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De Goiânia a 'Gayânia': notas sobre o surgimento do mercado "GLS" na capital do cerrado

From Goiânia to 'Gayânia': notes on the emergence of the "GLS" market in the capital of the cerrado (Brazilian Savannah)

Resumos

O presente trabalho parte de uma investigação realizada no Ser-Tão (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade), da Universidade Federal de Goiás, que buscou interpretar antropologicamente o contexto de surgimento do mercado comumente denominado 'GLS' (gays, lésbicas e simpatizantes) na capital goiana. O pressuposto, como evidenciam pesquisas socioantropológicas já realizadas em outros contextos metropolitanos no Brasil, é o de que a interpretação dos processos de constituição de categorias classificatórias em torno das homossexualidades pode ser complexificada ao se levar em consideração as dinâmicas relativas ao mercado segmentado. Neste trabalho, portanto, são apresentadas análises preliminares das memórias relativas ao surgimento do mercado de lazer e sociabilidade 'GLS' na cidade de Goiânia, a partir das falas de seus/suas empresários/as e frequentadores/as, para se pensar nas relações entre a produção de lugares e de um senso de 'comunidade' ou pertencimento local.

homossexualidade; Goiânia; mercado; GLS; LGBT


This paper presents an investigation conducted in Ser-Tão, Center for Studies and Research on Gender and Sexuality, at the Federal University of Goiás, which sought to interpret anthropologically the context of the emergence of a market commonly called "GLS" (gays, lesbians and supporters) in the capital of Goiás. The assumption, as evidenced by socio-anthropological research already carried out in other metropolitan contexts in Brazil, is that the interpretation of the processes of formation of classificatory categories around homosexualities can be complexified by taking into account the dynamics related to this segmented market. This paper, therefore, presents a preliminary analysis of the memories related to the emergence of the market for leisure and sociability "GLS" in the city of Goiânia, from the speech of its entrepreneurs and regulars, to think about the relationships between the production of places and a locally sense of "community" or belonging.

Homosexuality; Goiânia; Market; GLS; LGBT


ARTIGOS

Camilo Braz

Universidade Federal de Goiás

RESUMO

O presente trabalho parte de uma investigação realizada no Ser-Tão (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade), da Universidade Federal de Goiás, que buscou interpretar antropologicamente o contexto de surgimento do mercado comumente denominado 'GLS' (gays, lésbicas e simpatizantes) na capital goiana. O pressuposto, como evidenciam pesquisas socioantropológicas já realizadas em outros contextos metropolitanos no Brasil, é o de que a interpretação dos processos de constituição de categorias classificatórias em torno das homossexualidades pode ser complexificada ao se levar em consideração as dinâmicas relativas ao mercado segmentado. Neste trabalho, portanto, são apresentadas análises preliminares das memórias relativas ao surgimento do mercado de lazer e sociabilidade 'GLS' na cidade de Goiânia, a partir das falas de seus/suas empresários/as e frequentadores/as, para se pensar nas relações entre a produção de lugares e de um senso de 'comunidade' ou pertencimento local.

Palavras-chave: homossexualidade; Goiânia; mercado; GLS; LGBT.

ABSTRACT

This paper presents an investigation conducted in Ser-Tão, Center for Studies and Research on Gender and Sexuality, at the Federal University of Goiás, which sought to interpret anthropologically the context of the emergence of a market commonly called "GLS" (gays, lesbians and supporters) in the capital of Goiás. The assumption, as evidenced by socio-anthropological research already carried out in other metropolitan contexts in Brazil, is that the interpretation of the processes of formation of classificatory categories around homosexualities can be complexified by taking into account the dynamics related to this segmented market. This paper, therefore, presents a preliminary analysis of the memories related to the emergence of the market for leisure and sociability "GLS" in the city of Goiânia, from the speech of its entrepreneurs and regulars, to think about the relationships between the production of places and a locally sense of "community" or belonging.

Key Words: Homosexuality; Goiânia; Market; GLS; LGBT.

Introdução

Em 2011, foi criado, no Facebook, uma conhecida rede social, um grupo intitulado 'Gayânia'. Com caráter fechado (para participar, é preciso ser convidado por algum membro) e invisível no sistema de busca do sítio, o grupo, atualmente com quase 200 membros, é descrito como "Tudo! - Grupinho light de homens Gays de Goiânia com o intuito de socializar, fazer amizades e interagir. Todos podem adicionar mais amigos do meio (somente do sexo MASCULINO)". Entre os variados tópicos postados, figuram desde brincadeiras e piadas entre os membros, fotos (geralmente de homens jovens e musculosos), músicas e vídeos do YouTube, até notícias relacionadas à política LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Além disso, não são incomuns postagens de convites e comentários sobre eventos e novidades nos lugares comumente chamados de "GLS"1 1 Não é à toa que algumas categorias surgem entre aspas neste texto. Segundo Judith BUTLER (1998), elas servem para mostrar que estão sob crítica, questionar sua disposição tradicional e pedir por algum outro termo. Mostram que o modo como sua materialidade se circunscreve é algo político. O efeito das aspas, aqui como alhures, seria o de desnaturalizar os termos, designá-los como lugares de debate e disputa (BUTLER, 1998). (gays, lésbicas e simpatizantes), da capital goiana.

Entre os variados elementos que aguçam a curiosidade antropológica, caberia indagar sobre um contexto de crescente uso da internet para o estabelecimento de redes de amizades e trocas de informações acerca de espaços e identidades 'homossexuais',2 2 Carolina PARREIRAS, 2008. no caso, entre homens goianienses 'do meio', que se reconhecem - ao menos no grupo - enquanto 'gays', quiçá majoritariamente 'jovens' (os participantes têm, no geral, entre 18 e 30 anos). De todo modo, chama a atenção a utilização, para a nomeação do grupo, de uma expressão que brinca com o nome da cidade de Goiânia, bastante utilizada entre aqueles/as que frequentam os lugares de lazer noturno 'GLS' (outro termo muito utilizado nas postagens) da capital.

O presente trabalho3 3 Uma primeira versão das ideias aqui elaboradas foi apresentada na 28ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 2 e 5 de julho de 2012, em São Paulo, SP, Brasil. Agradeço aos comentários, críticas e sugestões recebidos na ocasião. Também sou imensamente grato pela leitura cuidadosa e pelas valiosas sugestões (que espero ter atendido a contento) contidas nos pareceres encaminhados para o presente artigo. é fruto de um projeto de pesquisa4 4 Trata-se da pesquisa realizada no Ser-Tão e no PPGAS/UFG, intitulada "Memórias, Margens, Mercados: um estudo sobre locais 'GLS' em Goiânia", sob minha coordenação. Ela fez parte do projeto "Nação e Região" do PPGAS/UFG, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). que analisou antropologicamente o contexto de surgimento do mercado comumente denominado 'GLS' em Goiânia. A metodologia incluiu, além de revisão bibliográfica, a realização de entrevistas semiestruturadas. No caso dos proprietários/as de lugares tais como bares e boates, as entrevistas versaram, sobretudo, sobre os processos de constituição dos empreendimentos, as expectativas e dificuldades encontradas, o tempo de funcionamento dos estabelecimentos, as percepções acerca do público que os frequenta(va). Também busquei obter, junto a esses/as colaboradores/as, materiais iconográficos, tais como anúncios de festas (os chamados flyers), notícias em jornais e revistas, etc., que auxiliaram na interpretação dos significados produzidos a respeito desses lugares. Esse, aliás, foi o principal objetivo das entrevistas junto aos/às frequentadores/as, cujo conteúdo versou sobre suas memórias e percepções acerca das experiências vivenciadas nesses estabelecimentos. Assim, busquei interpretar narrativas dos/as próprios/as sujeitos a respeito desses lugares e das experiências neles vividas.

Michael Pollak5 5 Michael POLLAK, 1992. lembra que, se a memória é comumente tomada como algo profundamente individual ou íntimo, desde ao menos os clássicos escritos sociológicos de Maurice Halbwachs (2006), nas primeiras décadas do século XX, sabe-se o quanto ela deve ser entendida também enquanto fenômeno coletivo ou social. Assim, como alertam James Fentress e Chris Wickham, ainda que possa ser pensada como algo "subjetivo",

a memória é estruturada pela linguagem, pelo ensino e pela observação, pelas ideias colectivamente assumidas e por experiências partilhadas com os outros. Também isto constrói uma memória social.6 6 James FENTRESS e Chris WICKHAM, 1992, p. 20.

Além disso, como sinaliza Pollak,7 7 POLLAK, 1992. são importantes os 'lugares de memória', aos quais as lembranças significativas são em geral ligadas. O principal argumento do autor é o de que as contingências relacionadas à memória levam à ideia de que ela é, sempre, seletiva e importante na constituição das chamadas identidades sociais. E, mais importante, a memória é sempre de um fenômeno socialmente construído e sujeito, portanto, a questões políticas, relacionadas a conflitos, disputas e relações de poder.

Como ensina Pollak (1992), "memória e identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em conflitos que opõem grupos políticos diversos".8 8 POLLAK, 1992, p. 203. Um mesmo evento relativo à memória terá interpretações distintas por parte de grupos variados, uma vez que esse processo de produção da memória não é isento das relações de disputa e de poder entre tais grupos. Há, assim, um preço a ser pago, em termos do que ele chama de investimento e de risco, na 'rearrumação da memória' relativa às chamadas identidades coletivas.

A questão da pluralidade perpassa, assim, a questão da produção das memórias coletivas o tempo todo. Nesse sentido, é possível perceber o quanto a própria preocupação acadêmica com a memória ganha sentido em contextos históricos, sociais, políticos e culturais específicos. A produção da memória coletiva nas sociedades contemporâneas configura-se, pois, como uma forma específica de dominação simbólica.

Neste trabalho, portanto, são apresentadas interpretações de memórias relativas ao surgimento dos lugares para a sociabilidade 'GLS' na cidade de Goiânia, a partir das falas de seus/suas empresários/as e frequentadores/as, buscando relacionar, por meio dessas narrativas, os processos de produção de lugares e de um senso de 'comunidade' (se tomado tal termo sob rasura e em seus aspectos imaginados, seguindo as ideias de Stuart Hall (2003)), ou mesmo de 'pertencimento'. Trata-se, de certo modo, de uma análise acerca dos processos culturais que transformam, assim, Goiânia em 'Gayânia', e de seus efeitos do ponto de vista das relações entre o mercado - produção, comercialização e consumo de bens - ,9 9 Maria Filomena GREGORI, 2010. a sexualidade e a criação de categorias classificatórias que incidem na produção de subjetividades, corporalidades e identidades.

Um possível ponto de partida para o estudo da sexualidade é a obra de um dos filósofos e historiadores mais importantes do século XX: Michel Foucault. Esse pensador francês ajudou a desconstruir a 'naturalização da sexualidade', ou seja, colocou a necessidade de a pensarmos também em termos históricos e culturais (ao invés de a tomarmos apenas como algo puramente relativo ao aspecto biológico, supostamente 'natural'). Em A história da sexualidade, afirma que os desejos sexuais não são dados puramente biológicos, mas são constituídos no curso de práticas sociais específicas, determinadas e variadas historicamente.10 10 Michel FOUCAULT, 1979.

A partir da obra de Foucault e de vários/as outros/as autores/as, como John Gagnon (2006) e Carole Vance (2002), percebe-se que a concepção "naturalizada" da sexualidade, como uma instância interior, que é parte daquilo que nos define enquanto sujeitos (por exemplo, afirmar que uma pessoa é 'homossexual', 'heterossexual', 'bissexual' e que isso tem a ver com sua constituição mais íntima, que isso a determina), é algo que não existiu desde sempre nas chamadas sociedades ocidentais, pois essa concepção da sexualidade como definidora da nossa interioridade tem uma história.

Nesse sentido é que seria possível falar em uma 'invenção da homossexualidade' e apontar os discursos pelos quais ela se constitui e ganha materialidade, produzindo categorias identitárias e subjetividades. Parte-se, assim, do postulado de que a sexualidade é um dispositivo multifacetado e difuso. A categorização de sujeitos em função de suas práticas ou desejos sexuais - 'heterossexual', 'homossexual', 'bissexual' etc. - é, então, algo relativamente recente. E há outros/as autores/as que, assim como Foucault, e inspirando-se nele, apontam nessa mesma direção - por exemplo, Paul Veyne (1983).

Por outro lado, observa-se que os anos de 1960 marcam, nas 'sociedades ocidentais', o surgimento da chamada 'segunda onda' feminista, que vai trazer, como uma de suas principais bandeiras, a palavra de ordem 'o pessoal é político'. Além disso, o questionamento da ligação necessária entre a sexualidade e a reprodução, exemplificado pelo surgimento da pílula anticoncepcional, era uma das possíveis bandeiras feministas. Nesse contexto, também as chamadas 'minorias sexuais' passam a buscar afirmação política, colocando-se justamente contra o discurso médico que historicamente as patologizava. É contra a medicalização e a patologização da homossexualidade, contra a noção de homossexualismo, da homossexualidade como 'doença' física ou mental, que o então Movimento Gay se colocou. As antigas 'perversões' da sexologia se transformam, assim, cada vez mais em uma questão de disputas políticas.

A decisão que a Associação Psiquiátrica Americana tomou em 1974 no sentido de deixar de considerar a homossexualidade como uma perturbação mental (mental disease) é um ato simbólico que marca a alteração das relações de força entre as diferentes teorias da sexualidade.11 11 Michael POLLAK, 1983, p. 52.

Geralmente localiza-se, na década de 1970, nos Estados Unidos, uma espécie de virada relativa às definições socioculturais em torno da homossexualidade. Há uma ideia recorrente de que essas mudanças partem da chamada 'liberação gay', que tem como marco simbólico os confrontos ocorridos em 28 de junho de 1969, diga-se de passagem, em um bar: o Stonewall Inn, em Nova York. De acordo com Peter Fry e Edward MacRae (1985),12 12 Peter FRY e Edward MACRAE, 1985, p. 96. o evento "é para o movimento homossexual algo parecido com a tomada da Bastilha para a Revolução Francesa".

Como lembra Tim Edwards,13 13 Tim EDWARDS, 2005. a palavra 'liberação' é problemática para aqueles/as que trabalham da perspectiva foucaultiana, ligando-se à ideia de que havia, antes dela, algo reprimido para poder ser liberado. Talvez seja igualmente interessante pensar na década de 1970 não apenas como de 'liberação' sexual, mas também como de produção ou reordenação de categorias sociais e culturais associadas às homossexualidades.

O consumo como algo 'bom para pensar'

"Os bens são neutros, seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou como pontes".14 14 Mary DOUGLAS e Baron ISHERWOOD, 2004, p. 36. Com tal frase, Mary Douglas e Baron Isherwood (2004) interpretaram antropologicamente os atos de consumo como um fenômeno cultural e foco privilegiado para a compreensão da vida contemporânea.15 15 DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004. Embora oriunda da tradição da antropologia social inglesa, que tomava os hábitos de consumo enquanto produções simbólicas que representavam distinções sociais (e não que ajudavam, em certo sentido, também a produzi-las), tratava-se inegavelmente de uma tentativa pioneira de analisar antropologicamente o mercado para além de suas razões práticas ou utilitaristas.16 16 Nesse ponto, cabe remeter às ideias de Marshall Sahlins para uma crítica da visão utilitarista da cultura (Marshall SAHLINS, 1979). Apesar de não afirmar que o mercado 'crie' diferenças ou identidades de maneira direta, o autor nos ajuda a pensar seus efeitos, sobretudo a partir do consumo tomado em seus aspectos simbólicos, no que tange ao reforço e cristalização de diferenças que interferem na produção das categorias classificatórias e, portanto, de identidades sociais. De quebra, tais ideias serviram anos mais tarde como inspiração para o título do importante trabalho de Isadora França (2006), que analisou as 'cercas e pontes' entre política e mercado, no que diz respeito à produção de categorias identitárias e estilos associados à homossexualidade, na São Paulo dos anos de 1990. Além da atuação política, a autora levou em conta o surgimento do chamado mercado 'GLS' na cidade para pensar sobre os processos de constituição de identidades homossexuais mediados pelo consumo e pela sociabilidade em lugares de lazer. De acordo com ela, o reflorescimento do movimento LGBT e a ampliação e consolidação do mercado (bares, boates, saunas, cinemas pornôs etc.) são processos que ocorreram paralelamente na cidade de São Paulo naquela década.17 17 Isadora Lins FRANÇA, 2006. Para Isadora França,

Se considerarmos que o mercado segmentado produz diferentes categorias em torno do que é 'ser homossexual' e faz circular referências e imagens identitárias acerca dos possíveis estilos ligados à homossexualidade, podemos dizer que colabora para construir e reforçar identidades coletivas que servem de referência para a atuação do movimento, e vice-versa. Temos, então, um campo comum entre movimento e mercado.18 18 FRANÇA, 2006, p. 24.

De acordo com a bibliografia existente acerca dessa temática, a criação de um mercado comercial voltado para o público 'homossexual', no Brasil, remete aos anos de 1960. É nessa década que foram abertas, na cidade de São Paulo, algumas boates declaradamente destinadas a um cliente 'homossexual' de classe média, "que procurava locais de encontro onde houvesse maior segurança contra ataques policiais ou de bandidos".19 19 Edward MACRAE, 2005, p. 292. O número de estabelecimentos, tais como saunas, bares e boates, cresceu nas décadas seguintes, especialmente depois da abertura política, nos anos de 1980. Nos anos de 1990, tal movimento expandiu-se e chegou até à internet. Surgiu, assim, a categoria "GLS" (gays, lésbicas e simpatizantes), propagada a partir do Festival MixBrasil de 1994, que incluía um site e um festival de cinema e moda 'alternativo', voltados para esse público.20 20 FRANÇA, 2006. Para França,21 21 FRANÇA, 2006. 'GLS' passou desde então a ser associada a um estilo 'moderno e descolado', caracterizando um público de alto poder aquisitivo e capital simbólico distintivo: "Quando surgiu, o termo GLS foi rapidamente associado a um público 'moderno', interessado em arte, música, conectado à última moda e freqüentador da noite".22 22 Isadora Lins FRANÇA, 2007, p. 236. De acordo com a autora, no início pretendia-se com a sigla uma diferenciação entre estabelecimentos "GLS" e aqueles declaradamente 'gays', mas a primeira palavra popularizou-se a tal ponto que hoje em dia é bastante comum que se utilizem ambas como sinônimos para se referir a esse mercado.

Esse processo contribuiu para a diluição das fronteiras do que se poderia antes chamar talvez de 'guetos', embora sua ênfase mercantil tenha levado a processos de diferenciação por parte de outros grupos, tais como os de militância, que, em vez da sigla, passam a usar outras formas para se denominarem,23 23 Sergio CARRARA e Júlio Assis SIMÕES (2007) apontam, por exemplo, que a sigla GLBT ( gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais), que, até há alguns anos, era utilizada para nomear o movimento organizado, entrou em diálogo crítico com a GLS, advinda do mercado segmentado, "que re-elaborava a ambigüidade classificatória para ampliar o potencial de inclusão" (CARRARA e SIMÕES, 2007, p. 93). a exemplo de GLBT, GLBTT24 24 A esse respeito, consultar Regina FACCHINI (2005). e, desde 2008, cada vez mais, de LGBT, sigla adotada a partir da I Conferência Nacional voltada para tal população, realizada em Brasília.

Há uma preocupação atual, portanto, em se analisar como a constituição de categorias e convenções culturais que informam a produção dos sujeitos e identidades homossexuais é influenciada não apenas por diversos marcadores sociais de diferença, mas também por variados campos, tais como a ciência, a política e, claro, o mercado. Como afirma Gregori,

Hoje não podemos estudar apenas aqueles universos institucionais de produção dos saberes próprios à consolidação da 'sociedade burguesa' dos séculos XVIII e XIX, como foi inicialmente realizado por Foucault: clínicas, prisões, processos judiciais. Torna-se estratégico investigar as práticas que envolvem os erotismos, em meio a um universo que parece absolutamente central no mundo contemporâneo: o mercado.25 25 GREGORI, 2010, p. 77-78.

Nesse sentido, cabe remeter a algumas ideias de Mike Featherstone, presentes em seu livro sobre consumo e pós-modernismo26 26 Mike FEATHERSTONE, 1995. . Concordo com Júlio Simões, para quem a relevância do autor está em assinalar a possibilidade de se pensar como o consumo tem um efeito importante na expressão de 'individualidades' e 'projetos de vida' na contemporaneidade - a chamada "sociedade de consumo", ou 'cultura de consumo' - , ao invés de massificar e uniformizar gostos e estilos, produz um jogo complexo de diferenças e distinções sociais.27 27 Júlio Assis SIMÕES, 1995.

Existe, assim, uma relação atualmente problematizada em pesquisas realizadas no Brasil entre processos de segmentação e conformação de estilos, subjetividades e identidades sexuais associadas ao consumo. Por outro lado, tais processos aliam-se às possibilidades de experimentação e ampliação de etiquetas e convenções sexuais em um mercado contemporâneo de bens eróticos em franca expansão. De acordo com Maria Filomena Gregori, é estratégico investigar as práticas e as dinâmicas que envolvem os erotismos contemporâneos em meio ao mercado, pois, "nesse cenário, reúnem-se atualmente experiências e práticas que alternam, de modo complexo, esforços de normatização e também de ressignificação e mudança de convenções sobre sexualidade e gênero". 28 28 GREGORI, 2010, p. 78.

Ao pensar a relação entre consumo e o que chama de "limites da sexualidade", Gregori reporta-se à análise empreendida por Peter Fry (2002) acerca do recente mercado de produtos de beleza para a população negra no Brasil não como um resultado linear das demandas de uma classe média negra, mas também como constituinte de sua formação.29 29 GREGORI, 2010. Nessa mesma direção, me foi possível afirmar, também, que o consumo nos e dos clubes de sexo masculinos paulistanos, que investiguei em meu Doutorado, não só diz respeito às demandas de seus clientes, mas também, em certo sentido, cria determinadas convenções que as produzem.30 30 Camilo BRAZ, 2012. 31 31 Essa questão é também trabalhada por Isadora Lins França, que, em sua pesquisa de doutorado, discute processos de subjetivação mediados pelo consumo entre homens que se relacionam afetivo/sexualmente com outros homens, a partir de diferentes lugares de frequência na cidade de São Paulo (Isadora Lins FRANÇA, 2012). Sobre essa questão no tocante a mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com outras mulheres em São Paulo, ver Regina Facchini (2008).

Desse modo, parte-se aqui da ideia que relaciona mercado, sexualidade e produção de diferenças, na chave que analisa o consumo em seu aspecto gerador de determinadas convenções que ajudam a produzir categorias classificatórias que incidem na produção de sujeitos, corpos e identidades. Não se trata, assim, de afirmar que categorias em torno das (homos)sexualidades sejam produzidas apenas pelo mercado, como se tais sujeitos existissem apenas enquanto consumidores/as, mas de levar em consideração que, na contemporaneidade, ao lado de outros campos (como o Estado, a política, a medicina, a mídia, a ciência ou a jurisprudência), no mercado também são criadas categorias que informam a produção discursiva de identidades sexuais e de gênero, que se materializam performativamente em atos corporais,32 32 BRAZ, 2012. quanto surgem, talvez, até mesmo novas possibilidades de acesso à cidadania.33 33 Néstor Garcia CANCLINI, 2010. 34 34 Processos que parecem ocorrer em vários contextos, inclusive em outros países latino-americanos, como vem demonstrando a pesquisa de Rodrigo Andres Azócar Gonzalez, no âmbito do PPGAS/UFG, sobre os efeitos políticos e culturais da criação da conhecida boate Pagano, em Valparaíso (Chile).

Sobre copos de plástico ou de vidro - narrativas e contextos

Goiânia, apelidada por vezes como 'capital do cerrado', conta atualmente com cerca de 1,4 milhões de habitantes, o que, segundo o IBGE,35 35 IBGE, 2014. a coloca como a décima segunda maior cidade do país, em termos populacionais. Sua região metropolitana (que inclui, entre outras cidades, Aparecida de Goiânia, conurbada à capital) soma mais de 2,3 milhões de pessoas. Para além de um mercado erótico em expansão, que inclui sex-shops, boutiques eróticas ou casas de swing,36 36 Lugares voltados para a chamada 'troca de casais', a princípio, entre heterossexuais. Eles foram estudados na capital goiana por Raphael Moraes da Silveira (2014), no PPGAS/UFG. existe na atualidade um relativamente expressivo mercado de lazer e sociabilidade 'GLS', que inclui boates, bares, além de locais comerciais para sexo entre homens, como saunas e cinemas pornográficos. Não há, em meio impresso ou digital, nenhuma lista completa e atualizada desses estabelecimentos, mesmo em sites conhecidos por manter roteiros em outras capitais, como o MixBrasil. Há, contudo, alguns dados disponíveis na 'Coluna do Meio', seção escrita pelo jornalista e ativista Léo Mendes, aos domingos, no jornal goianiense Diário da Manhã, bem como no portal SiJoga.com - o portal GLS de GYN,37 37 GYN é um modo corriqueiro de referir-se a Goiânia. Advém da sigla utilizada para identificar, nos aeroportos, as rotas aéreas que envolvem a capital. Algo similar ocorre com outras cidades brasileiras, como Salvador (SSA), Campinas (CPS), entre outras. que, cruzados com informações obtidas por meio de entrevistas e trabalho de campo, tornam possível listar, na atualidade, ao menos quatro boates (The Pub, D!sel, Left House e Total Flex - esta última localizada no mesmo espaço onde funcionou a boate JUMP, bastante conhecida localmente e mesmo nacionalmente), cinco bares (Athena, Yes Bar, Bate-Papo, Chácara 12 - conhecido como Feirão do Chope, Bar da Help38 38 O Bar da Help é majoritariamente frequentado por mulheres que se relacionam afetiva, erótica e sexualmente com outras mulheres. Além dele, há outro espaço, chamado Bar da Lílian, bastante frequentado por esse público. Esse circuito foi estudado por Tanieli de Moraes Guimarães Silva (2012), em sua pesquisa de iniciação científica na FCS/UFG. ), dois cinemas pornôs percebidos como majoritariamente frequentados por homens "gays" (Astor e Santa Maria39 39 Há outros 'cinemões' na cidade, muito embora o trabalho de campo realizado por Matheus Gonçalves França (2012), como parte de sua iniciação científica na FCS/UFG, tenha sinalizado para certa segmentação entre eles a partir de preferências sexuais e marcas de gênero. Assim, há cinemas percebidos como "mais gays" do que outros, pela relativa ausência de travestis, prostitutas e sexo heterossexual. ) e três saunas (Thermas Botafogo, Tamandaré e Trés Chic). Além desses estabelecimentos, vale mencionar a Domingueira Millenium, espaço onde costuma ocorrer festas voltadas para o público gay e lésbico, além de matinês itinerantes, como a Mega Teen, festa voltada para adolescentes. Além disso, cabe menção à existência de um pub chamado El Club e de um bar denominado Metrópolis,40 40 Uma instigante etnografia sobre esses dois lugares foi realizada por Giórgia de Aquino Neiva (2014), no PPGAS/UFG. locais que, apesar de não se apresentarem como estritamente 'GLS', são bastante frequentados por gays, lésbicas, bissexuais ou por sujeitos que se dizem sexualmente 'sem rótulos'.41 41 A esse respeito, ver o trabalho de Alexandre Vega (2008), realizado em São Paulo.

As entrevistas realizadas, contudo, permitem vislumbrar diferenças significativas entre a composição e os efeitos simbólicos desse mercado, na atualidade, e o contexto de criação dos primeiros estabelecimentos comerciais voltados ao lazer ou à sociabilidade entre 'gays' e 'lésbicas', na cidade. Nesse sentido, há uma série de narrativas de empresários/as e frequentadores/as que relembram uma Goiânia de meados dos anos de 1970 e início da década de 1980, quando começou a surgir os primeiros bares frequentados ou ocupados por 'homossexuais':

Camilo: A primeira época que você morou em Goiânia foi qual?

Entrevistado: 73 a 80.

Camilo: E aí naquela época não tinha nada ou as pessoas se encontravam...

Entrevistado: Tinha!

Camilo: Tinha?!

Entrevistado: Guetos, né?

Camilo: Tá. Você sabe onde eram, como que eram?

Entrevistado: Eu frequentava muito um bar chamado Baculelê. Na 5ª Avenida de frente onde era a Saneago, Caixa Econômica, depois da Pecuária lá. Depois da Pecuária, 5ª Avenida.

Katianne: Indo pro Jaó?

Entrevistado: É. Antes do Meia-Ponte ali. Tinha um barzinho, uma gracinha, uma casa. Inclusive, eu me inspirei um pouco nele. Quando quis abrir o [bar], tinha umas coisas que eu tinha visto em São Paulo, tinha visto em Belo Horizonte e me lembrei dessa casa, o Baculelê. Então, eu fiz uma coisa pegando... eu fiz um apanhado: São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Baculelê. Tinha aquela, eu achei gostoso aquilo, era uma casa, tinha um quintalzinho do lado, tinha uma areazinha na frente. Ele interligou a casa. Era uma casa pequena, não era grande, mas que lotava porque era afastado. Então, as pessoas iam pra lá porque era afastado. Ninguém ia lá ver ninguém.

(...)

Camilo: O que que tinha mais? Tinha o Baculelê...

Entrevistado: Era só. Não tinha boate, não tinha nada. Era gueto, porque era afastado, né? Local que os homossexuais iam porque era afastado.

Por meio das entrevistas, é possível perceber que, no início da década de 1980, surgem bares ou botecos já no centro da cidade, que, ainda que não tenham sido criados para abarcar uma clientela 'homossexual' diretamente, passam cada vez mais a ser frequentados por esse público:

Entrevistado: Abri [um bar] em 84. Tinha uma lanchonete na Anhanguera, depois eu vim ali pra rua 4, né? Desde 84 e saí em 2004.

Camilo: Como que era naquela época a cidade?

Entrevistado: Ah! Goiânia era muito mais tranquilíssima, né? A cidade, pra você ter ideia, no centro, no domingo principalmente, não conseguia ninguém, não tinha ninguém, ninguém, não passava ninguém no centro. (...) E eu me lembro bem que, no domingo, pra buscar movimento, eu fiz os meus melhores dias no domingo com o pagode, inclusive. Convidando os amigos e oferecendo uma quantidade de cerveja para eles irem bebendo e chamando. Foi assim que começou.

Camilo: Mas era só o seu bar naquela época?

Entrevistado: Era. Praticamente no Centro era eu, tinha o Ceará, né? Na rua 2, pessoa também bacana, um conhecido, amigo, né? Na rua 2 com a rua 8 e eu ali na rua 4 com a rua 24 (...) E quanto ao público, foi amizade que nesse tempo a gente foi fazendo, acho até que o público numa condição menor, mas que gosta de festar, né? O público gay, GLS, e a gente sempre atendeu, respeitou muito, né? E em nenhum momento, sempre atendeu bem e fomos fazendo uma grande comunidade, né? E recebe hoje 500/600, até mil pessoas num domingo, né? Já recebi aqui. Mas a média é 600 pessoas. 500 a 600 (...) Da grande maioria GLS.

Camilo: Eu queria entender, assim... quando você montou esse primeiro bar lá de 84, você já tinha essa proposta ou foi uma coisa inesperada?

Entrevistado: Não, não. Aconteceu. As pessoas começaram a chegar, sempre fui atendendo, e foram se reunindo, reunindo, e falando entre amigos - que ficava próximo ali à faculdade, na rua 4, né? Todas as faculdades da Praça Universitária, esse pessoal descia (...) É... então, o pessoal adorou, né? Principalmente o público que gosta de consumir bem, que gosta de festar sempre, toda semana, até duas vezes/três vezes, esse pessoal nunca me deixou.

Portanto, as narrativas sobre os primeiros lugares de frequência 'homossexual' em Goiânia remontam à década de 1970 e início dos anos de 1980, em plena ditadura militar. É imprescindível reconhecer seu impacto simbólico, sobretudo no que diz respeito à possibilidade da criação de um 'sentido de comunidade' ou pertencimento. São relatos carregados de nostalgia, que rememoram um período de descoberta da existência de 'iguais', como, por exemplo, quando se narra a primeira ida a um lugar frequentado por 'homossexuais' ou 'entendidos' num contexto de pânico moral em torno de práticas então consideradas 'subversivas'. Contudo, é também possível afirmar, pelos relatos analisados, que o contexto de surgimento dos primeiros lugares frequentados por 'homossexuais' em Goiânia, nos anos de 1970/80, aponta para sua relativa invisibilidade e precariedade, como fica evidente pela utilização do termo 'gueto' como referência a tais estabelecimentos. Estava-se, ainda, longe de um contexto sociocultural de abertura e possibilidade da criação de uma 'política de identidades' em torno das homossexualidades, capitaneada, seja pelo movimento social, seja pelo mercado.

O atualmente denominado movimento LGBT surge em Goiás num contexto social e político diferente do final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 no Brasil, período conhecido como de redemocratização e de aparecimento do então chamado Movimento Homossexual Brasileiro, inicialmente em São Paulo e contraposto ao Estado em nome de maior liberdade sexual e visibilidade/aceitação social da homossexualidade.42 42 Edward MACRAE, 1990 e Júlio Assis SIMÕES e Regina FACCHINI, 2009. Ainda na década de 1980, houve em Goiás uma primeira tentativa de formação de um grupo-núcleo denominado Triângulo Rosa, constituído dentro do Partido dos Trabalhadores (PT). O grupo não avançou e não alcançou ou buscou institucionalização e não se sabe ao certo qual foi o período em que atuou.43 43 Camilo BRAZ et al., 2013. No Brasil, grande parte dos primeiros grupos de ativismo propriamente LGBT surge no contexto da luta contra a aids, nos anos de 1990.44 44 Regina FACCHINI, 2009. Em Goiás, os primeiros grupos se formaram na segunda metade daquela década.

Nesse ponto, cabe remeter a uma investigação realizada pelo Ser-Tão acerca da trajetória do movimento LGBT em Goiás.45 45 Trata-se da investigação Movimentos sociais, direitos humanos e cidadania: um estudo sobre o movimento LGBT em Goiás, realizada pelo Ser-Tão, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg). A investigação, coordenada pelos professores Luiz Mello e Camilo Braz, integrou outra mais ampla, intitulada Memória da luta em direitos humanos em Goiás, da rede Diversidade, Direitos Humanos e Cidadania. Por meio da análise das entrevistas com ativistas, foi possível perceber algumas ambivalências a respeito do mercado 'GLS' e suas possíveis relações com as demandas do movimento LGBT. Se, muitas vezes, ressaltou-se que os bares, boates e outros estabelecimentos comerciais são importantes para tal população, uma vez que permitem a expressão de afetos e o estabelecimento de amizades em um contexto sociocultural ainda bastante marcado pela chamada 'homofobia', por outro lado, afirmou-se que a luta política deveria ser pela possibilidade de circulação de pessoas LGBT em todos os espaços: comerciais ou não, 'GLS' ou não. Apesar disso, muitas entrevistas ressaltaram a importância de parcerias com estabelecimentos comerciais para ações e demandas do movimento LGBT no estado. Nesse sentido, destacaram as Paradas do Orgulho LGBT, que ocorrem em Goiânia desde 1996, como momentos especiais em que tais aproximações se materializam - muito embora houvesse falas críticas apontando que o problema é que elas se restringem a esses períodos.46 46 A esse respeito, ver BRAZ et al (2014). Tal restrição se dá, para os sujeitos entrevistados, seja pela falta de apoio por parte dos/as empresários/as às organizações e grupos da sociedade civil que lutam em prol da população LGBT, seja pelo fato de que o próprio movimento LGBT local não se apropria estrategicamente do mercado, propondo atividades e parcerias. Cabe ressaltar que tais ambivalências aparecem também nas entrevistas realizadas com proprietários/as, para a presente pesquisa.

De todo modo, é possível aproximar tanto os lugares comerciais quanto o movimento social de meados dos anos de 1990 ao menos em dois sentidos. Em primeiro lugar, no que diz respeito às dificuldades encontradas para sua criação. Processo que, se não foi fácil para o movimento social, também foi bastante conturbado para os/as empresários/as - as entrevistas realizadas com eles/as estão repletas de falas que apontam para uma série de resistências à criação de bares ou boates 'GLS' na cidade (especialmente em bairros mais centralizados ou valorizados, como a região Sul), que vão de entraves para a obtenção de alvarás, batidas policiais aparentemente infundadas, abaixo-assinados realizados por vizinhos que não queriam "morar ao lado de bares ou boates gays", até a depredação e vandalização desses lugares, como exemplificam as narrativas sobre episódios de tijolos ou ovos atirados em suas portas, por exemplo. Em segundo lugar, as aproximações entre mercado e movimento podem ser pensadas pelo fato de que, a partir dos anos de 1990, ambos passam a atuar no sentido de promover tanto certa 'visibilidade positiva' em torno das homossexualidades quanto a criação de categorias classificatórias em torno delas. Nesse contexto, diferentemente das décadas anteriores, o mercado 'GLS' local deixa de ser percebido, pelos/as entrevistados/as, como relativamente precário e invisível e passa a atuar no sentido de certa 'glamourização' das homossexualidades.

Copos de plástico versus copos de vidro

Nesse sentido, são representativos os relatos acerca da criação de uma boate 'GLS' que ficou muito famosa em Goiânia. Trata-se da JUMP - the house of fun. A casa, criada em 1996, funcionou durante quase 10 anos no Setor Oeste (região da cidade considerada 'nobre').

[Entrevistada]: Eu tinha vivido em São Francisco, Califórnia, durante cinco anos, de 89 a 94. Então, toda aquela atmosfera que eu recebi, em São Francisco (...) eram todos com a cabeça muito aberta e aquela atmosfera gay do lugar, e eu incluída nisso aí, né? E o que foi pego dali: o gay super bem situado, vários lugares, várias lojas. Um mundo bem respeitado. Divertido, engraçado, feito mais por gays. (...) Então, toda essa atmosfera que eu captei em São Francisco eu vim pra Goiânia. Mas, não pra isso. Não pra montar alguma coisa, nada disso. Eu achei que estava ficando muito longe da minha família e que já era hora de voltar pra casa. E aí comecei a enjoar do lugar no sentido de me sentir sozinha e tal. (...) Aí cheguei aqui, o Teatro Goiânia ficava fechado, aí eu dizia: 'Aí gente, eu vou montar um bar super legal do jeito que eu vi na Califórnia!' (...) Que era o End Up Bar Café, que foi o primeiro perto do Shopping Bouganville. Tinha bar, mesa de sinuca. Mesa de sinuca só existia na periferia. E tinha essas mesas de sinuca, todas coloridas. Dj's de primeiríssima qualidade. Todo mundo levava cd e falava 'Olha, tem que tocar isso e não sei o quê'. E assim começou na verdade o goianiense me ensinar a fazer noite. Então, eu fui de encontro a esse público. Eu não pesquisei mercado, nada. (...) Eu enfrentei anos terríveis aqui, tive problemas gravíssimos, porque eu fui praticamente a primeira. Primeiro que esse End Up Café não podia ser onde era. Tava num lugar ilegal como tem inúmeros aí (...) Era uma rua residencial (...) Aí, eu passei para aquele local lá na República do Líbano, que foi excelente. Maravilhoso. O m² maravilhoso. Comercial. Ao lado do Piquiras. E muita gente dizia pra mim 'Olha, não vai aí não. É ao lado do Piquiras, não vai dar certo. O preconceito vai pintar'. Mas, não tinha mais como fugir, né? (...) Houve, como eu te disse, outros bares, mas que não eram rotulados nem nada. Tinha já a boate Gênero, declarada, tinha show de drag e tudo.

[Camilo]: E o End Up funcionou de quando a quando?

[Entrevistada]: Ele funcionou só um ano. Porque não tinha sossego pra trabalhar, né? Ele foi lacrado (...) O End Up foi perto do Boungaville, no Setor Marista. Aí que eu fui para um local que fosse permitido ter esse tipo de segmento, esse tipo de negócio, ramo de atividade, né? Aí, eu achei aquele endereço [no Setor Oeste]. O problema era o preconceito. Era ao lado do Piquiras, bar tradicional, da elite de Goiânia e tal. (...) Então, aí depois do Boullevard surgiu a idéia, a concepção de um lugar mais moderno, né? Um ambiente com uma cara mais moderna e tal. O Boullevard já tinha existido. Então foi confeccionado um flyer de Bye, Bye Boullevard. Aí [um amigo dela] disse: 'esse lugar tem que se chama Jump'. (...) Depois alguém criou, não sei quem foi, o House of Fun, que ficou por muito tempo. Acho que fui eu mesma. E aí começou. E foram vários anos, variadíssimos. Aí, as pessoas de São Paulo já começaram a interagir. Depois do site teve uma repercussão nacional muito grande. Aí, sempre tinha sempre gente de São Paulo aqui. Aí, a gente fez um elo de amizade muito grande. É época em que o Mercado Mundo Mix tava explodindo...

[Camilo]: Teve algum aqui?

[Entrevistada]: Teve. O primeiro deve ter sido lá comigo, em 1998.

[Camilo]: Só prá eu me situar em questão de datas. O seu primeiro bar surgiu em que ano?

[Entrevistada]: Em 1994 o primeiro, o End Up. Em novembro de 94. Que durou até 96. Aí depois veio o Boullevard, que deve ter durado assim, uns oito meses, no máximo um ano, e já virou Jump.

[Camilo]: E aí a Jump funcionou até quando?

[Entrevistada]: A Jump? (risos). Ela funciona até agora!

47 47 No mesmo espaço onde funcionou a JUMP, passou a existir, após algum tempo, a boate Total Flex. A empresária responsável pela criação da JUMP assumiu sua direção no início de 2012.

(risos) A Jump funcionou até 2007. Agosto de 2007.

Vários pontos merecem destaque nesse relato. Em primeiro lugar, o quanto os estabelecimentos surgidos nos anos de 1990 em Goiânia já não se pautavam mais pela relativa invisibilidade, sendo abertamente concebidos como 'GLS' ou 'gays'. Nesse ponto, cabem talvez algumas aproximações com minha pesquisa de doutorado, em que analisei parte do mercado de clubes de sexo masculinos da cidade de São Paulo.48 48 BRAZ, 2012. Minha análise buscou identificar como as convenções relacionadas aos bares e clubes leather (em que o 'couro' simboliza a virilidade e as experimentações sexuais que lidam com limites, como o sadomasoquismo) norte-americanos e europeus de meados dos anos de 1960 e 1970 migraram para o Brasil via mercado em uma perspectiva transnacional que envolve a criação de sex-shops, bares e clubes, a circulação de revistas e filmes pornográficos (inclusive on-line), além da própria internet, por meio de chats, sites, comunidades de relacionamento. E migraram também via pessoas: os proprietários e idealizadores dos primeiros clubes relataram ter tomado conhecimento de estabelecimentos similares em experiências vividas no exterior - notadamente Estados Unidos e países do Norte europeu, tais como Alemanha, Países Baixos e França. No caso dos clubes mais recentes, a inspiração veio daqueles que já existiam na cidade, bem como de páginas de internet (dos clubes daqui, bem como dos de fora) e mesmo de frequentadores que haviam viajado ao exterior. Chama a atenção, portanto, o quanto as narrativas sobre a criação dos lugares 'GLS' goianienses mesclem, de maneira análoga, tanto a inspiração em convenções de mercado criadas em outros contextos - como São Francisco ou São Paulo - quanto as trajetórias e preferências de seus/suas idealizadores/as. Em terceiro lugar, podem-se frisar as dificuldades apontadas para a criação desses estabelecimentos, sobretudo quando saem da periferia e passam a ocupar bairros centrais ou considerados mais 'nobres'.

Para além da questão da 'visibilidade positiva', percebe-se, nas narrativas sobre a JUMP, o distanciamento no que diz respeito à precariedade dos bares das décadas anteriores. Nesse sentido, não é incomum, nas entrevistas com empresários/as e frequentadores/as, a frase que atribui à idealizadora da JUMP ter "trazido copos de vidro para Goiânia".

O interessante é buscar interpretar o que está sendo metaforizado a partir da polaridade entre 'copos de plástico' ou 'copos de vidro'. Trata-se da construção discursiva de uma separação entre dois contextos socioculturais distintos, que apontam para diferentes possibilidades de vivência da homossexualidade. Os primeiros bares da cidade são rememorados como 'precários', 'afastados', 'escondidos'. Não eram 'assumidamente GLS', tendo sido muitas vezes 'ocupados' por 'homossexuais' à revelia de seus/suas donos/as. A década de 1990 marca não apenas o surgimento do movimento LGBT, como ainda a criação de estabelecimentos comerciais em Goiânia, que não somente ganhavam inteligibilidade num contexto de reivindicação de direitos, mas também de certa 'glamourização' em torno das homossexualidades por parte do, agora, mercado 'GLS'. Assim, os 'copos de vidro' acionam simbolicamente nas narrativas um cenário em que a produção de categorias identitárias 'positivadas' em torno das homossexualidades passou a ser exercida tanto pelo movimento social quanto pelo mercado, na capital de Goiás. E também 'glamourizadas', muitas vezes acionando velhos estereótipos que associam as homossexualidades, e especialmente os gays, seja à 'festa', seja ao excessivo 'poder de consumo'.49 49 Marina CASTAÑEDA, 2006.

Considerações finais

O presente trabalho buscou, partir de dados etnográficos, adensar discussões antropológicas e sociológicas atuais no Brasil, que buscam incluir os efeitos do mercado (produção, circulação e consumo de bens) na produção de categorias classificatórias em torno da sexualidade. Partiu-se, assim, de narrativas de empresários/as e frequentadores/as acerca do surgimento do chamado mercado 'GLS' goianiense, a fim de problematizar os processos locais de produção de um senso de 'comunidade' ou de pertencimento mediado pela emergência de lugares comerciais para a sociabilidade e o lazer. A análise aponta para a existência de dois contextos bastante marcados nas narrativas: um de relativa precariedade e invisibilidade, quando os primeiros bares que abarcavam a frequência 'homossexual' surgiram ainda nos anos de 1970; e outro que ganha inteligibilidade já nos anos de 1990, quando se percebe o adensamento de uma política de identidades marcada pela 'visibilização' e 'positivação' em torno das homossexualidades.

Para finalizar, cabe mencionar que, na atualidade, talvez seja possível perceber certo adensamento dos efeitos desse mercado no que diz respeito à produção de diferenças. Hoje, é possível afirmar que o mercado "GLS" em Goiânia, assim como em outras grandes cidades brasileiras, se diversifica a partir de uma série de marcadores sociais da diferença. São lugares que não apenas se destinam, mas que também ajudam a produzir um repertório discursivo acerca de públicos distintos, no que diz respeito à idade (o que se exemplifica tanto pela existência das festas matinês, voltadas para adolescentes, quanto por minha hipótese da relativa ausência de lugares de lazer e sociabilidade para pessoas mais velhas, o que faz das saunas, ao menos para homens gays mais velhos, mais do que simplesmente lugares de 'pegação'), ao gênero (quando se percebe a relativa escassez de lugares voltados para lésbicas, em comparação com os espaços gays), à classe e raça/cor (quando se observa a existência de um bar na periferia da cidade, frequentado majoritariamente por rapazes negros nos domingos regados a chope, samba e funk50 50 Trata-se do bar Chácara 12, conhecido como Feirão do Chope, atualmente sendo estudado por Bruno Hammes (2013) no PPGAS/FG. - o que evoca, inclusive, a análise empreendida por França (2012) sobre um 'samba GLS' no centro de São Paulo), e ao gênero e classe (quando se pretende interpretar discursos frequentes que associam os poucos lugares frequentados por travestis à ideia de 'risco' ou de 'perigo')51 51 Nesse sentido, é de especial interesse buscar analisar as imagens produzidas a partir de flyers ou materiais de propaganda desses lugares, a fim de observar o modo como seus/suas clientes são idealizados/as, acionando muitas vezes tais marcadores sociais de diferença. Esse foi o foco de Katianne de Souza Almeida (2012). .

Tais dados talvez permitam construir uma interpretação das maneiras como, ao produzir categorias classificatórias em diálogo com convenções de gênero, sexualidade, raça/cor, classe ou idade, de modo muitas vezes interseccional, o mercado produza diferenças que, muitas vezes, coadunam-se com desigualdades. É preciso, pois, atentar para os possíveis efeitos simbólicos da atuação do mercado, em suas ambivalências, a fim de torná-lo analiticamente relevante para um questionamento antropológico crítico em torno da discursividade produzida por ele a respeito de sujeitos, corpos, identidades e categorias sexuais contemporâneas.

Recebido em 9 de fevereiro de 2013

Reapresentado em 12 de junho de 2013

Aprovado em fevereiro de 2014

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  • De Goiânia a 'Gayânia': notas sobre o surgimento do mercado "GLS" na capital do cerrado

    From Goiânia to 'Gayânia': notes on the emergence of the "GLS" market in the capital of the cerrado (Brazilian Savannah)
  • 1
    Não é à toa que algumas categorias surgem entre aspas neste texto. Segundo Judith BUTLER (1998), elas servem para mostrar que estão sob crítica, questionar sua disposição tradicional e pedir por algum outro termo. Mostram que o modo como sua materialidade se circunscreve é algo político. O efeito das aspas, aqui como alhures, seria o de desnaturalizar os termos, designá-los como lugares de debate e disputa (BUTLER, 1998).
  • 2
    Carolina PARREIRAS, 2008.
  • 3
    Uma primeira versão das ideias aqui elaboradas foi apresentada na 28ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 2 e 5 de julho de 2012, em São Paulo, SP, Brasil. Agradeço aos comentários, críticas e sugestões recebidos na ocasião. Também sou imensamente grato pela leitura cuidadosa e pelas valiosas sugestões (que espero ter atendido a contento) contidas nos pareceres encaminhados para o presente artigo.
  • 4
    Trata-se da pesquisa realizada no Ser-Tão e no PPGAS/UFG, intitulada "Memórias, Margens, Mercados: um estudo sobre locais 'GLS' em Goiânia", sob minha coordenação. Ela fez parte do projeto "Nação e Região" do PPGAS/UFG, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG).
  • 5
    Michael POLLAK, 1992.
  • 6
    James FENTRESS e Chris WICKHAM, 1992, p. 20.
  • 7
    POLLAK, 1992.
  • 8
    POLLAK, 1992, p. 203.
  • 9
    Maria Filomena GREGORI, 2010.
  • 10
    Michel FOUCAULT, 1979.
  • 11
    Michael POLLAK, 1983, p. 52.
  • 12
    Peter FRY e Edward MACRAE, 1985, p. 96.
  • 13
    Tim EDWARDS, 2005.
  • 14
    Mary DOUGLAS e Baron ISHERWOOD, 2004, p. 36.
  • 15
    DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004.
  • 16
    Nesse ponto, cabe remeter às ideias de Marshall Sahlins para uma crítica da visão utilitarista da cultura (Marshall SAHLINS, 1979). Apesar de não afirmar que o mercado 'crie' diferenças ou identidades de maneira direta, o autor nos ajuda a pensar seus efeitos, sobretudo a partir do consumo tomado em seus aspectos simbólicos, no que tange ao reforço e cristalização de diferenças que interferem na produção das categorias classificatórias e, portanto, de identidades sociais.
  • 17
    Isadora Lins FRANÇA, 2006.
  • 18
    FRANÇA, 2006, p. 24.
  • 19
    Edward MACRAE, 2005, p. 292.
  • 20
    FRANÇA, 2006.
  • 21
    FRANÇA, 2006.
  • 22
    Isadora Lins FRANÇA, 2007, p. 236.
  • 23
    Sergio CARRARA e Júlio Assis SIMÕES (2007) apontam, por exemplo, que a sigla GLBT (
    gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais), que, até há alguns anos, era utilizada para nomear o movimento organizado, entrou em diálogo crítico com a GLS, advinda do mercado segmentado, "que re-elaborava a ambigüidade classificatória para ampliar o potencial de inclusão" (CARRARA e SIMÕES, 2007, p. 93).
  • 24
    A esse respeito, consultar Regina FACCHINI (2005).
  • 25
    GREGORI, 2010, p. 77-78.
  • 26
    Mike FEATHERSTONE, 1995.
  • 27
    Júlio Assis SIMÕES, 1995.
  • 28
    GREGORI, 2010, p. 78.
  • 29
    GREGORI, 2010.
  • 30
    Camilo BRAZ, 2012.
  • 31
    Essa questão é também trabalhada por Isadora Lins França, que, em sua pesquisa de doutorado, discute processos de subjetivação mediados pelo consumo entre homens que se relacionam afetivo/sexualmente com outros homens, a partir de diferentes lugares de frequência na cidade de São Paulo (Isadora Lins FRANÇA, 2012). Sobre essa questão no tocante a mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com outras mulheres em São Paulo, ver Regina Facchini (2008).
  • 32
    BRAZ, 2012.
  • 33
    Néstor Garcia CANCLINI, 2010.
  • 34
    Processos que parecem ocorrer em vários contextos, inclusive em outros países latino-americanos, como vem demonstrando a pesquisa de Rodrigo Andres Azócar Gonzalez, no âmbito do PPGAS/UFG, sobre os efeitos políticos e culturais da criação da conhecida boate Pagano, em Valparaíso (Chile).
  • 35
    IBGE, 2014.
  • 36
    Lugares voltados para a chamada 'troca de casais', a princípio, entre heterossexuais. Eles foram estudados na capital goiana por Raphael Moraes da Silveira (2014), no PPGAS/UFG.
  • 37
    GYN é um modo corriqueiro de referir-se a Goiânia. Advém da sigla utilizada para identificar, nos aeroportos, as rotas aéreas que envolvem a capital. Algo similar ocorre com outras cidades brasileiras, como Salvador (SSA), Campinas (CPS), entre outras.
  • 38
    O Bar da Help é majoritariamente frequentado por mulheres que se relacionam afetiva, erótica e sexualmente com outras mulheres. Além dele, há outro espaço, chamado Bar da Lílian, bastante frequentado por esse público. Esse circuito foi estudado por Tanieli de Moraes Guimarães Silva (2012), em sua pesquisa de iniciação científica na FCS/UFG.
  • 39
    Há outros 'cinemões' na cidade, muito embora o trabalho de campo realizado por Matheus Gonçalves França (2012), como parte de sua iniciação científica na FCS/UFG, tenha sinalizado para certa segmentação entre eles a partir de preferências sexuais e marcas de gênero. Assim, há cinemas percebidos como "mais gays" do que outros, pela relativa ausência de travestis, prostitutas e sexo heterossexual.
  • 40
    Uma instigante etnografia sobre esses dois lugares foi realizada por Giórgia de Aquino Neiva (2014), no PPGAS/UFG.
  • 41
    A esse respeito, ver o trabalho de Alexandre Vega (2008), realizado em São Paulo.
  • 42
    Edward MACRAE, 1990 e Júlio Assis SIMÕES e Regina FACCHINI, 2009.
  • 43
    Camilo BRAZ et al., 2013.
  • 44
    Regina FACCHINI, 2009.
  • 45
    Trata-se da investigação
    Movimentos sociais, direitos humanos e cidadania: um estudo sobre o movimento LGBT em Goiás, realizada pelo Ser-Tão, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg). A investigação, coordenada pelos professores Luiz Mello e Camilo Braz, integrou outra mais ampla, intitulada
    Memória da luta em direitos humanos em Goiás, da rede Diversidade, Direitos Humanos e Cidadania.
  • 46
    A esse respeito, ver BRAZ et al (2014).
  • 47
    No mesmo espaço onde funcionou a JUMP, passou a existir, após algum tempo, a boate Total Flex. A empresária responsável pela criação da JUMP assumiu sua direção no início de 2012.
  • 48
    BRAZ, 2012.
  • 49
    Marina CASTAÑEDA, 2006.
  • 50
    Trata-se do bar Chácara 12, conhecido como Feirão do Chope, atualmente sendo estudado por Bruno Hammes (2013) no PPGAS/FG.
  • 51
    Nesse sentido, é de especial interesse buscar analisar as imagens produzidas a partir de
    flyers ou materiais de propaganda desses lugares, a fim de observar o modo como seus/suas clientes são idealizados/as, acionando muitas vezes tais marcadores sociais de diferença. Esse foi o foco de Katianne de Souza Almeida (2012).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2014
    • Recebido
      09 Fev 2013
    • Revisado
      12 Jun 2013
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