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Feminismos e pós-colonialismos

Feminism and/in Postcolonialism

Resumos

Introdução à Seção Debates sobre os encontros e os desencontros entre feminismos e pós-colonialismos.

feminismos; pós-colonialismo; tradução


Introduction to the Debates Section on the intersection of feminisms and postcolonialism.

Feminisms; Postcolonialism; Translation


SEÇÃO DEBATES

Feminismos e pós-colonialismos

Feminism and/in Postcolonialism

Claudia de Lima Costa

Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Introdução à Seção Debates sobre os encontros e os desencontros entre feminismos e pós-colonialismos.

Palavras-chave: feminismos; pós-colonialismo; tradução.

ABSTRACT

Introduction to the Debates Section on the intersection of feminisms and postcolonialism.

Keywords: Feminisms; Postcolonialism; Translation.

Os estudos pós-coloniais vêm exercendo uma influência significativa na reconfiguração da crítica cultural. Provocando um deslocamento de abordagens dicotômicas dos conflitos sociopolíticos a favor de um pensamento do interstício, do entrelugar – o qual enfatiza redes de relacionalidades entre forças hegemônicas e subalternas, e a proliferação de temporalidades e histórias –, essas teorias constituem hoje um campo transdisciplinar ubíquo e profuso. Esta Seção Debates analisa as relações complexas e repletas de tensões entre a crítica pós-colonial e as teorias feministas.

As teorias feministas, principalmente as latino-americanas, operam dentro de uma referência epistemológica distinta do modelo que estrutura as relações entre centro e periferia, tradição e modernidade. Produto da transculturação e da diasporização que criam disjunturas entre tempo e espaço, o cronotopo desses feminismos é o interstício e sua prática, a tradução, buscando abertura para outras formas de conhecimento e humanidade.

Quando entramos no espaço da América Latina, deparamo-noscom a necessidade de redimensionar o conceito "pós-colonial", como bem salientam Stam e Shohat na entrevista aqui publicada. Podemos perceber que o termo "pós-colonial" possui uma polissemia radical, revelando um hibridismo de posições teóricas, principalmente quando o transpomos para o contexto latino-americano.1 1 Para um exemplo desses debates sobre o pós-colonial latino-americano, ver Mabel MORAÑA, Enrique DUSSEL e Carlos JÁUREGUI, 2008. Por exemplo, Colás2 2 Santiago COLÁS, 1995. observa que os debates sobre o pós-colonial na América Latina irão acentuar as diferenças entre esse continente e as outras regiões do mundo no que tange a história da colonização. Se pensarmos o pós-colonial como luta dos sujeitos colonizados pelo "poder interpretativo"3 3 Jean FRANCO, 1989. no bojo do processo colonizador, então podemos ver a América Latina como pós-colonial antes mesmo do surgimento do discurso colonial e pós-colonial na academia anglófona nos anos 1980. Em outras palavras, para Colás a inclusão da América Latina nos debates sobre o pós-colonial transforma o próprio campo dos estudos pós-coloniais, possibilitando formas mais sofisticadas de compreensão da pós-colonialidade.

Segundo a análise incisiva de Slater,4 4 David SLATER, 1998. um estudo sobre os circuitos globais do conhecimento poderá revelar, a partir de uma perspectiva pós-colonial, três dados importantes. Primeiro, que as teorias que utilizamos são heterogêneas e seu aparato conceitual resulta de hibridismos entre construtos endógenos e importados. Segundo, que a forma como nos relacionamos com essa heterogeneidade está influenciada por nossa postura teórica e nosso lugar de enunciação (em seu sentido amplo). Por exemplo, um estudo das práticas de citações nos periódicos revela que intelectuais do Norte citarão intelectuais do Sul que compartilhem suas perspectivas analíticas e ideológicas. Assim, temos um processo de inclusão e exclusão que é parte de outro procedimento mais amplo de controle do conhecimento – o qual também está articulado a debates acadêmicos hegemônicos influenciados/condicionados pelas circunstâncias políticas das instituições e dos países nos quais estão imersos. Precisamos aqui traçar as redes complexas que ligam centros de estudos no Sul e no Norte. Não há mais a possibilidade de encontrarmos periferias não contaminadas e produtoras de autenticidades alternativas. Torna-se necessário entendermos como diferentes marcos interpretativos estão enraizados em circunstâncias históricas, discursivas, institucionais e políticas mais amplas.

A terceira observação enfatizada por Slater (e que reflete o posicionamento de Franco e de Richard)5 5 FRANCO, 1989; e Nelly RICHARD, 2002. é a de que precisamos abandonar a visão colonialista de que o Sul somente produz cultura para o consumo antropológico do Norte global – e buscar entender como a produção de intelectuais no Sul (que, por sua vez, responde a especificidades locais) cruza (ou não) fronteiras geopolíticas. Para tal, há a necessidade de reflexão sobre o lugar de enunciação dos/as que produzem conhecimento em relação ao poder hegemônico dos cânones teóricos ocidentais, bem como sobre as estratégias de tradução desse conhecimento. É aqui, no tropo da tradução, que gostaria de traçar uma estreita relação entre feminismos e pós-colonialismos, relação essa que tem sido historicamente silenciada e, portanto, invisibilizada nos debates latino-americanos sobre a crítica pós-colonial.6 6 Para abordagens sobre a importância de uma política feminista da tradução, veja Claudia de Lima COSTA e Sonia ALVAREZ, 2009; ALVAREZ, 2009; COSTA, 2004; e DAVIS e EVANS, 2011.

Quando mencionadas no contexto do Norte global, tanto feministas quanto teorias feministas têm sido historicamente apropriadas/traduzidas apenas como significantes de resistência e não como produtoras de conhecimentos outros. Elas figuram, para lembrar Richard,7 7 RICHARD, 2002. como um espaço vazio para ser preenchido com o conhecimento (mente abstrata) daqueles intelectuais situados em instituições acadêmicas de elite. Contudo, se o conceito de tradução está no cerne da crítica pós-colonial, e tendo em vista que o feminismo é uma prática política e teórica invariavelmente tradutória, engajado em um constante ir e vir (world-travelling),8 8 María LUGONES, 1987. então urge trazer as contribuições feministas para o centro dos estudos pós-coloniais para subvertê-los e descolonizá-los. Como Almeida observa em seu artigo nesta seção:

Chama a atenção, sem causar estranheza, a confluência das avaliações sobre a situação brasileira com relação tanto ao feminismo quanto ao pós-colonialismo. Em ambos os argumentos percebe-se a preocupação, por um lado, no caso do feminismo, com sua falta de inserção no debate teórico no Brasil, e, por outro, com relação ao pós-colonialismo, com a necessidade de reflexão sobre um pensamento pós-colonial que se insira na experiência e vivência histórica do país. Em comum, constata-se a percepção de que qualquer teorização, seja sobre o feminismo ou o pós-colonialismo, deva necessariamente levar em consideração a localização e o posicionamento desses campos teóricos em uma ancoragem no contexto brasileiro, a partir de uma reflexão local que possa dialogar com as discussões no âmbito global e internacional, procurando, assim, desfazer as assimetrias históricas que levaram a uma estrutura interligada e excludente de poder e conhecimento, questões essas relevantes que surgem com frequência nos debates tanto sobre o pós-colonialismo quanto sobre o feminismo.

Para dar continuidade à reflexão sobre as estruturas interligadas de poder e conhecimento, a próxima Seção Debates trará discussões sobre feminismos descoloniais, buscando explorar as "brechas descoloniais" (para tomar emprestado um termo de Segato)9 9 Rita Laura SEGATO, 2011/2012. que surgem a partir dos (des)encontros entre as teorias feministas e os estudos pós-coloniais no contexto latino-americano.

[Recebido e aceito para publicação em abril de 2013]

  • ALVAREZ, Sonia E. "Construindo uma política feminista translocal da tradução". Revista Estudos Feministas, v. 17, n. 3, p. 743-753, 2009.
  • COLÁS, Santiago. "Of Creole Symptons, Cuban Fantasies, and other Latin American Post-colonial Ideologies." PMLA, v. 110, n. 3, p. 382-396, 1995.
  • COSTA, Claudia de Lima. "Feminismo, tradução, transnacionalismo". In: COSTA, Claudia de Lima; SCHMIDT, Simone Pereira (Org.). Poéticas e políticas feministas Florianópolis: Editora Mulheres, 2004. p. 187-196.
  • COSTA, Claudia de Lima; ALVAREZ, Sonia E. "Translocalidades: por uma política feminista da tradução".  Revista Estudos Feministas, v. 17, n. 3, p. 739-742, 2009.
  • DAVIS, Kathy; EVANS, Mary. Translatlantic Conversations: Feminism as Travelling Theory London: Ashgate, 2011.
  • FRANCO, Jean. Plotting Women: Gender and Representation in Mexico. New York: Columbia University Press, 1989.
  • LUGONES, María. "Playfulness, 'World'-Travelling, and Loving Perception." Hypatia, v. 2, n. 2, p. 3-19, 1987.
  • MORAÑA, Mabel; DUSSEL, Enrique; JÁUREGUI, Carlos A. (Ed.) Coloniality at Large: Latin America and the Postcolonial Debates Durham: Duke University Press, 2008.
  • RICHARD, Nelly. Intervenções críticas: arte, cultura, gênero e política Belo Horizonte: UFMG, 2002.
  • SEGATO, Rita Laura. "Brechas descoloniales para una universidad nuestroamericana". Observatório da Jurisdição Constitucional, ano 5, p. 1-27, 2011/2012.
  • SLATER, David. "Post-Colonial Questions for Global Times." Review of International Political Economy, v. 5, n. 4, p. 647-768, 1998.
  • 1
    Para um exemplo desses debates sobre o pós-colonial latino-americano, ver Mabel MORAÑA, Enrique DUSSEL e Carlos JÁUREGUI, 2008.
  • 2
    Santiago COLÁS, 1995.
  • 3
    Jean FRANCO, 1989.
  • 4
    David SLATER, 1998.
  • 5
    FRANCO, 1989; e Nelly RICHARD, 2002.
  • 6
    Para abordagens sobre a importância de uma política feminista da tradução, veja Claudia de Lima COSTA e Sonia ALVAREZ, 2009; ALVAREZ, 2009; COSTA, 2004; e DAVIS e EVANS, 2011.
  • 7
    RICHARD, 2002.
  • 8
    María LUGONES, 1987.
  • 9
    Rita Laura SEGATO, 2011/2012.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2013
    • Aceito
      Abr 2013
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