] não sabem o quê porque têm vergonha de perguntar".

As meninas que participam do núcleo utilizam os saberes recebidos como forma de poder no decorrer de suas relações com os meninos, com as outras meninas e também com a família. A utilização é possível porque a escola é percebida como o local do saber mais correto, científico, de forma que as informações oferecidas por ela são consideradas mais verdadeiras do que quaisquer outras. Altmann17 17 ALTMANN, 2005. indica que um dos efeitos da orientação sexual na escola é a transformação dos saberes oferecidos em critério de verdade nas reflexões sobre sexo realizadas entre os adolescentes, entre eles e a família e até mesmo entre eles e os outros professores. Nas interações entre moças e rapazes na escola, os rapazes precisam elaborar estratégias para ter acesso aos saberes sobre o sexo, sem que ninguém perceba que eles ainda não sabiam. Uma professora disse que "Tem mais menina. Os meninos têm vergonha porque eles têm que saber tudo. Assumir que não sabe é um mico [uma vergonha]".

Assumir que não sabem tudo sobre sexo é uma vergonha para os meninos porque, mesmo quando ainda são virgens, preferem fingir que já perderam a virgindade.18 18 ROSISTOLATO, 2003. A prática sexual constante e potente faz parte das representações sociais sobre a masculinidade hegemônica. Embora, de acordo com Kimmel (1998), a masculinidade hegemônica seja inatingível, ela orienta, como ideal, as expectativas e as práticas de adolescentes e homens adultos. Assim, estar no núcleo pode ser considerado uma declaração de que não entende de sexo ou que ainda não sabe o suficiente, o que, em consequência, transforma os adolescentes em "machos subalternos". Com as meninas é o contrário. Elas não serão estigmatizadas por desejarem aprender sobre sexo. É até mesmo aconselhável que procurem o núcleo porque podem se transformar em referência nos grupos de amigas. As meninas falam sobre sexo e distribuem informações detalhadas às suas amigas e até mesmo aos familiares e vizinhos. Uma professora entrevistada comentou que uma de suas alunas se transformou em "conselheira sexual" na rua onde reside. Tive oportunidade de conversar com a estudante e ela confirmou a informação dizendo que as mães de suas vizinhas a procuram para esclarecer dúvidas e orientar as filhas.

As moças podem falar sobre sexo porque existem preocupações que são consideradas exclusivas das mulheres. Uma professora entrevistada comentou que "Eu acho que é muito pela preocupação de não engravidar, ter cuidado com o corpo, normalmente elas estão com doze, treze anos, então vão a primeira vez ao ginecologista".

A professora explica que a primeira ida ao ginecologista tem caráter simbólico para as moças. Elas entendem que a partir daí já têm um corpo feminino completo, mas, ao mesmo tempo, ainda não se percebem como mulheres, principalmente quando ainda não tiveram a primeira relação sexual. O ginecologista é considerado um médico de mulheres, e ter frequentado uma consulta marca a passagem do status de menina para o de mulher. Em outro trabalho,19 19 ROSISTOLATO, 2003. demonstrei a preocupação das moças virgens com o ginecologista a partir da análise de uma situação-limite. Uma moça virgem foi com suas colegas ao posto de saúde para marcar uma consulta ao ginecologista. As outras já frequentavam o médico, e ela ainda era atendida pelo pediatra. A moça mentia dizendo não ser mais virgem e optou por manter a mentira ao marcar a consulta. Muito nervosa, procurou pela professora e foi tranquilizada ao saber que mesmo virgem poderia frequentar o médico.

A mesma professora afirma que com os rapazes é diferente porque não há consulta a qualquer médico durante o início da puberdade. Eles passam do pediatra ao clínico geral, o que faz, segundo ela, com que fiquem envergonhados quando o assunto é sexo. "Já os meninos, é engraçado, nessa questão de sexualidade eles são muito envergonhados".

As professoras dizem que os meninos, embora falem de sexo entre os pares o tempo todo, não gostam de discutir questões relativas à sexualidade em sala de aula. Também não gostam de falar quando estão junto de meninas. Explicam que, quando têm que falar com a professora ou com outras meninas, os rapazes sentem-se ameaçados e preferem se calar.

Eu acho que é pela timidez dos meninos. Eles são mais envergonhados em falar. Tem um ou outro mais levado. Mulher fala mais do que homem, né. Os que vêm, agora eu tô conseguindo porque no começo nem falava. Quando chega a hora de falar das características, eles mesmos falam: sou envergonhado. O menino ele já fica preocupado. Pô vou falar de sexo junto com menina. E as meninas já são mais assim, não têm tanta vergonha. Eu acho que não têm tanto preconceito. Eu acho que é por isso. [...]

Os meninos ficam mais envergonhados. As meninas, eu acho que por natureza a mulher fala mais. É o gênero mesmo, né. Então, elas falam muito. E elas têm muita curiosidade. Inclusive de como saber como é que é o menino, como é que acontece a ereção, por que o menino ejacula. Isso tudo, elas usando os termos delas, elas perguntam. Os meninos, eles têm mais vergonha até de se expor na frente das meninas e de outros meninos.

O silêncio masculino contrasta com as sucessivas indagações realizadas pelas moças no decorrer de sua participação nos projetos de orientação sexual. Elas perguntam mais e desejam respostas pormenorizadas sobre a sexualidade humana e também a respeito das dinâmicas sexuais. Eles, ao contrário, preferem manter o silêncio e apenas ouvir o que a professora tem a dizer. Quando reunidos em grupos exclusivamente masculinos, falam de sexo o tempo todo, mas o objetivo não é esclarecer dúvidas, e sim fazer propaganda de suas realizações sexuais, sejam elas verdadeiras ou não. Quando estão reunidas em grupos exclusivamente femininos, as meninas, ao contrário, não fazem propaganda de suas realizações.

Durante a pesquisa pude observar e participar de conversas informais entre adolescentes homens. Era comum que os adolescentes contassem histórias sobre suas realizações pessoais no campo sexual. A ênfase recaía sobre a quantidade e a potência sexual, apresentadas em verdadeiras epopeias sexuais. Nesses momentos, nem todos os adolescentes falavam. Apenas aqueles que disputavam pela classificação em uma espécie de ranking elaborado a partir da média entre a quantidade de parceiras e de relações sexuais desenvolvidas em um único encontro sexual. Diferentes dos homens entrevistados por Kalckmann,20 20 KALCKMANN, 1998. que se preocupavam com a incerteza sobre o prazer feminino, os adolescentes enfatizavam sua própria performance sexual. As parceiras eram classificadas a partir de um gradiente que variava entre as mais fáceis e as mais difíceis "de comer". Conseguir intercurso sexual com uma das moças mais difíceis também melhorava a posição do rapaz junto aos outros adolescentes. Em artigo anterior,21 21 ROSISTOLATO, 2007. analisei as categorias "sufocar" e "caô" e as metáforas da "caça", presentes no discurso dos adolescentes quando falam sobre a sexualidade. O termo "sufocar" guarda um duplo significado. Identifica aquele que seduz ou importuna uma moça. O que seduz é considerado "bom de caô", enquanto aquele que importuna é classificado como alguém que "não tem caô". Todos estão "na caça [às moças e aos possíveis encontros sexuais]", mas somente os "bons de caô" terão sucesso.

Os professores entrevistados reconhecem essas atitudes e procuram discuti-las durante as atividades de orientação sexual. Porém, enfatizam que o debate não pode ser orientado pelo relato de experiências individuais. As discussões realizadas em sala de aula são diferentes das conversas realizadas no corredor ou no pátio. Nas salas de aula os estudantes não utilizam palavrões e metáforas; e são controlados para que não exponham experiências pessoais. Nas conversas de corredor e pátio, ao contrário, o foco é a experiência individual. Aqueles que não tinham ou não queriam relatar suas aventuras sexuais em público eram vítimas de um conjunto de acusações jocosas com ênfase na suposta ausência de masculinidade.

"Novas" e "velhas" representações de gênero

Durante as entrevistas e a "participação observante" os docentes apresentaram os dilemas vividos por aqueles que educam os adolescentes a partir de uma perspectiva moderna de gênero, sendo eles próprios, em sua maioria, educados tradicionalmente. Foi interessante observar que nenhum deles contestou as novas formas de perceber a masculinidade, a feminilidade, o corpo e o sexo na sociedade brasileira contemporânea. Ao contrário, tanto nas entrevistas quanto no curso de capacitação, procuravam enfatizar que comungavam dessas representações e acreditavam que elas deveriam guiar as aulas de orientação sexual na escola. Seus principais dilemas ocorriam quando percebiam a distância entre o trabalho que iriam realizar na escola e a educação que ofereciam aos seus filhos. Ao mesmo tempo que as professoras assumiam uma postura de luta contra as hierarquias de gênero na escola e na vida, diziam que desejavam que seus filhos homens incorporassem os atributos da masculinidade tradicional, transformando-se em "machos", mesmo percebendo a sua contradição.

As contradições presentes nas falas permitem perceber os conflitos entre dois modelos de "ser mulher", vividos pelas professoras quando se autoanalisam e quando pretendem educar os alunos para as novas relações de gênero. Também aparecem dois modelos de "ser homem" porque as professoras querem educar os alunos a partir de uma visão igualitária de gênero, mas não conseguem fazer o mesmo com seus filhos.

Durante as aulas de capacitação, uma professora disse:

é culpa da gente mesmo Quando os meninos, nossos filhos, demonstram qualquer atitude diferente daquelas que nós acreditamos que são masculinas, nós logo ficamos preocupadas achando que os meninos vão virar gays. Na escola é a mesma coisa. Nós reproduzimos tudo. Quando um aluno quer ficar o tempo todo com as meninas, nós logo começamos a dizer que ele vai virar bichinha. É isso mesmo.

Após a fala, a professora iniciou um debate no qual defendia a tese de que as mães são as principais culpadas pelas diferenças de poder entre homens e mulheres. Ela entendia gênero como uma questão de poder e culpava as mães por criarem seus filhos para serem homens "no sentido tradicional do termo".

O depoimento da professora expressa dualidades de gênero e representações sobre os perigos de contaminação entre os universos masculino e feminino. Um menino que queira ficar o tempo todo com as meninas é visto como aquele que corre o risco de "virar bichinha". Com o filho o controle parece ser ainda mais intenso porque qualquer "desvio" de atitude pode ser transformado em acusação de ausência de masculinidade.

Pesquisas realizadas a partir da década de 198022 22 Margareth ARILHA, 1998; Robert W. CONNELL, 1995; Roberto DA MATTA, 1997; Mirian GOLDENBERG, 2000; Suzana KALCKMANN, 1998; Michael S. KIMMEL, 1998; Sócrates NOLASCO, 1997; João Silvério TREVISAN, 1997; Wilza VILLELA, 1998; e Daniel WELSER-LANG, 2001. indicam que a masculinidade é construída por meio de um processo de contestação e afirmação constantes, em que os homens precisam provar que são "homens com agá maiúsculo".23 23 DA MATTA, 1997. Qualquer característica feminina percebida em um homem pode ser utilizada como elemento de acusação de desvio. A preocupação da professora com a possibilidade de seu filho "virar gay" e a constatação de que seu aluno pode "virar bichinha" são justificadas, em ambos os casos, a partir da percepção de atitudes consideradas femininas. O masculino hegemônico, de acordo com Kimmel,24 24 KIMMEL, 1998. é praticamente inatingível, o que faz com que os homens possam ser frequentemente acusados de serem menos homens, por isso precisam provar diariamente que são realmente homens. O controle ocorre para que suas atitudes não se afastem dos ideais hegemônicos de masculinidade.

A preocupação da professora expressa a convivência de dois sistemas de percepção em uma mesma pessoa. Ela acredita na necessidade de diminuir as hierarquias de gênero, mas não consegue deixar de raciocinar a partir de ideais hegemônicos de masculinidade. É interessante observar que, conforme aumenta a proximidade, a presença de atitudes femininas deixa de ser uma constatação e passa a ser uma preocupação. A professora constata atitudes femininas no aluno e não demonstra preocupação. Com o filho é o contrário. Ela se diz preocupada porque ele pode "virar gay".

A mesma preocupação foi apresentada por outra professora durante o debate promovido após a fala. Ela pediu a palavra e iniciou dizendo que estava passando por um problema pessoal.

Olha gente, eu tô adorando todo esse debate, mas eu tenho que contar uma coisa pra vocês. Eu tenho dois filhos homens e os dois estão entrando na adolescência agora. Um deles chegou pra mim e disse que precisava de um dinheiro porque ele ia fazer uma escova no cabelo [risos]. Gente, eu vou falar pra vocês. Eu quase tive um troço. Eu virei pra ele e perguntei se ele tava virando mulher. Eu já vinha observando que ele tava acordando muito cedo e chegando sempre atrasado na escola. Eu descobri que ele tá chegando atrasado porque ele fica mais de meia hora penteando o cabelo e se arrumando. Gente, isso pra mim sempre foi coisa de mulher. Eu agora tô fazendo um esforço pra entender, mas é difícil.

O dilema vivido pela professora foi comparado ao de outra, que falou que com ela era o contrário. Era a filha que não se interessava por nada feminino. "Ela não está interessada em maquiagem, em cuidar do cabelo, em nada". A professora se ressentia por ela não gostar do que classificava como "coisas femininas", mas não estava preocupada porque acreditava que em breve sua filha passaria "a gostar dessas coisas". A ausência de preocupação indica a naturalização do feminino, em oposição às incertezas do masculino. Enquanto os homens precisam provar o tempo todo que são homens, as mulheres, mesmo que não gostem de "nada feminino", são consideradas naturalmente mulheres. Quando a professora que reclamava de seu filho retomou a palavra, disse que "a gente cria os filhos da gente querendo que eles sejam homens. Quando você vê uma situação dessa, do menino se emperequetando todo, não tem quem não fique preocupado".

A discussão animou os professores presentes no encontro de capacitação. Suas vivências foram o principal combustível do debate. Eles falavam da infância, da adolescência, dos conflitos vividos com os pais, com os irmãos, dos dilemas que agora enfrentavam com os filhos, das preocupações e das expectativas relacionadas à própria vida, e do que é ser homem e mulher. Nesse ponto, um professor disse que na sala de aula, ou na escola, "não dá pra deixar o gênero de fora. Eu não sou assexuado e não vou deixar de ser homem porque entrei em sala de aula".

Pois é. Isso é um problema porque tem situações em que você precisa agir e é impossível deixar de tomar uma posição. Nestes casos é que é mais difícil. Por exemplo, um menino só quer saber de brincar de boneca. Eu vou fazer o que? Tem os pais dele também. Eu não posso simplesmente chegar e dizer que tudo bem. Brinca de boneca aí. A gente sabe que são valores, mas eu vou fazer o que? Eu não vou nem dizer que concordo ou discordo porque isso nem interessa, mas eu tenho que fazer alguma coisa.

Eu tenho um caso desses na minha escola. Eu nem sei se o menino é gay ou não. Mas os professores todos ficam apontando e dizendo ´ih, esse aí vai ser bichinha'. A gente faz isso, gente, ou não faz? [concordâncias] porque a gente olha e parece que a gente não vê um menino ali. E o que a gente faz? Deixa brincar de boneca? Não deixa? Porque os outros meninos estão vendo e sacaneando o tempo todo.

As preocupações apresentadas pelos professores durante as entrevistas e o debate no curso de capacitação revelam aspectos significativos das dinâmicas de gênero presentes nas escolas.25 25 Para a discussão sobre as dinâmicas de gênero na escola, ver: Marília Pinto de CARVALHO, 2001; e Guacira Lopes LOURO et al., 2003. Embora reconheçam a necessidade de discutir e relativizar os comportamentos masculinos e femininos, sentem-se em dúvida sobre qual atitude tomar quando seus alunos querem brincar de boneca ou permanecer junto às meninas no recreio. Também se preocupam quando percebem atitudes femininas em seus filhos. As dúvidas apresentadas pelos professores envolvem a educação dos alunos e de seus filhos porque há uma transposição dos dilemas vividos em família para a escola. Os professores acreditam que precisam homogeneizar suas atitudes de forma que tratem seus filhos e seus alunos a partir dos mesmos princípios. Também se preocupam com os pais dos alunos porque não sabem como irão receber a ideia de a escola estar oferecendo orientação sexual. O mesmo professor que destacou a impossibilidade de deixar de ser homem quando entra em sala de aula comentou que "tudo bem! Tá tudo legal o que você tá dizendo, mas o que é que os pais deles vão pensar? Como é que nós vamos lidar com isso? [...] o que é que eu faço se o pai do garoto vier dizer que o filho dele é macho e não tem que ficar brincando de boneca?".

Essa pergunta partiu de um professor, um dos poucos homens presentes no evento. Prevendo uma situação em que poderia ser questionado por outro homem sobre as brincadeiras realizadas na escola, sentiu-se em dúvida sobre o que responder. Talvez seja possível pensar que, se o aluno participa de uma brincadeira de menina que foi proposta por um homem, esse professor também pode ter sua própria masculinidade contestada. Será que um "homem com agá maiúsculo"26 26 O termo foi proposto por Da Matta, 1997. pode propor que seus alunos brinquem com bonecas? Afinal, como ele mesmo disse, "eu não sou assexuado e não vou deixar de ser homem porque entrei em sala de aula".

As brincadeiras infantis voltaram a ser debatidas em outra sessão do curso de capacitação. Os professores em formação já tinham entendido a proposta teórica, mas continuavam confusos em como aplicá-la ao contexto de suas escolas.

Olha, tudo bem, mas, eu trabalho em pré-escola. Um dos meninos agarrou uma boneca e disse que também queria brincar na casinha com as meninas. Logo, logo, as próprias meninas começaram a apontar pro garoto e dizer "ih! Você é mulherzinha. Tá querendo virar mulherzinha". O outro foi lavar uma panelinha e elas disseram a mesma coisa. Tudo pra elas é mulherzinha. O que eu faço numa situação dessas?

Gilligan27 27 Carol GILLIGAN, 1982. aponta que as brincadeiras infantis são um dos primeiros momentos em que as crianças incorporam as diferenças de gênero. Meninos e meninas passam a identificar seus pares, e as brincadeiras tendem a acontecer somente entre eles ou elas. Quando as meninas percebem que o menino quer brincar de casinha ou de panelinha, acusam-no de querer virar mulherzinha. A preocupação da professora não é com a associação das brincadeiras femininas à boneca, à casa e à panela. Ela não sabe o que fazer quando o menino quer brincar também. A associação da boneca, da casa e da panela às meninas não foi contestada porque faz parte das representações tradicionais do feminino. Essas brincadeiras estão adequadas ao modelo "esposa-mãe". O problema descrito surge quando um menino decide brincar de boneca com as meninas. Os professores relatam que é comum alguns meninos terem vontade de brincar com bonecas, mas não sabem como lidar com essa situação. Um professor afirmou: "Eu acho que tinha que começar pelos professores porque nós mesmos não estamos preparados. Nós mesmos não trabalhamos a questão do gênero em casa. Como é que vamos ensinar?".

Na sequência, uma professora disse: "Eu tenho um filho de seis anos e tenho pensado muito nisso. Eu preciso mudar porque nós que somos mulheres temos que começar por nossos filhos. Eu já mandei meu filho lavar o prato dele. Eu tenho que mudar é dentro de casa".

No decorrer do curso de capacitação os professores foram percebendo que a proposta educacional apresentada era diferente da que realizavam na escola e também da educação que eles próprios tiveram. Nos bastidores, diziam que "queriam mudar", mas achavam difícil construir o mundo sem as clássicas dualidades de gênero em que foram socializados. Uma professora comentou que conseguia pensar em oferecer esse tipo de educação para seus alunos, mas não imaginava o seu próprio filho sendo educado da mesma maneira: "com o filho da gente é diferente. A gente quer educá-lo pra que ele seja macho. Por mais que a gente conteste a posição social do macho, a gente quer que o filho seja macho. É uma contradição".

As principais dificuldades dos professores estão relacionadas às representações de gênero. Eles foram socializados em um contexto organizado por oposições rígidas entre masculino e feminino, mas não concordam com elas. Ao mesmo tempo, quando seus alunos rompem as fronteiras simbólicas entre a masculinidade e a feminilidade, os professores ficam em dúvida sobre qual a melhor atitude a tomar. Entendem que eles mesmos ainda não estão "totalmente resolvidos com estas questões" e acabam sem saber o que fazer. Quando procuram pela capacitação, querem respostas objetivas a seus dilemas profissionais e, em alguns casos, pessoais. A capacitação, em vez de normatizar, procura ampliar o processo autorreflexivo dos professores para que eles ampliem as possibilidades de discussão com os alunos.

Connell28 28 CONNELL, 1995. identifica a inexistência de uma forma única de construção da masculinidade nas sociedades contemporâneas. O autor entende que as masculinidades devem ser analisadas com base nas configurações estabelecidas a partir das posições que os homens ocupam em contextos relacionais de gênero. Kimmel29 29 KIMMEL, 1998. percebe que as masculinidades hegemônicas e subalternas se encontram em mútua e desigual interação. Esse processo faz com que as relações de poder envolvidas em sua construção sejam percebidas quase exclusivamente por aqueles que estão em posições menos privilegiadas com relação ao ideal hegemônico de masculinidade. Arilha30 30 ARILHA, 1998. entende que os estudos de gênero têm problematizado e reconhecido a existência de múltiplas masculinidades e propõe que se analisem as relações entre essas masculinidades. Entende que a masculinidade é um projeto coletivo e individual que envolve instituições e práticas sociais e orienta a socialização e a construção cotidiana das identidades dos homens. Vilella31 31 VILLELA, 1998. também enfatiza a multiplicidade das masculinidades contemporâneas, mas indica que a importância de ser homem é um eixo comum que orienta sujeitos sociais a partir de ideais de masculinidade hegemônica. Resulta desse contexto, segundo a autora, uma fraternidade masculina construída em oposição às mulheres porque tudo o que se aproxima do feminino é desqualificado, de forma que os homens precisam constantemente provar que são homens. Welser-Lang32 32 WELSER-LANG, 2001. enfatiza que as provas de masculinidade envolvem uma dupla negação: das mulheres e dos homossexuais.

Kimmel,33 33 KIMMEL, 1998. Connel34 34 CONNEL, 1995. e Welser-Lang35 35 WELSER-LANG, 2001. são enfáticos ao afirmar que a masculinidade hegemônica é organizada a partir da dominação das mulheres e dos homens que estão afastados desse ideal. A partir das questões colocadas pelos autores e dos dados recolhidos durante minha pesquisa é possível pensar no lugar das mulheres como construtoras de homens educados que busquem constantemente se aproximar dos ideais de masculinidade hegemônica.

A análise das entrevistas e das participações observantes permite afirmar que não são somente os homens que pretendem provar que são homens. As mulheres também fazem isso por eles. As professoras, embora enfatizassem a luta contra hierarquias de gênero em seus projetos, temiam que seus filhos não fossem homens caso assumissem atitudes tradicionalmente relacionadas ao feminino. Os projetos são desenvolvidos a partir das contradições entre essas duas ordens de sentido, o que gera processos de reflexão, avanços e inflexões constantes.

Além dos dados já apresentados, gostaria de citar uma das aulas do curso de capacitação observado. Uma professora pediu a palavra para dizer que no início de sua atividade de orientadora sexual discutiu com os estudantes a divisão sexual do trabalho e as relações de poder envolvidas nesse processo. Relatou que os estudantes ficaram animados, principalmente as moças, que se sentiam oprimidas pela imposição de tarefas domésticas. A professora contou que durante a atividade um dos estudantes perguntou quem lavava a louça em sua casa e ela, constrangida, se sentiu obrigada a responder que somente ela e sua filha lavavam a louça, enquanto o marido e o filho mais velho "apenas sujavam". A professora disse que até aquele momento não tinha percebido que vinha educando sua filha para o trabalho doméstico, enquanto proibia seu filho de executar qualquer atividade considerada feminina. Finalizou sua exposição afirmando que também tinha aprendido muito com a orientação sexual na escola, mas vinha enfrentando problemas domésticos, por procurar discutir e contestar as dinâmicas de gênero presentes em seu lar.

Os projetos de orientação sexual são orientados por ideais de gênero em que masculino e feminino podem ser experimentados por rapazes e moças, ambos considerados indivíduos livres para escolher os comportamentos que considerarem mais adequados. O problema apresentado pelos professores é que eles mesmos não foram educados a partir dessa perspectiva moderna, o que faz com que valorizem os novos ideais de gênero, mas não consigam vivenciá-los subjetivamente. As tensões e os dilemas resultantes dessa dupla representação de gênero foram apresentados por professores em processo de formação para o desenvolvimento de projetos de orientação sexual e também por aqueles que já coordenavam projetos.

Figueira36 36 Sérvulo FIGUEIRA, 1987. acredita que as mudanças objetivas vividas em sociedade não ocorrem com a mesma rapidez nas subjetividades individuais. Assim, um mesmo indivíduo pode articular de forma às vezes conflituosa ideais de gênero tradicionais e modernos. A análise do discurso dos professores demonstra a existência de representações negativas sobre o rompimento das tradicionais dualidades de gênero convivendo com expectativas de mudanças positivas a partir do rompimento das mesmas dualidades. A aparente contradição suscita novos desafios teóricos para os debates acadêmicos sobre gênero, além de incentivar o debate político sobre igualdade, hierarquia e diferença na sociedade brasileira contemporânea.

Considerações finais

Durante o texto procurei demonstrar a forma como as representações de gênero articulam as interações entre docentes e discentes no espaço escolar durante o desenvolvimento de projetos de orientação sexual e na formação de docentes. Os professores elegem a igualdade de gênero como um dos principais pilares de sustentação de suas atividades e a entendem como a possibilidade de moças e rapazes experimentarem os universos masculino e feminino sem serem estigmatizados, além do tratamento igualitário entre os sexos.

Foi possível perceber alguns desencontros entre as representações e as práticas dos professores, principalmente quando precisam decidir sobre a educação dos próprios filhos. Ao mesmo tempo que pretendem homogeneizar o tratamento dispensado aos alunos e aos filhos, sentem dificuldades ao educar os filhos homens porque querem que eles "sejam homens".

Os professores foram educados em um contexto em que oposições rígidas de gênero orientavam suas ações. Eles não concordam com elas, mas vivenciam seguidas dificuldades quando pretendem educar seus filhos, negando as hierarquias sociais construídas por essas oposições. Essas dificuldades se transformam em desafio para eles mesmos e para o programa de orientação sexual.

[Recebido em agosto de 2007

e aceito para publicação em setembro de 2008]

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  • 1
    Para o histórico das propostas de educação/orientação sexual no Brasil, ver: Rodrigo Pereira da Rocha ROSISTOLATO, 2007.
  • 2
    BRASIL, 1997.
  • 3
    Michel BOZON, 2004.
  • 4
    A expressão "orientação sexual" foi proposta, inicialmente, pelo Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS, ABIA e ECOS, 1994). Em 1997, a expressão foi incorporada aos Parâmetros Curriculares Nacionais.
  • 5
    Ver, por exemplo, o artigo de Ana Cristina Santos (2002) sobre o ativismo político na área de Aids em Portugal.
  • 6
    BOZON, 2004.
  • 7
    Antes da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, existiam iniciativas para o debate sobre sexualidade na escola no sistema municipal de educação do Rio de Janeiro. A publicação ampliou essas propostas, mas ainda existe desproporção entre o número de escolas e a quantidade de projetos desenvolvidos. Também houve problemas na distribuição dos documentos, o que fez com que algumas escolas não recebessem os Parâmetros Curriculares Nacionais. Para esse debate, ver: Helena ALTMANN, 2005; e ROSISTOLATO, 2003.
  • 8
    Loïc WACQUANT, 2002.
  • 9
    Joan SCOTT, 1989, 2005.
  • 10
    Guacira Lopes LOURO et al., 2002.
  • 11
    Fúlvia ROSEMBERG, 2001.
  • 12
    Jeni VAITSMAN, 1994.
  • 13
    ALTMANN, 2001.
  • 14
    Sandra Mara GARCIA, 1998.
  • 15
    Suzana KALCKMANN, 1998.
  • 16
    Michel FOUCAULT, 1999.
  • 17
    ALTMANN, 2005.
  • 18
    ROSISTOLATO, 2003.
  • 19
    ROSISTOLATO, 2003.
  • 20
    KALCKMANN, 1998.
  • 21
    ROSISTOLATO, 2007.
  • 22
    Margareth ARILHA, 1998; Robert W. CONNELL, 1995; Roberto DA MATTA, 1997; Mirian GOLDENBERG, 2000; Suzana KALCKMANN, 1998; Michael S. KIMMEL, 1998; Sócrates NOLASCO, 1997; João Silvério TREVISAN, 1997; Wilza VILLELA, 1998; e Daniel WELSER-LANG, 2001.
  • 23
    DA MATTA, 1997.
  • 24
    KIMMEL, 1998.
  • 25
    Para a discussão sobre as dinâmicas de gênero na escola, ver: Marília Pinto de CARVALHO, 2001; e Guacira Lopes LOURO et al., 2003.
  • 26
    O termo foi proposto por Da Matta, 1997.
  • 27
    Carol GILLIGAN, 1982.
  • 28
    CONNELL, 1995.
  • 29
    KIMMEL, 1998.
  • 30
    ARILHA, 1998.
  • 31
    VILLELA, 1998.
  • 32
    WELSER-LANG, 2001.
  • 33
    KIMMEL, 1998.
  • 34
    CONNEL, 1995.
  • 35
    WELSER-LANG, 2001.
  • 36
    Sérvulo FIGUEIRA, 1987.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Aceito
      Set 2008
    • Recebido
      Ago 2007
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